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O universo é uma catedral

 

Terceiro horizonte

 

Não Somos átomos isolados rolando pelo espaço

 

Uma sociedade é um tecido de almas com interações de umas sobre as outras, do todo sobre cada uma e de cada uma sobre o todo.

Cada homem traz dentro de si várias hereditariedades. Somos a resultante biológica de um sem-número de correntes de vida, que vieram ter em nós seu ponto de encontro.

 

Assim como numa lagoa existem águas de diversos rios que nela desembocam, assim existem em nós essas hereditariedades.

Somos recipientes em que várias correntes do passado se fundem.

 

Os historiadores são concordes em afirmar a existência de obras que precisam ser levadas a cabo por várias gerações: a fundação de certos países, o desenvolvimento de certa política, a criação de certas fontes de prosperidade. A instituição de direito natural que assegura a realização da obra histórica através das gerações é a família.

A natureza do homem leva-o a estabelecer nexos mais diretos com certas coisas, e relações mais próximas com certas pessoas. Ser proprietário, ter família, são situações que lhe dão uma justa sensação de plenitude de personalidade. Viver como átomo isolado, sem família nem bens, em uma multidão de pessoas estranhas, lhe dá uma sensação de vazio, de anonimato e isolamento, que é para ele profundamente antinatural.

 

A reforma social mais urgente

 

Social... sociedade. Haverá algo de mais santa e augustamente social do que velar pela família? Pois esta não é base da sociedade?

 

Tanto se fala de reformas de base. Quem, entre os “arditi” do reformismo, fala seriamente de reformar, restaurar a base, isto é, a família?

Que espírito social é este, que não tem olhos para ver a crise da família, e a insuficiência das medidas destinadas a reformar uma sociedade em que a base está minada?

 

Mas, o que é a família, na força do termo?

 

Família, para mim, é equivalente a família na sua normalidade. E, portanto, patriarcal[11].

Por patriarcal deve figurar-se não a pequena família-núcleo – pai, mãe e filhos – mas uma família-célula numerosa, com muitos filhos, e além disso, ligada a um número muito grande de parentes de vários graus, de vários lados, que freqüentam a casa e a põem em movimento.

[Com a família patriarcal] se constitui um todo com três distâncias.

1.      A primeira distância é a minha casa, toda ela afim comigo.

2.      Outra é a das casas de minha família mais afastadas, algo parecidas e algo diversas.

3.      E depois uma terceira distância é a rua, ponto de encontro fortuito e casual de todas as semelhanças e de todas as dissemelhanças.

Se estou apoiado por estas três distâncias, se posso me expandir nestas três dimensões, quando chego à rua tenho, atrás de mim e a meu lado, toda minha parentela que se apresenta nos lugares públicos, nos lugares de diversão, pensando como eu, sentindo como eu, impondo-se.

Enfrento a popularidade ou a impopularidade, porque tenho um quadro em que me apoiar, tenho elementos para expandir minha personalidade.

Quão diversa é a situação da família minúscula. Pai, mãe e filhos vivendo uma vida dentro do lar que, por ser constituído de poucas pessoas, tem pouca variedade, e que por isso se torna monótona.

Assim sendo, tende-se a fugir, e se foge indo para a rua ou trazendo a rua para dentro de casa, sob o aspecto de duas ou três televisões em várias salas: para tentar esquecer de que se está dentro de casa e ter a sensação de que se está na rua.

Mas na rua a pessoa se sente isolada. O menino chega ao colégio isolado. O moço ou a moça entram na sociedade isolados.

Não têm apoio em ninguém.

Têm um modo de ser fabricado pela propaganda ab extrínseco, e que é imposto.

Se não quiserem aderir, arma-se contra eles a perseguição do ridículo e do ostracismo.

Resultado: insegurança interior, titubeação, dúvida, isolamento, capitulação.

Ao cabo de dez ou vinte anos desse fenômeno, se a pessoa não tiver uma personalidade mais ou menos definida, esta terá sido destruída.

 

Não sabe ser amigo, quem não sabe ser primo. E não sabe ser primo quem não sabe ser irmão.

 

A família nuclear e suas insuficiências

 

Considero a expressão família nuclear[12] bem achada, porque não é a família-célula, mas é uma célula reduzida a seu núcleo, com tudo o que há de irregular em que o núcleo viva sem seu protoplasma. É um exílio para o núcleo – se não for diretamente a morte – o fato de estar ele privado do protoplasma.

A imaginação das pessoas atualmente só alcança a família nuclear. Não se sabe mais o que foi a família-árvore-frondosa.

Os psicólogos, na comparação entre a família nuclear e a família patriarcal, chamam a atenção para a importância e a necessidade do grupo de parentes – primos, tios etc. – como fator de harmonia nas relações entre os filhos e os pais.

Na família nuclear há a confrontação direta entre os filhos e os pais, naquele espaço delimitado [que é o lar]; na família patriarcal, a confrontação se dilui entre os parentes, e o filho pode recorrer a um tio, um primo, uma tia etc.

É normal que o marido e a mulher tenham dificuldades muito grandes um com o outro. O modo de amortecer estas dificuldades é serem envolvidos por um ambiente de família muito homogêneo, dentro do qual encontrem vários pontos comuns, gerando afinidades que reduzem a fricção proveniente da diferença de temperamentos e de caracteres individuais.

 

Pais que são moldes para os filhos

 

Eu tenho observado ao longo de minha vida que, se a família é numerosa, há mais possibilidades de o pai ser modelo dos filhos do que quando a família é pouco numerosa. Sobretudo quando a família é pouco numerosa por culpa do pai, da mãe ou de ambos.

 

Quando consideramos o chefe de família medieval, ainda que seja um simples camponês, vê-se que ele, ao sentar-se em seu – por assim dizer – trono, para presidir as refeições de sua numerosa família, o faz com majestade. Era costume entre os camponeses de certa região da Espanha que o chefe da família, ao sentar-se  para presidir a mesa com vinte, trinta, cinqüenta pessoas de sua casa, dissesse: “comeremos pues”; e todos repetiam “comeremos pues”, após o que recitavam a oração.

Em Navarra, a oração era: “Que o Menino Jesus, que nasceu em Belém, abençoe a pátria, o rei e a nós também”.

Analisando esse quadro, poderíamos dizer com toda propriedade que havia ali a majestade simples do patriarca, do homem rude do povo. É certamente uma majestade campesina, de lavrador, mas sente-se uma grandeza da natureza, de seiva, de terra, que também tem a sua majestade.

[Na família antiga] reúnem-se em uma mesma sala os avós, os pais, as crianças, os parentes, os amigos; as mais variadas idades convivem juntas, conversando: variedade na unidade.

Na família moderna, se os filhos promovem uma recepção, os pais – e sobretudo a mãe – devem ausentar-se... Os pais são chamados pelos filhos de “os velhos”, e não querem com eles ter maior convívio. É que a Revolução odeia esse entrosamento, essa articulação entre as idades, que é uma marca da perfeição divina que Deus pôs na Criação.

 

Nobreza... popular!

 

Poder-se-ia falar em distinção no povo?

Certamente. O próprio camponês espanhol, quanto não tem de distinção e de garbo? Assim, tudo quanto dizemos da nobreza, poder-se-ia aplicar analogamente também à plebe, embora com menos plenitude.

 

Verificamos, deste modo, que os conceitos de nobreza e de majestade não repousam sobre uma única classe social, uma vez que o mesmo conceito pode também aplicar-se ao menor e ao mais simples homem do povo.

 

Há uma espécie de inocência pastoril em certas sociedades, que cheira ainda um pouco a Paraíso, cheira a recordações, a reminiscências de revelação primitiva.

Cheira a bênçãos primeiras de Deus.

Eu creio que quem estudasse a Síria, o Líbano etc., de duzentos anos atrás, ainda encontraria muita coisa assim.

 

Tradição, família e propriedade

 

A verdadeira célula da sociedade católica não é apenas a família, mas também a tradição e a propriedade.

 

Desde os primórdios da História, a família e a propriedade privada existem.

Não se trata apenas, entre uma e outra instituição, de uma coexistência fria e fortuita, mas de uma simbiose íntima que vem durando ininterruptamente até nossos dias.

Esta simbiose indica, já à primeira vista, uma afinidade profunda ligando a propriedade privada e a família.

A Doutrina Católica preza mais a propriedade familiar do que a individual.

A herança é um instituto no qual a família e a propriedade se osculam.

Enquanto trabalhar, acumular e prosperar pode ser, não raro, para um indivíduo isolado, mais um direito do que um dever, para o chefe de família é, em geral, antes um dever do que um direito.

 

Os empregados e os familiares

 

Ninguém descreveu a família portuguesa, como ela viveu no Brasil colonial, tão bem quanto Debret. Ele representa uma família de certa categoria que sai a passeio.  O pai vai à frente, com chapéu de dois bicos, meio napoleônico. É um patriarca que está perdido nas brumas. Em fila, atrás, vai toda a família. E no fim – é bem o não-apartheid português – os negros e as negras, que vão passear também. As negras vão com uma espécie de turbante na cabeça, e pegando  uma criança de cada lado.

Uma coisa que dolorosamente faz falta é a sociedade heril, que é constituída pela família mais os servidores que servem na casa da família.

(...) Ela importa numa verdadeira adoção diminutae rationis dentro da família.

 

O bairro, primeira ampliação da família

 

Eu conheci São Paulo numa época em que ela era muito menor.

Ela era espontânea e organicamente dividida em bairros, e não havia essa seleção – que me parece tão antinatural – entre bairros ricos e bairros pobres.

Conviviam lado a lado e fraternalmente a casa do grande senhor, a da pequena burguesia e a de trabalhadores manuais, formando uma espécie de cidadezinha dentro da cidade, onde os apoios e auxílios se faziam de alto a baixo, de família em família.

Havia uma tal intimidade entre as famílias, guardadas as hierarquias e as proporções, que se podia dizer que o bairro era verdadeiramente uma grande família.

 

A força de atração do bairro era tão grande que, quando uma senhora ia à cidade, isso era uma pequena expedição.

 

O professor de música

 

Conheci numa rua perto de minha casa um professor de música. Homem já idoso, de origem germânica.

Ele era um homem respeitável; em escala pequena, mas respeitável.

O filho se tornou médico, as filhas todas se formaram. Todos fizeram a vida, e tinham um grande apreço por ele.

Em toda a redondeza havia estima pelo velho professor. Quando saía, todos o olhavam com respeito.

A molecada que jogava futebol na rua, quando ele passava, parava, e ficava em atitude de respeito até ele se afastar.

Era uma notabilidade de quarteirão, uma notabilidade de arrabalde.

Feliz a cidade onde cada arrabalde ou cada quarteirão tem um “grande homem” assim, um patriarcazinho assim. Quando uma cidade ou um país é bem estruturado, tem numerosos patriarcas desses.

 

Cidades, Regiões e família

 

Qual é o limite para o tamanho de uma cidade? O ser possível enumerar as principais famílias que a compõem.

A piramidalização das famílias chegava a estender sua ascendência a uma região, a tal ponto que um conhecido sociólogo francês apresentou, como única definição possível de região, aquela zona que é dominada pela influência de uma grande família.

Deveria haver um equilíbrio por onde as várias regiões de um país compreendessem, nas suas próprias dimensões pequenas, de um lado o quanto elas bastam a si, e de outro, o quanto elas são insuficientes, de maneira que precisam viver em constelações, em famílias.

Dentro de  um mesmo país, elas se sentiriam voltadas para um sonho comum, por uma luz primordial[13] comum, unidas em torno da região principal que seria o píncaro de todas as regiões. Mas um píncaro que atrai, que é um centro de gravitação como o planeta o é em relação aos seus satélites. Não um planeta que chupa os satélites para incorporá-los a si, como se dá nos tempos modernos[14].

 

A organização familiar como eu a descrevi pode ser comparada às águas de uma piscina, renovadas discreta mas seguramente, de maneira a evitar a estagnação: não são nem as torrentes revoltas da aventura e da improvisação, nem a estagnação que recusa todos os valores novos.

 

A família é vilipendiada

 

Por mais que a Revolução odeie o absolutismo régio, odeia mais ainda os corpos intermediários e a monarquia orgânica medieval.

É que o absolutismo monárquico tende a pôr os súditos, mesmo os mais categorizados, num nível de recíproca igualdade, numa situação diminuída que já prenuncia a aniquilação do indivíduo e o anonimato que chegam ao auge nas grandes concentrações urbanas da sociedade socialista.

 

Entre os grupos intermediários a serem abolidos, ocupa o primeiro lugar a família. Enquanto não consegue extingui-la, a Revolução procura reduzi-la, mutila-la e vilipendia-la de todos os modos.

 

Há famílias em que se transmite através de muitas gerações ou o senso artístico, ou o dom da palavra, ou o tino médico, e aptidão para os negócios, e assim por diante. A própria natureza – e, pois, Deus, que é autor da natureza – quebra, através da família, o princípio da igualdade do ponto de partida[15].

Quem for educado por pais altamente dotados do ponto de vista do talento, da cultura, das maneiras ou – o que é capital – da moralidade, terá sempre um ponto de partida melhor.

E o único meio de evitar isto é suprimir a família, educando todas as crianças em escolas igualitárias e estatais, segundo o regime comunista.

A nobreza do senhor se transmite a seu servidor. E a imensa cozinha de Windsor, muito autenticamente cozinha, é indiscutivelmente uma alta, nobre e digna cozinha de castelo, que comunica algo da dignidade real à humilde atividade servil, e lhe dá um esplendor como que régio.

Porque na civilização cristã a grandeza do senhor não humilha o servidor, mas o eleva.

 

O respeito faz o encanto da vida

 

Respeitar e ser respeitado é mais importante do que querer e ser querido.

A alma que admira a respeitabilidade com seriedade e com veneração, torna-se respeitável.

O limite é o encanto da intimidade.

Distância, respeito, cerimônia tornam a vida agradável.

O respeito faz o encanto da vida.

 

O igualitarismo constitui uma muralha que, derrubada, pode modificar o curso da História.

 

Aquilo que me transcende me explica, me completa, me eleva.

Ver os outros maiores, melhores e mais extraordinários do que eu, era essa a minha alegria.

Sem a raça negra, o conjunto da Humanidade ficaria “banguela”.

 

Super-inferior, uma participação de vida

 

A influência do maior sobre o menor, como, a seu modo, a do menor sobre o maior, exercia-se em razão de uma relação de afeto cristão estabelecida de parte a parte. Afeto que trazia consigo, como efeito, a dedicação e a confiança mútuas. E que fazia até uma sociedade de fato, dos domésticos com os patrões.

 

“Minha Mãe[16], se Vós quiserdes que os outros progridam muito mais do que eu, e sirvam portanto de vergonha para mim, prefiro isto a ficarmos todos parados, porque é preciso chegar até o ponto ideal, não de acordo com as velocidades desejadas pelo meu amor-próprio, mas de acordo com as velocidades queridas por Vós”.

 

O superior serve de corrimão para as almas elevadas que aspiram, livre e intrepidamente, galgar – sem ceder à perigosa vertigem das alturas – até o ápice, as escadarias dos supremos ideais.

Na ordem temporal, aquilo que é mais é, a seu modo, sagrado em relação àquilo que é menos. Por exemplo, o patrão é sagrado em relação ao operário.

A relação inferior-superior é uma participação de vida, em vez de ser a sucção do inferior pelo superior ou a revolta do inferior contra o superior. É uma relação que dá num terceiro elemento comum, dos quais ambos vivem – e isto é uma coisa fabulosa!

 

Roland via em Carlos Magno o símbolo do imperador, o padrão e o jorro do maravilhoso no qual ele se abeberava, feliz por ver que ele era imperador, mas antes de tudo o planeta dele.

 

Nada conheço de mais conforme à ordem natural, à natureza humana e ao sacral do que o feudalismo.

 

Forma liberal[17], cretina, de ver as coisas: “o que obedece é espoliado pelo que manda”. Não é! Entre um e outro há uma conjugação de conveniências, que brotam das exigências mais sagradas da alma humana.

 

O natural do homem não é o ser inteiramente livre, como imaginado pela Revolução Francesa, mas é de pertencer a uma rede de vassalos e suseranos[18].

 

A Igreja não é um “Labour Party”

 

Lembremos o dito bem conhecido de Voltaire: “Oh! Deus, livrai-me de meus amigos, que dos meus inimigos liberto-me eu”. Que Deus livre os pobres dos estranhos amigos da esquerda...

 

A pobreza, quando é iluminada pela luz de Cristo e o sorriso de Maria, é composta, digna, recolhida, suave e discretamente alegre.

 Esquerdismo no Brasil é coisa de clube rico e de sacristia.

 

Não me canso, nem jamais me cansarei de afirmar que o esquerdismo não é um fenômeno de massa, mas tão-somente um sintoma – e que triste sintoma – de deterioração das elites.

Se bem que uma pressão publicitária quase alucinante procure criar a impressão generalizada de que o esquerdismo corresponde ao anelo das multidões, a verdade é que estas pouco se interessam por ele.

O luxo é um mal quando proporciona ao indivíduo uma abundância de sensações desproporcionadas com a capacidade simbólica[19] que ele tem.

A desigualdade é a lei da perfeição na Criação.

Com [as] desigualdades, que Deus criou harmônicas entre si e benfazejas para cada categoria de seres como para cada ser em particular, quis Ele prover o bem do homem de abundantíssimos meios para ter sempre presentes as infinitas perfeições dele.

Um universo de criaturas iguais seria um mundo em que se teria eliminado em toda a medida do possível a semelhança entre criaturas e Criador[20].

 

A igualdade completa é a desordem completa.

 

O orgulho leva ao igualitarismo e o igualitarismo ao ateísmo

 

A pessoa orgulhosa, sujeita à autoridade de outra, odeia primeiramente o jugo que em concreto pesa sobre ela.

Num segundo grau, o orgulhoso odeia genericamente todas as autoridades e todos os jugos, e mais ainda o próprio princípio de autoridade, considerado em abstrato.

E porque odeia toda autoridade, odeia também toda superioridade, de qualquer ordem que seja.

E nisto tudo há um verdadeiro ódio a Deus..

As desigualdades entre os seres são “ipso facto” uma escola sublime e amplíssima de anti-ateísmo.

É o que parece ter compreendido o escritor comunista francês Roger Garaudy (posteriormente “convertido” ao islamismo), quando realçou a importância da eliminação das desigualdades sociais para a vitória do ateísmo no mundo[21].

 

O líder obedece mais que o liderado

 

Não é exato que Luís XIV tenha levado a França às finalidades que ele tinha em vista. Havia uma França que tinha certas finalidades e ele as soube entender. Ele também as tinha em vista, soube personifica-las e por isso fez o que fez.

Diz-se que os jornais modelam o público. Mais verdadeiro ainda, é que o público modela os jornais.

O líder obedece mais que o liderado.

O líder vence não porque diminui os outros, mas porque ele cresce.

 

A arte de governar

 

O chefe excelente é aquele que, nas ocasiões excepcionais, favoráveis ou desfavoráveis, e estimulado por elas, cresce em todas as suas aptidões, na medida da grandeza dessa excepcionalidade, e assim se mostra superior às circunstâncias em que se encontra

 

O principal na arte de governar não é fazer acontecer o que se quer que aconteça, mas é ver o que está acontecendo.

 

Para governar homens, é preciso antes de tudo obter-lhes a admiração, a confiança e o afeto. A esse resultado não se chega sem uma profunda consonância de princípios, de anelos, de rejeições, sem um corpo de cultura e de tradições comuns a governados e governantes.

É preciso que o detentor de autoridade, ou simplesmente de liderança, disponha também de uma riqueza de sensibilidade suficiente para emprestar a quanto ele diz o sabor do real, do sincero, do autêntico, do interessante, do atraente, enfim de tudo aquilo que leva os que lhe devem obediência a segui-lo com agrado.

No tempo da agricultura, em São Paulo, houve algumas senhoras da aristocracia, muito bonitas e muito ricas, que modelaram todo o bom gosto da vida social de São Paulo, numa profundidade de ação à maneira governativa, que um Presidente da República não tinha.

 

O papel das elites é impulsionar para as alturas

 

Uma elite[22] é formada por homens feitos para lerem mais na realidade do que no livro, e que vão consultar o livro para esclarecer o que eles lêem na realidade.

Um homem de escol não é feito só para observar e agir, nem só para ler, mas é uma síntese da leitura, observação e ação, tudo à luz da Igreja. São os homens a quem é dado conduzir a História.

A palavra exigente é nobre. Não é uma palavra de carrasco, mas de seleção. Onde não há exigência não há seleção, e onde não há seleção não há categoria, não há qualidade: existe apenas o reino vulgar da quantidade.

 

O ultramontano deve ser um homem de ação, de oração e de salão.

 

A perfeição é exigente por natureza.

Nunca nascerá nenhuma forma de perfeição em um espírito sem exigência.

E esse anelo de perfeição é exigentíssimo e cobre um arco enorme.

 

O insuficiente merece censura; o suficiente merece louvor; o excelente merece honra.

 

A existência de elites aristocráticas, em lugar de excluir ciumentamente, tacanhamente, o florescimento pleno de outras elites, pelo contrário, serve-lhes de padrão para fecundas analogias, e de estímulo para fraternos aprimoramentos.

Se na aristocracia não existem “melhores”, e não há na plebe quem queira assumir, em virtude do princípio de subsidiariedade[23], a missão da propulsão para o alto, e se no próprio clero análoga carência se nota, um problema parece levantar-se: qual a forma de governo que pode, então, evitar a ruína de tal sociedade, de tal Nação?

A pré-excelência de certo espírito aristocrático-monárquico deve estar presente – sempre na medida do cabível – em todos os níveis da sociedade, como em todas as manifestações da atividade de um povo, qualquer que seja a forma de governo que este adote.

 

O cavalo, dotado de uma musculatura admirável e cheio de uma estupenda vitalidade, parece espumar ainda sob o jugo do cavaleiro. Este, dando embora impressão de quase franzino em relação à montaria, se mantém sereno, elegante, inteiramente senhor de si e do animal, e saúda os que aplaudem seu triunfo.

Símbolo admirável da vitória do espírito sobre a matéria, do homem sobre o bruto.

 

A nobreza é uma elite com honra e formosura.

Foi missão da nobreza, enquanto classe social, cultivar, alimentar e difundir esse impulso de todas as classes sociais para as alturas.

 

A desigualdade natural por excelência é a que vai do nobre para o plebeu.

 

Não é só o pobre de recursos materiais que merece opção preferencial.

Também o são aqueles que, pelas circunstâncias da sua vida, têm deveres particularmente árduos a cumprir, e aos quais incumbe maior responsabilidade no cumprimento desses deveres pela edificação que daí pode resultar para o corpo social, como, em sentido oposto, pelo escândalo que a transgressão de tais deveres pode trazer ao mesmo corpo social.

 

Surge a massa

 

O mundo será terrivelmente vulgar, a vida insuportavelmente banal, no dia em que não haja mais na terra autênticos senhores, nem genuínas senhoras.

A propaganda como que padroniza todas as almas, tirando-lhes as peculiaridades, e quase a vida própria. Até as diferenças de psicologia e atitude entre sexos tendem a minguar o mais possível.

Por tudo isto, desaparece o povo que é essencialmente uma grande família de almas diversas mas harmônicas, reunidas em torno do que lhes é comum. E surge a massa, com sua grande alma vazia, coletiva, escrava.

 

O fator massa, segundo mostra a visão objetiva da História, é secundário: o principal é a formação das elites.

 

Sem tradição não há caminho nem rumo

 

O passado prepara o presente, o presente protege o passado, o passado e o presente elaboram o futuro.

Rumo é a ordem no movimento.

A estabilidade não é imobilidade, mas a mobilidade na mesma rota.

Continuar é uma coisa análoga a viver, e mudar é uma coisa análoga a morrer.

Um país que progrida velozmente e sem Tradição é como um homem que anda rapidamente sem caminho e sem rumo! Quanto mais rápida a marcha, mais louca, mais extenuante.

Progresso é a Tradição, continuamente renovada em seus elementos acidentais.

A Tradição é uma vida que a semente recebe do fruto que a contém.

A Tradição é um passado que tem meta, que quer chegar a um determinado ponto.

A Tradição é um legado do passado, que se articula com o presente para dar significado e rumo ao futuro.

 

 

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[11] Leia-se, a respeito, o magnífico elogio do Papa Pio XII às famílias patriarcais: “Magnífico espetáculo, especialmente em algumas regiões, oferecem aquelas famílias muito bem chamadas patriarcais, nas quais o espírito do avô desaparecido ainda perdura, comunica-se e se transmite de geração em geração, como o melhor e mais sacro patrimônio, guardado mais zelosamente que o ouro e a prata” (Alocução aos homens da Ação Católica Italiana, em 20-9-1942).

[12] A bibliografia sobre o tema família nuclear é consideravelmente ampla. Entre muitas outras, destacamos as seguintes obras: Hans Sebald, “Adolescence: A Social Psychological Analysis”, Prentice-Hall Inc., Englewwod Cliffs (New Jersey), 2nd. Edition, 1977 (pp. 136, 138, 152, 156); Anne-Marie Rocheblave-Spenlé, “El adolescente y su mundo”, Ed. Herder, Barcelona, 1972 (pp. 137-140); Marie-Françoise Côte-Jallade, “De 14 a 19 años – La adolescencia o la dificultad de ser”, Ed. Sal Tarrae, Santander (pp.53-55); “A realidade brasileira do menor” (Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação, Coordenação de Publicações, Brasília, 1976, pp. 23 e 31-32); John Brown, “Relaciones padres e hijos”, in J. Rof Carballo, “La família, diálogo recuperable”, Editorial Karpos, Madrid, 1976, (p. 282); José Llopis, “La orientación del adolescente y la ‘Guidance of Youth’ norteamericana”, ed. Herder, Barcelona, (34-37); José Antonio Rios González, “Crisis familiares. Causas y repercusiones” (pp. 23 a 25); Mariano Yela, Prólogo a José Antonio Rios Gonzáles, “Orientación y Terapia Familiar”, Ed. Instituto de Ciencias del Hombre, Madrid, 1984 (pp. 10-11); Alessandro Cavalli, “Autonomia del Giovanni nella e dalla famiglia”, Il Pensiero Scientifico Ed., Roma, 1983 (p. 147); Eugène Tisserand, “Familia o Comunidade?”, Ediciones Paulinas, Madrid, 1980, (pp. 16 a 22); Frank Musgrove, “Familia, educación y sociedade”, Ed. Verbo Divino, Estella, Navarra, (pp. 81-90); “Dictionnaire Encyclopédique de Psychologie”, Bordes, Paris, 1980, (pp. 476-477) ; Evelyne Sullerot, « La Famille Nucléaire Éclate », Sauvegarde de l’Enfance, no. 1-2, abril de 1985, Paris, pp. 34 a 38 ; Reinhart Lempp, « Sobre Rebeldes e conformados », « Scala », Frankfurt, no. 3, 1982 (p. 40).

[13] Segundo muitos autores espirituais, cada alma tem uma tendência para o mal que é mais forte que as outras, e é por onde é tentada: o vício capital. Em sentido contrário, há uma tendência mestra, que varia de pessoa para pessoa, e que é o aspecto de Deus que mais é chamada a espelhar: a luz primordial. Por extensão, pode-se falar em luz primordial de uma família, uma cidade ou uma região, como o faz aqui o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira.

[14] Almas-planeta e almas-satélite: ver a respeito Pe. Ramière, S.J., “El Reino de Jesucristo em la Historia”, mimeografado, p. 38.

[15] O Prof. Plínio Corrêa de Oliveira foi autor de artigo intitulado “A igualdade total no ponto de partida, esta injustiça (Folha de S. Paulo, 11-12-1968).

[16] Trata-se de Nossa Senhora.

[17] Liberal: O Prof. Plínio Corrêa de Oliveira se refere ao liberalismo, que foi condenado por vários Papas, notadamente Gregório XVI, Pio IX e Leão XIII.

[18] A ordem medieval era constituída por vassalos e suseranos. Os primeiros dependiam destes últimos, aos quais se ligavam por um juramento de fé e homenagem.

[19] Aptidão para entender aquilo em que os valores proporcionados pelo luxo – por exemplo um vinho excelente – elevam o espírito para valores mais altos.

[20] Vide, do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira, “Revolução e Contra-Revolução”, I, VII, m.

[21] Afirma Roger Garaudy: “Karl Marx mostrava, pelo contrário, que só a realização completa do comunismo (...) tornaria possível o desaparecimento da concepção religiosa do mundo (...) É a edificação do comunismo que é condição sine qua non para eliminar as raízes sociais da religião, e não a eliminação das crenças religiosas a condição para a construção do comunismo” (“L’homme chrétien et l’homme marxiste, Semaines de la pensée marxiste – Confrontations et débats”, La palatine, Paris-Génève, 1964, p. 64).

[22] Ver, a respeito, de Plínio Corrêa de Oliveira, “Nobreza e elites tradicionais análogas”, obra que recebeu os elogios de quatro Cardeais e foi traduzida para o francês, o inglês, o italiano, o espanhol e o alemão. Duas edições em português pela Livraria Civilização-Editora (Porto, Portugal), com ampla circulação no Brasil.

[23] Pelo princípio de subsidiariedade, ensinado por Pio XI e retomado pelos Papas sucessivos, inclusive João XXIII na Encíclica “Mater et Magistra”, o Estado e as sociedades maiores não podem ir além de uma função complementar. Não devem fazer aquilo que as sociedades médias podem fazer, e estas, por sua vez, não devem fazer aquilo que as sociedades pequenas e as famílias podem realizar. Por outro lado, o Estado e as sociedades maiores devem fazer com presteza tudo aquilo que escape às possibilidades das menores.