"O Século", 17 de abril de 1932
O Apelo dos Católicos
Foi divulgado, pela imprensa da capital e do Rio, um vibrante manifesto que personalidades do maior destaque em nossos círculos políticos sociais dirigiram à população paulista.
Elevado na conceituação e brilhante na forma, não poderia o referido apelo deixar de ter larga repercussão em todos os meios sociais.
Sua idéia central é o dever em que estão os católicos, de se ligarem em uma union sacrée indissolúvel, sempre que se trate da defesa dos ideais católicos, que formaram nossa nacionalidade no seu nascedouro, e que hão de conduzi-la aos gloriosos destinos que lhe assinala a Providência.
O critério que presidiu à escolha dos signatários do apelo foi o mais elevado e prudente.
Querendo acentuar nitidamente a absoluta neutralidade política, que norteou sempre os organizadores do manifesto, resolveram estes convidar elementos representativos de todas as correntes políticas que atualmente lutam por orientar os negócios públicos em S. Paulo. O melhor meio de garantir a neutralidade política consiste exatamente em obter a adesão de elementos de todos os grupos, o que mostra que o manifesto não tem em vista favorecer esta ou aquela corrente, mas tão somente a Pátria, por cuja felicidade todas as correntes devem lutar.
E, trazendo a esta neutralidade uma autenticação ainda mais segura, figuram também, entre os signatários, elementos de larga projeção social, mas notoriamente alheios às lutas da vida pública.
Só o êxito de ter conseguido congregar em torno de princípios fundamentais elementos os mais antagônicos no terreno das pugnas partidárias constitui um triunfo, pelo qual os signatários do manifesto devem dar graças ao Céu.
Efetivamente, dois dos grandes males que até hoje nos têm infelicitado recebem, por parte do apelo, uma bem sucedida tentativa de solução, altamente interessante para os estudiosos das questões nacionais.
Vamos primeiramente ao alto significado da convergência doutrinária de elementos que foram, são e sempre serão adversários políticos resolutamente irreconciliáveis.
Nenhuma crise atravessou o Brasil, tão grave e tão profunda quanto a que presentemente nos assoberba.
As comoções da Independência, a luta pela deposição de D. Pedro I, as convulsões da Regência, a laboriosa gestação da abolição e a queda precipitada e inesperada do segundo Império, por maiores que tenham sido os abalos que causaram, foram lutas que se desferiram em um campo de ação sempre restrito a um certo número de problemas que pediam solução, ou de princípios que eram postos em cheque. Mas, enquanto se introduzia o conflito nestes terrenos ou em relação àqueles princípios, continuavam intactos os demais alicerces de nossa nacionalidade.
Pelo contrário, a característica da crise atual está justamente em que todos os princípios básicos de nosso País, todas as suas instituições e seus hábitos estão sendo sujeitos simultaneamente à prova de intermináveis e imprudentes discussões, onde raramente o idealismo e o bom senso abafam a voz das paixões.
Ora, parece absolutamente evidente que um edifício que vacila sobre todos os seus fundamentos está bem próximo da ruína...
Nestas condições, é realmente confortador que elementos de real prestígio e influência em nossa vida política e social se comprometam a saltar por sobre as barreiras partidárias, para acorrer em defesa da Igreja, sempre que esta for alvejada na integridade de sua doutrina, ou no respeito devido a seus sagrados interesses.
Para apreciar devidamente esta vantagem, coloquemo-nos em um ponto de vista que poderíamos chamar rigorosamente leigo.
Objetivamente considerado, independentemente de qualquer opinião sobre a verdade ou inverdade de suas bases filosóficas ou religiosas, o Catolicismo é um corpo de doutrinas extensissimo, que conduz o raio de ação de seus princípios a quase todos os terrenos em que entra em jogo a atividade humana.
Estes princípios, nitidamente definidos e perfeitamente concatenados entre si, constituem um sistema harmonioso (bom ou mau, não nos interessa no momento), capaz de, quando aplicado, ocasionar a formação de um regime absolutamente estável.
Ora, a História e a observação de nossa realidade contemporânea nos ensinam que tais princípios constituem o arcabouço do Brasil, arcabouço magnífico, que o sustentou nas fases difíceis de seu crescimento, e que tem comportado com esplêndida galhardia todas as transformações oriundas de seu inevitável progresso.
Nestas condições, fortificar estes princípios, colocando-os como um pendão sagrado, acima das lutas dos partidos ou do sibilar das balas é garantir a estabilidade do País, diminuindo grandemente a repercussão funesta, sobre seu organismo combalido pela luta, dos golpes que mutuamente se desferem os contendores de nossas atuais lutas políticas.
Qual seja a vantagem desta atitude para nosso futuro, sua larga e benéfica projeção sobre muitos séculos de nossa história, eis o que não é necessário encarecer.
Mais uma vez, é a Igreja que começa a salvar o Brasil.