O Século, 14 de agosto de 1932

A Nota da Semana

Tem sido objeto de certos reparos o fato de prestarem elementos católicos, em caráter particular, o mais decidido apoio às forças constitucionalistas que se levantaram contra o governo do Sr. Getúlio Vargas.

A Igreja, que é e se proclama o mais firme esteio do princípio de autoridade no mundo, é o último e inexpugnável baluarte da ordem, nesta época entregue absolutamente à anarquia e à demagogia. O Catolicismo é, portanto, e por definição, o inimigo sistemático e irredutível do espírito de revolução e de indisciplina.

Espanta, portanto, a muitos, o ver a solidariedade emprestada por inúmeros elementos católicos à revolução constitucionalista.

Quem escreve estas linhas não tem a pretensão, e nem mesmo a autoridade necessária, para tratar de uma tal questão. À Hierarquia eclesiástica, superiormente esclarecida pelo Espírito Santo, incumbe de modo exclusivo - a nosso ver - a tarefa de dar solução a esta questão, quando para tal solicitada pelos fiéis que, individualmente, lhe forem pedir esclarecimentos e conselhos.

De nossa parte, o que podemos afirmar é que a Igreja, nesta emergência como em outras muito mais graves, continua a se opor decididamente a qualquer atentado dirigido contra o princípio da autoridade.

Mas, uma vez posto isto, não seria ocioso perguntarmos, em uma simples causerie com os leitores, e sem o desejo de doutrinar ou de estabelecer princípios em nome de quem quer que seja, se São Paulo atenta agora contra o princípio de autoridade.

Cumpre, a este respeito, salientar que o Governo Provisório, e os delegados de confiança que enviou a São Paulo, nunca tiveram a preocupação de exercer o poder em nome da autoridade pública do Brasil. Excetuam-se, é claro, os Drs. Laudo de Camargo e Pedro de Toledo.

Os atos governamentais, as medidas administrativas, a própria linguagem usada nos decretos e comunicados oficiais, não eram inspirados e promulgados em nome da autoridade própria aos que regem o povo brasileiro, mas em nome de uma ideologia esquerdista e esotérica, designada como espírito revolucionário.

Segundo a ideologia do Club 3 de Outubro, o Governo não estava nas mãos do Sr. Getúlio Vargas senão para servir à revolução em marcha. Não era outra coisa senão um instrumento nas mãos do espírito revolucionário, uma arma formidável posta nas mãos da anarquia e da desordem em virtude de um assalto ao poder, para formar um Brasil novo, em que se cristalizassem integralmente as formas mais ousadas da demagogia socialista ou mesmo comunista.

O governo do Sr. Getúlio Vargas não era o órgão da Nação, encarregado de assegurar a ordem e a estabilidade, mas a Revolução com "R" maiúsculo, em estado permanente, incumbida de esmagar o Brasil, para mais facilmente o colocar nos moldes leninistas tão caros ao Club 3 de Outubro.

Assim é que, por uma antítese odiosa, o Brasil teve de aturar por 18 meses um Governo Revolucionário, apoiado em uma Delegacia Revolucionária de Ordem Política e Social, expressões cuja justaposição depõe simultaneamente contra a cultura nacional e contra o nosso senso jurídico, pois que Governo e Delegacia de Ordem Política e Social são expressões essencialmente inadaptáveis ao adjetivo revolucionário.

Governo e revolucionário são palavras que, no dizer dos franceses, hurlent de se trouver ensemble.

Revolucionário! Mas revolucionário contra quem, ou contra o quê, quando estavam definitivamente por terra os governos cuja deposição a Aliança Liberal visava?

Seria o Governo Revolucionário uma espécie de monstro político que, como governo, procurasse manter na ordem o País e, como revolucionário, destruísse sua própria obra?

Ou seria o Governo Revolucionário - interpretação que nos parece mais exata - apenas a Revolução instituída permanentemente como forma de governo, como sistema de administração, a flagelar o Brasil com a anarquia administrativa, preparando no silêncio um novo assalto com que iria devorar, de um momento para outro, a ordem social e econômica e as tradições religiosas do País, depois de já lhe ter roubado a ordem jurídica?

Que princípio de autoridade pode invocar em seu benefício, no momento do perigo, um Governo que se proclamava revolucionário, e portanto adversário nato de qualquer autoridade? Com que direito anatematiza ele os paulistas que se revoltaram pela lei e pela ordem, contra um Governo que é a desordem e a negação de toda a lei?

Formulamos apenas as perguntas. Não mantemos dúvidas sobre o que responderão, no íntimo, nossos leitores.

Plinio Corrêa de Oliveira