Plinio Corrêa de Oliveira
“Sem o livro de Dom Chautard, eu teria perdido a minha alma”
Santo do Dia, 15 de abril de 1989, sábado |
|
A D V E R T Ê N C I A Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor. Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
Li, entretanto, também, um outro livro que teve sobre mim um efeito muito grande: "A Alma de todo o apostolado", de Dom Chautard. Dom (Jean-Baptiste) Chautard (1858-1935) foi um monge trapista, francês, cuja biografia eu li há pouco tempo - eu não o conhecia, sabia apenas que ele era um trapista, e que tinha sido eleito abade. Ele nasceu numa zona montanhosa da França, numa dessas pequenas aldeias encarapitadas no monte. Desde muito cedo sentiu uma vocação para ser trapista. Teve que combater contra o pai, que não queria que ele fosse; a mãe queria... O pai proibiu-o. Foi, assim, proibido durante muito tempo... Mas, perseverou e conseguiu, finalmente, entrar para a Trapa. Ali foi um monge modelar. Seguiu toda a vida de monge e esteve aqui no Brasil. Eu conhecia um velho católico, muito mais velho do que eu, que ainda tinha conhecido os tempos da monarquia, católico de direita - na força do termo - que tinha sido por causa disso muito e muito perseguido na vida dele. Era um homem que tinha empobrecido e envelhecido prematuramente, calcado aos pés pelos infortúnios da vida, mas conservando muita piedade, e, ao mesmo tempo, muito fogo contra-revolucionário. Eu relacionei-me com ele. Esse velho contou-me que Dom Chautard tinha estado no Brasil para fundar uma trapa. Fundou-a aqui perto de uma localidade junto à Via Dutra, da qual alguns dos senhores terão ouvido falar, e que se chama Tremembé. O lugar é muito bonito, porque é a zona dos arrozais do Vale do Paraíba. As plantações de arroz - creio que os senhores já as viram - chegam a esta altura assim [faz um gesto com a mão]. Em geral, dão em terreno pantanoso. Crescem como uma espécie de ervas grandes, na ponta das quais se formam uma cachozinhos de grãos de arroz. Enchem extensões enormes. Fica bonito ver todas aquelas extensões com arrozais, e, ao fundo, a Serra da Mantiqueira, com aquela interminável sucessão de cordilheiras, que a distância torna meio azuladas. Torna tudo muito agradável de ver. As montanhas, ou se vê de cima, ou vê-las de longe. Estar perto delas não é muito do meu gosto. Eu tenho a impressão de que elas acachapam. Mas, vê-las aos pés da gente, é bom. Ou vê-las ao longe quando constituem um fundo de quadro harmonioso. Quando ficam azuladas pelas distâncias, em nosso País onde nunca ficam branqueadas pela neve, é muito agradável vê-las. O Vale do Paraíba é assim. Nesse lugar, Dom Chautard fundou sua trapa. Esteve bastante tempo aqui, dirigindo-a. Ele conheceu esse senhor aqui em São Paulo. Para fundar a trapa, teve que passar por aqui para conhecer gente, travar relações que a apoiassem e esteve com esse senhor meu conhecido. Este homem, que era um antiliberal de primeira força, abriu-lhe a alma a respeito de queixas e dores que tinha sobre a orientação liberal - quão moderada! - dos bispos daquele tempo. Ele contou-me que disse o que queria, e que estava certo de que Dom Chautard romperia com ele. Terminada toda a narração, Dom Chautard disse-lhe o seguinte, que meu amigo gostava de citar em francês: "Demain, je célebrerai la messe chez vous - Amanhã eu vou celebrar a Missa em sua casa”. Era uma grande honra que ele lhe fazia. De fato, celebrou a Missa e depois foi para essa trapa. Nós devemos dizer com vergonha e com tristeza duas coisas: Em primeiro lugar, foi talvez a única fundação de Dom Chautard que não pegou. O Brasil rejeitou a trapa fundada por esse homem, que, a meu ver, vai ser canonizado pela Igreja. Por quê? Porque não houve vocações. Por mais que eles trabalhassem, falassem etc. não houve vocações, em primeiro lugar. Em segundo lugar, outra tristeza: os trapistas venderam (a propriedade). Tiveram que passar para França. Dom Chautard passou para a França e os trapistas venderam a trapa. Era uma exploração agrícola, com a forma de convento. Venderam-na assim. Passou para as mãos de outros proprietários. Um deles transformou a trapa num lugar suspeito, onde se faziam danças e danças “fassuras”, no próprio claustro da trapa. Eu não tenho que dizer aos senhores a indignação e a tristeza que um fato desses me causava. É absolutamente evidente. Houve tempo em que eu sonhei que, talvez, o Grupo pudesse comprar a trapa. A nossa situação econômica estava mais larga. Eu pensei, assim, comprar a trapa. Quem sabe fazer ali uma casa de repouso para a TFP e restauramos ali o culto etc. e a memória do grande Dom Chautard. Eu tenho a certeza de que os senhores gostariam muito de estar lá dentro. Mas estava na mão de multimilionários que faziam dela uma fazenda de repouso, que não queriam vender de nenhum modo. De maneira que nem tratei disso. Estava acabado. * Força de alma de Dom Chautard: hipnotiza um leão no Vietnam Para se ter uma idéia da força de alma de Dom Chautard, ele tinha um dom hipnótico curioso. Ele hipnotizava as pessoas. Ele era um homem humilde que não se gabava das coisas. O Vietnam era naquele tempo uma colônia francesa onde se praticava à vontade a religião católica. Talvez os frutos mais preciosos das missões católicas fora do continente americano tenham sido o Vietnam e as Filipinas. No Vietnam, todo católico, apesar de ser povo de origem budista e meio bramânico, de raça amarela, portanto raça que ainda não tinha ninguém de católico etc., a religião católica pegou lá profundamente. Sabem que até hoje é uma nação mártir do comunismo e profundamente católica. Dom Chautard estava lá numa encruzilhada de trens, esperando a hora de chegar o seu. Numa jaula havia um leão. Então, estando com um companheiro, para se distrair um pouquinho, disse-lhe: "V. quer ver esse leão mudar de procedimento?" O animal estava rugindo e pintando o caneco dentro da jaula. Começou ele a olhar para o leão... Dali a pouco, o leão estava hipnotizado por Dom Chautard. O bicho ficou com um certo torpor... e daí a pouco mansinho. Os senhores podem imaginar a força que deve ter um homem para hipnotizar um leão... Indica aos senhores o valor dele. Antes da I Guerra Mundial ter rebentado, houve uma lei de perseguição religiosa na França. Segundo essa lei, a trapa devia ser muito seriamente prejudicada, ou talvez até fechada... [Dr. Plinio olha o relógio e exclama: Uma hora já!...] Dom Chautard foi falar com um homem que era chamado “le tigre”: Jacques Clemenceau (foto abaixo). Era o chefe do governo francês, conhecido como uma fera, e era quem estava movendo a perseguição religiosa.
Dom Chautard entrou. Foi recebido com prevenção por Clemenceau, bruscamente e de um modo rabugento. Sentaram-se. Dom Chautard começou a expor o que queria. Clemenceau começou a dardejar objeções contra. Dom Chautard foi respondendo uma por uma, com segurança. Tigre contra tigre! Eles se pegaram. Terminada a conversa, ele disse a Dom Chautard: - "Devo dizer-lhe que não pensei que um trapista fosse assim. Ser como o senhor, é ser verdadeiramente homem! Eu peço-lhe, Dom Chautard, que me inscreva na lista de seus amigos. E qualquer coisa que precise de mim, a qualquer momento, conte comigo. Clemenceau, o anticlerical é seu amigo!" Dom Chautard viveu sob o pontificado de São Pio X, em que a modernização da vida estava começando a dar seu grande. Quer dizer, uma porção de invenções recentes tinham entrado e transformado o aspecto da vida. Trens, locomotivas... Já se começava a falar de avião. A luz elétrica em todas as casas. A mudança da noite para o dia, em muitas cidades como Paris e outras grandes capitais. Falava-se de automóvel, também. De bicicleta... Moto, creio que ainda não. Havia um inebriamento com o progresso, tido como o contrário daquela Igreja que lhes parecia tradicional, lenta, imóvel, com seus dogmas, com seus princípios de moral imutáveis, etc., parecia coberta com a poeira do passado. Portanto, um tanto negligenciada por todos aqueles que estivessem embriagados pelo entusiasmo com a modernidade. Não sei se está bem explicado esse negócio. Isso ocasionava um grande número de apostasias. Os jovens, por exemplo, não se interessavam pela religião. Em massa, eles iam apostatando. E se os homens apostatavam em massa, o futuro já não era mais da França católica. Os jovens são o futuro. Então, um bom número de padres zelosos começaram a fundar obras de apostolado. Eram lugares onde os jovens podiam passar o dia inteiro sem imoralidade. Havia lugares para se distrair, com fanfarra etc. Chamavam-se a isso obras católicas ou obras pias. Havia alguma coisa para beber e comer. Realizavam-se jogos etc. E, assim, variava ao infinito. Bibliotecas públicas católicas, que não tinham maus autores, só bons e onde um rapaz pudesse, durante a semana, nas horas vagas, ir lá ler bons livros. Publicação de obras refutando as doutrinas erradas daquele tempo, contando vidas de santos, espalhando a doutrina católica. Sobretudo, se insistia muito sobre o ensino do Catecismo. Catecismo para crianças, adolescentes, adultos, variados segundo o caso. O empenho que a Igreja deitava no ensinamento no Catecismo era tão grande que o Papa São Pio X, embora com as ocupações transcendentes de um Papa, todos os Domingos, em Roma dava uma aula de Catecismo, dentro o Vaticano, no pátio de São Dâmaso (pátio interno do Vaticano), para estimular os Vigários a dar aulas de catecismo e formar no conhecimento da doutrina católica os jovens. * São Pio X dando aula de Catecismo Eu vi fotografias dessas aulas de Catecismo: Um estrado grande, bem alto, onde se colocava uma poltrona, um trono, para o Papa. Do lado esquerdo e direito, altas autoridades eclesiásticas, cardeais, assistindo. E vinha, todos os domingos, de Roma, uma paróquia com o padre na frente e tocando música. Do ponto distante onde se localizava, percorria a pé toda a cidade, para estar no Vaticano à hora certa. Para ver o grande Pio X - ainda não era chamado santo, mas já o tinham em conta de tal - que ia dar uma aula de Catecismo. A fotografia que eu vi, apanhava-o no momento em que ele lecionava Catecismo: uma estatura grande, porque era um homem alto, corpulento, muito digno e com um olhar de fogo. Um jornalista francês disse dele que ele era como um Querubim com a espada de fogo na entrada do Paraíso. Se não me engano até de pé, todo vestido de branco, como se vestem os papas, e dando uma aula de catecismo para todos os bambinos, encantados, como podem imaginar. Terminada a aula, rezavam todos juntos. O Papa dava a benção e [saía]. A paróquia voltava, geralmente por outro caminho, mas com o estandarte próprio, para que todos os que os vissem soubessem que aquela paróquia tinha recebido uma aula de Catecismo do próprio Papa, em pessoa. Era um empenho muito grande que havia nisso. O número de obras assim que se fizeram foi colossal. Ora, acontece que essas obras evitaram muito mal. Mas que bem produziram? Não basta evitar o mal. É preciso produzir o bem. Muitos foram retirados das garras do mal. Eram bons a quem se deu a facilidade de não se deixar devorar pelo mal. Mas isso só não basta. É preciso conquistar os outros. Conquistas pouquíssimas! De maneira que era um esforço colossal, com um resultado pequeno. Daí novos esforços: fundar jornais católicos, comprar tipografias católicas, fundar revistas; clubes esportivos católicos... Toda a espécie de coisa para atrair a juventude. Eu volto a dizer: evitava que um certo número caísse no pecado. Uma coisa muito preciosa, mas não se pode querer só isso. * O apostolado não pode ser feito sem alma; qual é a alma de todo o apostolado? Então, Dom Chautard, um profundo observador das coisas, meteu o dedo no ponto e escreveu o livro “Alma de todo o apostolado". Já no título se subentende uma coisa importante: que há apostolado sem alma. Se há alma de todo o apostolado, este pode ser feito com alma ou sem alma. Qual é a alma de todo o apostolado? Era evidente de que era uma afirmação de que aqueles apostolados estéreis eram apostolados que não alcançavam fruto porque não tinham alma. Qual é a alma do apostolado? Porque tudo estava realizado para alcançar êxito. A Igreja era rica: tinha meios para comprar o que fosse necessário, tinha tudo! Entretanto, não conseguia senão muito pouca coisa. Qual era a origem disso? A pergunta, a mim, interessava-me enormemente. Desejando fazer a Contra-Revolução, obra eminentemente de apostolado, queria conquistar para os ideais da Contra-Revolução os jovens de meu tempo, que eram como eu, alguns um pouco mais velhos, outros um pouco mais moços. Era a eles que que queria conquistar. Eu via a relativa inutilidade dos esforços que se faziam em torno de mim e os meus próprios esforços para isso. Eu fundei uma Ação Universitária Católica na Faculdade de Direito. À força de tino político etc., a AUC teve muita projeção. Chegou a ser uma potência na Faculdade. Mas o número de estudantes que ela converteu era muito pequeno, muito menor do que eu queria. Ela conseguiu uma posição de força e de prestígio, mas se isto não rende conquista, pssst! o prestígio que vá às favas. O que se quer é conquistar as almas ao demônio, para implantar o Reino de Maria. Se o prestígio não é um elemento para isso, ele não interessa, é vaidade. Não é outra coisa. Então, qual era a alma de todo apostolado? Dom Chautard dá muito bem a tese que, para mim, era completamente nova. A tese é essa: o homem concebido no pecado original não tem força para cumprir, na totalidade e habitualmente, os dez Mandamentos da Lei de Deus. De maneira que o homem pode, durante a sua vida inteira, praticar uns tantos Mandamentos. Todos, não. E se não praticar todos, ele vai para o Inferno. Agora, qual é então o remédio? O remédio é a graça. O que vem a ser a graça? É um dom de Deus, criado por Ele, que é uma participação criada na própria vida incriada dEle. A vida de Deus não é criada, porque Ele é eterno, existiu desde todo o sempre. É uma vida de uma intensidade, de uma densidade infinitamente superior à nossa. Nós, na melhor das hipóteses, seremos sábios, bons, isto e aquilo. Deus não é sábio nem bom, Deus é infinitamente Sábio - assim se diz. Está muito bem, mas não é tudo: Deus é a Sabedoria, Deus é a Bondade, Deus é a Fortaleza, este é Deus! Então, é a própria Bondade e a própria Sabedoria subsistente e eterna, de uma natureza infinitamente superior à minha, porque não foi criado e me criou a mim, é a própria vida d'Ele que, por meio desse dom, eu participo. Então, Deus vem habitar em mim, não à maneira eucarística, mas à maneira de um dom que Ele põe na minha alma, pelo qual esta vive da vida d'Ele. Dom Chautard mostrava que a substância do apostolado é que o homem possua em si essa graça de Deus e a transmita aos outros. Tratando com um homem que tenha a vida da graça - se ele a tiver intensamente, abundantemente - ainda que sem querer, a graça de Deus atua através dele sobre aqueles a quem Ele quer conquistar. E produz na alma dos outros o efeito que produz na alma daquele. De maneira que o apostolado é fecundo quando o apóstolo tem muita participação na graça de Deus. E o apostolado é estéril quando o apostolado tem uma pífia proporção de participação na graça de Deus. Não basta viver em estado de graça. O estado de graça salva o homem que se encontra nesse estado, mas não basta. A coisa é outra: é preciso que o tenha superabundantemente, para que da superabundância jorre para outros. Isso é que é preciso. Ter uma vida da graça intensa. Ele dá casos e explica fatos que já tinham entrado na minha observação, mas para os quais não conhecia a explicação. * O princípio de vida interior tirada da experiência de Dom Chautard Conta um fato. Foi-lhe mostrado uma espécie de clube católico para moços, com umas instalações excelentes. Havia uma fanfarra comprada com aparelhos muito bons, guardados em estojos muito bons, etc. etc. O padre disse a Dom Chautard: "Veja, estou aqui desolado. É domingo. Está aberto para entrar o jovem que queira. Está inteiramente vazio. Ninguém vem, porque o fato de ser católica repele, as pessoas não entram. E não tenho solução para o caso." Depois andou de um lado para outro, e foi para um estabelecimento que era do mesmo gênero, mas pobre. Atravessa com o padre o pátio. Diz-lhe o padre: "Vou mostrar ao Sr. uma coisa muito pobre, mas, afinal, é o que tenho". Andando, veem um grupo grande de rapazes marchando ao som de uma fanfarra. Esta era feita com instrumentos meio fabricados por eles, a coisa mais ordinária que imaginar se possa. O pessoal marchando com uma animação enorme, às vezes brincando, às vezes fazendo sério, e passando a tarde inteira com aquilo. Dom Chautard comparou um padre com o outro, notou que o primeiro era um padre correto: zero como fruto de apostolado. O segundo, era de alta virtude: a graça atraía. Um que não conseguia nada com todo o seu dinheiro. E outro que não tinha senão uma insignificância de dinheiro, mas conseguia tudo no apostolado, porque a graça de Deus habitava nele. Dom Chautard estendia a teoria aos oradores sacros, às pessoas que fazem conferências e a outras que não atraíam ninguém, não empolgavam ninguém etc. Ele dizia: é vazio porque há a seguinte regra, ele dava a regra: o conjunto dos ouvintes é em geral de um grau inferior àquele que fala, de maneira que o pastor costuma ser de um grau superior às ovelhas. Então, a coisa é assim: a um vigário santo corresponde um público fervoroso; a um padre fervoroso, porém não santo, corresponde uma paróquia boa; a um padre bom, mas não fervoroso corresponde uma paróquia insuficiente; e a uma padre apenas em estado de graça e nada mais, corresponde uma paróquia em estado miserável. Isso vem demonstrado com uma opulência de argumentos perfeita. Eu pus-me diante do problema: o que ele diz para o padre é perfeito. Mas todas essas razões valem para o apóstolo leigo também. Ou eu procuro santificar-me ou eu sou um palhaço! Porque levar uma vida de nhonhô, gostosinha, agradavelzinha, não sofrer, nem nada, e pensar que eu consigo fazer no mundo as transformações que eu quero, é um sonho! Eu levo uma vida de bobo. Não consigo nada, porque não tenho o grau de fervor necessário. Eu tenho que aspirar à santidade. Mas, Dom Chautard punha, entre outras coisas, como condição para a santidade, evidentemente, a pureza, mas também uma virtude em relação à qual eu tinha uma incompreensão muito grande: era a humildade. Eu sabia que é uma virtude cristã. Lia no Evangelho que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha sido infinitamente humilde, todo o Evangelho faz notar isso de um modo incrível, mas o fato concreto é que as pessoas que me eram apontadas como humildes eram caricaturas da humildade. Diziam-me que aqueles eram humildes mesmo. A humildade é fundamentalmente a virtude pela qual nós não procuramos atribuir a nós aquilo que pertence a Deus. Portanto, se as nossas conversões são feitas - quer dizer, convertemos gente - devemos entender que foi Deus presente em nós que fez, e não fomos nós. Um homem pode ser um ótimo pregador, um ótimo orador, um ótimo o que queiram, ele não converteria ninguém! Ele só converte ou eleva ainda mais em virtude outrem, desde que ele reconheça que é Deus presente nele que está fazendo isso. O resto não adianta nada. Em segundo lugar ele deve ser humilde em relação à quem tem o direito de mandar nele. Deve gostar de obedecer, com respeito e amor, com submissão, com todo o gosto. Mas não deve ser humilde sujeitando-se às imposições do vício, do crime, permitindo que o adversário insolente da Igreja o insulte, insulte à Igreja sem que ele tenha um surto de indignação etc. Isso não vai. Ah, bom, aqui está meu homem. * Sem o livro de Dom Chautard, eu teria perdido a minha alma, quando fui eleito deputado O livro de Dom Chautard, menos que o livro de São Luís Grignion de Montfort, mas, enfim... menos porque ele é menos: ele sustenta um ponto muito importante, mas não tem a importância da devoção a Nossa Senhora. O livro de Dom Chautard também me calou a fundo. E sem o livro de Dom Chautard, eu teria simplesmente perdido a minha alma, quando eu fui eleito deputado. Por que razão? Para um jovem de vinte e quatro anos, o deputado mais votado e o mais moço do Brasil, para o qual todos os olhos convergiam naquele momento, em todos os meios católicos do Brasil, o instinto humano leva o indivíduo a ficar vaidoso. Leva a começar a pensar em idiotices: "Que colosso eu sou; Como eu moço, assim, já consegui impor-me a tantos milhares de eleitores..." Começar a contemplar-me a mim mesmo, ao meu intelecto... e essa coisa toda. Resultado: viria o embriagamento de mim para comigo. Na hora em que eu ficasse posto diante da alternativa: apostatar ou renunciar a ser reeleito, aí teria optado pela apostasia. Foi o livro de Dom Chautard que me auxiliou. Eu já contei um episódio aqui, que vou contar agora e com o qual terminou a reunião. Num dia de solenidade na Constituinte, os deputados iam chegando de automóvel... Ao longo de uma das ruas transversais da Av. Rio Branco (no Rio de Janeiro) - suponho que seja a do Ouvidor -, quando os nossos automóveis iam entrando - os deputados paulistas de fraque e de cartola; eu também de fraque e de cartola, sozinho no automóvel, tocando, quando entramos na rua transversal que dava na Constituinte - eu não sei como, talvez por estar de cartola, mas não era porque as outras autoridades também iam de cartola - o oficial que comandava a tropa deu ordem de prestar continência, porque eu estava entrando. Então, aquela tropa até o fim da rua apresentou armas. Meu automóvel passou devagar diante daquela tropa em continência... Eu tive uma tendência a embriagar-me com aquilo, porque sempre fui muito sensível a honras militares durante toda a minha vida, como sendo as honras que mais faziam sentir a grandeza de um homem. E vendo aquilo lá, eu seria levado a achar simplesmente uma delícia ver-me objeto daquelas honras... A graça despertou na minha alma a idéia: e o Dom Chautard? Reprimi imediatamente esse movimento. Não olhar para a tropa que me está apresentando armas, pedir o auxílio de Nossa Senhora e fazer o propósito de renunciar a tudo isto, desde que seja necessário para a causa católica. Eu creio que neste auditório mesmo, há muito jovem que posto nas mesmas condições, se não tivesse lido "A Alma de todo o Apostolado" estaria num risco grave... Então, eu conto este pequeno episódio para compreenderem como se deve ser meticuloso nisso. E nunca consentir num movimento de vaidade. Nunca! Por menor que seja: "Não, não e não!" Ao cabo de uma conferência, discurso ou qualquer coisa, pouco importa, envaidecer: "Não!" Digam o que quiserem de elogios, batam as palmas que entenderem, a gente não presta atenção nas palmas e sai naturalmente. Não com aquela cara de humildade besta, mas natural como é: mas com muito mais medo de ficar orgulhoso do que ficar humilde besta. Porque o humilde besta ainda tem suas atenuantes e pode ir para o Céu. Um orgulhoso não vai. Esse foi o Dom Chautard. Eu li esses dois livros (o “Tratado da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora” de São Luís Maria Grignion de Montfort e o de Dom Chautard) que foram fundamentais. Havia um terceiro... Ah! O Livro da Confiança! Deixamos este, já deixo registrado, e eu queria dizer alguma coisa também a respeito das “Confissões” de Santo Agostinho e de um livro de Direito Natural de um autor italiano do século passado chamado Taparelli D'Azeglio [Tratado de Direito de Natural, n.d.c.]. Eu gostei enormemente deste livro, e preciso explicar alguma coisa a respeito dele. E o livro do Mons. Henri Delassus "La Conjuration anticrétienne" (com prefacio de São Pio X, o Cardeal Merry del Val, n.d.c.) também faz parte do conjunto de livros que li naquele tempo. Foram livros todos providenciais, mas falarei muito mais rapidamente sobre eles. Eu me estenderei mais sobre o Livro da Confiança. Nota: Para ler a primeira parte deste Santo do Dia, clicar em "O livro que mais efeito teve sobre mim na vida" |