Plinio Corrêa de Oliveira

 

Brasil: seu povo é conservador, e sobretudo o "povão"

 

 

 

 

 

30 de março de 1993

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

  

Em conferência a simpatizantes do movimento monárquico, o Prof. Plinio recorda o ensinamento da Santa Igreja sobre a liceidade das três formas de governo (monarquia, aristocracia e democracia) e lê o que escreveu a tal respeito São Pio X na Carta Apostólica "Notre charge apostolique":

"O Sillon .... semeia portanto entre a vossa juventude católica noções erradas e funestas sobre a autoridade, a liberdade e a obediência. As coisas não se passam diferentemente [com o Sillon] quanto à justiça e à igualdade. Ele trabalha, segundo afirma, para realizar uma era de igualdade que seria, por isso mesmo, uma era de melhor justiça. Assim, para o Sillon, qualquer desigualdade de condição é uma injustiça ou, pelo menos, uma justiça menor! Princípio soberanamente contrário à natureza das coisas, gerador de inveja e de injustiça, subversivo de toda a ordem social".

O conferencista faz - sempre em um tom de amena conversa com seu público - uma análise, baseada em fatos, da psicologia da opinião pública brasileira e demonstra como esta última não corresponde aos clichês artificiais que boa parte da mídia procura impor na face do País.

Plinio Corrêa de Oliveira saúda especialmente o Chefe da Casa Imperial do Brasil, Dom Luís de Orleans e Bragança, bem como seu irmão, o Príncipe Imperial Dom Bertrand de Orleans e Bragança, presentes à mesa, como se pode ver.

Para aprofundar o assunto das desigualdades justas e harmônicas, bem como as formas de governo à luz da Doutrina Social da Igreja, seja em tese como concretamente, veja a última obra de Dr. Plinio "Nobreza e elites tradicionais análogas nas Alocuções de Pio XII ao atriciado e à Nobreza romana".

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* Capacidade de ação e integridade de espírito dos Príncipes, uma larga recompensa para quem os formou

Alteza Imperial e Real, Príncipe Dom Luís de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil; Alteza imperial e Real, Príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança, Príncipe Imperial do Brasil, minhas senhoras, meus senhores.

Bastaria ouvir de Dom Luís Orleans e Bragança as palavras referentes ao contributo que eu pude dar à formação dele e de Dom Bertrand, para me considerar feliz. Porque se um homem se dedica à formação da mocidade pode ter dois discípulos que com este brilho, com esta integridade de pensamento, com essa capacidade de ação, com esse denodo, com essa simpatia sabem lançar-se agora na vida pública do Brasil, tão logo a laje funerária injusta da cláusula pétrea foi tirada de cima do ideal monárquico, e lhes é dado, portanto, desfraldar a bandeira do Brasil do tempo de seus avós, se isto é o prêmio de alguém que quis formar muitos jovens, esse alguém está largamente recompensado. [Palmas]

No tempo em que a cláusula pétrea vedava à dinastia brasileira, aos descendentes daquele que proclamou a independência do Brasil, Dom Pedro I, lhes vedava qualquer ação política, a pedido e a desejo do saudoso e falecido Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, pai de ambos, eles se inscreveram na TFP quando ainda muito jovens. Naturalmente, mais cedo se inscreveu nela Dom Luís que vinha a São Paulo com Dom Pedro Henrique, passava algum tempo aqui enquanto Dom Pedro Henrique tinha negócios a tratar aqui e voltava depois para o Paraná. E Dom Bertrand me contou numa ocasião a cena encantadora, que quando Dom Luís voltava para o Paraná, que ele e Dom Bertrand saíram a cavalo em longos percursos pelos cafezais do norte do Paraná e que Dom Luís lhe contava as suas impressões de menino a ele, Dom Bertrand, meniníssimo, sobre o que tinha sido essa TFP para a qual o seu querido progenitor os encaminhava.

O resultado parece ter sido positivo, porque eles acabaram entrando para a TFP. E na TFP ocuparam desde logo, não só pela sua ilustre origem, mas acentuadamente pela sua integridade de espírito, pelo seu aprimoramento de piedade, pela sua prestatividade a todos os serviços, pela sua preocupação pela causa do Brasil, não só no terreno político de que a TFP não cuida, mas para o qual o formava Dom Pedro Henrique, mas no terreno sócio-econômico e cultural a que o príncipe Dom Luís acaba de se referir, eles se destacaram nesses vários setores e são membros proeminentes e queridíssimos dentro da TFP.

A TFP vê com gosto que eles tomem o passo próprio, e entrem no terreno onde ela não entra, no terreno propriamente político em que ela não entra, a TFP vê isso com gosto, porque vê uma esperança para o Brasil, em que dois príncipes deste quilate empunhem uma bandeira e caminhem rumo a uma solução nova para esse Brasil atormentado que temos diante de nós. [Palmas]

* O grande perigo do comunismo está em crer-se que ele é maior do que na realidade o é

Vós me direis que se a TFP não cuida de assuntos políticos e se ela não é uma entidade que esteja diretamente engajada no problema Monarquia sim, ou Monarquia não, república sim, ou república não, vós não sabeis bem exatamente o que eu vim fazer aqui. Eu preciso, portanto, começar por explicar-vos um pouco a minha presença porque assim tereis em vista ao longo da exposição que desejo apresentar-vos, tereis em vista o ponto central em torno do qual se traça todo o meu pensamento.

A TFP foi fundada no ano de 1960 e tinha em vista um Brasil convulsionado e que se encaminhava para a crise de João Goulart, que teve todas as perturbações, todos os percalços que os senhores conhecem e que desembocou depois no período do regime militar, e depois do regime militar no regime democrático onde o Brasil atualmente se encontra.

Acontece que já nesse período o perigo comunista era muito grande no Brasil. Grande porque o comunismo tinha nas mais altas esferas do governo apoios importantes, grande porque o comunismo encontrava também apoio considerável em boa parte da mídia, grande sobretudo por causa de um fato que me chamou muito a atenção desde aquele tempo, e já antes dele, o fato de que a população brasileira iludida por esses ou por aqueles fatores considerava esse perigo maior do que era, considerava um perigo invencível, um perigo contra o qual não adiantava opor resistência. Razão pela qual inclusive nas classes sociais naturalmente mais empenhadas pelo interesse próprio, e pela missão própria, pelo dever próprio, em opor resistência ao comunismo – eu digo as classes mais ricas, as classes mais ilustres, as classes mais dotadas de poder e de influência – precisamente nessas classes eu via propagar essa ideia de que era preciso governar segundo a fórmula malsinada: "Ceder para não perder".

* Ceder para não perder, a fórmula da capitulação

Ceder para não perder. Imaginem um homem que tem uma doença na ponta desse dedo. Ele pode lutar contra essa doença aplicando remédios, etc., mas ele fica com medo que a doença progrida, e como esse medo é nele exagerado, ele prefere cortar o dedo a fazer o tratamento.

Bom, então ele cedeu e não perde. Ele não vai morrer. Mas se reaparecer o mal no que restou do dedo, ele corta a mão, e se aparecer aqui, acaba cortando o braço. Ceder para não perder é a fórmula de se entregar, é a fórmula de capitular, é a fórmula para morrer. Era essa fórmula que dominava naquele tempo o ambiente dirigente brasileiro e que ainda tem sobre esse ambiente um efeito funesto, do qual eu tratarei daqui a pouco com os senhores.

* Fundação do anticomunismo autêntico

Diante disto eu resolvi, com um grupo de amigos, fundar a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, destinada a fazer face ao comunismo; mas não apenas por um anticomunismo vulgar, que consistisse em mostrar todas as crueldades, todos as ignominias, toda a injustiça intrínseca do regime comunista, mas também em acentuar os valores básicos do país, cuja persistência impediria que o Brasil se tornasse comunista.

Em outros termos, se o Brasil continuasse fiel à sua tradição católica, se o Brasil continuasse fiel ao regime de propriedade privada, se o Brasil continuasse fiel à instituição da família, o comunismo não venceria. Para vencer o comunismo não basta disparar contra ele, é preciso erguer muralhas que ele não possa transpor. Daí a ideia de fortificar a tradição, a família e a propriedade para opor assim ao comunismo as barreiras necessárias.

* Primeira luta: contra a Reforma Agrária do Governo João Goulart

E esta sociedade se fundando, nós começamos a nos pôr a campo e a nossa primeira grande ação foi contra a Reforma Agrária socialista e confiscatória. Uma Reforma Agrária proporcionada exatamente pelo governo João Goulart e que traria como consequência a divisão das terras mais ou menos em lotes iguais para o Brasil inteiro, gratuitos, porque o governo confiscaria as propriedades deixando ao atual proprietário apenas umas ninharias das terras que ele possuía, não lhe pagando indenização nenhuma e dando para os trabalhadores manuais as terras partilhadas.

Nós estávamos vendo que isso daria num desastre que é o desastre que se encontra a Rússia presentemente. Os jornais têm falado tanto dos estertores de fome e de miséria dos quais se debate a Rússia, que eu não preciso acentuar o desatino desta forma de organização social. Eu digo apenas uma palavra sobre a injustiça.

* Fundamento da propriedade

A propriedade é uma instituição que se radica em dois Mandamentos da Lei de Deus: "Não furtarás, não cobiçarás os bens alheios". Ao homem não é lícito arrancar a propriedade legitimamente adquirida por alguém. O próprio Estado não pode arrancar essa propriedade, porque não foi o Estado que deu a propriedade a ninguém, o homem conseguiu a propriedade pelo feito de seu próprio trabalho, porque ele considerou as coisas que Deus pôs para o homem e que não tinham dono, e dela se apropriou. Quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, o primeiro ato de propriedade privada que se definiu foi do primeiro português que pegou uma fruta e comeu. E pelo que eu conheço do bom apetite dos nossos caros ancestrais portugueses, é de supor que isto não tenha tardado muito a se exercer.

Por quê? Qual era o direito deste bom português sobre a banana ou sobre a laranja que ele encontrou diante de si? Aquela laranja, aquela banana não tinham dono, foram criadas por Deus e estavam ali à espera de alguém que a comesse; apareceu alguém, esse alguém colheu, na hora que colheu ficou dono. E se ele com isto plantou uma bananeira numa terra que também não tinha dono, ele ficou dono da bananeira, ficou dono da terra. E como ele tinha filhos aquilo era de seus filhos. A família e a propriedade tinham conduzido ao regime vigente atualmente. E acabou-se.

* Uma luta que abrange vários campos de ação

Então, diante dessa ideia, a TFP resolveu lançar uma campanha contra a extinção virtual da propriedade privada pela Reforma Agrária, depois várias campanhas contra o divórcio que teriam sido todas bem sucedidas – e o que eu vou dizer agora se baseia em palavras do cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Sales – se o episcopado do tempo em que o divórcio entrou no Brasil tivesse combatido o divórcio com o empenho com que combateu o Cardeal Mota, antigo arcebispo de São Paulo – diz o próprio Dom Eugênio Sales – o divórcio não teria entrado.

Seja como for, lutamos a favor do [casamento indissolúvel] e de lá para cá a favor de um mundo de instituições, de disposições legais etc., ameaçados pela onda da esquerda, e que conseguimos manter de pé, pela atuação da TFP.

A mais recente dessas campanhas foi a campanha a favor da independência da Lituânia. Os senhores todos conhecem o resultado dessa campanha. As vinte TFPs e bureaux-TFP existentes no mundo se puseram em ação e recolheram mais de cinco milhões de assinaturas em favor da independência da Lituânia. Os senhores me dirão: "Mas o que tem o Brasil que ver com isso?"

Uma carta que eu escrevi ao presidente Collor, e ao ministro Rezek, são duas cartas, eu fiz notar bem isto. Uma nação que vê outra nação pequena e fraca que é jugulada e a nação forte não protesta, no dia que contra esta nação forte pule um outro adversário mais forte, ela também não terá o direito de protestar. Não se trata de defender o interesse, trata-se de defender um princípio. É o princípio de propriedade das nações sobre os territórios, que é análogo ao princípio da propriedade dos homens sobre as terras, e é o contrário do despotismo comunista que se julga no direito de dispor das nações, dos homens, e de tudo o mais segundo o bel talante de uma meia dúzia de tiranos instalados no Kremlin. De maneira que é nesse sentido, é nesta linha que a TFP tem desenvolvido sua ação.

* Um desmentido do "povão revoltado"

Isto importa aos senhores enquanto monarquistas debaixo de vários pontos de vista. Não vou explicitá-los todos, eu me limito a um. É o seguinte:

Existe a ideia muito generalizada, como eu disse, sobretudo nas classes mais altas da sociedade, existe essa ideia de que o povo, o "povão" como dizem muitos, esse povo que nós vemos andando a pé pela rua, que vemos dependurado em ônibus, que vemos morando nos bairros dormitórios, levando uma vida muito penosa, etc., que este "povão" é revoltado, que ele ferve de indignação contra suas próprias condições de vida, e que de um momento para outro ele passará para a revolução social. E de que, portanto, é preciso ceder.

E daí vem uma série de concessões, daí vem a indiferença com que um grande número de pessoas da classe alta acompanharam nossas campanhas contra a Reforma Agrária, etc., e o desejo, o pânico de lutar, de enfrentar; o desejo de ceder. Que entre outros fatos encontrou sua expressão muito característica num pleito em que se confrontaram em São Paulo o Senhor Jânio Quadros enquanto candidato tido como conservador e Lula enquanto candidato realmente esquerdista.

Todos os jornais do tempo acentuaram que Jânio Quadros ganhou e Lula perdeu porque Lula tinha seu eleitorado nos Jardins, nos bairros de classe alta, enquanto Jânio Quadros tinha seu eleitorado no "povão". E o "povão" era conservador e não queria Lula. E, pelo contrário, os Jardins abriram-se para Lula, para se abrirem ao que eles imaginavam que era o líder do "povão", e para estabelecer um regime de concessões diante do povão. Eles ficaram diante desse desapontamento. "Infelizmente – talvez tenha dito alguns deles; felizmente e graças a Deus, digo eu – o "povão" não quis Lula, o "povão" quis Jânio Quadros". O resultado é que foi uma decepção e um fracasso para a esquerda.

* Desfazendo o fantasma do igualitarismo

Bem, esta posição levaria uma pessoa a dizer que a monarquia é um ideal, um objetivo completamente impraticável, porque a monarquia representa uma forma de governo em que um está no ápice, e é o Imperador. Em torno dele uma família que está no ápice de todas as famílias, e é a dinastia imperial, e cercados do aparato indispensável ao espírito mesmo da forma de governo monárquica.

Ora, pensam muitos, o "povão" odeia isso. Se se perguntar para eles qual é a prova disso, eles vêm com provas arcaicas: é o povo que atacou o castelo de Versailles e que levou o rei e a rainha presos para Paris, e que acabou decapitando. Sem nenhum constrangimento eles alegam o fato histórico de 1789 para provar que as coisas são assim em 1991. Com um desembaraço que deixa aturdido. Ou então é o assassinato da família imperial russa em Ekaterineburg. É porque o povo não tolera a pompa monárquica, porque o povo não tolera a figura do imperador, porque o povo quer a igualdade, e a igualdade absoluta, e porque o povo não tolera outra coisa senão a igualdade. Nunca permitirá em pleno século XX, no ano de 1991 a monarquia.

Eu venho aqui tomar esta afirmação e analisá-la com os senhores. Porque a meu ver a ideia que têm muitos de que a monarquia é inviável porque o povão não quer a monarquia, ideia que como nós veremos daqui a pouco não tem fundamento; é esta ideia que leva muita gente a se retrair diante de vós.

Vós representais a impossibilidade, vós representais a ressurreição; a ressurreição é um milagre, e em política não há milagre, e por esta razão não vale a pena deter-se diante de vossas brilhantes esperanças, de vossas elocubrações políticas artisticamente belas, mas sem viabilidade em nossa época, porque o povo quer a igualdade e não há meio de tirá-lo dessa mania da igualdade. O problema da igualdade se encontra, a meu ver, inclusive no centro do problema do plebiscito.

Agora, acontece que exatamente esta questão da igualdade está no centro dos temas tratados pela TFP. Só que vós partis desta questão e caminhais para o terreno político; é o vosso. Nós partimos desta questão e caminhamos para o terreno sócio-econômico; é o nosso. Mas nada impede, tudo indica a conveniência de que um velho estudioso desse tema os entretenha durante algum tempo sobre ele para animar as vossas esperanças, desfazendo esse fantasma do igualitarismo que tão categoricamente, tão radicalmente se põe aos olhos de muita gente.

Aqui está, portanto, a explicação de minha presença neste momento e do tema que nós devemos abordar. Vamos entrar nele desde logo e sem mais perda de tempo.

* O igualitarismo, o povo católico e a "Igreja progressista"

Eu quereria, entretanto, acrescentar ao que acabo de dizer mais um dado, e o dado é o seguinte. Se é verdade que o regime monárquico é um regime oposto ao igualitarismo radical que se levanta como um fantasma em quase todos os países modernos, se isto é verdade, é verdade também que este fantasma tem zonas ideológicas – eu já não estou falando de zonas sociais, camadas sociais –, zonas ideológicas que lhes são mais infensas, mais contrárias a esse fantasma. E há zonas ideológicas que são mais favoráveis a esse fantasma.

Quais são essas zonas mais favoráveis? Já temos falado bastante de contrários, vamos falar de favoráveis.

Eu pretendo mostrar aos senhores que a zona da opinião brasileira que suficientemente esclarecida é mais apta a ser trabalhada contra esse fantasma, a se falar contra o igualitarismo, esta zona é o que se pode chamar a opinião católica.

Opinião católica o que é que vem a ser? Todo o mundo diz que o Brasil é um país católico, mas ao mesmo tempo há uma propaganda tremenda pela mídia que vem afirmando que as chamadas seitas estão prosperando extraordinariamente e que estão arrancando à Igreja Católica grande parte de seus fiéis, que entram então para igrejolas novas – aqui em frente eu vi alguma coisa desse gênero, funcionando numa espécie de armazém – e que com isso estaria entrando no Brasil muito dinheiro norte-americano, e que com o dinheiro norte-americano as pessoas mudam de religião.

Várias vezes na História do Brasil o capitalismo norte-americano tem feito investidas com grossas aplicações de dinheiro para propagar o protestantismo. Eu mesmo, no tempo de minha mocidade, pertencia a uma legião chamada “Legião São Pedro”. Eu pertenci não. Essa legião estava morta e essa minha Congregação Mariana funcionava na sede dessa antiga legião. Chamava-se “Congregação Mariana da Legião São Pedro”. Eu perguntei uma vez a um padre: "Padre, o que foi essa Legião de São Pedro em cuja sede cômoda nós vivemos?"

Ele deu um risinho e disse: "Você não compreende essas coisas. Era um tempo em que a propaganda protestante era muito intensa e a Legião de São Pedro era de fiéis especialmente ardorosos pelo papado, e que quando sabiam que havia um comício em rua de protestantismo, apareciam para fazer discussões, e como hoje em dia – naquele tempo – todo mundo usa bengala, acaba saindo bengalada de parte a parte". Disse o padre: "Não se horrorize, mas as condições do tempo eram essas".

Eu preciso dizer que eu não me horrorizei nem um pouco.

Não é verdade que o desgaste da Igreja Católica seja tão grande. A Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana está infelizmente devastada por uma crise interna, que é a crise do progressismo que os senhores conhecem, crise que deve muito ao igualitarismo; é uma crise de penetração do espírito igualitário de nossa época, da nossa sociedade civil dentro da Igreja. Numa carta escrita por Mons. Dell’Acqua, subsecretário de Estado da Santa Sé, ao cardeal Motta, está dito isto: "Que os erros da sociedade civil muitas vezes penetram no organismo da Igreja e que é preciso expulsá-lo de dentro do organismo da Igreja".

O progressismo visto sob alguns de seus aspectos é o igualitarismo, é o mesmo fantasma vivendo dentro da Igreja. Outro tema que não tem relação direta com os senhores, mas a que eu aludo apenas por causa do seguinte: para dizer aos senhores que os senhores encontrarão duas espécies de católicos. Há os católicos progressistas; com esses não percam tempo, porque os senhores não conseguirão absolutamente nada. Há outros católicos que não são progressistas, que são nostálgicos do período anterior a essa ocupação da Igreja Católica pelo progressismo, católicos esses que têm o espírito tradicional da Igreja Católica, e que são – vós vereis daqui a pouco fatos concretos que dizem isso – incontáveis. A experiência da TFP que diz.

E se eu estou aqui falando da experiência da TFP e da ação dela junto ao povo brasileiro, não pensem que eu estou aqui elogiando a TFP, eu estou elogiando o povo brasileiro. O que os senhores vão ouvir daqui a pouco é um elogio do povo brasileiro como ele é hoje, pego na sua realidade viva, concreta, palpitante, e os senhores verão o que é o Brasil verdadeiro. [Palmas]

* A democracia nascida organicamente não tem ódio da monarquia e ambos regimes coexistem naturalmente

Alguém dirá: "Mas doutor Plinio, o que é esse igualitarismo de que o senhor está falando? Não é melhor o senhor definir?"

Eu estou tão persuadido que é melhor eu definir, que eu passarei a defini-lo agora.

O igualitarismo não é uma fobia contra toda desigualdade, é a fobia contra um certo modo de ver o problema da desigualdade. Na Europa – eu vou me reportar a um panorama histórico muito antigo, mas isto tem sua força de argumentação no nosso tema – na Europa, post-carolíngia, depois de Carlos Magno, o império de Carlos Magno foi dividido em três filhos. Um deles ficou com o território que grosso modo poderíamos chamar da Alemanha atual, da Áustria atual, enfim dos povos de língua alemã; Suíça alemã etc., um pouco da Holanda, da Bélgica. E depois o Reino de Lotário que era uma longa faixa entre o reino da Alemanha e depois a França, o reino de Lotário que vinha como uma longa faixa, ocupava toda a península itálica, passava pela Suíça, percorria um território intermediário entre a Alemanha e a França, e ia desembocar no ponto onde o Reno desemboca no mar. E depois o reino dos Francos, que veio dar depois na França.

Nesse reino de Lotário, exatamente havia acidentes geográficos muito difíceis de serem vencidos; quer dizer, havia muitas montanhas e essas montanhas – os Alpes – tornavam muito difíceis a comunicação de um lugar com outro. E a comunicação, portanto, das várias partes do reino com o poder central do rei.

De outro lado, também, acontecia que esses povos, dessa faixa, pertenciam a tribos outrora bárbaras, que falavam línguas diferentes, que tinham tradições diferentes, e que não se fundiam entre si. Isto levou a que o reino de Lotário se dividisse numa porção de pequenas circunscrições quase completamente independentes. Dessas circunscrições algumas eram governadas monarquicamente por titulares nobres; outras eram governadas pelo povo – igualitárias, debaixo desse ponto de vista – que entendia que o povo deveria eleger um corpo que eles chamavam às vezes de Senado, às vezes de Câmara, dependia de cada lugar, um corpo eleito que deveria governar a cidade e uma certa faixa de terra em torno da cidade.

Bem, e assim houve no reino de Lotário, em plena Idade Média, cidades com organização mais ou menos republicana e igualitária, com uma larga participação do povo na política da cidade. E outras cidades ou terras, agrícolas, rurais, governadas por príncipes, por condes, por nobres que tinham poder monárquico ali e ficavam dependentes do poder monárquico do rei. Uma espécie de prefácio do feudalismo.

Entre uns e outros, entre os partidários desta organização democrática e os que eram partidários de uma organização monárquica não houve atrito por causa da questão de uns serem monarquia e outro república, porque parecia normal a todo o mundo, naquela época bafejada pelo espírito da Igreja, parecia normal a todo o mundo que cada povo e, portanto, no caso concreto, cada cidade, cada distrito escolhesse uma forma de governo de acordo com a mentalidade, os costumes, as tendências da respectiva população. Entendia-se que não havia nisso uma questão filosófica, que isso era inteiramente indiferente, e de tal maneira essas cidades de caráter democráticos sobreviveram, que quando tudo isso se organizou mais tarde...

A Lotaríngia desapareceu, uma parte dela passou para a Alemanha, outra parte passou para a França; e na Alemanha essas partes continuaram a viver, houve durante todo tempo em que existiu o Sacro Império Romano-Alemão, portanto, durante a Idade Média, os Tempos Modernos e mais ou menos até Napoleão, houve cidades livres de caráter republicano que viviam sob o bafejo do Imperador do Sacro Império. Ele não via isso com maus olhos, e eles não viam com maus olhos o Imperador, coexistiam normalmente.

* Cidadãos de uma nação democrática, os mais dedicados heróis na defesa da monarquia francesa

Para os senhores terem ideia até onde ia isto, quando arrebentou a Revolução Francesa e que os vagalhões de desordeiros de Paris, multiplicados em seu número por desordeiros misteriosamente recrutados da Europa inteira, assaltaram o Castelo de Versailles, levaram o rei e a rainha presos para Paris, onde ficaram postos mais ou menos sob prisão no castelo das Tulherias; depois acabaram assaltando as Tulherias e jugulando o rei e a rainha, e levando para a Torre do Templo de onde foram levados por sua vez para a decapitação; contra esses vagalhões de republicanos igualitários, eles sim – e eu vou descrever daqui a pouco a mentalidade deles – os senhores sabem qual foi a tropa mais heróica, que mais lutou pela monarquia? Foram os soldados das pequenas repúblicas suíças que constituíam a Guarda Suíça e que eram contratados mediante finanças pelo rei da França para servir no exército francês.

Muitos deles morreram heroicamente defendendo a monarquia. Eles não viam o entrechoque Monarquia e república como, por exemplo, veria o Marechal Deodoro. Seja dito entre nós aqui, baixinho, sem silenciar os microfones, mas sem fazer barulho, o Marechal Deodoro não via muita coisa, isto era uma das muitas coisas que o Marechal Deodoro não via.

Mas o fato concreto que até hoje a república suíça construiu um lindo monumento com um leão expirante que apoia sua pata já sem vigor sob um escudo de formato medieval, com flores-de-lis – era o emblema da casa real da França – e embaixo com uma legenda: "... fides et virtutes" – "em honra à fé e a coragem dos helvéticos". Quer dizer, era uma homenagem da república suíça aos que morreram na defesa da Monarquia francesa.

Os senhores estão vendo como esta oposição não se via como ela começou a ser vista mais ou menos pelo século XVIII e depois continuou até os nossos dias.

Há, portanto, uma forma de gosto pela democracia que entende que cada povo escolhe sua forma de governo como quer, de acordo com sua história, etc., e que esta forma de governo é uma forma que não entra em colisão com outras, que não há razão para povos brigarem por causa de formas de governo, serem adversários por causa de formas de governo, como não há razão para homens serem adversários por causa de forma de governo. São opiniões práticas, sobre coisas concretas, a respeito das quais se pensa como se queira pensar.

* O pensamento igualitário

Qual é a posição do igualitarismo? Isso é igualitarismo? Não é. O que é que vem a ser igualitarismo?

Igualitarismo é uma posição filosófica. Essa posição nasceu no século XVIII, como eu disse aos senhores, em fins do século XVIII. Podem-se ver raízes dela muito antes disso, até no século XVI, mas essa doutrina afirmava o seguinte: que sendo os homens todos iguais por natureza, quer dizer, todos nós somos igualmente homens, sendo os homens todos iguais por natureza, é um insulto que um homem seja mais do que o outro debaixo de qualquer ponto de vista... [Vira a fita]

... igualdade de dinheiro, de situação econômica, igualdade de situação social, igualdade de situação política, é um imperativo da natureza humana, e que, portanto, no mundo inteiro só existe uma forma de governo que é forma de governo justa, é aquela que introduza a igualdade em absolutamente tudo. E, portanto, a mais injusta das formas de governo é a monarquia, porque estabelece num grau mais eminente a desigualdade, é a forma em que um rei ou um imperador e uma família se destacam sobre todos os outros a perder de vista. Então, seria a mais injusta das formas de governo. Depois dela, a da aristocracia, outra forma de governo em que um grupo de família nobres, embora não tendo acima de si um imperador, ou um rei, mandam num determinado país. Assim foi, por exemplo, Veneza no tempo de seu apogeu na Itália.

Depois outros, então, dizem: a única forma de governo justa é a forma de governo democrática, e a forma de governo aristocrática ou a forma de governo monárquica são formas de governo injustas, contrárias à dignidade humana e absolutamente insuportáveis, intoleráveis.

* Protestantismo, primeira das Revoluções igualitárias

Bem, por causa disto é preciso fazer uma série de revoluções sucessivas na História, em que todos os povos que estão na camada de baixo se revoltem sistematicamente contra os que estão na camada de cima, e por causa disto também nós tivemos três grandes Revoluções na História que marcam o ocaso do Ocidente.

A primeira grande Revolução que indica o aparecimento desse igualitarismo absoluto no Ocidente é a Revolução protestante. A Revolução Protestante teve muitos aspectos. Um deles era o aspecto igualitário, ou seja enquanto a Igreja Católica é uma monarquia, tendo no seu píncaro o Papa, é uma monarquia completada por uma aristocracia que é chamada a Igreja docente, ou seja, os bispos e os padres, e é seguida por uma plebe da Igreja a que pertencemos nós, e eu, plebe da Igreja, digo isso com satisfação, é minha honra pertencer à plebe da igreja, porque eu pertenço à Igreja, e a minha maior honra na vida é ser católico, apostólico romano. [Palmas]

Então, esta plebe deve ser orientada porque Nosso Senhor mesmo deu a parábola celestialmente bela, e se me for lícito dizer, celestialmente poética, do Bom Pastor com as suas ovelhas. O Pastor é o rei da ovelhas, e não há meio de fazer república a não ser que se seja freneticamente ecologista – e chegaremos até lá – mas a menos que se seja freneticamente ecologista, não haverá meios de fazer de outra maneira. O pastor é o rei das ovelhas, ele é o pai das ovelhas: felizes as ovelhas que têm pastor! É uma coisa evidente.

Nosso Senhor por isso colocou o Pastor, que é São Pedro, são os sucessores de São Pedro, à frente da Igreja Católica. Depois ele colocou abaixo de São Pedro outros pastores locais, porque um só para governar o mundo inteiro, ainda mais naquele tempo, sem rádio nem televisão – feliz tempo! – nem telégrafo, nem aviação, não era possível dar um apoio completo a todo o imenso rebanho de Cristo. Ele colocou pastores locais que devem obedecer ao Pastor de cima, na solicitude dEle pelo rebanho. E o rebanho assim, provido de pastores, e encaminhado pelo sopro da graça, o rebanho que é a Igreja Católica deve percorrer a História até o último dia do Juízo em que serão julgados os vivos e os mortos, em que serão julgados os bons e os maus. Está na natureza da Igreja.

A Revolução Protestante, em algumas seitas protestantes começou por acabar com o rei da Igreja, negar o Papado. Mas outras seitas protestantes negaram a aristocracia da Igreja, negaram o episcopado e negaram até o sacerdócio, e estabeleceram a igualdade completa. Foi a primeira afirmação da igualdade não como uma coisa, como um princípio que se aplica em um lugar, não em outro conforme as circunstâncias, mas como um princípio de justiça, como um princípio de organização aplicável como uma lei de ferro ao mundo inteiro igualmente. Daí foi a primeira Revolução.

* O delírio igualitário da Revolução Francesa

Esta Revolução teve sua repercussão no terreno político, e se nós vamos ver a Revolução Francesa de 1789, o que ela fez foi aplicar ao terreno político aquilo que no terreno religioso fora feito pelos protestantes. A Revolução Francesa acabou com o rei, como o protestantismo tinha acabado com o Papa. Ela quis acabar, em boa medida ela minguou, diminuiu a nobreza, como o protestantismo tinha feito com o clero que era a nobreza da Igreja. E ela proclamou o direito absoluto de todo homem de não ter superior sobre si.

Para usar uma expressão de um deles, era preciso chegar o dia em que se enforcasse o último nobre nas tripas do último padre, de maneira que acabasse toda desigualdade no mundo. E durante a própria Revolução Francesa nasceu uma forma de igualitarismo mais radical ainda na escola de Babeuf, um revolucionário que disse: "Não basta acabar com os nobres, é preciso acabar com os ricos, é preciso acabar com a propriedade, todo o mundo é dono de tudo".

 E o frenesi igualitário chegou a tal ponto que eles fizeram uma lei mandando derrubar as torres de todas as igrejas porque todos os edifícios deviam ter a mesma altura, mandar derrubar todas as árvores que excedessem um tanto de altura, porque não era justo que umas árvores fossem mais altas do que outras.

* Nas classes altas o terror da esquerda gerando a vontade de não lutar; embaixo, o desejo de lutar a favor dos que estão em cima: o grande paradoxo de nossa história

Aí os senhores têm bem o espírito do igualitarismo, a mentalidade igualitária. É esta mentalidade igualitária que levou evidentemente ao comunismo. O comunismo acabou com todas as camadas sociais, acabou com todas as desigualdades, ou ao menos pretendeu acabar, fingiu que acabou com todas as desigualdades. De fato ficou com uma desigualdade, um clã de aventureiros chamados nomenklatura, que às ocultas praticavam uma pobreza muito austera; mas enfim... Isso todo o mundo sabe. Todo o mundo sabe. Mas o fato concreto é que por esta forma nós chegamos ao igualitarismo total, ao igualitarismo absoluto e sem freios, que se quer imaginar que o "povão" tem, e que se proclama, portanto, que é a sanha do povo que vai pular em cima dos que têm mais.

Eu me lembro que antes de estudar estas questões com cuidado, quando eu era rapazinho, eu via muitas vezes grupos de pessoas que saíam dos bairros pobres em bondes e vinham para lugares onde se disputavam partidas de futebol. Então, vinha aquele bonde devagar, e o condutor apertando uma campainha, plan-plan-plen!, para chamar a atenção, e gente pendurada no estribo do lado de fora, eram bondes antigos, e depois no teto ainda tinha gente, e gritando coisas: "Morra o Palmeira, morra o Paulistano! Viva o `Palestra Itália", e daí para fora, de um bonde para outro, berreiro etc., e eu olhava para aquilo e dizia: "Isto aqui deve ser um pessoal igualitário frenético, e quando eles se puserem a fazer uma revolução social nós vamos ver o que é que vai ser uma coisa dessas".

Eu acreditava piamente que esta era a gente que estava com vontade de fazer conosco, os ricos da cidade, o que o pessoal do tempo de Robespierre tinha feito com os nobres, e o que Babeuf queria fazer com os ricos também. Isso era uma coisa para mim líquida.

A grande surpresa de minha vida foi quando eu, por circunstâncias que não lhes interessam, entrei para a Congregação Mariana de Santa Cecília; entrei por fé, porque eu queria ser um bom congregado mariano, mas destaquei-me algum tanto do meio em que nasci, que era o meio, para aqueles tempos ainda não havia os Jardins, mas era os Jardins: era o bairro de Higienópolis.

Destaquei-me um tanto e comecei a conviver com o pessoal mais simples, que era o pessoal das Congregações Marianas. E pensei que ia encontrar ali um misto de revolução e de religião, uma coisa salobra que se tratava de separar: de um lado os católicos bons, amigos da hierarquia, e de outro lado os maus que eram os inimigos da hierarquia. E verifiquei com pasmo que aquela gente mais simples, entre os quais muitos eram operários, eram pessoas muito mais conservadoras do que o meio conservador e até monárquico em que eu tinha nascido. Eu fiquei... Se se pudesse de fato cair impunemente das nuvens, eu teria caído de muitas nuvens. Eu não acreditava, eu ia conversar com eles com jeito. Eu pensava: "Eles vão me acolher mal porque eu pertenço à classe negreganda". Me acolheram muito bem, com muita naturalidade, com muita dignidade, nos fundimos muito bem.

Depois eu pensava: "Onde é que está o comunista entre eles?" Não tinha! Eu falava contra o comunismo, eles diziam: "Isto mesmo! Está muito bom!"

Quando eu ia à festa do Clube Paulistano, eu não encontrava essa ressonância – era o clube mais fino daquele tempo, ainda mais ou menos é hoje.

Eu dizia: "Mas como é?"

Começou a se abrir para mim, começaram a se abrir os olhos para mim, para esta realidade: em cima está uma coisa, é o terror da esquerda gerando a vontade de não lutar. E embaixo está o desejo de lutar a favor dos que estão em cima. É o grande paradoxo da nossa história.

* Argumentos de primeira ordem para aqueles dentre os igualitários que forem católicos

Esta situação assim descrita, portanto: O que é o igualitarismo? O que é que eu entendo por igualitarismo? Eu digo o seguinte.

Há gente que tomando o Brasil todo, sem fazer distinção de religião, não de religião, disso ou daquilo, é o Brasil todo. Neste Brasil todo há numerosas pessoas que são igualitárias, que quando não são inteiramente e radicalmente igualitárias têm uma certa tendência igualitária na cabeça. Gostariam que se igualasse mais isto, igualasse mais aquilo, e afinal de contas acabassem igualando tudo.

Bem, para os senhores que estão engajados tão nobremente nesse esforço da causa monárquica, importa muito saber como combater esses igualitários. Porque se os senhores vão estudar as razões pelas quais um brasileiro de hoje, de 1991 não é monarquista, os senhores vão encontrar que a única razão é esta. Porque a grande maioria dos brasileiros não monarquistas, eles não são monarquistas por causa dessa ideia do igualitarismo.

Eu me lembro que uma vez estando de viagem em Paris, eu vi uns grafites de propaganda monárquica com esta fórmula, com a concisão francesa – era véspera de eleições e os monarquistas tinha lá seus deputados: Le roi? Porquoi pas? Eu tive assim uma surpresa: é verdade, essa gente vai responder por que não para o rei? Com a França toda escangalhada como estava. Por que não serve um rei?

Eu acho que hoje se poderia escrever: "O Imperador? Por que não?" E seria a meu ver um grafite excelente. Porque se se perguntar a alguém por que é que ele não é monarquista, ele no fundo vai sair para os senhores com a cantilena igualitária que ele tem aqui, guardada aqui, aqui, em algum lugar da cabeça. Que ele tem guardada, e que é uma velheira que ele tira de uma gaveta e exibe. Mas ele está certo de que esta é a verdade, que de um modo ou doutro esse igualitarismo domina as coisas.

Bem, aí eu digo aos senhores: os senhores têm para aqueles dentre os igualitários que forem católicos – e é a maioria, porque a maioria do povo brasileiro é católica –, os senhores têm argumentos de primeira ordem.

Eu tenho uma coleção de documentos pontifícios que trata dessa questão, e vou ler aos senhores apenas um desses documentos do maior Papa de nosso século, que foi o grande Papa São Pio X, o único papa de nosso século canonizado até agora.

Bem, eu vou lhes ler isto, mas eu pedi que mimeografassem para poderem acompanhar a leitura. Quem sabe se os senhores poderiam se encarregar previamente...

(Aparte: Já tem.)

Sim senhores! A Ação Monárquica está bem organizada, Dom Luís! Meus parabéns!

[O Prof. Plinio lê o texto de São Pio X]

As desigualdades políticas e sociais inerentes às formas de governo monárquica e aristocrática em nada destoam da doutrina e do espírito da Igreja Católica.

É essa a tese – isso sou eu que digo – eu digo que ele sustenta essa tese. Agora vamos ler o documento dele para ver se isto está sustentado aqui.

São Pio X na encíclica "Notre Charge Apostolique", de 25 de agosto de 1910, escreveu em francês por amabilidade, porque ele se dirigia a franceses – é o hábito da Santa Sé, quando o Papa escreve a um só povo, ele escreve na linguagem desse povo, por afeto paterno do Papa para com todos os povos: "O Sillon que ensina semelhante durante e as põe em prática em sua vida interna, semeia, portanto, entre a vossa juventude católica noções erradas e funestas sobre a autoridade, a liberdade e a obediência. Outra coisa não acontece quanto à justiça e à igualdade..."

Daqui a pouco ele vai dar a doutrina.

"...trabalha – Le Sillon – trabalha como afirma para realizar uma era de melhor justiça; assim, para ele toda desigualdade de condição é uma injustiça".

Aqui os senhores têm a tese igualitária. Os que quiserem sublinhar... Está sublinhado no exemplar que eu tenho às mãos, no dos senhores eu vejo que não está. Se quiserem sublinhar tem aqui a essência do ponto condenado. É na página dois, quarta linha.

"Toda desigualdade de condição é uma injustiça, ou pelo menos uma justiça menor, princípio soberanamente contrário à natureza das coisas".

O Papa enunciou a doutrina e vem condenando. Primeira coisa que ele diz é que é um princípio soberanamente contrário à natureza das coisas.

"Gerador de inveja e de injustiça..."

Quer dizer, a inveja e a injustiça é que despertam esse desejo de possuir o que é dos outros.

"...subversivo de toda ordem social".

Quer dizer, não há ordem social num lugar onde domina esses princípios.

"...assim só a democracia inauguraria o reino da perfeita justiça"

Eu sublinharia isto aqui, porque faz com aquela outra frase sublinhada um só todo.

Agora o Papa vai condenar mais uma vez.

"...Não é isto uma injúria às outras formas de governo que são rebaixadas por esse modo à categoria de governos impotentes, apenas toleráveis?"

Quais são as outras formas de governo? A monarquia e a aristocracia. Portanto, quem pensa assim, faz uma injúria à monarquia e à aristocracia. E o Papa condena como erro essa injúria.

Se disso soubessem todos os católicos como estaria diferente o panorama político do Brasil!

"...que são rebaixadas por esse modo à categoria de governos impotentes... De resto Le Sillon ainda sobre esse ponto vai de encontro..."

Quer dizer, "vai de encontro" na linguagem antiga quer dizer se choca, vai em linha oposta.

"... vai de encontro ao ensinamento de Leão XIII – Antecessor imediato dele. – Sillon poderia ter lido na encíclica já citada sobre o principado político, que "salvaguardada a justiça aos povos, não é interdito escolher o governo que melhor corresponda ao seu caráter, às suas instituições e costumes que receberam dos antepassados".

Portanto, não há proibição para o católico em preferir a forma de governo monárquica, aristocrática ou democrática. Tal qual eu descrevi no antigo Reino de Lotário e ao longo da Idade Média. Quer dizer, não há incompatibilidade. Quem quiser ser monarquista pode ser. Ninguém pode dizer que é uma forma injusta, que a desigualdade que ela estabelece é uma desigualdade injusta nem nada; digam outras coisas se quiserem, mas usar a religião para desaconselhar a monarquia, não pode.

E a encíclica sobre a condição dos operários não afirma claramente a possibilidade de restaurar-se a justiça nas organizações atuais da sociedade pois que indicam os meios para isso? Ora, sem dúvida alguma Leão XIII queria falar não de uma justiça qualquer, mas da justiça perfeita. Ensinando, pois, que a justiça é compatível com as três formas de governo..."

Erra, portanto, contra a doutrina católica quem afirma que a monarquia ou a aristocracia não são compatíveis com a justiça.

"...em questão, ensina que sob esse aspecto a democracia não goza de um privilégio especial..."

Vejam essa frase. Eu sublinharia também.

"...sob esse aspecto, a democracia não goza de um privilégio especial".

Ninguém pode alegar que é católico e por isso democrata. Não tem privilégio especial.

"...os sillonistas que pretendem o contrário, ou recusam ouvir a Igreja, ou têm da justiça e da igualdade um conceito que não é católico...” (Acta Apostolicae Sedis, etc.)

Mas não pára nisso. Leão XIII num outro documento que eu não vou citar porque o tempo vai indo mar alto, e eu não quero passar – creio que já passei do tempo que eu quereria ter ocupado –, Leão XIII falando a respeito da questão de forma de governo, diz isso: que em tese se pode dizer que a forma de governo melhor é a monárquica, e ele explica a razão. É que o maior bem de um povo é a união. Como o maior bem do corpo humano é de que seus membros não sejam separados. E que quanto mais no ápice de um povo esteja um princípio unitivo, tanto mais esse bem é garantido ao povo. Embora ele acrescente depois que o verdadeiro é uma monarquia temperada com elementos de aristocracia e elementos de democracia. Mas é uma monarquia.

Então, não é só dizer que não se tem o direito de condenar a monarquia em nome da doutrina católica, mas tem-se o direito de, com base nos ensinamentos pontifícios, dizer que em tese a melhor forma de governo é a forma de governo monárquica, com elementos aristocráticos e elementos democráticos. Se eu tivesse tempo, eu provaria aos senhores que esta foi a monarquia católica durante todo o tempo até a Revolução Francesa. É uma coisa que eu posso provar por dois mais dois é igual a quatro, e que continua a ser, a fortiori, depois da Revolução Francesa.

Quer dizer, em última análise a tal monarquia absolutamente absoluta, é uma coisa que é tão irrealizada, tão impossível que ela explode. Um homem mandando em todos e mais ninguém mandando a não ser ele, é igual a dizer que ele não manda em ninguém. É uma coisa tão evidente que não sei como qualificar isto.

* Liceidade da república, superioridade da monarquia

Agora, os senhores dirão: "Mas então o homem não pode ser republicano?" Eu não disse isso. Ele não pode alegar a doutrina católica para ser republicano.

Os senhores podem alegar o seguinte: o católico deve ter uma simpatia preponderante pela forma de governo monárquica, porque em tese é a melhor, e todo o mundo tem que ter simpatia por aquilo que em princípio é melhor.

Vamos dizer, por exemplo, a vida de um frade é mais perfeita do que nossa vida, não quer dizer que vamos ficar frades, mas quer dizer que a admiramos, e que admiramos alguém que fique frade, ou que fique freira. Assim também a monarquia, é a melhor forma, em tese. Pode ser que não convenha para o país. E então se pode procurar uma outra forma de governo, perfeitamente. É de uma liceidade incontestável. Ressalvado, entretanto, que os republicanos deste gênero devem ver com inveja os que têm circunstâncias tais que podem ter a melhor forma de governo. Não sei se está claro isso?

* A simpatia e ajuda do povão para com as caravanas da maior organização anticomunista do país, uma prova palpável de seu conservadorismo

Agora nós passamos para outra coisa. Isto é viável no Brasil de hoje? O "povão" como é que é? No "povão" brasileiro de hoje concretamente tomado, isto tem viabilidade?

Eu não vou provar que o "povão" é monarquista. Não tenho provas disso, mas eu vou provar que o "povão" não é comunista e não é igualitário. Que, pelo contrário, o "povão" vê com suma simpatia o combate ao comunismo e que dá à TFP, por causa disso, um apoio que os senhores não podem imaginar.

Não pensem que eu estou aqui fazendo elogio da TFP, eu estou fazendo o elogio dos brasileiros. Mais uma vez eu insisto. E eu agora vou frisar este ponto.

Essa é a fotografia do brasileiro verdadeiro, é a fotografia da maior parte do "povão" em nossos dias. Há uma corrente que lhes diz: "Olhem aqui as riquezas, avancem!" E o "povão" diz: "Não, não são nossas. Nós não queremos."

Oxalá, de alto a baixo todo o mundo pensassem assim no Brasil; eu creio que nossos problemas econômicos estariam muito mais próximos de estarem resolvidos.

Bem, qual é a prova que eu vou dar?

É a seguinte: na TFP nós organizamos para fazer por toda parte propaganda anticomunista, nós organizamos caravanas de Kombis que... Quantas são doutor Plinio Xavier?

(Dr. Plinio Xavier: Seis.)

O pai da criança tem sempre tendência a vê-la maior... [risos]

Seis kombis para trabalhar um território do tamanho de um continente, com dedicados membros da TFP que estão continuamente lotando essas kombis e que já percorreram o Brasil em todas as vastidões, e em todos os lados. O pessoal sabe que eles são católicos, porque a kombi entra, descem os propagandistas da kombi, com as capas que os senhores conhecem, com os estandartes que os senhores conhecem e começam por cantar o hino de Nossa Senhora Aparecida, para ficar bem claro que é isso mesmo. É só verem que nós somos católicos, que aparece gente de todos os lados, e com simpatia. No resto do tempo, os senhores não vão acreditar: casa, comida, roupa lavada é dada pela população, nós não gastamos com isso.

Uma companhia que faz a verificação de nossa contabilidade chamou a atenção para esse ponto: "Vocês percorrem o Brasil nessa propaganda que a gente vê aí pelos frutos, etc., vendem muita coisa, etc. E vocês põe uns preços insignificantes de gasto da propaganda, isto não pode ser real, tem ar de fraude para algum efeito".

Então tivemos que dar as provas de que o Brasil nos dá a nossa propaganda. Comparem um pouco isto com a propaganda dos políticos. Qual é o político a quem o Brasil dá cama, casa e comida, e roupa lavada e engomada? Os senhores têm alguma ideia disso? Isso simplesmente não existe. Eles sabem que esses católicos são anticomunistas, recebem nossa literatura anticomunista, conversa-se com eles contra o comunismo, e todo o mundo está de acordo.

Os senhores podem ver por aí que o "povão" nas cidades como no interior, o "povão" é na sua maioria anticomunista.

Isto quer dizer que o bairro que corresponde, por exemplo, aos Jardins, é todo feito de poltrões e pró-comunistas? Longe de mim dizer isto. Eu digo que há gente nesses bairros que erra de política, e que na tática do ceder para não perder tomam um caminho que não é bom. Mas ali mesmo temos muitos admiradores, muitos contribuintes. Eu seria o último a falar deste bairro, uma vez que ali reside minha família. Não é isso que eu entendo. Eu quero dizer que é o bairro onde mais há ilusões a respeito disso.

O bairro mais conservador é exatamente o bairro popular. Mas me parece que o testemunho direto dos fatos é um testemunho melhor do que qualquer outro. Então eu pedi ao senhor Queirós, um dos mais hábeis e ágeis membros dessas nossas caravanas, que viesse ele mesmo contar aos senhores alguns fatos a respeito disso, da sua experiência pessoal, de maneira que os senhores pudessem ter a ideia concreta, do fato concreto, e assim...[??] do fim dessa conferência que os senhores apalparam a realidade.

Então, eu dou essas palavras por encerradas e me reservo apenas de, de vez em quando, interferir na exposição do meu caro Queirós indicando-lhe um ponto ou outro a ressaltar.

Senhor Queirós, tenha a bondade de vir aqui. [Palmas]


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