"O Jornal", 25 de janeiro de 1935 – "Diário de S. Paulo", 26 de janeiro 1935
Erro imperdoável
Foi apresentado à Câmara dos Deputados um projeto de lei que propõe o reatamento de nossas relações diplomáticas com a Rússia Soviética. É mais uma tentativa que se faz no sentido de uma aproximação soviético-brasileira. Esperamos que o bom senso de nossa gente nos livre, ainda desta vez, de um erro diplomático que, sobre ser de problemática vantagem comercial, acarretará certamente, para o Brasil, funestíssimos prejuízos de ordem interna.
É flagrante a inoportunidade da medida proposta. Ainda está quente o sangue vertido no largo da Sé em São Paulo, em Bauru, em Itajubá, por defensores da ordem golpeados, no cumprimento do dever, por agitadores comunistas. Não é um distúrbio isolado, mas são três conflitos gravíssimos, que vêm manifestar a intensidade de uma propaganda que já mostra suas garras até no interior do País, em plena roça de São Paulo e de Minas. E não é só nestes três lugares que a propaganda soviética estende seus tentáculos. Informações que nos vêm de toda a parte provam que é de norte a sul que se trabalha e se conspira contra a ordem social, procurando aproveitar as dificuldades financeiras do momento presente, como pretexto para greves e agitações em que se percebe facilmente a ação do levedo de Moscou. É ainda recentíssimo o caso dos Correios, em que funcionários indisciplinados, alegando motivos parcialmente justos, tiveram a inconcebível audácia de se pôr em greve contra o próprio Estado, rugindo em todos os tons sua indignação, a despeito da intervenção tímida e conciliatória das autoridades.
O que há de perigoso e de prejudicial em tais perturbações, exatamente no momento em que o Brasil procura normalizar sua vida constitucional, refazendo-se dos abalos de quatro anos de regime discricionário, qualquer pessoa de bom senso mediano poderá dizê-lo.
Estamos em situação econômica precária. Os erros acumulados de há muito estão fazendo explodir agora suas conseqüências funestas e numerosas. Ainda há dias, vimo-nos forçados – sabe Deus com que prejuízo para nosso renome – a suspender em parte, os pagamentos de nossa dívida externa. Nossa situação financeira é das mais melindrosas. Nossa situação política está longe de ser tranqüilizadora. Como qualquer doente, o Brasil precisa, para se restabelecer, de um ambiente calmo, em que se possam desenvolver livremente as atividades produtoras do nosso corpo social. A propaganda extremista que se infiltra entre nós, favorecida por uma Constituição exageradamente liberal, constitui, sob este aspecto, um perigo particularmente digno de medidas acautelatórias.
E é precisamente agora, que se cogita de reatar as relações comerciais... com a potência que, por intermédio de agentes largamente remunerados, vem soprar entre nós o vento mortal da discórdia de classes!
Não acreditamos, porém, que a Câmara dos Deputados aprove o projeto. Depois de ter construído o edifício constitucional, irá nosso Legislativo, com suas próprias mãos, abrir as portas aos semeadores de dinamite, que desejam fazê-lo saltar? Seria a maior das incoerências. Há, na Câmara atual, uma grande corrente de defensores de nossas tradições e de nossa terra, que se oporia irredutivelmente à aprovação do projeto. Entre os próprios auxiliares do Sr. Getúlio Vargas, são numerosos os defensores decididos de nossa ordem social, e há mesmo alguns que são católicos declarados. O momento exige que todos estes elementos se ponham a campo. Não é crível que tanta gente que manifesta boas intenções se deixe seduzir pela miragem da venda de alguns quilos de café ou de açúcar à Rússia!