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O universo é uma catedral

 

 

Quarto horizonte

 

De que nem tudo quanto é hodierno nos parece mau, temos, em matéria de arte, um exemplo nestas figuras da

“Orchestre dorée”, do conhecidíssimo e atualíssimo pintor Raoul Dufy.

Sem dúvida, nada copia nelas o gosto ou a técnica de outros tempos.

Se há o que não se pode dizer delas, é que são anacrônicas. Entretanto, publicamo-las com prazer.

O esforço fogoso do tocador de tímpano, o flautista aplicado, o trombetista que  vai desempenhando um tanto distraído e displicente seu papel, o tocador de harpa profundamente pensativo, o pianista às voltas com uma execução dificílima simbolizada pela imensidade do piano, tudo vive, tudo se move, tudo vibra, e sobre tudo paira a luz do sorriso arguto e divertido de Dufy.

 

Harmoniosas diversidades

 

No campo da cultura, há um princípio fundamental a lembrar. As diversidades entre os povos são um bem. Elas correspondem, no plano humano, às imensas e harmoniosas diversidades com que Deus enriqueceu o Universo, diversidades essas que constituem precisamente um dos maiores encantos da criação.

Quando [uma judiciosa interpenetração de valores] se dá sob a égide da Igreja, resulta daí uma unidade essencial, mas harmoniosamente variegada, entre civilizações e culturas. É essa superior unidade, baseada na Fé, que se chama a Civilização Cristã.

As diversidades legítimas levam os povos a se completarem reciprocamente, realizando aquela unidade que é outra grande nota de perfeição do Universo segundo os planos da Providência.

 

A Contra-Revolução[24] deverá favorecer a manutenção de todas as sadias características locais, em qualquer terreno, na cultura, nos costumes etc.

 

Um dos grandes esforços da Igreja tem consistido em que sua ação missionária, longe de privar de suas legítimas características os povos gentílicos, as depure de seus elementos pagãos e imorais, e ao mesmo tempo as salvaguarde, abençoe e vivifique pelo influxo da Fé, em tudo quanto possuem de sadio.

A Igreja não se identifica com a civilização e a cultura de nenhum povo. Está entretanto na índole dEla promover a conservação e o incremento de tudo quanto nas mais variadas civilizações e culturas haja de sábio e reto, bem como a eliminação do que nelas haja de falso ou mau.

  

[O autêntico] nacionalismo não tem o caráter de depreciação sistemática do que é de outros, nem de adoração dos valores pátrios como se fossem desligados do grande acervo da Civilização Cristã.

 

A grandeza que a Contra-Revolução deseja para todos os países só é e só pode ser uma: a grandeza cristã, que implica na preservação dos valores peculiares a cada um, e no convívio fraterno entre todos.

 

Os países vão formar novas constelações

 

Com relação à França eu sou como o judeu em relação ao povo eleito. Amo o Templo, amo as ruínas do Templo, e se essas ruínas se desfizerem em pó, eu amarei o pó que resultou dessas ruínas[25].

Tenho a impressão de que a França continuará a ser a nação-chave.

Mas, assim como outrora tivemos o Império do Oriente e o Império do Ocidente, assim como na própria Cristandade havia dois impérios, o bizantino e o romano-alemão, assim também teremos ao lado da preeminência francesa para as nações antigas, o império, o domínio e a hegemonia cultural de outras nações, profundamente embebidos daquilo que o espírito latino e francês tem de melhor, mas trazendo também consigo outras seivas.

 

A meu ver, essas nações são as que constituem o mundo ibero-americano.

 

Tesouros do Oriente

 

Há alguma coisa que faz daquele luxo oriental algo em que a alma do povo todo esteve empenhada.

Não foi o nababo que imaginou o tapete persa.

Nem os desenhos, nem as cores, nem a arte de fabricar.

Felizes os modestos artesãos que nas margens do Cáspio fazem estes tapetes e vendem, eles sonham tapetes, eles são muito mais felizes do que quem usa o tapete.

Eles são nababos do sonho.

Os ocidentais se sentem representados quando fazem uma eleição e escolhem deputados. Os orientais se sentem representados quando um homem de gênio dentre eles elabora um sonho.

* * *

O clichê nos mostra os torreões feéricos da famosa igreja de São Basílio, em Moscou.

Esse edifício admirável, que foi construído por Ivan, o Terrível, no século XVI, evoca com extraordinária vivacidade o que havia de mais típico na Rússia dos Czares.

Divide-se ele em duas partes, separadas horizontalmente por uma linha ideal. A metade de baixo, que vai do solo até a parte mais baixa dos torreões, é sólida, maciça, extremamente pesada: um enorme conjunto arquitetônico, cujas pedras se empilham de modo a formar um bloco densíssimo, que parece até estar afundando no chão.

Acima dessa linha ideal, inesperadamente, os torreões se diferenciam do embasamento colossal e, como se fossem agulhas graciosas, erguem-se esguios para o céu. As cúpulas bizantinas são tão leves, tão delicadas, que a nossos olhos de ocidentais modernos parecem até aeróstatos prontos a alçar vôo a qualquer momento. Precedendo-as com estupendo arrojo, está bem no alto a cúpula mimosa que parece arrastar irresistivelmente atrás de si, como uma cauda de cometa, um imenso torreão triangular.

Nessa obra-prima se concilia e se completa o sumo da severidade, da estabilidade e da força, com o sumo da graça, da fantasia e da leveza.

*  *  *

Patriarca Josyf Cardeal Slipyj  com mitra e báculoA primeira impressão que dá essa mitra em forma de coroa, para uso de dignitários eclesiásticos em cerimônias oficiais, é de riqueza. Uma análise detida mostra como essa riqueza foi enobrecida e ordenada por um senso de harmonia e proporção, um gosto e uma majestade evidentes.

Esplêndida manifestação de uma alta idéia sobre a sublime dignidade do Sacerdócio e da Religião.

 

O alicerce está em cima...

 

Se queremos no Reino de Maria[26] uma ordem esplendorosa, magnífica, nós temos de chegar aos últimos conhecimentos da ordem do Universo[27].

Como a Revolução[28] levou a desordem – parafraseando Camões – até cavernas nunca dantes percorridas, de tão fundas, é preciso que a ordem entre nessas cavernas para expulsar a Revolução. Se não for isso, nós não teremos a verdadeira ordem.

 

Nas coisas materiais o alicerce está em baixo. Mas nas espirituais o fundamento está em cima.

 

Mas é preciso que tudo aquilo que é muito quintessenciado tenha os pés no chão.

Só há verdadeira cultura quando há no povo cogitações tão altas, tão altas, que se perdem nas nuvens.

A Cristandade medieval (...) não foi uma ordem qualquer, possível como seriam possíveis muitas outras ordens. Foi a realização, nas circunstâncias inerentes aos tempos e aos lugares, da única ordem verdadeira entre os homens, ou seja, a Civilização Cristã.

O que tem sido destruído, do século XV para cá, aquilo cuja destruição já está quase inteiramente consumada em nossos dias, é a disposição dos homens e das coisas segundo a doutrina da Igreja, Mestra da Revelação e da Lei Natural.

Esta disposição é a ordem por excelência.

 

Sociedade ideal versus miserabilismo e sociedade de consumo

 

Há na Europa museus de arte popular tradicional. Apresentam objetos de artesanato interessantes, pitorescos, magníficos, que o povo inventa e que depois se imobilizam como uma tradição porque o povo encontrou a própria expressão de sua alma naquilo que produziu e passa séculos utilizando tais objetos.

Exprime esta tendência o que em alemão se diria drang nach oben – pressão, esforço para cima. Esta seria uma tendência da sociedade inteira.

E enquanto no castelo se estariam fazendo móveis cada vez melhores e vivendo uma vida cada vez mais bonita, a casa do trabalhador manual seria cada vez mais curiosa, mais interessante, mais artística.

O drang nach oben é o contrário do miserabilismo e representa precisamente esta tendência de subir, subir, subir. Se as almas sobem, secundariamente também os estômagos ficam mais normais, mais saudáveis, e as pessoas comem mais, bebem mais, falam mais, nasce a canção popular, nasce a dança popular tão pura, tão casta, nasce toda uma vida que é toda ela concebida e nascida do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo e dos ensinamentos da Igreja.

 

Trata-se do contrário da sociedade miserabilista. Também não é a sociedade de consumo[29].

 

Essa sociedade não-de-consumo é um fenômeno de alma e se poderia chamar sociedade de ideal, sociedade de fé, ou – melhor ainda – Cristandade.

 

O Reino de Maria será a civilização da admiração

 

Aspiramos a uma cultura em que tudo seja concebido em função de graus de perfeição, tudo ordenado ao sublime no seu respectivo gênero.

A admiração é a única verdadeira planejadora que há na vida. Ela planeja, guia e faz intuir o nosso caminho.

A admiração é a nossa Estrela de Belém.

Tudo quanto vemos e admiramos, nos transforma.

O que admiramos entra dentro de nós.

 

A admiração enriquece, a admiração educa, a admiração eleva.

 

Só se é forte quando se admira.

Onde o amor admira e a admiração ama, a boa inteligência se estabelece.

O homem que vive para admirar não reivindica direitos. Ele se contenta com um lugarzinho ao sol... desde que possa admirar o sol!

A alma maravilhável é uma alma maravilhosa, capaz de fazer maravilhas.

O bem-estar verdadeiro consiste em encontrar na vida aquilo em função do que a pessoa deve colocar-se admirativamente.

Quando alguém encontrou a admiração de sua vida, sua vida encontrou o rumo.

O contrário é uma “passeggiata”[30] de fantasias desconexas, à procura de uma fruição.

 

A admiração de uma coisa supõe o horror ao contrário dela.

 

Felizmente eu encontrei quem é mais do que eu, porque eu sou feito para admirar.

“Admirar é a minha vida, e eu não procuro senão o que admirar”: Isto põe na pessoa algo que a torna digna de admiração.

Põe uma forma de seriedade, uma forma de limpeza de alma, uma forma de honestidade, uma atitude benfazeja – benévola, no sentido próprio da palavra, porque é “volo bene”[31] – que a faz querer o bem das coisas onde o bem se encontra.

Isto tudo leva à respeitabilidade.

 

É preciso sacralizar a ordem temporal[32]

 

Perguntar se a ordem temporal tem algum papel para a salvação equivale a perguntar se toda aquela obra que Deus fez em sete dias interessa à salvação!

A ordem temporal é uma criatura de Deus e tem de dar mais glória a Deus que a lua e as estrelas.

Por certo, à Igreja pertencem os meios próprios para promover a salvação das almas. Mas a sociedade e o Estado têm meios instrumentais para o mesmo fim, isto é, meios que, movidos por um agente mais alto, produzem efeito superior a si mesmos.

 

O Reino de Maria é o amor de Deus que volta com passo de rei.

 

O reino de Maria, sem ser nem um pouco o reino milenarista de um paraíso recuperado, com Jesus Cristo Nosso Senhor vivendo aqui conosco, será entretanto uma época de sacralidade inaudita, de glória inaudita, de elevação inaudita, depois da qual se pode calcular melhor ainda o abismo da prevaricação inaudita: e então, o castigo inaudito[33].

O Reino de Maria será a civilização da admiração

 

 

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[24] Para o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira, Revolução é o processo quatro vezes secular que vem devastando a Civilização Cristã. E a Contra-Revolução consiste no movimento de almas que se opõe a essa derrubada. Ver o ensaio “Revolução e Contra-Revolução”, do mesmo autor.

[25] Sl. 101

[26] São Luís Maria Grignion de Montfort (1673-1716) em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem prevê a implantação na Terra de uma era “em que almas respirarão Maria como o corpo respira o ar”, e em que inúmeras pessoas “tornar-se-ão cópias vivas de Maria” (Cap. VI, art. V). A essa era ele chama Reino de Maria. Essa profecia se entronca organicamente com a de Nossa Senhora em Fátima. Com efeito, depois de prever várias calamidades para o mundo, Ela afirmou: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”.

[27] Ver Sétimo horizonte, [neste volume].

[28] Cfr. Revolução e Contra-Revolução, do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira, com tradução nas principais línguas vivas e várias edições em algumas delas.

[29] Por miserabilismo se entende aqui a concepção errônea em moda em certos meios, segundo a qual a miséria é um bem, convém viver em condições paupérrimas e toda forma de progresso é um mal. Para o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira o miserabilismo é o contrário da civilização.

[30] Do italiano: passeio, flanação.

[31] Do latim: quero bem.

[32] É o que Pio XII denominava “consecratio mundi”, isto é, a sacralização do mundo (cfr. Alocução aos participantes do II Congresso Mundial para o apostolado dos Leigos, 5-10-1957, Documentos Pontifícios, no. 127, Vozes, Petrópolis, p. 18 – discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. XIX, p. 459). Ver, a respeito, de Plínio Corrêa de Oliveira, “A Réplica da Autenticidade”, Ed. Vera Cruz, São Paulo, 1985, p. 218.

 [33] Há aqui uma referência ao fim do mundo, que poderia vir como conseqüência da decadência do Reino de Maria, ao qual alude São Luís Maria Grignion de Montfort.