Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Sessenta Dias em Revista

 

 

 

 

 

Revista de Cultura Católica "Vozes de Petrópolis", julho/agosto de 1956, vol. 14, fascículo, 4, págs. 452 a 454

  Bookmark and Share

Como era de prever, a manobra distensiva dos soviéticos está repercutindo intensamente no mundo ocidental. E, sendo confusa a situação que tal manobra criou na Rússia, confusas ou contraditórias são as reações que ela vem despertando entre os povos livres.

Há os que admitem que as grandes transformações noticiadas pelos órgãos soviéticos sejam autênticas, e esperam que o regime comunista entre numa fase de liberalidade e cordura capaz de trazer as três conseqüências que reputam essenciais: liberdade religiosa, liberdade política, eleições honestas. Uma ordem de coisas baseada nesta tripeça se lhes afigura necessariamente pacifista. Em conseqüência, estão certos de que, realizadas suas esperanças, o perigo da guerra estará definitivamente afastado.

Mas há também os céticos, que começam por contestar que a distensão soviética, mesmo quando autêntica na ordem interna, houvesse de produzir na ordem internacional os efeitos imaginados. Como afirmar que toda a democracia autêntica é necessariamente pacifista - argumentam - quando o maior imperialismo da História se estendeu sobre a terra na época áurea da democracia, isto é, o século XIX, e a potência imperialista foi precisamente a democracia-tipo do século, isto é, a Inglaterra? Ademais, acrescentam, o que a humanidade tem o direito de exigir da Rússia não é somente uma atitude pacífica nas relações internacionais, mas uma renúncia honesta e definitiva a qualquer desígnio de expansão comunista fora de suas fronteiras. Ora, até o momento presente nenhuma palavra foi dita pelos russos, que envolvesse neste sentido uma promessa, ou pelo menos uma insinuação. Se esta promessa tivesse sido enunciada, seria o caso de duvidar dela, porque o proselitismo é da própria essência da ideologia comunista. Assim, todo o otimismo que as «transformações» internas na Rússia suscitaram em certos círculos é baseado em meras esperanças, inverossímeis e incompletas... E estas esperanças, por sua vez, no que se baseiam elas mesmas? Numa mudança de atitude do governo soviético em face do estalinismo. Ora, até que ponto esta mudança é autêntica, até que ponto é uma farsa? Até que ponto, por exemplo, a influência de dois notórios estalinistas como Malenkov e Molotov está de fato eliminada? Não continuam eles a participar do governo? Na aparência, são hoje ministros-fantasmas, sem influência real. Mas do que valem as aparências, em matéria de política soviética, sobretudo quando se trata de aparências ambíguas e bivalentes como esta?

E assim as opiniões se fracionaram quase ao infinito nos arraiais anti-soviéticos.

* * *

Mas esta diversidade de opiniões existe sobretudo entre os políticos e os elementos que constituem o público esclarecido, capaz de analisar e discutir as notícias dos jornais. O «homem da rua», pelo contrário, teve uma atitude muito homogênea, toda feita de fraquezas e contradições. Ele acredita. E por isto mesmo julga menos provável uma agressão russa, e uma expansão imediata e à mão armada, do comunismo.

Ora, esta psicologia se definiu no homem da rua precisamente no momento em que, em muitos países, certos erros da política norte-americana, reais alguns, inventados ou exagerados pela propaganda outros, indispunham contra os Estados Unidos massas humanas inteiras, na Europa, na Ásia e na África.

Considerando reduzida a iminência do perigo russo, o homem da rua do Ceilão, do Egito, ou de Londres começou a desejar imediatamente de seu governo uma atitude enérgica em relação aos Estados Unidos. Mas estes são muito fortes para que qualquer nação lhes resista sem o apoio de outras. De onde a formação de blocos internacionais que, manifestando-se mais independentes dos Estados Unidos do que o eram até há pouco as nações que os compõem, entretanto proclamam não querer colocar-se sob a influência russa. Esses blocos formam pois uma «terceira força» entre russos e americanos. Nesta posição sempre esteve a Índia. Parece que as últimas eleições colocarão na mesma linha o Japão. O mundo árabe, da Indonésia ao Marrocos, toma a mesma atitude. Mais recentemente, a «Commonwealth» Britânica também se pôs nitidamente nesta posição. A Inglaterra tende cada vez mais para o papel de fiel da balança entre Oriente e Ocidente. Não é difícil prever que a França se associe a este logo, desgostosa como está com a influência dos americanos nos movimentos emancipacionistas do norte da África. Há indícios de que na América Latina um fenômeno análogo venha a ocorrer. Em suma, a nota dominante do momento é o isolamento internacional dos Estados Unidos.

* * *

Como é natural, este fato não passa despercebido aos norte-americanos. Desalentados com a inutilidade dos milhões que têm prodigalizado por todo o mundo para ter aliados, muitos americanos pensam em abandonar à sua sorte os demais povos, consumindo sua riqueza em armar-se até os dentes. Muito expressiva deste fato é a atitude da Câmara dos Representantes, reduzindo enormemente a verba dada como auxilio ao estrangeiro. Não sabemos se o Senado ratificará esta redução formalmente desaconselhada por Dulles e Eisenhower. Mas, se o fizer, a redução das verbas diminuirá ainda mais a influência internacional da América do Norte e aumentará o seu isolamento.

* * *

Ao mesmo tempo que estes fatos ocorrem, algumas transformações sintomáticas e profundas se vão dando não só no mundo árabe, como de modo geral na Ásia e na África. De início, os movimentos anti-colonialistas timbravam em manifestar um caráter meramente político, evitando qualquer atitude que pudesse parecer anticristã, ou mais especificamente anticatólica. Por sua vez, as autoridades eclesiásticas evitaram fazer causa comum com as potências colonialistas. Infelizmente isto vai deixando de ser assim.

No Ceilão, lideres pagãos publicaram um apelo para que se fizesse uma guerra santa contra Goa, e fosse «recuperado» o corpo de São Francisco Xavier, o qual não era católico, mas gentio!

No Egito, uma lei tornou obrigatório o ensino da religião maometana nos colégios particulares católicos.

Na Tunísia, trata-se de remover de uma praça central da Capital a estátua do Cardeal Lavigerie, símbolo do esforço missionário na África do Norte. A razão alegada para tal atitude é que um Estado maometano não pode reconhecer a benemerência da obra missionária.

A Liga Árabe vai tomando cada vez mais o caráter de uma vasta federação muçulmana.

Os Bispos da Nigéria baixaram uma declaração coletiva contra a intervenção excessiva do Estado no ensino particular.

E ao par deste progresso religioso do paganismo, registra-se em favor deste um progresso social. Na Ásia e na África o socialismo invade todos os países, com seus monopólios e suas reformas agrárias características.

* * *

Reduzindo o panorama a suas linhas mais simples, pode-se dizer que tudo corre muito bem... para o comunismo.

Nota: Os negritos são deste site.


ROI campagne pubblicitarie