Plinio Corrêa de Oliveira

 

As várias fases da vida

Face à má notícia, como proceder?

Sentimentalismo e moleza

Previsão e bom senso

 

 

 

Almoço no Eremo de São Bento, 25 de setembro de 1987

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.



 

Todo mundo faz, com muita razão, uma distinção entre duas eras na vida do homem. Uma era é aquela em que ele não conhece como é que se dá a perpetuação da espécie humana, e por causa disso ele também não é ainda atormentado pelos problemas de pureza. Ali a alma é uma. Depois ele conhece como é, mas conhecendo sugere nele uma porção de problemas de pureza em consequência.

Ouvi dizer que há gente que mesmo sem ter ouvido jamais falar da perpetuação da espécie humana já tem tentações, e até está exposta a praticar atos de modo inteiramente instintivo. É possível que seja isso.

Mas seja como for, eu tenho impressão de que para a maioria das pessoas não é assim. E que eles só se põem o problema depois que sabem como a espécie humana se perpetua. Isso não quer dizer que eu seja contrário a que se explique às crianças, o pai, a mãe, o confessor -- à criança, o problema da perpetuação da espécie humana, como é que se dá. Bem, mas o que eu quero dizer, é que o fato é que, isso que é necessário, levanta o problema.

Bem, depois há o resto da vida que é uma batalha.

Agora, também há uma outra coisa de que muitos psicólogos e muita gente assim não trata, ao menos que eu conheça, eu li muito pouco sobre isso, ao menos que eu conheça não trata, e é a questão seguinte -- Eu vou pôr o problema de maneira tal que cada um se pergunte, dentro de si mesmo, esta época de que eu vou falar agora, quando é que aparece. Quando é que apareceu nos senhores, se é que os senhores se lembram.

Há uma época em que a gente vive despreocupado e os problemas do dia de amanhã não existem... Em parte porque o espírito, a memória ainda é débil, e não conserva muito a recordação das coisas, e como elas se articulam, etc. E a pessoa vive muito de impressões.

A pessoa vive muito dessas impressões, viu aquilo ... Por exemplo, viu agora: tem língua ... Ahhh! Então, tátátá. Já o resto está esquecido, já vai para os nimbos anteriores ao nascimento quase da pessoa. Depois aparece uma possibilidade de à tarde, por exemplo, ir andar de bicicleta no bairro aí, o dia está bonito. Lá vai aquilo. Depois acaba o passeio de bicicleta, dá frustração e há uma baixa... Mas a pessoa não faz muita correlação das causas e dos efeitos.

E também não tem muito a idéia de como conseguir ou como evitar as coisas. E o resultado é que é uma época pouco planejadora, e pouco previsora. Não se fazem muitas previsões, não se fazem muitos planos nem sobre o que vem, e por isso a gente não sabe muito como articular as coisas para obter o que quer e evitar o que não quer.

Bem, isso é uma primeira época que tem seu traço de analogia com a inocência. Quer dizer, em geral é no período em que as pessoas estão na inocência primeva, primevíssima, que as pessoas estão nessa posição em face ao futuro. Mas, na realidade, depois o raciocínio vai tomando calor e também a vida vai ficando mais densa. Não é só questão de pegar uma bola, de não sei o que, mas a pessoa vai pondo ações, as quais ações podem produzir conseqüências prolongadas. O que não é na vida de uma criancinha.

Então o futuro vai ganhando outra dimensão. E com outra dimensão as esperanças são de bens mais duráveis, e as apreensões são de receios mais duráveis também. E diante disso, começam os desejos intensos e os receios intensos. Começa a torcida -- uma coisa que eu posso explicar daqui a pouco aos senhores no que é que consiste --  começa a torcida, e começando a torcida começam os planos. Porque quem fica torcendo começa: “mas como é que eu vou fazer para...” O plano é filho da torcida nessa época. Nessa época o plano é filho da torcida.

Então vem uma outra época em que a vida do homem toma duas dimensões: uma é o presente e outra é o futuro.

Uma pequena dimensão, que quase não nota, é o passado; um adolescente pouco olha para seu próprio passado. Mas ele olha muito para seu presente, mas não olha mais exclusivamente para o presente como quando ele era meninote. Ele olha também para o futuro. E à medida em que ele vai caminhando na vida, o futuro vai tomando um papel maior do que o presente! Como vai ser ... o que vai acontecer? O planejamento toma um papel maior do que a degustação: como é que eu vou fazer, como é que eu vou empregar, que meios eu tenho... Então a perspectiva do homem muda!

Bem, e há uma terceira época, da qual os senhores ainda estão longe, em que o passado que era apenas um apêndice pálido e insípido do presente, de repente toma cor. E o indivíduo começa a pensar muito em seu passado. Mas no fundo ele pensa no passado ainda em função do futuro: ele compreende que se ele esquadrinhar melhor o passado, ele entende melhor o sentido da vida e do futuro para onde ele caminha.

De maneira que é mais ou menos como uma pessoa que vai caminhando de encontro ao sol, a sombra é alguma... eu estou imaginando uma sombra cônica atrás dele, que à medida que vai ficando distante, vai ficando menor o ângulo final. Mas depois, em certo momento, o sol muda de posição, sei lá o que acontece, mas que é o contrário. Ele vai caminhando e ele tem atrás de si uma sombra grande e tudo muda. Assim nós temos essas 3 dimensões da vida.

Então, acaba sendo que no fim o indivíduo vive mais do passado do que do futuro. E do passado, por que? Porque o passado do qual ele foi um elemento integrante, este passado para ele é muito mais explicável, muito mais razoável do que quando ele viveu dentro desse passado. Ele entende ainda melhor, saboreia ainda melhor. Então ele percebe que ele se prepara para o futuro pensando no passado. É o jogo.

Bom, eu pergunto quais são aqueles para quem isso está claro ... não é um charabiá confuso.

Por exemplo, um fenômeno que se dá característico. O sujeito mora numa casa com a família. A família se muda para uma casa melhor, e ele vai radiante: Ah, casa nova, muito melhor! A casa velha para ele, prefere não pensar.

Mas em certo tempo, quando ele já está na parte da casa dos 30 que vai caminhando para os 40, ele encontra de repente na gaveta uma fotografia velha e amarelada da casa primeira. E ele, que 10 anos antes jogaria aquilo fora, segura e diz: “ah, isso eu vou guardar!” É aquela era que está começando.

Os senhores dirão: “mas isso não é velhice...”  A velhice e a infância são duas fases da vida do homem sempre presentes, em proporções diversas, ao longo de toda a vida. A velhice nunca é só velhice, e a infância nunca é só infância. É delicado, é uma composição muito delicada, que vale a pena os senhores fixarem um pouco à margem do nosso tema, um pouco para formarem uma certa noção de um fato também interior, e que atrapalha os senhores.

Os senhores sentem o tumulto das impressões que vêm, e das coisas que se movem de um lado para outro, e não compreendem esse tumulto, não sabem pôr em ordem esse tumulto, para poder se defender das impressões deles, para poder analisar, para poder vencer esse tumulto! E se sentem um pouco como um barco sem leme sacudido num mar bravo: lá vai! Lá vai! Não queria ... É, mas já foi, já tomou a atitude, já foi, já está feito.

Bom, então, em certo momento de minha vida se pôs um problema que eu não sei se já se pôs para os senhores com essa clareza. Mas se porá, mais cedo ou mais tarde se porá. E eu falando precipito esse momento, precipito o advento desse momento, mas é uma coisa boa. A coisa é a seguinte: começam a aparecer as esperanças de coisas boas para suceder, e começam a aparecer também os pânicos das coisas ruins que podem acontecer.

E diante das coisas boas, a alma toma uma torcida, que quer aquilo, quer aquilo enormemente, e até imagina coisas melhores do que pode acontecer. Quer dizer, ela é muito dada à previsão em matéria de coisas boas. Ela está sempre prevendo coisas boas.

Diante das coisas ruins a alma é tendente à imprevidência: “para que estar me atormentando com o que pode acontecer? Deixa acontecer que aí eu vou ver. Porque se eu for pensar nisso já, começo a me assustar tanto, e a ficar tão preocupado, que eu não domino a situação. Então é melhor não pensar, quando chegar a hora eu vejo o que é que eu faço...”

Bom, e a pergunta é esta: diante dessas perspectivas de futuro, é verdadeiramente bom que o homem esteja sempre se perguntando o que vai acontecer e esperando o melhor? Na aparência dá ânimo, dá força, dá vontade de viver! Depois é gostoso!

Isso é bom ou isso é ruim? Por que é que é ruim? Se fosse bom, por que é que seria bom? Quais são os lados bons disso? É uma pergunta que se pode fazer.

A outra pergunta é a seguinte: e se desatar sobre mim a provação de Jó? Pode acontecer. Então chega o mensageiro, chega outro, depois chega outro, em meia hora eu estou arrasado. O que é que devo fazer quando receber a primeira notícia má? É conjeturar: “Deus está querendo me provar, e talvez eu tenha entrado no caminho de Jó”? Ou, pelo contrário, eu devo ser um homem cauteloso: “Não, isso é só essa, não vai acontecer outra!” Lá vem outra! “Bom, agora também, depois dessa, vir mais uma terceira, é muito forçado! Eu agora estou mais garantido do que nunca de que não virá”.

E daí para frente manter diante dos infortúnios que vem uma imprevidência intencional, para conseguir não morrer na onda. Está claro?

(Sim!)

Não sei por que ... acho os senhores, o sol está batendo muito forte aqui ... Não, não, deixe, está agradável mas os rostos da primeira fileira eu quase não vejo por contraste, de maneira que eu não sei bem quais são as reações, mas estou achando que essa problemática está encontrando o meu auditório meio moroso, meio...

Bem, eu tive muito esse problema. E eu não era tanto apegado a que me viessem coisas muito boas. É claro que é gostoso, mas não fazia tanta questão. Mas eu tinha muito receio de que me viessem coisas muito más. E diante disso eu me punha o problema assim: aconteceu uma coisa, eu devo imediatamente medir qual é o extremo do mal a que isso pode chegar, ou eu não devo ir tão longe, não devo medir tanto, para não me afligir demais? Onde é que eu encontro a verdadeira posição de alma que me dá força e resistência diante do que aconteceu?

E cheguei a uma conclusão que eu pratiquei a vida inteira, graças a Deus e com a qual só eu me encontrei bem, e que é a seguinte. Uma má notícia, nos efeitos de uma má notícia na alma de uma pessoa, nós podemos encontrar dois aspectos. Um é o amargor da má notícia, e outro é o susto da má notícia.

Imaginem contar: recebe a informação seguinte: o imóvel que você tem, que é o único patrimônio seu, mas é um grande imóvel, pegou fogo. Não estava no seguro e você está pobre. Há uma primeira coisa que é o susto. Agora, depois vem a reflexão: como é, como é que dá, como é que faz, etc., etc.

Agora, depois do susto a gente vai prever o que aconteceu e é outro sofrimento. Mas para meu temperamento o susto é um impacto horroroso. Não sei se é com os senhores, mas quero crer que sim. E o jeito que a gente tem de evitar o susto é logo de uma vez ir na previsão do pior. O pior pode ser tal coisa assim, pode acontecer aquilo, aquilo, aquilo outro. E eu vou prever.

O que quer dizer prever? Eu vou considerar que isso pode acontecer. E quando eu traçar meu plano de luta, eu vou pôr em linha de conta a possibilidade daquilo acontecer. Ainda que seja improvável. E eu vou preparar as coisas para que aquele pior não aconteça.

De maneira que então o bom método do espírito é: logo que aconteça alguma coisa, a gente se perguntar qual é o pior. E sem exagerar a probabilidade do pior, ficar o tempo inteiro prestando atenção: “olha, não está rumando para lá? Não está rumando para lá? O que é que eu posso fazer para evitar que esta calúnia apareça? O que é que eu posso fazer para ir me documentando contra essa calúnia?” Até o fim do caso eu ainda estou coletando documentos contra a mais absurda das calúnias.

Mas o fato concreto é que se a gente vai até o fim de uma vez, e prevê tudo o que pode acontecer, pode acontecer tudo; uma coisa não acontecerá: é o susto. E outra coisa não acontecerá: é que a inocência de quem andou bem, andou retamente, pereça, seja derrotada na luta por falta de [previsão].

Então, está mais perto da vitória quem prevê desde logo o pior. E prevê com confiança em Nossa Senhora e com energia!

Bom, e agora eu caio de pára-quedas em nosso tema!...

Um homem que tenha o hábito de ver as coisas como são, que tem o hábito do pão-pão, queijo-queijo pôr-se diante da realidade, e até sem exagerar o que a realidade tem de ruim, pôr-se diante do que ela pode trazer de pior, esse homem tem certo feitio de espírito. É um feitio de espírito penetrante, que gosta de pensar, gosta de raciocinar, gosta de enfrentar e gosta de lutar.

Outro homem é mole, ele não gosta de nada disso, ele gosta de imaginar. E imaginar as coisas como não são. De maneira tal que a vida dele não é uma perpétua confrontação com a realidade, mas é uma contínua fuga de realidade. Se é assim, eu pergunto: isso tem algum nexo com o sentimentalismo? Qual dos dois tipos de homem é mais propenso ao sentimentalismo?

Eu tenho impressão que os senhores me dirão que, sem dúvida nenhuma o mais propenso é o mole, que não vê as coisas de frente. E que o menos propenso é o rijo, que vê as coisas de frente. E é evidente. Porque o mole, porque é mole, e porque não tem coragem de enfrentar a realidade, o mole começa a imaginar o que não é, e vive diante do que não é. E o duro vive diante do que é!

Então, um homem, por exemplo, encontra na rua uma moça, e se toma de uma ... imaginação diante de ... “Como seria bom se ela fosse como o rosto dela me indica que ela é; como seria agradável viver em sociedade conjugal com ela, e que alegria continuamente renovada, que intimidade deliciosa constantemente à minha disposição! Que bom ser objeto dos afagos, das amenidades, etc., desta pessoa que, evidentemente se me conhecer, terá verdadeira adoração por mim! Porque eu percebo que ela olhando para mim, notará em mim o fundo inesgotável de qualidades superiores que eu mesmo sinto em mim! E que as pessoas que me cercam não notam! E, portanto, se eu fizer esse casamento, eu encontro a felicidade na terra”!

O outro dirá: “Ooolhaaa! Olhe, olhe, olhe! Olhe em torno se si ... Se tanta gente se divorcia, todos os que se divorciaram começaram por sentir o que você está sentindo agora. Então, que realidade há nesta verdade, ou nesta situação de fato percebida assim? Ao cabo de algum tempo todos reconheceram que se enganaram. E com a estupidez inerente ao gênero humano, em vez de perceber que fizeram uma tolice, acham que não! que a escolha não foi boa! E vão fazer tolice com uma outra.

O último projeto de Constituição brasileira estabelece em expressos termos que todo homem ou toda mulher pode divorciar-se e se casar um número indefinido de vezes. Levados pela idéia que tem os políticos de que propondo isso ficam mais populares. Mas então eles mesmos dão testemunho de como essas ilusões são falsas. Porque se eles imaginam uma população inteira que está desejosa de desfazer os vínculos que contraiu, ele reconhece que as ilusões que estão na base desses vínculos são sistematicamente ilusões.

Não sei se o raciocínio está claro?

(Sim!)

E se o indivíduo logo que seja assaltado por uma ilusão dessas, pensar simplesmente no que eu estou dizendo, e compreender como são as coisas, é ou não é verdade que ele fica muito mais protegido contra todo sentimentalismo?

Eu creio que já lhes contei que um certo número de vezes, quando eu era entre mocinho e moço, esse problema do casamento, etc., se pôs no meu espírito. E eu via as cerimônias de casamento que todo mundo vê e todo mundo é convidado. E eu ia, e via a saída ... Primeiro a entrada da moça no braço do pai para o altar. Então a marcha nupcial de Loengrin que tocava naquele tempo, e ia em passo cadenciado, etc. Naquele tempo as coisas eram diferentes, ela usava um ar púdico, ligeiramente tímido, como que pedindo perdão pelo éclat do excesso de sua beleza. E ele assim: “Olha o que eu fiz ... essa aqui! O papai sou eu! Naturalmente o que ela tem de bom foi herdado de mim. Aquela velha que está lá no altar de mór, e que é a mãe dela, aquilo foi um equívoco, mas a natureza pôs as coisas em ordem, olha aqui ...”

Está bom. Chega em cima, a cena clássica: o noivo vem de encontro a ela, e antes mesmo de chegar aos genuflexórios ela tira o braço do braço do pai, passa no braço do noivo e vão os dois para o altar. Bom, vem o casamento. Depois então a parte social mais palpitante da cerimônia – a parte religiosa é onde eles declaram que querem ser recebidos por marido e mulher, e então o Padre em nome da Igreja os declara casados ... – mas depois a coisa começa:

Ele vai abraçar seus próprios parentes que estão de um lado, ela os dela. Depois trocam, ele vai abraçar os parentes dela, e ela vai abraçar os dele. O primeiro lance é muito mais sensível do que o segundo. Ela com os parentes dele meio assim, ele com os parentes dela assim ... Enfim, se abraçam. Organiza-se o cortejo e saem. Loengrin de novo, e eles vão para o automóvel.

E eu era levado à seguinte pergunta: eu quero saber quando eles estiverem sozinhos, qual é a atitude deles um com o outro, para saber de fato eles como é que estão um em face do outro, não no dia áureo do noivado, mas no dia muito mais puxado do casamento. As ilusões do noivado persistem? Elas vivem pelo menos ainda no 1º dia do casamento?

Então eu arranjava um jeito de me postar na saída, saía antes de sairem os outros, me postar perto do carro dos noivos, mas assim a uma distância assim, de maneira que quando o automóvel saísse, eu os visse durante algum tempo. Fazia discretamente, não é? Eu corria todos os riscos de ser muito mal visto se percebessem que eu estava fazendo essa inspeção. Eu fazia discretamente, mas fazia. Em nenhuma vez eu vi os dois trocando carícias e gentilezas dentro do automóvel, verbais, qualquer coisa assim. Não. A cara de quem já conversou no noivado a mais não poder, e não tem mais tema para o automóvel.

E eu perguntava: está bom, daqui a 5 dias quando eles estiverem face a face um ao outro assim, eles estão com  a idéia de que se casaram há 200 anos ... Ilusões do sentimentalismo! O sentimentalismo nos apresenta sempre uma imagem da outra parte como ela certamente não é. Porque a pessoa concebida no pecado original nunca é o que parece à primeira vista. E no convívio aparecem sempre aspectos com que a gente não contava, e aspectos desfavoráveis. Não tem conversa!

E a razão profunda do divórcio é esta: é que no fundo acabam percebendo que foi um abacaxi. Mas sempre que o casamento foi à procura do encontro dessa fada perfeita e ela desse Loengrin perfeito, dá em divórcio. Porque ninguém é fada perfeita, ninguém é Loengrin perfeito! Não tem conversa. E imediatamente aquilo começa a se crestar.

Quer dizer, querem uma coisa que convide para um casamento irrefletido, um casamento mal feito? Ponham o sentimentalismo no eixo do negócio.

Então, o que fazer: não se casar? Eu responderia com um adágio francês, que creio já ter citado aos senhores, e o adágio é o seguinte: o homem insensato casa com a mulher da qual gosta; o homem sensato gosta da mulher com a qual casa. Isto é muito mais verdadeiro, muito mais lógico, muito mais razoável, muito mais terra-terra. Mas aí o sentimentalismo está longe.

É capaz de encontrar a mulher com a qual deve casar-se, o homem que não tem imaginação, que analisa a mulher como quem analisa um tapete, ou como quem analisa uma... é, não é; vale, não vale; dá, não dá; como são os parentes? O que ela tem de parecido com os parentes?

Uma vez eu ouvi um sujeito dizer que quem casa com uma moça, casa com a família inteira! E nem sempre é muito convidativo.

Bem, e faça a seguinte pergunta: ela, nos aspectos piores, como é que é? Eu agüento?

Pode ser que agüente. Agüenta agüentado, na linha do bom senso. Fará um ato digno, decente, ele vai ser bom marido, ela vai ser boa mulher. Está acabado.

Agora, diante desse quadro, a gente pensa em São Paulo. E São Paulo dizia: casai-vos, porque casar é bom; mas não vos caseis, porque não casar é melhor!

Voilé meus caros! Uma meditação sobre o sentimentalismo, mas que começa pelo outro lado: é a questão da previsão. Eu queria saber, das duas partes da pequena exposição que eu fiz, qual é a que os senhores reputam mais importante, mais atual: é a do sentimentalismo ou é a primeira?

(A primeira.)

Levantem o braço os que acham que é a 1ª ... É tão maciça a afirmação que eu não vou insistir!

Meus caros, com isso chegou a hora da sesta!

Ave Maria...


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