Plinio Corrêa de Oliveira

 

O reatamento das relações diplomáticas entre o Brasil e a Rússia (*)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"O Estado de S. Paulo", 26 de julho de 1931

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Circula com bastante insistência a notícia de que elementos profundamente ligados a nossas classes conservadoras, por uma aberração difícil de explicar, pleiteiam nos bastidores do cenário político o reatamento de nossas relações diplomáticas com a Rússia.

Os argumentos invocados em favor de tal medida repousam sobre bases eminentemente comerciais. As vantagens que a Rússia poderia oferecer, como escoadouro para nossa produção de café, o proveito que nos adviria da importação da gasolina e do trigo da Rússia, são as miragens com que se procura, agora, iludir a proverbial boa-fé do povo brasileiro.

Embora se queira atribuir ao reatamento de nossas relações diplomáticas com a Rússia um cunho estritamente comercial, suas consequências no terreno doutrinário e político a nenhum observador sensato podem passar desapercebidas.

Examinemos primeiramente o aspecto doutrinário. Se considerarmos o comunismo uma organização social ilegítima, baseada na supressão de direitos inalienáveis do homem, como sejam a liberdade e a propriedade, devemos ver nos produtos fornecidos pelo Estado russo um mero fruto de extorsões e pilhagens injustificáveis. Permutar tais produtos por nosso café é, pois, dentro da moral atualmente reinante, negociar com objetos ilicitamente subtraídos a seus proprietários. É operar transações que nossas próprias leis privadas proscrevem, como sejam os contratos com os possuidores de coisas indebitamente apropriadas.

Se o Brasil não quiser aceitar esta situação humilhante, deve reconhecer a legitimidade do poderio exercido pela Rússia sobre os bens extorquidos aos particulares. Será o reconhecimento da legitimidade do comunismo, que, de doutrina ilícita, passará a simples doutrina inconveniente. Será privar o atual estado de coisas do anteparo de uma tradição moral milenar, para atirá-lo na arena das discussões econômicas, onde tão facilmente podem ser iludidas as massas por agitadores que, ao mesmo tempo que lhes burlam o raciocínio frágil, lhes favorecem o surto de paixões inconfessáveis!

Por outro lado, a experiência tem demonstrado que todos os agentes diplomáticos do governo comunista são conspiradores inveterados, que se prevalecem das imunidades diplomáticas, para mais facilmente subverter a ordem social dos países junto aos quais estão acreditados. É este o caso do embaixador russo junto à França, que o governo francês teve de expulsar, por ter apurado que ele havia transformado a legação russa em Paris, em foco de agitações comunistas no exército francês. Foi este o caso da embaixada russa junto à corte de Jorge V, que foi suprimida pelo governo Baldwin depois do varejamento da Associação Comercial Arcos, em que se haviam colhido as provas de que o embaixador soviético era o chefe de um vasto plano revolucionário que se estendia por todas as colônias do Império Britânico. São estes casos notórios, e nos jornais da época em que se deram ocuparam colunas inteiras. Nada é, portanto, mais fácil, do que consultar a este respeito as coleções de nossos jornais, correspondentes àqueles anos.

Vamos agora à documentação que os próprios soviets nos fornecem.

No "Pravda" do dia 15/9/1927 (jornal oficial russo) Stalin declarou que é o partido comunista russo que dirige o governo soviético. Ora, este partido é uma mera seção da III Internacional, que procura incendiar o mundo com as labaredas que devoram a Rússia. Daí se infere que, praticamente, é a III Internacional que governa a Rússia. Seria, pois, de espantar que toda a diplomacia russa não fosse orientada segundo o desejo constante de fazer da Rússia um mero ponto de apoio da revolução proletária mundial.

Eis, aliás, o que declarou Bukharin [1888-1938], no "Pravda" de 10/1/1926: "Havemos de responder negativamente à pergunta sobre se há de ser eterna a revolução mundial, porquanto nós, caudilhos do proletariado e do socialismo, não podemos existir sem um fim a cumprir. Somos ainda fracos. Temos inimigos como os Estados Unidos e a Inglaterra. É evidente que algum dia explodirá um conflito inevitável. Se a revolução mundial não nos ajudar, pereceremos. Se ainda vivemos e temos vigor é graças aos esforços das classes operárias de todos os países, que estorvam as suas burguesias de dar cabo de nós... Nosso caminho não é, não pode ser outro senão o da revolução mundial” (Revista "Sal Terrae", abril 1931).

No seu número de 9/9 de 1915, o “Pravda” declara: “A natureza mundial do nosso programa não é palavrório oco, mas sim realidade que tudo abarca e imerge no sangue. Nosso fim último é o comunismo universal, nossas precauções para a luta tendem a uma revolução mundial, a estabelecer a ditadura proletária mundial. Nosso programa visa, abertamente, o mundo burguês, mortífero guante" (idem).

Vemos aí a confissão do réu. Por toda a parte, têm as legações russas sido introduzidas a título de representações meramente comerciais. Por toda a parte, porém, não tardou a fervilhar a luta social, convulsionando os povos que as relações com a Rússia deveriam beneficiar.

E as declarações abertas dos próceres do comunismo nem tentam, sequer, ocultar esta situação comprometedora.

Devemos esperar de nossas classes conservadoras mais esta forma inesperada e triste de suicídio?

X.

Nota: Anotação manuscrita do Autor, na cópia do artigo que guardou consigo: "Escripto por mim, com o pseudônimo “X”. Publicado na Secção Livre”.


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