Plinio Corrêa de Oliveira

 

Condições para bem governar um grupo ou um país

A base da sociedade orgânica e não massificada

 

 

 

 

 

Reunião de Recortes, 20 de fevereiro de 1993

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


Quais são as condições fundamentais para que haja uma sociedade autenticamente orgânica, onde o bem comum seja atendido? Exemplo histórico: a formação do Sacro Império Romano Alemão. Em reunião comentando o tópico "3. Origens históricas da nobreza feudal - gênese do feudalismo" de seu livro "Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de ao Patriciado e à Nobreza romana" (Parte I, Capítulo VII, tópico 3, abaixo transcrito), o Prof. Plinio trata de temas históricos, mas de aplicação concreta. Narra inclusive uma conversa que teve com um categorizado médico que lhe perguntou: "como se fará sua sucessão na TFP?"

Para aprofundar o tema, leia o artigo de Dr. Plinio intitulado "A sociedade cristã e orgânica e a sociedade mecânica e pagã", escrito para o mensário de cultura “Catolicismo”, de novembro de 1951. Não deixa de impressionar a coerência de ideias, apesar dos mais de 40 decorridos entre tal artigo e essa conferência...

 

Capítulo VII - Génese da nobreza – A sua missão no passado e nos nossos dias – O ponto de insistência máxima de Pio XII

(...)

3. Origens históricas da nobreza feudal – génese do feudalismo 

No contexto deste quadro é possível ver melhor o que vem a ser a nobreza, a classe que, ao contrário de algumas outras, não tem apenas traços de nobreza, mas que é plenamente nobre, inteiramente nobre; que é a nobreza por excelência.

Uma palavra sobre as suas origens históricas abrevia esta explicação. 

a) A classe dos proprietários constitui-se como nobreza militar e também como autoridade política 

Tendo sido o grandioso Império Carolíngio reduzido a escombros, sobre estes lançaram-se em novas e devastadoras incursões os bárbaros, os normandos, os húngaros e os sarracenos. Não podendo as populações, assim acometidas de todos os lados, resistir a tantas calamidades com o mero recurso ao já muito debilitado poder central dos reis, voltaram-se, muito naturalmente, para os respectivos proprietários de terras, em demanda de quem as comandasse e as governasse em tão calamitosa circunstância. Acedendo ao pedido, os proprietários construíram fortificações para si e para os seus.

Com a designação "seus", o espírito do tempo, profundamente cristão, incluía, paternalmente, não só os familiares, mas a chamada sociedade heril, formada pelos empregados domésticos, trabalhadores manuais e respectivas famílias, que habitavam as terras do proprietário. Para todos havia guarida, alimento, assistência religiosa e comando militar nessas fortificações, as quais, com o tempo, se foram transformando nos altaneiros castelos senhoriais, de que restam hoje tantos exemplares. E, no recinto desses castelos, cabiam por vezes até os bens móveis e o gado que cada família de camponeses conseguia subtrair assim à cupidez dos invasores.

Na reacção militar, o proprietário rural e os seus familiares eram os primeiros combatentes. O dever deles era comandar, estar na vanguarda, na perigosa direcção das ofensivas mais arriscadas, das defensivas mais obstinadas.

À condição de proprietário somou-se assim a de chefe militar e de herói.

Muito naturalmente, todas essas circunstâncias revertiam, nos intervalos de paz, em poder político local sobre as terras circundantes, o que fazia do proprietário um senhor, um Dominus no sentido pleno da palavra, com funções de legislador e juiz. E, enquanto tal, um traço de união com o rei.

b) A classe nobre: participação subordinada no poder real

Assim, a classe nobre formou-se como uma participação subordinada no poder real.

Resumindo o já anteriormente dito, estava a cargo dela o bem comum de ordem privada, que era a conservação e o incremento da agricultura e da pecuária, das quais viviam tanto nobres quanto plebeus. E também estava a cargo dela o bem comum de ordem pública – decorrente da representação do rei na zona – mais elevado, de natureza mais universal, e por isso intrinsecamente nobre. Por fim, tinha a nobreza alguma participação no exercício do próprio poder central do monarca, pois os nobres de categoria mais elevada eram, em mais de um caso, conselheiros normais dos reis. E nobres eram, na maior parte, os ministros de Estado, os embaixadores e os generais, cargos indispensáveis para o exercício do governo supremo do País. Ou seja, o nexo entre as altas funções públicas e a condição nobiliárquica era tal que, mesmo quando ao bem comum convinha que pessoas da plebe fossem elevadas a essas funções, geralmente acabavam por receber do rei títulos nobiliárquicos que as alçavam, e muitas vezes também aos seus descendentes, à condição de nobres.

O proprietário, colocado pela força das circunstâncias em missão mais elevada do que a da mera produção fundiária, isto é, a de certa tutela da salus publica na guerra como na paz, assim se achava investido de poderes normalmente governamentais, de extensão local. Desse modo, ascendia ele ipso facto a uma condição mais alta, na qual lhe cabia ser como que uma miniatura do rei. A sua missão era, pois, intrinsecamente participativa da nobreza da própria missão régia.

A figura do proprietário-senhor nobre nascia assim da espontânea realidade dos factos.

Essa missão, a um tempo privada e nobre, comportou uma ampliação paulatina quando as circunstâncias – mais desafogadas de apreensões e perigos externos – iam permitindo à Europa cristã conhecer mais longos períodos de paz. E por muito tempo não cessou de ampliar-se. 

c) Delineiam-se as regiões – o bem comum regional – o senhor da região 

Com efeito, nas novas circunstâncias, os homens puderam ir estendendo as suas vistas, as suas cogitações e as suas actividades a campos gradualmente mais vastos. Constituíram-se então regiões modeladas frequentemente por factores locais diversos, como as características geográficas, as necessidades militares, os intercâmbios de interesse, o afluxo de multidões de peregrinos a santuários com muita atracção, até em zonas distantes; como ainda o afluxo de estudantes a universidades de grande renome e de comerciantes a feiras mais reputadas.

Contribuíram também para caracterizar tais regiões afinidades psicológicas peculiares, decorrentes dos mais variados factores: a tradição de lutas conduzidas em comum, às vezes por muito tempo, contra um adversário externo; as semelhanças de linguagem, de costumes, de expressões artísticas, etc.

O bem comum regional abarcava assim os diversos bens comuns mais estritamente locais. Era, por isso mesmo, mais alto e mais nobre.

As rédeas do mando desse bem comum regional iam ter normalmente às mãos de algum senhor de mais amplos domínios, mais poderoso, mais representativo da região inteira, e assim mais capaz de lhe aglutinar as várias partes, reunindo-as num só todo sem prejuízo das respectivas autonomias: tudo isto para efeitos de guerra como para as actividades inerentes à paz.

A esse senhor regional – ele próprio miniatura do rei na região, como o simples senhor-proprietário o era na localidade mais restrita – tocava assim uma situação, com um conjunto de direitos e deveres intrinsecamente mais nobres.

Assim, o senhor feudal – o proprietário-senhor nobre de cujo direito de propriedade participava um grande número de trabalhadores manuais através de um liame um tanto parecido com as actuais enfiteuses – ficava devendo ao seu respectivo senhor uma vassalagem análoga, se bem que não idêntica, à que esse senhor, por sua vez, prestava ao rei.

No topo da hierarquia social ia-se formando desse modo uma hierarquia nobiliárquica.

d) O rei medieval

Bem entendido, em princípio nada disso existia à margem ou contra o rei, símbolo supremo do povo e do País. Pelo contrário, existia abaixo do monarca, sob a sua égide tutelar e sob o seu poder supremo, para conservar em seu favor esse grande todo orgânico de regiões e de localidades autónomas, que era então uma Nação.

Mesmo nas épocas em que o esfacelamento de facto do poder real fora levado mais longe, jamais se contestou o princípio monárquico unitário. Uma nostalgia da unidade régia – e até, em muitos lugares, da unidade imperial carolíngia, abarcativa de toda a Cristandade – jamais cessou de existir na Idade Média. Assim, à medida que os reis foram recuperando os seus meios de exercer um poder efectivamente abrangente de todo o reino e representativo do bem comum deste, o foram exercendo.

Claro está que esse imenso processo de fixação, de definição e de organização, em nível local e depois regional, seguido de um não menor processo de rearticulação unificadora e centralizadora nacional, não se operou sem que aparecessem aqui ou acolá reivindicações excessivas, unilateral e apaixonadamente formuladas, da parte dos que representavam justas autonomias ou promoviam necessárias rearticulações. E tudo isto conduzia, em geral, a guerras feudais que eram por vezes longas e entrelaçadas com conflitos internacionais.

Tal era o duro tributo assim pago pelos homens em razão do pecado original, dos pecados actuais, da moleza ou da maior complacência com que resistem ao espírito do mal, ou então a este se entregam.

Sem embargo de todos estes obstáculos, o sentido profundo da história do feudalismo e da nobreza não se explica sem tomar em consideração o que ficou dito. E desta forma se modelaram a sociedade e o Estado medievais.

Na realidade, as origens e o desenvolvimento do regime feudal e da hierarquia que o caracterizava deram-se aqui e lá de modos diversos, sob a acção de circunstâncias também diferentes, não se aplicando a todos os Estados europeus, mas a vários deles. A título exemplificativo, entretanto, pode-se descrever como acima o processo constitutivo desse regime.

Muitos traços desse quadro encontram-se na história de mais de um reino que, entretanto, não teve um regime feudal no sentido pleno do termo. Exemplos frisantes de tal, são as duas nações ibéricas, Portugal e Espanha (*).

(*) Cfr., p. ex., JOSÉ MATTOSO, A Nobreza Medieval Portuguesa, Editorial Estampa, Lisboa, 1981, pp. 27-28; Enciclopedia Universal Ilustrada, Espasa-Calpe, t. XXI, pp. 955 e 958, t. XXIII, p. 1139. 

e) O regime feudal: factor de união ou de desunião? – a experiência do federalismo contemporâneo 

Muitos historiadores vêem no feudalismo instituído em certas regiões da Europa, e nas situações fundiárias para-feudais formadas em outras, perigosos factores de desunião.

Entretanto, a experiência tem mostrado que a autonomia, considerada em si mesma, não é necessariamente factor de desunião.

Por exemplo, ninguém vê hoje em dia, na autonomia dos Estados integrantes das repúblicas federativas existentes no Continente americano, factores de desunião; pelo contrário, modos de relacionamento ágeis, plásticos, fecundos, de uma união entendida com inteligência. Porque regionalismo não quer dizer hostilidade entre as partes, ou destas com o todo, mas autonomia harmónica, como também riqueza de bens espirituais e materiais, tanto nos traços comuns a todas as regiões, quanto nas características peculiares a cada uma delas.

Comentários aos trechos acima:

Quer dizer, explica a formação das regiões na Europa. Os Srs. sabem que na Europa existem os países que nós conhecemos, mas que esses países se dividem em regiões que não são apenas divisões geográficas do país, mas são quase que pequenos países dentro do país maior. De maneira que são unidades que completam a unidade maior. Se poderia dizer que são pétalas de uma mesma flor, mas assim como numa flor cada pétala tem, por assim dizer, sua vida própria, ou seja, a pétala vive da vida da flor, mas em cada pétala a vida da flor assume características correspondentes ao que aquela pétala no que ela tem de diferente das outras pétalas, assim também, a vida nacional assume características diferentes nas várias regiões que vão se modelando de acordo com os fatores que eu dei aqui.

Agora, o que é que isto tem de característico? É a organicidade

A organicidade das regiões existentes nos vários países da Europa

O que é que vem a ser aqui a organicidade?

São regiões que não foram planejadas. Não houve burocratas que tivessem um mapa, por exemplo, da Espanha, que é um dos países de vida regional mais acentuada. Não houve alguém que com um mapa dissesse: "Isso convém mais que acompanhar o leito do Rio Ebro, ou o leito do Rio Tejo. Tal região assim é melhor que faça parte de tal outra porque produz o mesmo produto e tem, portanto, [o mesmo] produto agrícola. E tem, portanto, uma unidade de interesses econômicos."

Não é assim.

As circunstâncias da vida vão se misturando espontaneamente. Então, uma determinada região é cortada em dois porque tem uma estrada pelo meio e essa estrada conduz a um santuário. Há um movimento enorme de peregrinos, que tem hospedarias ao longo da estrada, esses peregrinos às vezes passam bastante tempo descansando na hospedaria entre uma jornada e outra, conversam e contam coisas das terras de onde eles vêm etc., etc. Num período onde não há imprensa isso interessa enormemente. Por exemplo, digamos, para um peregrino vindo de Portugal ter notícias do que está se passando na Polônia é uma coisa prodigiosamente interessante. Tanto mais que no começo da Idade Média eles não tinham mapas, nem sabiam bem onde era a Polônia, uma coisa aérea, estratosférica. Mas acabam criando noção do que é etc.

Mas a estrada com toda essa peregrinação toma uma espécie de vida própria que divide a região em dois, de um lado da estrada vamos dizer, as terras são planas e de outro lado da estrada as terras são montanhosas. E, portanto, a difusão de toda a influência dos peregrinos, dos comerciantes, dos jograis etc., que passam pela estrada é diferente de acordo com as condições geográficas do lugar, que por sua vez, condicionam a produção. A produção que é condicionada pelas condições geográficas, condiciona o trabalho, condiciona no fundo, a psicologia das pessoas. E a psicologia, por sua vez, recondiciona tudo isto.

É uma espécie de círculo, mas que é de um conjunto de causas e efeitos que se entrelaçam de um modo tão rico, tão inesperado, que ninguém poderia imaginar que do conjunto desses entrelaçamentos pode sair uma Andaluzia ou pode sair, por exemplo, uma Galícia. São coisas implanejáveis e que nascem do entrelaçamento espontâneo e vivo das coisas. 

Como eram feitas as divisões e as subdivisões no mapa da Europa no tempo de Napoleão

Isto é a organicidade, e o intuito que eu tive ao descrever o aparecimento dessas regiões é exatamente o contrário de como, por exemplo, faziam as divisões e as subdivisões no mapa da Europa no tempo de Napoleão. Em que tinha ele com o mapa -- aí já havia mapas bem feitos, etc. -- com o espadagão em cima do mapa para o mapa não enrolar, ele sentado ali diante, diz: "Tal cidade fica para tal ducado assim da Alemanha" -- é uma cidade que é tradicionalmente de um outro ducado. Por quê? "Porque isto eu vou dar para o general Massena, que me serve muito. E a porção de terra que eu dou para ele é para ele ser duque desse lugar, ou príncipe desse lugar. Essa porção de terra é um pouco pobre, eu ponho uma cidade daqui e ponho lá."

Seria como... se eu estou aqui com uma bandeja com uma porção de objetos inertes: uma esponja para molhar o dedo, um muito bonito copo de cristal para tomar água, água de colônia, água mineral, um bloco de gatão, uma linda sineta. Como são objetos inertes eu posso colocar como quiser, não produz efeito sobre nenhum deles.

Tratar as nações como se fossem objetos inertes em cima de uma bandeja chamada mapa, isto é o que propriamente eu detesto, sobretudo, quando há técnicos que fazem toda uma teoria a respeito do que convém mas esquecendo-se que tudo isto é vivo, e que as coisas vivas não podem teorizar-se desta maneira. Eles fazem uma teoria e sai uma coisa diferente do outro lado da teoria deles. 

Um princípio fundamental da sociedade orgânica é de que tudo quanto é lícito, em toda medida do possível, seja livre

Quer dizer, o verdadeiro é deixar viver, é deixar acontecer, é fazer com que -- e esse é um princípio fundamental da sociedade orgânica: tudo quanto é lícito, em toda medida do possível, seja livre. Quer dizer, a teoria da sociedade orgânica para o que é bom, é muito tendente à liberdade. Porque misturar o bom com o bom, normalmente só pode dar o bem, deixa correr, deixa fazerem! Eles que façam a coisa espontaneamente, deixa os peregrinos passarem pela estrada, deixa a estrada mexer com as margens, deixa tudo acontecer. Observe e compreenda o que aconteceu para saber governar. Mas não é pegar pelo cangote e obrigar a ser aquilo que imaginaram.

O que tem é que nós somos extraordinariamente intolerantes para com o mal, para com o erro. Então não pode existir, e aí repressão. Mas para com o bem, deixe o bem correr; o bem livre, normalmente produz o bem.

Eu digo isso aos Srs. inclusive para nós nos compreendermos a nós mesmos. Porque nós estamos de tal maneira em oposição à sociedade contemporânea e de tal maneira nossa palavra para tudo aquilo que nós vemos é não, que nós não compreendemos para o que é que nós dizemos sim. E podemos ir na onda quando os nossos inimigos nos dizem que somos inimigos de todas as liberdades.

A verdade é a seguinte: Não, nós somos inimigos de vocês. Vocês dizem, vocês fazem, vocês afirmam, vocês proclamam, coisas que são erradas, que são contra a lei de Deus, contra o magistério da Igreja, contra as verdades reveladas, não podem fazer! E está acabado!

Agora, ao que é bom, ao que de si é normal, deixe liberdade porque coarctar aquilo que normalmente dá bom resultado, isto é um erro.

Eu chamo a atenção dos Srs. um pouco para o seguinte. Eu não sei se os Srs. notaram uma coisa curiosa. 

Há uma atmosfera no ar que deixa a impressão de que Dr. Plinio, interiormente na TFP, seria um tirano

Há uma atmosfera no ar que deixa a impressão de que eu sou um tirano, interiormente na TFP. E que as pessoas são obrigadas a fazer o que eu quero estritamente ao pé da letra, etc., que não podem espirrar nem tossir a não ser eu dizendo como é que deve ser o espirro, a que horas, etc.

Bem, a uma pessoa que observe o modo de eu dirigir a TFP, observará facilmente o seguinte, para tudo que é bom, eu deixo correr. E se há uma pessoa que intervém pouco na ação dos meus subordinados, sou eu. Eu olho muito, analiso muito, isso é verdade.

E não tolero o mal! Não tolero o erro. Mas é raríssimo -- fora de razão de erro e de mal -- eu intervir num departamento interno da TFP. Seja um “êremo”, seja um serviço, seja o que for, é muito raro. Às vezes eu até, faria algumas coisas de um modo um tanto diverso. Mas está ali Fulano, a quem é próprio e de que é orgânico fazer daquele jeito, deixemo-lo fazer porque acaba saindo mais direito, mais normal. É ele que está ali dirigindo e não sou eu, deixe fazer à moda dele, eu o controlo -- isso não tem dúvida.

E, quando se trata de matéria de doutrina, é preciso ser meticuloso, precisa concordar com a doutrina católica apostólica e romana em tudo e por tudo, sem dúvida nenhuma. É preciso concordar, portanto, também com a moral católica em todos os pormenores da nossa ação e o contrário eu não permito.

Mas, isto não é uma preponderância de minha pessoa, mas é a proclamação dos direitos de Deus, a quem eu devo obedecer no lugar em que me encontro.

Bem, agora, dizer que isto é de um tirano, então, tirano é Deus!

Eu me lembro que uma vez um médico estrangeiro, homem até de trato muito agradável, etc., e que veio aqui para me examinar. Terminado o exame, ele me examinou com cuidado etc., direito, eu vi que ele estava ardendo para me fazer outras perguntas que não eram de minha saúde. Fez lá as perguntas etc., ele me disse: "Bem, agora então vamos falar também um pouquinho da TFP", mas assim como uma pessoa sedenta vai ao copo d'água.

Bem, eu disse: "Pois não, então o que é que o Sr. quer perguntar?"

Ele disse: "É um pouco desagradável, mas se o Sr. morrer -- quase que eu disse a ele: "é, se o Sr. errar"..., eu não diria -- como é que se faz a sua sucessão?"

Eu disse: "A TFP está dividida em vários departamentos, serviços etc. Dentro desses serviços qualquer um que queira se destacar por sua dedicação, por seu amor à Causa, tem mil ocasiões para isso. Os chefes de serviço também têm. Todo mundo vê a vida de todo mundo. Quando eu morrer, todo mundo... Eu trato as coisas de maneira que todas as candidaturas possíveis são conhecidas. Agora, na hora, Nossa Senhora saberá como guiar as preferências. Mas o importante não é isto, é formar muitos que podem ser candidatos. E com isso dar ocasião, depois, a que o jogo livre das circunstâncias favorecido pela graça, estimulado pela piedade, pelo fervor, pedindo a Nossa Senhora que indique quem for o caso, etc., etc., fará vir quem for."

Bem, esse médico resmungou entredentes porque eu vi que ele não gostou do que eu respondi, ele sempre muito delicado, mas não gostou. (...)

Os Srs. me dirão: "Dr. Plinio, o Sr. acha que são tantos os candidatos viáveis dentro da TFP?" Eu digo: "Isso é uma outra questão, é a questão de saber quantos respondem à graça."

A mim não me toca dizer isto. Eu quero dizer que há mil oportunidades para responder à graça, e há mil ocasiões para conhecerem a doutrina católica, para a praticarem de maneira a estar no caso. O resto, se não quiser... quem não quis... ou abusará e se meterá onde não deve, ou fica de lado. Aí já são jogos da Providência, são os castigos dos homens e daí para a frente. É outra questão. 

O bem comum regional abarcava os diversos bens comuns mais estritamente locais

Um país tem uma consistência, ele tem vida, ele tem razão de viver, quando as várias regiões que o compõe têm metas espirituais, doutrinárias afins, quando as partes que o constituem têm interesses de vários caracteres temporais afins. E que, por causa disso, há um bem comum de todos que sobrepaira ao bem individual de cada parte. E que para todos, é como que orgânico e natural formarem um só mas à maneira de pétalas, à maneira de gomos de uma fruta, de uma laranja, de uma lima. Assim, sim. E não à maneira, por exemplo, das partes integrantes de uma maçã, que dá mais a impressão de uma massa do que a organicidade que se nota numa laranja ou numa lima.

A guerra, na Idade Média, tinha um poder seletivo muito grande. Vários senhores feudais de uma mesma região começam por escolher, habitualmente no caso de guerra, o seu chefe um membro de uma determinada linhagem nobre que se encontra ali. Por quê?

Porque naquela linhagem se tornou tradicional uma coragem privilegiada, um golpe de vista muito rápido. Ou então, uma capacidade de planejamento muito detida, muito lúcida, muito eficaz. Isso se transforma numa qualidade, por assim dizer, hereditária na família. E como a guerra é uma guerra de vida e de morte, e se os sarracenos tomarem conta do lugar, todo mundo será morto ou será reduzido a uma situação que não é tão diferente assim da servidão, todos têm o interesse vivo em encontrar o chefe melhor.

Daí vem um sistema de escolha que é tácito, que mais ou menos todos vêem por que é que foi feito aquela escolha. E há um consenso de todos nessa direção.

Bem, isso substitui, faz às vezes do famoso sistema eleitoral adotado pelas democracias representativas nascidas da Revolução Francesa: um homem, um voto. Eu voto nesse, aquele vota no outro, faz no fim a contagem e vão ver quem é que é o presidente da república. 

O paradoxo é em geral um sintoma da presença da vida e de uma vida retamente vivida; o paradoxo na Idade Média era muito frequente

Os Srs. veem isso de um modo muito interessante numa coisa que parece... é um dos numerosos paradoxos da Idade Média. Eu digo de passagem que o paradoxo é em geral um sintoma da presença da vida e de uma vida retamente vivida.

O paradoxo na Idade Média era muito frequente. Os Srs. encontram os feudos, que todos se agrupam em unidades feudais maiores que formam os grandes feudos, os grandes feudos se agrupam formando países, ou seja, reinos. Em geral se trata de reinos. Ou, pequenas unidades como cidades livres, pequenas repúblicas burguesas ou aristocráticas. Burguesas como, por exemplo, foi durante muito tempo Veneza; como foi durante quase todo tempo as cidades livres Bremem, Hamburg, Lübek e Dantzig na Alemanha, e daí para fora. Na Suíça, cheia de cidades livres.

Bem, eles se agrupam formando, por exemplo, na Suíça uma região quase toda ela de minúsculos paisezinhos independentes, uns aristocráticos, entre outros democráticos, de acordo com as conveniências de cada um. Mas depois, na hora do agrupamento diante de um inimigo comum, como é a coisa? É muito difícil escolher. 

No ápice da Europa feudal estava por cima dos reis, o imperador do Sacro Império Romano Alemão que deveria ser imperador de toda a Europa, de toda a Cristandade

Então, no ápice da Europa feudal os Srs. encontram por cima dos reis, o imperador do Sacro Império Romano Alemão. Que propriamente, segundo a melhor doutrina, deveria ser imperador de toda a Europa, de toda a Cristandade. O soberano dos soberanos, podendo dizer-se dele de algum modo que ele era “rex regum et dominus dominantium -- rei dos reis e dominador de todos aqueles que exercem domínio”.

Agora, como uma massa de bolo colocada no forno pode acontecer que vá se consolidando debaixo para cima, de maneira que a parte de cima é a parte que fica cozinhada mais tarde, assim também o Sacro Império Romano Alemão foi sendo cozinhado debaixo para cima. Então um mundo de... eu acho que não há no mapa da Europa, com exceção da Suíça e da Itália, não há nada de mais dividido do que a Alemanha. E na Alemanha de estadinhos minúsculos, às vezes com uns nomes curiosos, por exemplo, principado de Zwei Brüken -- Zwei Brüken são duas pontes -- formavam uma família feudal importante. O Saint Simon fala muito deles, a madame de Oberkirch fala muito deles. Parece que -- se a minha memória não me trai -- era um ramo da casa ducal de Württemberg, que tornou-se depois uma casa real.

Bom, mas vejam o que era esse estadinho no começo, senhor de duas pontes! Pode-se ser senhor de menos? Só senhor de uma ponte. Dá vontade até de sorrir, a pequeneza disso.

Ou então é um Schloss, um castelo, de uma pedra enorme, em cima do qual está com as garras de águia fincadas num castelo. Esse castelo domina uma volta no Reno, de maneira que quando os mercadores passam por lá, ou pagam para aquele senhor um imposto de passagem para manter uma estrada cuja manutenção é gratuita, como é o Reno, é a água que passa ninguém põe em ordem aquela água, aquilo vai correndo. Bem, ou eles pagam ou não podem passar, e são desembarcados, todos os bens que eles têm no navio confiscados pelo senhor e eles que vão a pé.

Então, forma um castelinho que poderia ser Schloss eine Brücke, castelo de uma ponte, ou qualquer coisa assim. Depois, com o tempo eles vão se entrecasando e formam-se pequenas dinastias locais que tem vários nomes, nomes compridos. Um nome de uma dinastia, aliás muito pouco simpática é Saxe-Coburg-Gotha. Evidentemente, são três ducados originários que por casamentos entre o pequeno senhor de Saxe, que é um fragmento da parte da Alemanha chamada Saxônia, com outro lugarzinho chamado Coburg, e com outro lugar chamado Gotha, se entrecasam, faz-se uma dinastia chamada Saxe-Coburg-Gotha, e essa dinastia começa a se irradiar pela Europa, pelos casamentos, mais do que pela guerra. Bem, o príncipe de Edimburgh, se não me engano é Saxe-Coburg-Gotha, o marido da rainha da Inglaterra. 

O lento processo de aglutinação do Sacro Império Romano Alemão

Agora, assim formam-se os grupinhos de Estados que acabam formando alguns grandes Estados. Os quatro grandes Estados que se formam no correr dos séculos são: a Baviera, o Württemberg, a Saxônia, e a Prússia, são os quatro Estados maiores. Depois existem grão ducados de tamanhos desiguais. E depois ainda existem os lugarezinhos tão pequenos que o dono feudal daquilo era chamado Freiherr - senhor livre. Freiherr von und zu, Freiherr de, e em tal lugar. O que era diferente do Freiherr só; von algum lugar, ou zu algum lugar.

Quando a coisa... mas pela recordação que eu tenho, o Freiherr von um lugar era o que mandava no lugar. O Freiherr zu um lugar era um homem que naquele lugar tinha o título Freiherr como parente do Freiherr que governava, mas ele não era o Freiherr daquele lugar, ele era um nobre independente que vivia lá mas não mandava. Enquanto que o Freiherr von mandava. E às vezes, o sujeito era Freiherr von und zu, porque ele era daquele lugar, mas antes tinha sido naquele lugar e ele somava as duas qualidades.

Assim, por um processo lento de aglutinação o Sacro Império Romano Alemão, que era por alguns lados, mais vasto do que a Alemanha. Por exemplo, a Alemanha tinha umas porções que depois ficaram pertencendo à Polônia, à Dinamarca, e assim por diante. Bom, mas afinal, seja como for, esses estadinhos iam por sua vez se aglutinando em que ponto?

À medida em que as estradas ficavam mais bem feitas, eram mais bem traçadas, eram mais bem conservadas; em que o banditismo foi desaparecendo nas estradas da europeias, pelo policiamento que esses senhores exerciam nas estradas; em que o comércio se tornava mais livre, em que, portanto, as ligações de um lugar com outro se tornavam mais frequentes, mais abundantes, as peregrinações que passavam de um lugar para outro lugar também mais numerosas, etc., etc., na medida em que as condições foram se formando assim, foram-se aglutinando esses grupos. Mas a ponta disso era a dignidade do imperador do Sacro Império. 

O Imperador do Sacro Império tornou-se hereditário de um modo muito lento e quase disfarçado

Essa dignidade foi a que levou mais tempo para se tornar hereditária, e se tornou hereditária de um modo quase disfarçado, jeitosos, mas se tornou hereditário. Como é que foi?

Em princípio havia os duques principais, esses que eu mencionei, Bavária, Saxônia, Württemberg e Prússia. Havia outros também. Havia bispos, por exemplo, o arcebispo de Colônia pertencia a essa categoria, outros prelados também pertenciam a essa categoria. Eram prelados que eram bispos e ao mesmo tempo senhores feudais de um lugar.

Colônia, por exemplo, que foi em todos os tempos uma cidade muito importante da Alemanha, os bispos de Colônia eram príncipes de Colônia. Então, quando morria o bispo, o bispo que vinha, lhe sucedia sempre com o título de bispo príncipe de Colônia. Ele governava a cidade e as terras circunvizinhas como um prefeito, mas ao mesmo tempo ele era bispo. E os alemães gostavam muito dessas administrações feitas pelo clero. Eles tinham uma frase... não é bem assim, mas é mais ou menos assim... eu desconfio muito que essas coisas se ensinem de menos em menos. Es ist gut zu leben unter der krummstab. Krummstab é báculo, é o bordão curvo.

Es ist gut zu leben -- é bom viver -- unter der -- sob -- krummstab. Porque é bom ser governado por aquele governador que usa um bastão torto em cima.

Bem, por quê? Porque eram em geral mais benignos, mais benévolos, mais concessivos nas suas liberdades e, portanto, se vivia mais em calma debaixo do poder deles.

Havia também pequenos Estados que constituíam fatos sem precedentes da História, em que eram sempre governados por mulheres e não por homens. E isso na Alemanha, tão máscula e tão varonil! Mas é por quê? Porque a abadessa do mosteiro de tal era a governadora temporal daquela zona e então tinha que ser sempre uma mulher, mas se portavam muito bem esses Estados, vivam bem, etc., etc.

Alguns destes tinham a categoria de Kurfürst. Os Kurfürsten chegaram a ser doze, eu creio que chegaram a mais ainda, eram os eleitores do imperador. Fazia-se uma festa em Frankfurt -- onde está a sede do nosso grupo -- uma festa fenomenal, vinha gente do império inteiro etc., para os Kurfürsten elegerem o imperador.

Mas saía uma política entre eles para saber quem seria imperador porque cada um gostava de ser imperador e mandar nos outros. E saía uma política medonha, que antigamente dava em guerra. Depois com a pacificação geral dos costumes começou a não dar mais em guerra, mas dava em politicagem apertada e regado com cerveja. Quer dizer, já antes da eleição eles tinham refeições muito gostosas etc., e para animar o espírito eles convidavam Baco para se sentar à mesa.

Bem, depois o imperador era eleito então começavam as festividades etc., e do alto de um balcãozinho no palácio das eleições aparecia o imperador, levavam para ele um saco cheio de moedas de ouro, ele jogava assim para o povo. E o povo então acorria dando vivas a ele e pegando cada um o número de moedas que pudesse pegar.

E havia outras cerimônias. Para festejar o imperador eleito, as fontes da cidade começavam a jorrar vinho; outras jorravam leite, e outras jorravam cerveja. Mas a jato contínuo o dia inteiro, de maneira que aquela camponesada longe, dos arredores vinha para gozar da festa gratuita.

Havia um páreo entre os Kurfürsten -- os bispos não estavam dispensados disso. Mas aí era recreativo, para se distraírem um pouco. Tinha no centro um montão de trigo e os Kurfürsten deveriam vir com uma espécie de um cone truncado mas fechado embaixo, vir a cavalo com toda pressa, passar e tentar encher de trigo aquela medida, que aquela taça enorme uma espécie de balde, comportava. Quem, no total de tantas vezes, acumulasse tal trigo, esse era reputado vencedor, era aplaudido, etc., etc.

Bem, mas depois começava a encrenca porque se tratava desse imperador começar a governar. E como o império era uma massa viva, ainda muito crua, ainda não tinha cozinhado bastante com as experiências da História, o imperador muitas vezes era um boneco de palha porque os nobres dependentes dele não obedeciam e faziam outra coisa, ele não tinha força para se impor, etc., etc. 

Uma família com muita habilidade acabou se destilando: era a Casa d'Áustria

Afinal, acabou uma família se destilando de tudo isto. E sendo uma família que com muita habilidade, com muito gênio, com muita capacidade de se fazer querer bem, muito diplomática também, muito casamenteira, acabou fazendo um tal número de casamentos que conseguiu o maior número de feudos dentro da Alemanha: é a Casa d'Áustria.

Essa casa acabou ficando de tal jeito que quando morria o imperador, era eleito pelo processo tradicional o sucessor. Mas era eleito o imperador novo e era eleito o filho do imperador com o título de rei dos romanos, e era o príncipe herdeiro do imperador. De maneira que eles elegiam o imperador e o filho de uma vez, e quando o imperador morresse, o filho substituía.

Quando chegasse o terceiro era preciso fazer nova eleição, mas essa casa arranjou um jeito de ser ela mesma todas as vezes eleita. De maneira que por detrás de todas as aparências essa monarquia se tornou eletiva [hereditária?]. Mas é por um processo, como os Srs. estão vendo, lento, um processo gradual, um processo com muita espontaneidade. E que não era admitido nenhum mal e que o bem era livre de se mover um pouco caoticamente, um pouco desordenadamente até que restos de uma coisa que um analista histórico menos reverente chamaria de barbárie, foi-se adormecendo com os séculos e que isso desaparecesse.

Isto é o exemplo da formação de uma sociedade orgânica dentro desses processos.

Se não tivesse entrado Napoleão isto teria chegado a uma consolidação. Ele tirou o bolo do forno e começou a cortar com a espada dele antes do bolo estar inteiramente assado ou cozido, não sei bem qual é o termo adequado. E deu na Europa de 1870, guerra de 1870, enfim, toda espécie de coisas. 

Todas as coisas orgânicas só podem existir quando, da parte de todos que compõem a sociedade orgânica, há uma honesta e séria compreensão de que o mundo é um vale de lágrimas

Esta situação, todas essas coisas orgânicas se fazem no fundo e só podem existir quando existe da parte de todos que compõem a sociedade orgânica, uma honesta e séria compreensão de que o mundo é um vale de lágrimas. E que é preciso sofrer e que se alguém entra dentro desse jogo resolvido a estabelecer para si uma situação onde nunca se sofre, e só se tem felicidade, esse faz o papel de bandido. Porque aí se aplica bem a expressão francesa noblesse oblige, a nobreza traz obrigações, ela impõe obrigações, é a classe social que mais tem que carregar obrigações.

Os srs. vejam, por exemplo, esse dito referente à Casa d'Áustria, [Gerant alia bela, tu felix Austria nube]. Completada por essa outra: A.E.I.O.U., Austriae est imperare orbi universo, à Áustria toca, cabe a ela, ter o domínio de todo o universo. Muito bonito, não fazem guerras, por meio de casamentos resolvem todas as coisas, e tudo se resolve comendo [crafer?] e dançando e tocando coisas de Mozart à beira do Danúbio azul.

Bem, é uma ilusão, essas coisas não são assim e trazem sacrifícios cruéis, de arrepiar. E deixam de ser assim quando as pessoas que compõem essa ordem de coisas começam a fugir do sacrifício.

 

Quando todos olham com atraçäo para a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, amam a cruz, estäo resolvidos a sofrer, tudo anda bem; quando se foge da Cruz e da dor, tudo anda mal

Olhar a coisa bem no fundo é o seguinte:

Quando todos olham com atração para a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo e amam a cruz, amam sofrer, estão resolvidos a sofrer honestamente seu quinhão de dor e reputam isto um ponto de honra sem o qual sua vida não teria sentido nem teria honestidade, quando isto é assim tudo anda bem. Quando foge da cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, foge da dor, tudo anda mal.

Os srs. vejam um caso só entre mil outros. Compete a Áustria dominar todo o universo, outros façam guerras, tu Áustria feliz casa-te.

Agora, vejam dois casos com duas irmãs. A corte de Viena era o que os Srs. sabem, ainda mais com a derrocada da corte francesa passou a ser a primeira corte do mundo, de longe.

Bem, o imperador da Áustria tinha entre outros, duas filhas. Eles tinham, os meninos -- filho do imperador -- tinham horror a Napoleão. E quando eles brincavam brinquedos de criança, o brinquedo era de enforcar Napoleão, então tinham bonequinhos, etc., com forcazinhas, etc., etc., e eles levavam o bonequinho representando o Napoleão até à fôrca, penduravam na forca, etc., etc. Agora, qual é a impressão de uma menina como a arquiduquesa Maria Luíza, quando é chamada pelo pai ou pela mãe e diz:

-- "Seu pai escolheu seu esposo."

-- "Quem é?"

-- "Napoleão."

Horror! E realmente ser casado com Napoleão era uma coisa horrível. Está bom, mas tem que ser e não tem que discutir, e ela não discutiu, foi, casou-se com ele, e levou a vida com ele durante o tempo que foi necessário. E se ele tivesse sido feliz nas guerras, ela teria encanecido, teria envelhecido, debaixo do domínio desse ogre.

Por quê? Porque o A.E.I.O.U. se paga pelo sacrifício. E uma arquiduquesa, uma princesa da Casa d'Áustria que se forma com a ideia que ela vai levar uma vida de atriz de cinema, está completamente enganada, ela vai ter que levar aquela vida no duro. 

O que representou para a Imperatriz Da. Leopoldina sair da Áustria e vir ter aqui no Brasil?

A dona Leopoldina, imperatriz do Brasil. Os Srs. já pensaram o que é que representou para ela sair da Áustria e vir ter aqui no Brasil? O que era o Brasil daquele tempo? A selvageria das coisas? O atraso das coisas? A diferença da corte de Viena? O que é que ela devia achar na noite que ela fosse ao teatro com o sogro dela, com o marido dela, etc., e a certa altura o D. João VI -- sogro dela, pai do D. Pedro I -- faz um sinal, vem um camareiro e traz num pano embrulhado um frango frio com farofa.  Ele começa desarticular com as mãos o frango e comer o frango porque estava com fome. Para quem estava vindo de Viena...!! Qual era a impressão...!

E depois, caía no sono. De vez em quando ele acordava e perguntava: "Os bêbados já se casaram?" Eram os atores da peça de teatro, era um teatro romântico e ele achava que os autores românticos eram como os bêbados, tinha uma boa parte de razão...

Bem, aturar o péssimo gênio de D. Pedro I? O horror!

Dizem que D. Pedro I teve da marquesa de Santos, concubina dele -- concubina de que a imperatriz Leopoldina tinha todo o conhecimento -- teve uma filha. Depois ia ter uma outra criança e ao mesmo tempo a marquesa de Santos também teve uma criança. E a imperatriz fez respeitosamente uma queixa ao imperador por causa disso, como é essa história não deixava de ter filhos ilegítimos. Ele meteu um pontapé nela no abdômen que ocasionou a morte prematura da criança. Aí, deu um arrependimento nele e ao menos do lado como esposo, parece que começou a ficar um esposo mais regular. Parece...

Bom, mas o que representava para ela aturar tudo isso?

Bem, eram coisas impensáveis. Mas, A.E.I.O.U., e ela ali estava garantindo o futuro de uma Áustria que era preciso que fosse aliada de Portugal porque tinha tal razão política, tal outra, para garantir essa aliança tinha que casar com Pedro I e tinha que aguentar o Pedro I até o último ponto, está acabado. Quer dizer, havia uma dor, um peso de deveres ligados ao noblesse oblige, que fazia em toda a sociedade orgânica... a organicidade acertava quando havia moralidade, e as pessoas se dominavam e carregavam a cruz por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo. Tirem isso, e a organicidade passa a ser uma lorota.

Quer dizer, no fundo tem a Fé! In principium erat Verbum. No princípio de todas as coisas está – num outro sentido da palavra princípio, o Verbo de Deus, está Nossa Senhora, mãe dEle.

Bom, meus caros, eu me distraí...


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