"O Século", domingo, 20 de março de 1932
A Nota da Semana
É curioso o concerto de elogios, partido de todos os arraiais anticatólicos, desde o ateísmo até o protestantismo passando pelo positivismo, que se ergue agora em honra do ex-interventor, Cel. Rabello.
Tais elogios, ditados evidentemente pelo sectarismo anticatólico, encontram sua expressão mais significativa na entrevista concedida pelo Sr. Maurício Cardoso, e em um artigo do Sr. João Ribeiro, no "Estado de S. Paulo", de 4ª feira p.p.
Exaltam ambos a "tolerância" do ex-interventor positivista. Ora esta tolerância, que, por razões provavelmente políticas, se manifestou em relação às competições partidárias, faltou inteiramente ao ex-interventor, no tocante ao problema religioso.
E estranhamos apenas que a "formação jurídica" do espírito do Sr. Maurício Cardoso não tenha levado S. Exa. a censurar a intolerância intratável do decreto positivista com que o Cel. Rabello revogou o ensino religioso, exorbitando de seus poderes de Interventor, e insurgindo-se, assim, muito injuridicamente, contra uma das poucas normas constitucionais, conservadas pela Revolução, de que ainda restam vestígios entre nós.
O Sr. João Ribeiro, por sua vez, depois de tecer comentários elogiosos à "tolerância" do ex-interventor, atribui a manifesta impopularidade em que este caiu ao ato "humanitário" com que aboliu a regulamentação da mendicância.
S. S. parece ignorar que a impopularidade do decreto não proveio do cunho humanitário que procurava ostentar, mas do indisfarçável ridículo de seus numerosos "considerando". Tal decreto, que foi transcrito na íntegra, e sem comentários, pela "Manhã", do Rio de Janeiro, valeu ao ex-interventor sua inclusão imediata no quadro de colaboradores do espirituoso periódico de Apporely. O Cel. Rabello absolutamente não foi, portanto, uma vítima inocente de seu humanitarismo que teria chocado os corações maldosos, mas o alvo de um ridículo merecido com que a opinião pública punha sua incompetência para o exercício das funções a que o guindara o acaso dos sucessos políticos.
Aliás, não foi somente em relação à mendicância, que tal incompetência se manifestou. Não compreendemos, por exemplo, como poderia um governo esclarecido restaurar a ridícula saudação "saúde e fraternidade", tradução errônea do "salut et fraternité" francês, cujo significado real é em bom português "saudação e fraternidade". Este deplorável erro de tradução, que acarretaria, para um ginasiano, uma reprovação implacável, encontrou, graças ao republicanismo rubro do ex-interventor, acolhida em nossos documentos oficiais.
É interessante que, em seu artigo afirma o Sr. Ribeiro que o ex-interventor não tem espírito sectário, pois que adota o livre-pensamento.
Ao que suponho, o Sr. João Ribeiro também é livre-pensador. Ora S. S. incorre em evidente sectarismo, quando entende que, para não ter espírito sectário, é necessário pensar como S. S. Já por aí pode o ilustre escritor verificar que também o livre pensamento produz alguns "espíritos sectários" dos quais S. S. é um.
Aliás, é ainda mais manifesto o espírito sectário de S. S. quando, no "in Memoriam" de Jackson de Figueiredo (Edição do Centro D. Vital, pág. 274) declara francamente que esperava vê-lo (Jackson) com o correr dos anos desenganado, envelhecido e descrente de seus esforços.
Eis aí uma esperança que trai um sectarismo inclemente. E é bem inútil tecer loas ao humanitarismo do Cel. Rabello, quando se deseja ver os adversários mergulhados na mais profunda aflição espiritual.
Quem sentiu, jamais, soprar sobre a alma um ardente ideal, quem se deixou empolgar, alguma vez, de todo o coração e de toda a alma, por uma grande aspiração doutrinária, quem já se entregou, ainda que por pouco tempo, à luta constante por uma idéia, não pode desejar a alguém maior desventura, do que o tremendo anoitecer do espírito, que se produz com o murchar das ilusões, com a extinção total da chama de todo o idealismo mergulhando a pessoa no "desengano" e na "descrença de seus esforços" que encheram toda uma vida, e isto principalmente quando a velhice, com seu progresso inexorável, repete ao homem, a cada instante, seu sinistro memento homo.
Militamos em campo religioso inteiramente oposto ao de S. S. Desejaríamos certamente que, em sua inteligência privilegiada, se substituísse às suas atuais idéias filosóficas a chama brilhante do ideal da Fé.
Desejamos, é certo, de todo o coração que, no espírito de S. S., a um ideal que reputamos falso, suceda um ideal verdadeiro.
Nunca quereríamos, porém, que em seu espírito se apagasse todo e qualquer idealismo, puro e elevado, entregando sua alma, desamparada de qualquer proteção espiritual, à amargura íntima do ceticismo.
Por esta razão, reputamos inconcebivelmente sectário, tremendamente intolerante, o desejo que o espírito "livre-pensador" de S. S. formulou em relação a Jackson de Figueiredo.
Medico, cura te ipsum, deveríamos dizer a S. S., quando, no seu sectarismo, nos julga sectários simplesmente por sermos católicos, e absolve in limine o Cel. Rabello, simplesmente por ser da seita de S. S.