O Jornal, Rio de Janeiro, 27 de abril de 1935
Um "torcedor da Igreja"
"Sou um torcedor da Igreja". Esta frase que Antônio de Alcântara Machado escreveu em uma carta dirigida a Tristão de Athayde pouco antes da convocação da Constituinte Federal, exprime claramente a posição do jovem e brilhante intelectual paulista, perante as lutas que os católicos iriam enfrentar pela recristianização de nossas instituições políticas.
Quando cheguei ao Rio para participar dos trabalhos parlamentares que então se abriam, Tristão de Athayde contou-me a declaração de simpatia à Igreja feita por Antônio. E, nas lides da Chapa Única, tive uma confirmação cotidiana da sinceridade de sua "torcida".
Foi com um tato de que só seria capaz um homem inteligente e bien né que Antônio exerceu suas funções de secretário da bancada paulista.
Nunca lhe ocorreu de intervir indiscretamente nas discussões travadas na secretaria da bancada, entre deputados, para a elaboração das emendas, embora fosse ele senhor de conhecimentos que lhe permitiriam expender em muitas circunstâncias as mais oportunas considerações.
É que ele era por demais bien né para sair, por um momento que fosse, do terreno da mais correta discrição.
Porém, inteligente como era, ele nunca poderia ser e nunca foi um mero burocrata confinado na estreita banalidade dos afazeres de secretaria.
Na realidade, pela sua constante e eficiente pesquisa dos dados técnicos necessários aos trabalhos da bancada, pela rara felicidade com que serviu de agente de ligação com a imprensa, havendo-se nisto com insuperável elegância e diplomacia, pela suas excelentes relações nas mais altas esferas intelectuais, políticas e sociais do Rio, ele foi para a bancada um auxiliar ideal que captou a amizade de todos nós que a una voce, o aclamávamos o "deputado número 23".
Na excelente posição estratégica que Antônio ocupava, "torceu" eficientemente pela Igreja. Nem uma única vez deixou de me prestar dentro de sua larga esfera de ação o apoio necessário. E quando as discussões em torno do problema religioso entre deputados se acaloravam, embora não participasse ele do debate, acompanhava-me sempre com um olhar quente de simpatia e de solidariedade.
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Qual o molejo psicológico, ao mesmo tempo sutil e forte, que prendia ao velho tronco da Igreja este jovem e moderníssimo rebento de Piratininga?
Eis aí uma interrogação que eu me fazia com curiosidade. A resposta me veio, finalmente, em uma longa e íntima palestra que tivemos e em que ele me deu a conhecer amplamente seu pensamento a este respeito.
Não versou nossa palestra, senão acidentalmente, sobre problemas religiosos. Conversamos apenas sobre São Paulo, as suas velhas famílias e as suas grandes tradições. Mas verifiquei, então, com uma segurança absoluta que, além dos motivos de razão que sua inteligência haveria de ter provavelmente pesado, Antônio se sentia preso à Igreja por todas as raízes de seu paulistanismo de 400 anos, por seu entranhado amor a toda aquela tradição do São Paulo antigo, a que o prendiam suas mais íntimas fibras psicológicas e que ele soube representar tão galhardamente na sua bela carreira.
Ele sentiu perfeitamente que o amor às tradições de São Paulo é inseparável do amor à Igreja, porque o espírito de Fé dos velhos paulistas foi a fonte de seu heroísmo, e o segredo de sua energia, que ele é o laço fortíssimo que assegura a unidade de nossa obra através dos séculos, conservando a identidade de nossa mentalidade, a inteireza de nossa força, a energia de nosso caráter, a despeito das variações dos ambientes impostas pelo cosmopolitismo e pelo progresso.
E por isto ele torceu pela Igreja com um coração de crente, sim, mas também com toda a paixão de seu coração de paulista.
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A Providência o recompensou. Não quis Ela separar, às portas da morte, o amor à Terra e o amor à Igreja, que haviam ardido juntos em seu coração. E foi de um paulista ilustre, foi das mãos augustas do mais alto dignatário da Igreja no Brasil que ele recebeu a suprema visita do Corpo do Senhor.
Nas preces litúrgicas que lhe embalavam a agonia e lhe abriam o caminho para o Céu falava a Igreja através das fórmulas invariáveis das ladainhas, e falava São Paulo no acento paulista pausado e grave do Príncipe da Igreja que as recitava.
A Providência atendeu, assim, misericordiosa, na pessoa do filho as preces do pai que desejava "...morrer ouvindo a voz bendita dos pausados rezares paulistanos".