Plinio Corrêa de Oliveira

 

A "avenida dos becos sem saída"

e a devoção a Nossa Senhora

do Bom Conselho

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 25 de abril de 1992, Sábado

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

 

[Proclamação inicial]

A narração que foi feita aqui é exata, os elogios podem não ser exatos, mas os fatos foram esses. Entretanto, há alguma coisa a completar nisso que tem muita relação com a missão de todos nós, e é a seguinte:

 

Plinio acompanhando de sua irmã e de sua prima, com a Fräulein Mathilde Heldmann

Os senhores sabem que eu fui educado em boa parte por uma fräulein alemã, fräulein Mathilde Heltmann, uma fräulein da Baviera, de cuja influência eu guardo uma muito grata recordação. Ela me ensinou a energia, me ensinou o gosto a admiração, o entusiasmo pelo combate, pela luta, ela me ensinou a ter admiração pela vontade forte que não se quebra nunca, etc., etc. E me preparou assim a alma para receber a influência para lá de benfazeja de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus. Santo Inácio de Loyola foi "O" modelo, o arqui-modelo do combatente católico e embora depois de sua conversão, ele não tenha feito uso de armas, no sentido físico da palavra, eu creio que não num um cruzado para não dizer mais do que isso, eu creio que não houve nem um cruzado que se igualasse a Santo Inácio de Loyola pela combatividade. Pela combatividade, pela perspicácia, pela força de vontade, pelo “agreddi”.

 

Bem, essas duas influências se conjugavam em minha alma, a influência alemã e a influência de Santo Inácio de Loyola, que como os senhores sabem, não era alemão era basco, portanto, espanhol. Mas que ambas as influências, elogiavam e punham muito em relevo essa... uma palavra alemã que me escapa agora, meu alemão está muito envelhecido é “anstreben” [esforço], o aplicar completamente a vontade num determinado ponto, de maneira que a pessoa perceba em si mesmo que foi até onde devia ir, isso era o objeto do meu entusiasmo.

No plano natural, considerados aspectos da nação alemã; no plano sobrenatural – que evidentemente é o decisivo, o plano natural aqui é secundário – no plano sobrenatural considerado aquilo que é o feitio de alma do varão católico segundo o que era a Santa Igreja. E isso tudo habituou-me no espírito a idéia de que em rigor o homem obtinha tudo, desde que ele se aplicasse inteiro. Ele era ele mesmo a moeda com que ele deveria comprar de Deus a realização dos desígnios que Deus inspirara a ele. Quer dizer, se Deus me sugere por graças interiores, etc., que eu devo fazer uma determinada coisa, eu compro de Deus essa graça pagando a mim mesmo, eu me sacrifico inteiro, eu me dou por inteiro, se for preciso eu morro, mas eu dei a moeda e eu vou receber de Deus o prêmio.

 

Estátua de São Paulo na homônima Basílica, em Roma

Eu me lembro que nesse sentido, para explicar esse feitio de alma, eu me lembro do entusiasmo com que eu li as palavras últimas de São Paulo quando ele foi levado para ser degolado, ele disse: "Senhor, eu combati o bom combate – ele já estava ajoelhado junto ao tronco de árvore sobre o qual ele tinha que pousar a cabeça e ser decepada – eu percorri toda a carreira que eu deveria percorrer, agora dai-me o prêmio de vossa glória."

Eu, quando li aquilo, eu disse: "Isto é o homem perfeito, o santo perfeito, e não resta mais nada, agora é ir para a frente!"

Eu estava nesse modo de ver as coisas quando eu era deputado federal recém eleito – tinha 24 anos – pela Liga Eleitoral Católica para representar os católicos de São Paulo, na Assembléia Constituinte do ano de 1934, e tudo me corria muito bem. Minha situação pessoal era simplesmente brilhante: eu era o deputado mais moço e o deputado mais votado de todo o Brasil, por um lado. Agora, por outro lado, a situação econômica de minha família – seria depois a minha porque os filhos herdam dos pais – não era muito rica mas era de inteira tranqüilidade, inteiro conforto, inteira suficiência, inteira despreocupação, saúde boa... para frente!

O Prof. Plinio quando deputado, o mais jovem e o mais votado

Bem, quando começam a acumular em cima de mim infortúnios longos demais para eu contar aos senhores, mas dos quais eu dou apenas algumas idéias aos senhores.

Em primeiro lugar, no âmbito doméstico, a notícia de que certas pessoas – eu não quero entrar aqui em pormenores referentes a pessoas que são do âmbito privado etc. – tinham posto fora o dinheiro da família. E que, portanto, cessado o meu mandato de deputado – que deveria durar normalmente 4 ou 5 anos – eu não teria com que manter os meus pais, e já estavam idosos. E nem me mentir a mim mesmo, o quê fazer? É uma preocupação, de momento situação boa, daqui a 4 ou 5 anos o quê? A miséria!

Ao mesmo tempo que se dava isso, eu começava a perceber na Assembléia Constituinte, manejos para fazer com que ao invés de nossa função de deputado durar 4 ou 5 anos como era normal, durar só um ano. Portanto, aquele espaço cômodo de 4 ou 5 anos em que eu teria um ordenado bom, garantido, para procurar um emprego, procurar um trabalho, ou então subir a um posto mais alto na política, isto, de repente se cortava, pam! Eu comecei a ter preocupações, e preocupações porque eu não via saída para essa situação. E, por outro lado eu acho que foi uma coincidência permitida e querida pela Providência especialmente.

Eu tinha um sono – como pessoa muito saudável que eu era – muito regular, era só me deitar que dormia, e dormia com abundância, a noite inteira e pela manhã adentro, o quanto eu quisesse. Bem, isso repousa, ajuda a carregar a vida.

Começou a me dar uma nevralgia que – era aqui desse lado do rosto, do lado direito – começava por aqui pelos dentes e se tornava verdadeiramente aguda quando se fixava aqui à maneira de um prego metido nessa articulação. Os senhores se imaginem com um prego aqui, eu ficava com uma dor que não era uma dor pungente, mas era o suficiente para impedir de dormir. E eu ficava então sentado na cama, debruçado sobre o travesseiro, eu punha dois travesseiros para agüentarem o peso de minha cabeça, eu debruçado sobre o travesseiro e com aquele prego fixo. Tomava remédios para passar a dor – sempre houve uma série de remédios para fazerem passar a dor mas que muitas vezes não fazem passar – tomava aquilo e ficava assim.

O tempo passava, etc., de repente, começava a ver pelas venezianas o sol esfuziante do Rio de Janeiro – a capital do país naquele tempo era o Rio, e a Assembléia Constituinte era lá – entrava pelas frestas da veneziana, começava a perceber a rua que se movia, o dia para todo que nascia, e eu ali, pam! pam! naquela dor mas ao mesmo tempo naquela preocupação. Porque como eu não tinha no que pensar eu pensava nos problemas, e os problemas eram um cravo no espírito enquanto aquela coisa era um cravo na carne.

No final eu adormecia, tinha umas duas horas para dormir e sair correndo para a reunião dos deputados que devia preparar a reunião da tarde. De maneira que eu praticamente não dormia quase nada. Nessa situação eu ia todas as manhãs comungar numa igreja próxima ao Hotel Glória onde eu estava hospedado, e o padre daquela igreja era muito amável – toda essa complicação de missa nova e tudo isso não existia naquele tempo e os católicos eram muito unidos – e quando ele me via chegar, o movimento da igreja já tinha diminuído, era uma igreja de um bairro onde tinha gente velha que ia comungar de manhã bem cedinho e voltava para casa, e a igreja estava sem movimento.

Mas eu chegava o padre vinha logo, me dava a comunhão muito amavelmente etc., e ele não levava a mal que eu não conversasse com ele e saísse correndo porque ele sabia que eu tinha reunião de deputados logo depois. Um dia eu cheguei e o padre me disse: "Dr. Plinio nós temos uma exposição de livros aí, o Sr. não queria comprar alguns livros?" Equivalia a dizer o seguinte: "Nós temos sido tão amigos do Sr., seja um pouco amigo nosso, e compre os livros." Bem, eu fui e me lembro ainda da sacristia onde tinha realmente vários livros expostos e eu comprei, mas assim na pressa, comprei dois livros quaisquer. Um desses livros é o Livro da Confiança (do Pe. Thomas de Saint Laurent).

Quando eu cheguei ao hotel de volta, eu tratei de ler o livro. E eu percebi que o Livro da Confiança chegava no ponto em face do problema espiritual mais importante para o meu progresso naquele tempo, era de compreender o seguinte, tudo o que eu tinha aprendido era verdade; o homem se entregando inteiramente ele pode pagar diante de Deus o preço daquilo que ele quer, é questão de ele se dar inteiramente, de ele querer inteiramente uma coisa boa, santa, justa, que fosse de acordo com a vontade de Deus. Não é, por exemplo, ter uma caraminhola na cabeça, de ter uma linda lancha na baía da Guanabara e então fazer um sacrifício a Deus para Deus me dar a lancha. Não! São coisas que dizem respeito ao bem dele, ao bem da Igreja dele, aí sim Deus atende quando a pessoa se dá inteiramente.

Mas não basta isso. Eu não sabia isto, a fräulein não me tinha ensinado, e eu não tinha entendido isto no ensinamento dos meus professores jesuítas, aliás ensinavam muito bem a religião, mas eu não tinha entendido o seguinte: que não basta a gente dar tudo. É preciso dar tudo mas freqüentemente esse tudo não chega, é preciso que nós obtenhamos de Deus e que Ele nos dê mais do que tudo o que nós demos, que Ele nos dê, por misericórdia e não por justiça, aquilo que nós queremos. Tudo o que nós devemos querer dEle, que Ele quer que nós queiramos, a vontade disso Ele põe em nossa alma pela graça, está bem! Tudo isto supõe nosso sacrifício completo, mas que é preciso dar mais, nosso sacrifício nunca é suficiente, é preciso que a gente dê mais algo e dê mais algo e que então Ele, por misericórdia, nos dá aquilo que a nós não tínhamos direito.

Eu vejo que eu não me exprimi bem e que não fui tão claro quanto eu queria.

Deus quer de nós que demos tudo a Ele. Ele além disto, quer que nós reconheçamos que aquilo que nós demos e que era preciso dar, não basta para obter o que nós queríamos. Que o homem tem sempre defeitos, tem sempre insuficiências, tem sempre carências que fazem com que aquele preço que ele pague – não é um preço que o homem pague – não há um preço suficiente ainda que seja a própria vida dele. E que é preciso que Deus, por misericórdia, nos dê aquilo que nós imaginávamos que podíamos exigir por justiça. E que, portanto, ficássemos dependentes dEle pela insistência das nossas orações.

Entrava aqui no dinamismo da minha vida espiritual, entrava um fator novo, mas no fator novo entrava ainda um dado novo a mais do qual eu já tenho falado várias vezes aos senhores aqui – eu vou fazer uma referência apenas passageira. Entrava um fator novo que era o seguinte:

Esta oração cujo atendimento se compõe então das seguintes parcelas: o sacrifício de si, o pedido por aquilo que a gente não merece e que Deus dá, deveria ter mais um elemento no caso concreto e era a confiança. Quer dizer, uma vez que a pessoa pedisse e pedisse com confiança então poderia obter aquilo que queria; sem confiança, a pessoa não obteria.

Então são três elementos: entrega inteira de si; pedido a Deus como se o nosso preço pago por nós não bastasse porque não basta e, portanto, oração; e terceiro, confiança que a oração seria atendida, mas por misericórdia e não por justiça. Seriam esses os três elementos que cada um dos senhores quando quiser de Nossa Senhora um dom, tiverem um pedido a apresentar, por exemplo, uma virtude árdua, difícil a conquistar, os senhores devem pedir tendo em vista esses três elementos, se não tiver em vista esses três elementos não adianta porque a oração não sobe grata aos pés de Deus, não é encaminhada por Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças como deveria ser. Então, para as necessidades dos senhores é preciso que os senhores tenham esses três fatores em vista.

E eu aprendi o terceiro fator, eu aprendi no Livro da Confiança. Mas eu aprendi de um modo curioso, eu não sabia disto e eu comecei a ler o livro, eu estava atormentado de preocupações e de mal-estar físico, etc., etc., comecei a ler o livro e já naquelas primeiras palavras do Livro da Confiança, primeiras palavras que eu tenho em vista como se eu tivesse lido hoje cedo. Eu senti no interior de minha alma alguma coisa que era assim como um lenitivo, uma coisa que sossega que tranqüiliza que – é muita baixa de nível dizer que anestesia – mas enfim, que faz cessar as dores, e que faz um benefício à alma.

"Voz de Cristo – diz o livro – voz misteriosa da graça, Vós pronunciais no fundo de nossas almas palavras de doçura e de paz."

Aquilo me distendeu de um modo maravilhoso, de um modo dulcíssimo. Mas a mim não me bastava que aquilo me produzisse esse efeito doce. O doce não é argumento para nada, é preciso argumento razão, raciocínio baseado na fé, mas é preciso raciocínio. Então vamos ver agora como é que o raciocínio justifica essa confiança?

Não sei se está claro o problema?

(Sim!)

E eu dizia de mim para comigo o seguinte, eu não tinha conhecimento do papel da confiança, e eu tinha esta idéia:

"Eu estou fazendo tudo o que posso e veja o que é que se passa: durante vinte anos de minha vida eu não fiz outra coisa senão penar e nada conseguir para o nosso apostolado. Quando eu faço mais ou menos 20 anos entro em contacto com o Movimento Católico e recebo super-abundantemente o que eu passara vinte anos sem conseguir. Quer dizer, companheiros, amigos a quem liderar e a quem encaminhar para a vitória dos católicos da Igreja sobre a Revolução. Eu nunca esperei, eu nunca temi, uma demora tão terrível que parecia dizer que eu nunca seria atendido. De repente, sou atendimento, mas demasiadamente, em proporções magníficas, como eu nunca tinha pensado.

E chego aos 24 anos a um lugar como nunca um brasileiro ocupou: deputado federal com 24 anos e o mais votado de seu país, não houve nenhum! Então vai para além do que eu pedia, vai para além do que eu ousara.

Quando eu chego ao pináculo, vamos dizer, um homem que chega ao alto de uma montanha, e diz: Bem, estou no alto de uma montanha, eu começo a perceber que o alto da montanha está ficando molhado, que o píncaro está se transformando em lama, naquela lama eu vou escorregando, a montanha vai afundando, e eu vou afundando com ela. E tudo aquilo que se levantara atrás de mim começava a se desfazer.

Eu percebia que estava entrando o progressismo que estava entrando, portanto, uma ofensiva terrível que era o contrário do que eu queria, mas exatamente o contrário. Uma corrente inimiga que estava maquinando toda espécie de máfias e combates contra mim, porque eu não queria saber de modernização da Igreja. Porque eu só concebia a Igreja como Nosso Senhor Jesus Cristo a fundou, e como Ela será até o momento em que a Igreja militante deixará de ser militante porque Nosso Senhor baixará sobre a terra, acompanhado de uma legião de anjos e de justos, para declarar o fim da História do mundo e começar o julgamento final. Até lá a Igreja será a mesma, e todas essas modificações... os senhores estão vendo por aí, desfigurando a Igreja de um modo inominável.

E que começava então – essas modificações eu tinha a resolução de combater – mas vinham preparando uma onda de intrigas, de máfias contra mim etc., que eu via como um vagalhão que ia destruir tudo quanto eu tinha esperado.

Por outro lado, os infortúnios que eu falava aos senhores, os problemas com a manutenção dos meus pais já velhos, os problemas com a minha própria saúde, não estava doente gravemente, mas estava doente incomodamente eu não conseguia tocar a minha vida, assim todo o dia, entra ano sai ano, quem é que agüenta uma coisa dessas?

Então, tudo parecia que as estrelas do céu se jogavam por cima de mim como se fossem pedras. E eu dizia: "Eu não entendo nada, eu não tenho força, não tenho relações, não tenho meios, não tenho nada, para fazer face a esta muralha de inimigos, a esta horda de inimigos que avança para esmagar a obra que eu estava construindo. Eu já estou prevendo a derrota, eu já estou prevendo o esmagamento, lutarei até o fim! Mas de uma luta que será um fim, quer dizer, toda a esperança que eu tivera de constituir uma Contra-Revolução que eu pudesse levar até esmagar a Revolução, dava no contrário. A Revolução se voltava contra mim e me esmagava."

Os senhores compreendem que é sóbria a perspectiva.

E eu pensava como é que eu me saio dessa? Qual é o sentido de minha vida? Será que eu cometi algum pecado que eu ignoro? Será que talvez eu tenha resíduos de amor-próprio, tenha resíduos de orgulho, tenha resíduos de qualquer coisa, que eu não noto e que pesa contra mim na balança de Deus? Nossa Senhora me deu tanta devoção à Ela, me parece que Ela esta muda diante de mim, e que Ela me ignora? Eu sou um ignorado? Se eu fosse dizer que os meus inimigos me assaltam, não era nada! A minha Mãe celeste me ignora...

Os senhores vêem que é o quadro de um cerco completo e de uma coisa que se pode chamar uma tragédia, aos 24 anos!

Quantos dos senhores aqui têm 24 anos e mais? Levantem as mãos os que têm 24 anos ou mais? Os que quiserem podem olhar para trás, vejam quantos são! Quer dizer, quanta gente moça que está aqui, está na idade em que eu tinha este universo que desabava sobre mim.

Bem, eu li o livro e o livro me parecia dizer o seguinte: "se você confiar em Nossa Senhora, [de] que rezando Ela abre um caminho dentro dessa rocha para passar você e passar o convite que a Providência te fez, e varar e fazer triunfar o ideal católico, para o lado de lá dessa rocha – quer dizer, o inverossímil, como é que um homem pode à unha abrir um túnel numa rocha? – se você pedir isto, você obterá, com a condição de confiar!"

Eu dizia para mim mesmo: "Mas confiar? Confiar como?!! Como é que eu posso saber que esse é o desígnio de Deus para mim? Não pode ser que Deus queira que eu morra? Que amanhã me pegue um automóvel na rua? Que isto que eu tenho aqui seja um tumor e que eu morra desse negócio? Eu não sei nada a meu respeito? Tantos outros têm perecido de um modo doloroso, esmagado pelos acontecimentos ao longo do caminho da vida. O que é que tenho eu de mais pintado do que os outros para que não me possa acontecer a mim o que acontece aos outros? [O que] acontece aos outros, acontece a mim!!"

Aquilo que eu esperava era um ideal! Mas... as sombras da morte me cercaram, “umbrae mortis circundederunt me”; as sombras da morte me cercaram. A doença, o infortúnio, abateu-se sobre mim, e eu devo oferecer-me como vítima expiatória, eu devo oferecer a minha vida a Deus para que com isto outras almas se salvem, e façam na terra o que eu não fui capaz de fazer.

Uma conclusão muito triste porque alguma coisa dentro de minha alma me dizia: "Você não tem o direito de pensar assim, você tem o direito, você tem obrigação de esperar que outra coisa aconteça e que as velhas esperanças dos seus primeiros anos se realizarão!"

Eu mesmo dizia: "Alguma coisa disso me acontece no fundo da alma, eu sinto isto. Mas o que é que vale esse "eu sinto", se não tem um raciocínio para provar isso? Eu quero é uma razão! Um sentir?!! Sentir, o que é que é sentir?!! Quanta gente sentiu coisas que não se apoiavam na razão e não foram atendidos, tudo deu em frustração e fracasso! Eu não quero ser dos que fracassaram porque não tiveram coragem de ver a verdade, eu quero ver a verdade assim de frente!"

Lendo o Livro da Confiança, de um lado me parecia que a Providência queria que eu sobrevivesse e realizasse essa obra. Vendo depois o que acontecia, eu entendia que não, que a Providência não queria. Isto constituía para mim uma dilaceração.

Não sei se está... se a palavra dilaceração ainda se usa no português de hoje? É como um rasgão, me sentia rasgado. Imaginem que uma folha de papel se sentisse rasgada se ela fosse capaz de se sentir, ela sentiria uma dilaceração. E era o que eu sentia com esses acontecimentos e nessa circunstância.

Bem, no meio de tudo isso começa a se formar a primeira semente do que veio a ser depois a TFP na qual os senhores estão. Mas nesse tempo, não só eu era moço e moço ainda muito novo, mas os pais dos senhores não tinham nascido, os avós dos senhores talvez fossem moços nesse tempo; os senhores compreendem como esse tempo está recuado no espaço.

Começa a nascer na TFP – na Congregação Mariana de Santa Cecília – um núcleo que eu via que tinha alguma coisa consigo, era uma primeira renovação das minhas antigas esperanças, que renascia da árvore que eu plantara e que o sopro da heresia jogara no chão. Umas frutas caíram no chão, entraram na terra umas sementes e que uma outra coisa nascia. E essa coisa que nascia – minha alma obstinadamente se voltava para isto – era a minha Ordem de Cavalaria! [aplausos]

Bem, quando sobrevêm – os fatos são ainda muito... há coisas da História da Igreja no Brasil que eu ainda não posso contar em público, estão escritas, mas não posso contar em público – outras tragédias. E essa primeira semente foi esmagada.

Enquanto essa primeira semente era esmagada, da segunda árvore – a primeira morrera – uma outra semente caía no chão e logo depois eu vejo a segunda que abre.

Bem, entram pessoas novas, recomeça-se tudo, com uns restos do grupo anterior e mais gente nova que entra. E a esperança renasce e renasce fulgurante.

Mas sempre com o problema: afinal de contas isto que sentido tem? Eu fico apertado desse jeito, a coisa quebra, cai, dá a impressão que Deus tem pena de mim e diz: "Vamos pegar esse tipo aqui, que ele é desajeitado, que não vale de nada. Mas eu, Deus, não tenho ninguém que Me queira servir como ele quer. Neste ponto, ele ao menos quer. Então vamos dar a ele mais uma oportunidade."

Eu aproveito a oportunidade e a oportunidade me morre nas mãos, e mais uma vez começa o grupo constituído a me dar aborrecimentos, a me dar preocupações de toda ordem e das mais amargas. E isto produziu uma série de estrondos publicitários que me atacaram a saúde, de maneira que eu não percebesse, mas que eu começasse a ter uma doença chamada diabetes. Mas eu não percebia.

Bem, lembro-me que encontrei com um médico que estava tratando de Dona Lucília. Ele olhou e me disse: "Dr. Plinio, como o Sr. emagreceu de repente!" Eu disse: "É!"

Mas eu vi que o médico estava querendo tratar de mim, e eu pensei – se algum dos senhores for filho de médico, não me leve a mal – "Médicos, só muitos poucos, e de toda a confiança. Esse "gambá" aqui, eu não confio nele, de maneira que..."

Eu não disse nada a ele, mas de fato eu não andava me sentindo bem, e ele disse: "Olhe, deve ser diabete que o Sr. tem. Mande fazer um exame." Eu: "Íêêhh! e tal." Eu pensei: "Eu vou fazer o exame e levar para ele depois e depois ele me pega aí com remédios, com coisa. Não quero!"

Bom, estavam as coisas nesse pé quando, de repente, eu começo a ter espinhas colossais e uma – me perdoem o prosaísmo – me ataca precisamente no pé, e impede que eu me movimente porque se eu pisasse, aquilo machucava ainda mais.

Dona Lucília, já muito idosa, não estava longe do fim dela, poucos meses a separavam do fim dela. E eu não queria dar a ela nenhuma preocupação porque eu tinha o empenho em prolongar a vida dela o quanto possível. Era o meu papel de filho, sobretudo filho de uma tal mãe.

Eu me lembro que não querendo que ela percebesse que eu não estava conseguindo andar, eu mandei comprar duas vassouras e me apoiava na parte de palha da vassoura como se fossem muletas, para andar quando ela não me visse. Quando ela me via, ela estava com a vista muito comprometida, eu empurrava as vassouras de lado e andava com o pé machucado, mas andava apesar de tudo, para ela não perceber. O que apenas piorava a minha situação.

Chegou uma determinada situação em que eu não pude mais levantar. Tive que chamar os médicos, eles me examinaram – e aí eram médicos de minha confiança – diagnosticaram imediatamente a doença. Mas o resultado que veio do laboratório foi: o grau normal que teria o sangue de uma pessoa sem essa doença era igual a 100, e eu estava com 500, quer dizer, gravissimamente atacado. E os médicos chegaram à conclusão de que era preciso me levar logo – e tinham toda a razão – para um hospital, o Hospital Sírio-Libanês, e me fazer uma amputação. E essa amputação corria o risco de ter que afetar toda parte que vai do joelho até o tornozelo. Mas felizmente não chegou até lá e apenas foi uma parte do pé que foi amputada.

Eu estava no Hospital Sírio-Libanês quando um dos senhores narrou aqui, me foi apresentado a estampa de Nossa Senhora de Genazzano.

Livro sobre Nossa Senhora do Bom Conselho que Dr. Plinio leu

Eu tinha lido, pouco antes um livro sobre Nossa Senhora de Genazzano, de um monsenhor francês. E esse livro produzira em mim um efeito parecido com o Livro da Confiança. Eu tinha muita tranqüilidade, muita distensão etc., mas eu dizia de mim para comigo: "Tranqüilidade e distensão sem argumento não vale, eu quero um argumento para essa situação."

 

A estampa, abaixo referida, foi conservada pelo Prof. Plinio em seu quarto, e lá continua

Me deu a estampa – uma estampa popular comum – e eu sem dar muita atenção àquilo, abro a estampa assim para olhar e o que é que eu vejo? A estampa sem sorrir, sem ter nenhuma modificação, sem se movimentar em nada, a fisionomia da estampa estava completamente mudada. E a estampa me sorria e assim sem me falar, me comunicava uma coisa e essa coisa é o seguinte: "Meu filho, tenha confiança! Você quer um argumento? Esse argumento é o meu sorriso."

Não é que a imagem falasse, mas o olhar dEla comunicava isso. Eu tenho certeza, passados 25 anos hoje deste fato, eu tenho certeza que é isso. [Ela] dizia:

"Confie e confie, porque você ainda vai passar por muitas situações difíceis em que você se julgará perdido. Porque esse é o seu caminho, o caminho para a realização da sua vocação é passar por essas dificuldades todas. Se você se lembrar sempre desse sorriso e nunca desanimar, e confiar sempre que o que Eu estou prometendo se realizará, realizar-se-á!"

Os senhores não podem imaginar a impressão que isso causou em mim, porque há quantos anos eu estava nessa alternativa:

"Uma coisa interna apenas não me satisfaz, quero argumento. Argumento qual é? Se um outro pode ser chamado à morte por esta via, por que é que eu não sou chamado? Se um outro pode ter o destino de Jó e ser arrastado à miséria, por que é que eu não sou arrastado? Por que é que eu tenho que confiar que eu realizo um plano grandioso e não realizo um plano maltrapilho e grandioso, só aos olhos de Deus?! Esta Contra-Revolução, por que é que um outro não a pode fazer, e tem que ser eu que a tenho que fazer? Isto tudo não é fantasia? Não é imaginação? No total não entra amor-próprio dentro disso? Vai ver que é por isso é que você está sendo perseguido pela justiça de Deus!"

Bem, é muito racional tudo isso. Nossa Senhora não reprovou o desejo que eu tinha de um argumento, Ela abençoou esse desejo, Ela levou tempo para atender, mas quando Ela atendeu Ela atendeu regiamente!

Bem, aí eu me lembrei que aquele livro daquele monsenhor francês que eu tinha lido, contava que a imagem de Nossa Senhora de Genazzano – que a estampa era uma reprodução daquela – fazia exatamente o que eu achava que tinha sido feito comigo. O que eu achava não, o que foi feito comigo! Quer dizer, as pessoas a quem Nossa Senhora quer comunicar alguma coisa, Ela comunica sem mudar em nada, sem milagre. Mas quem olha percebe que Ela está dizendo alguma coisa, e que dizendo alguma coisa Ela comunica, Ela orienta, Ela aconselha. É preciso confiar! 

E esse livro dava um parecer de um pintor famoso do século XIX, um pintor italiano que quis pintar Nossa Senhora de Genazzano porque uma pessoa muito rica, uma senhora se não me engano de Gênova, enfim pouco importa, uma pessoa muito rica encomendara a ele que isso para ela porque ela tinha recebido graças e queria ter uma estampa. Que ele foi lá para a estampa e viu que a estampa mudava tanto de fisionomia que ele não conseguia pintar. Então, ele conseguiu dos padres a licença de instalar em cima do altar uma cadeira com todo o necessário para pintar a estampa para ver se assim ele pintava. Não conseguiu porque a imagem mudava de fisionomia inteiramente, e mudava como eu tinha visto mudar para mim. E o livro afirmava que este era constantemente o procedimento desta imagem com as pessoas que iam para lá.

Eu fiquei muito animado com aquilo e disse: "Bem, então, graças a Deus eu encontrei o meu caminho! E devo andar para a frente porque a solução veio, a solução é a avenida dos becos sem saída!"

Os senhores sabem o que é um beco? É uma rua que não tem saída, aqui perto tem um beco, uma dessas casas aí; entra um pedaço de rua e tem uma vila, não continua adiante. Isso se chama um beco sem saída.

Uma avenida de becos sem saída, é uma avenida cheia de becos, em que é constantemente preciso abrir caminho dentro do impossível. Quer dizer, uma casa, um chafariz, um não sei o quê, tendo no lugar, é preciso derrubar aquilo para passar adiante o trajeto da avenida; e não se pode porque a casa pertence a um, o chafariz é da prefeitura... [vira a fita]

Bem, e assim foi indo, foi indo, foi indo, até um dia numa conversa em casa falava-se que era preciso alguém fazer um sacrifício para que a TFP fosse mais para a frente e eu pensei: "Esse alguém... eu não posso oferecer a minha vida porque sei que Nossa Senhora não quer. Mas eu posso oferecer qualquer outra coisa que seja, que não seja isto. Eu ofereço a Ela, se Ela quiser me fazer sofrer qualquer outra coisa para ir para adiante a TFP, eu aceito."

Não pensei mais nisso e dois ou três dias depois embarquei para Amparo. Eu me lembro que tomei o meu automóvel, sentei-me, e antes pensei em sentar-me atrás, pensando: "Eu vou dormir e esse automóvel, de repente dá uma trombada e me pega dormindo. Se eu vou na frente eu posso ser liqüidado na trombada." Mas depois eu disse: "Não, vamos andando!" Sentei na frente e tem aquelas tiras de prender aqui [cinto de segurança] e alguém que ia comigo me ofereceu de prender uma tira daquelas em mim, eu pensei: "Isso aqui é um trambolho, eu não gosto disso!" Eu disse: "Não, muito obrigado!" Fui e dormi. Quando dormi, acordei no Hospital de Jundiaí.

Eu tinha sofrido um desastre de automóvel gravíssimo, estava até com dificuldade de raciocinar porque minha cabeça levara um trauma horroroso. Eu tinha, portanto, dificuldade de raciocinar e eu não sabia o que tinha me acontecido. E uma particularidade que eu não posso contar aqui, me levava a achar que aquilo que tinha acontecido – que é um desastre em razão da qual eu estou usando cadeira de rodas – desmentia aquilo que me tinha dito a imagem.

Passaram-se nove ou dez anos daquilo, quando eu soube fortuitamente que o dia do desastre era o dia da festa do Beato Stefano Bellesini, vigário de Genazzano. Ora, eu muitas vezes pensara: "Se ao menos eu tivesse certeza de que o que me aconteceu tem uma relação qualquer com Genazzano, eu continuaria tranqüilamente a confiar. Mas não tem relação nenhuma!"

Levou nove ou dez anos para eu saber que tinha essa relação que resolvia o problema. A avenida dos becos sem saída!...

Durante esse tempo, por exemplo, uma coisa impressionantíssima. Eu tinha um quadro com aquela estampa pendurada atrás de mim na minha cama. E eu todo amarrado etc., por causa do desastre que tinha sofrido eu não podia quase me mover. Estava dormindo quando prááammm!! Era a imagem de Nossa Senhora de Genazzano que caía ao chão atrás de mim. Eu não quis acordar o Amadeu e fiquei esperando amanhecer para mandar ver – porque eu não podia me levantar para ver – por que é que tinha caído a imagem. Porque se tinha sido porque o cordão se rebentou, era compreensível por uma série de razões, se não tinha sido por isto era uma coisa que me faria temer uma maldição. Por que essa maldição? Eu não sei, Deus sabe! Se eu fiz alguma coisa Ele sabe.

De manhã, quando amanheceu, chamei o Amadeu: "Amadeu, pega esse quadro e veja..." O cordão estava puído porque o quadro era muito pesado e o preguinho era muito pequeno e por causa disso caía por razões naturais. Então aí ao cabo de nove ou dez anos se explicou.

Outra coisa inexplicável. Mais ou menos nesse período conversando numa roda que estava Dr. Eduardo Brotero – ele estava presente – Dr. Caio também quando eu recebi a imagem. Ele pela primeira vez contou que quando eu recebi a estampa e olhei, que ele olhou para a estampa e ele viu a estampa que me sorria com muito afeto. E que ele depois comentara com Dr. Caio que a estampa me estava sorrindo com muito afeto, mas não me contaram e não contaram para ninguém. Passaram nove ou dez anos no silêncio. Ora, isto me teria dado ainda muito mais segurança, que dois outros tinham visto.

Foi no conta-gotas da confiança, no celeste, no admirável conta-gotas da confiança que contra toda esperança, aos poucos se chegou até aqui e daqui, se Deus quiser, também dentro da tormenta e na avenida dos becos sem saída, nós chegaremos no dia da vitória de Nossa Senhora. [aplausos]

... Nossa Senhora portanto, contra toda esperança.

Confiar, confiar, confiar é igual a vencer, vencer, vencer! Com a aparência de estar vencido, estar vencido, estar vencido!

Assim se vence em nome de Nossa Senhora!


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