Plinio Corrêa de Oliveira
Repouso autêntico
O Jornal, 29 de outubro de 1935 |
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Nada é mais difícil, para o homem contemporâneo, do que repousar, e sobretudo repousar bem. Há quem suponha que o cinema, o teatro, o esporte, sejam ótimos meios de repousar. No entanto, repouso significa, antes de tudo, distensão do espírito. E todas as diversões modernas tendem constantemente a provocar em nós uma excitação, que será tanto maior quanto mais réussie [bem sucedida, n.d.c.] estiver a diversão. O homem moderno não sabe mais distrair-se sem excitar-se. Ora, não é possível conciliar o repouso com a excitação. E por isto as existências em nossos dias se consomem precocemente no contato eletrizante com nossa civilização irrequieta. Por sua natureza, o esporte seria um excelente meio de repouso para a inteligência. Mas, a mania das competições atléticas transformou-o em passa-tempo excitante, em que a ânsia de vencer recordes inúteis agita febrilmente os atletas e os espectadores. O mesmo se dá com o cinema. Tome-se como exemplo um filme qualquer. Para agradar, precisa excitar. Em primeiro lugar, deve exacerbar a sensualidade com cenas ditas livres. Em segundo lugar, a ação deve decorrer em um ambiente impressionante pelo deslumbramento de um luxo excessivo, ou pelo horror de uma miséria completa. Os ambientes pequeno burgueses, em que a vida medíocre é a regra, são os piores para o êxito de um filme. Finalmente o enredo precisa apresentar aos espectadores sensações novas, situações complicadas em que a curiosidade se esforça inutilmente por adivinhar o desfecho que deve saltar, imprevisto, dos acontecimentos do drama, sob pena de deixar indiferente a assistência. Ora, não é possível admitir-se como meio de repouso um gênero de divertimentos como estes, que esgotam, em lugar de refazer, que excitam, em lugar de repousar, e que exaltam, em lugar de acalmar. Em um ambiente como o nosso, em que até os lares já foram invadidos pelo rádio, com suas músicas fatigantes e agitadas, a leitura de um livro ameno e repousante dá-nos agradável impressão de alguém que saísse de um aposento saturado de perfumes penetrantes e fortes, para respirar, a plenos pulmões, o ar sadio dos campos. Foi o que senti ao ler os contos e narrativas que sob o título de "Flores Agrestes" publicou Conceição Ferraz, escritora paulista. Seu livro não tem cenas de amor e nem doutrinas massudas sobre sociologia, o que, nos dias que correm, já é grande mérito. Escrito com singeleza, exala-se de suas páginas um frescor reconfortante, e da alegria matinal que se desprende de algumas cenas que descreve, se irradia sobre nós a alegria daqueles sorrisos tranqüilos, cujo segredo nossa época perdeu. Destaquemos apenas uma de suas narrativas, a título de exemplo. Ela nos descreve, com graça, o mundo nos seus primeiros dias. Tudo respira com viço e saúde em torno de nós. Plantas e animais saídos há pouco das mãos de Deus, começam apenas a sentir as primeiras palpitações da vida. "À semelhança de confetes que se atira para o alto, miríades de insetos", começam apenas a voar à luz do sol. Os primeiros animais ostentam, cada um, uma beleza própria. Um se destaca pela delicadeza, outro pela majestade, outro, enfim, pela agilidade. Acima de todos eles, Deus colocou o homem, senhor do mundo que ele percorre extasiado, a admirar a excelência de tudo quanto vê em torno de si. A beleza que o cerca empolga sua alma. Do alto de um outeiro, consegue contemplar, em um só golpe de vista, longa e apaixonadamente, todo um panorama de maravilhas. A emoção sobe-lhe, com o sangue, ao cérebro e ao coração. E sua admiração dita a seus lábios uma ação de graças que dirige, genuflexo, ao Criador. E o pano do palco desce, por assim dizer, sobre este primeiro quadro, do homem que transforma sua primeira emoção artística na sua primeira ação de graças, como um aparelho que transforma energia em luz." Se, em lugar de ter um fundo bíblico, esta narrativa tivesse origem chinesa ou hindu, embora isto não lhe alterasse sequer uma vírgula, que originalidade, que frescor, que beleza lhe achariam todos? Neste simples quadro, que é um exemplo entre vários outros, do valor da obra, há muito mais do que uma mera preocupação literária. Conceição Ferraz soube reunir em suas narrativas o útil ao agradável. E, enquanto nos distrai, mal percebemos que ela nos faz pensar. Na narrativa que mencionamos, por exemplo, há uma verdade profunda que salta, sem esforço, aos olhos de quem lê; a verdadeira arte não afasta, mas conduz a Deus a alma; e a verdadeira piedade não fecha, mas abre a alma aos encantos da verdadeira arte (exclusão feita, portanto, da arte que não é verdadeira, e de que é expressão característica o shimmy tocado por um jazz-band). E assim, em todos os contos e narrativas, há uma verdade útil, exposta com suavidade e proveito e que o leitor assimila sem esforço, ao correr das frases fáceis e delicadas da autora. Ademais, ele se caracteriza por uma irrepreensível correção de doutrina, autenticada pela aprovação eclesiástica, que tantos escritores omitem, e por um belo "selo de fé" que é um testemunho eloqüente do grande senso católico da autora. Não apenas aos adultos, mas também às crianças de certo desenvolvimento, recomendamos as "Flores Agrestes" que substituirão com proveito as lendas e narrativas paganizantes, cheias de bruxarias insípidas de Papai Noel de importação, ou de um certo vovô índio, que se lhe quer substituir em um acesso de jacobinismo paganisante censurável. Nota: Os negritos são deste site. |