Plinio Corrêa de Oliveira

 

Meditação sobre a Paixão de Nosso Senhor, enquanto vista por Simão Cirineu

 

 

 

 

Santo do Dia, 27 de junho de 1987, Sábado

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

[Apresentação de um "sketch"]

O sketch não podia ser mais animado, mais bem representado e mais vivamente acompanhado. O pedido não me poderia ser mais grato do que foi e por causa disso sem mais preâmbulo eu entro diretamente na resposta.

A pergunta foi: "Como se pode ser um Cirineu no século XX?"

Realmente nós vemos a descrição do Evangelho a respeito de Nosso Senhor. Simão Cirineu nós imaginamos bem como é que é, devemos imaginá-lo o tipo do "nhonhô", o tipo do "nhonhô" miúdo, homem pobretão, que levava a sua vida de um jeito ou de outro. Mas com uma felicidade que é própria dos pobres e que os pobres não sabem avaliar bem, e é a seguinte:

Tem-se a impressão de que o pobre vive preocupado porque lhe falta dinheiro, e que o rico vive despreocupado porque lhe sobra dinheiro. Mas, nesse século XX não é assim, todas as fortunas estão continuamente abaladas, estão continuamente no risco de serem perdidas. Se um homem tem uma pequena indústria, de um momento para o outro pode vir uma greve e jogar a indústria dele no chão. Se ele tem um consultório médico, de um momento para o outro pode vir uma "máfia" e acabar com a reputação dele. Se ele tem um consultório de advogado a mesma coisa. Se ele é engenheiro, de repente um ajudante dele erra no cálculo e a casa que ele mandou construir caiu. Todas as profissões trazem hoje preocupações muito grandes.

Quando eu estive em Roma, uma das vezes que eu estive em Roma, eu estive num seminário, num colégio de Jesuítas e me mostraram o colégio e chegou num quarto, o padre que me mostrava o colégio me disse:

Aqui morou e morreu o nosso padre fulano.

Eu disse: - Quem é o padre fulano?

Nunca tinha ouvido falar do padre fulano. Era um padre italiano, eu estava em Roma, era uma coisa banal. Disse:

- Quem é o padre fulano?

Não me lembro mais o nome.

Ele disse: - Não ouviu falar?! Ele construiu uma ponte célebre aqui no Tibre, antes de ser padre; ele era engenheiro e construiu uma ponte célebre aqui no Tibre.

Eu disse: - Ah... está bem!

O Tibre está cheio de pontes, uma a mais uma a menos, eu não vi o que tinha de especialmente célebre nisso. Mas, em todo caso ele estava dizendo que era uma ponte célebre, está muito bem. Eu celebrei então um pouco a coisa, tal e tal. São as amabilidades, as banalidades da amabilidade. Mas aí ele contou uma coisa que eu achei interessante.

Disse (ele): - O senhor não imagina que esse padre antes de ser padre foi engenheiro e era um engenheiro de mão cheia. E, por coincidência, deram para ele esse quarto aqui, donde se via a ponte que ele havia construído. E quando ele estava à morte já, já não podia se mover, ele de vez em quando pedia ao irmão jesuíta que tomava conta dele, uma espécie de enfermeiro dele, para ir até a janela para ver se a ponte não tinha caído.

E o padre que me acompanhava dizia: - O senhor está vendo, não tinha razão nenhuma, coitadinho. Mas estava essa preocupação até o fim da vida.

Eu quase que disse ao padre: "Padre, o senhor nunca teve uma profissão liberal antes de entrar para o seminário, não sabe o que é ter uma profissão liberal; advogado, médico ou engenheiro".

Se é advogado, fica sempre com uma coisa na cabeça: "Eu podia ter posto no meu requerimento uma coisa e não pus. Será que de repente não vão anular a vitória que eu ganhei?"

O médico tem sempre uma preocupação: "Aquele meu doente eu encontrei hoje na rua, eu vi que ele está arrastando uma perna, isso é porque eu não dei a ele silicato de não sei o que. E se eu der agora, fica feio porque vão ver que eu "zuppei" [esqueci] o silicato, mas eu fico com remorso. Como é que essa perna desse homem se arrasta..." E por aí para a frente, tudo trás preocupação.

O pobre é o menos preocupado porque ele não tem a preocupação do que fazer com o dinheiro dele. Ele vai, vai tocando a vida. Os senhores olham as pessoas pobres na rua, tem a cara mais despreocupada do que as pessoas ricas.

Os senhores prestem atenção na rua quando passa um automóvel de grande porte, olhem para a cara do chauffeur e olhem para a cara do dono. O dono está com dez fábricas dirigindo na cabeça, com tais problemas e tais outros, e depois tem deveres de atenção, de amabilidade social, tem cartões, tem não sei o quê, tem toda uma problemática, ele dirige a vida de um homem importante, que é ele mesmo.

Olha para o chauffeur, está tranqüilão, guiando...

Um dos santos mais alegres que ouve na igreja foi São Francisco de Assis. Ele escreveu até uma famosa reflexão a respeito da perfeita alegria. Bem, mas isto porque ele não tinha nada que dirigir, não tinha nada de pesado nas costas, quem tem muito é assim.

Eu uma vez vi meu pai que era um homem assim pitoresco, pernambucano assim dizer coisas pitorescas os nordestinos dizem. Foi apresentado a um rapaz riquíssimo, riquíssimo, riquíssimo, uma das maiores fortunas de São Paulo. começaram a conversar etc., e o meu pai começou a dormir ele já estava velho e começou a dormir, mas eu percebi pelo jeito dele que ele estava meio dormindo, meio prestando atenção na conversa, e o rapaz começou a falar e contou que ele tinha que ir para tal fábrica e que tinha não sei o que, não sei o que.

Meu pai abriu ligeiramente os olhos e disse: - Olhe rapaz, o dinheiro é bom escravo e mau senhor. Se você tem esse dinheiro todo para aproveitar, aproveite, mas para carregar o seu dinheiro como você carrega, isso não é vida, está compreendendo.

Eu me lembro ainda da cara do rapaz, ele abriu a boca assim... Eu vi que ele percebeu que ali tinha qualquer coisa de verdadeiro, meu pai era um homem muito despreocupado, mas nunca carregou muito dinheiro.

* Andava o Cirineu despreocupado quando a tragédia irrompeu na vida dele

Bem, assim deveria andar o Cirineu despreocupadamente, pensando nas coisinhas da vidinha dele, o sapato - naquele tempo usavam sandálias, era muito mais simples do que o sapato  a sandália estava meio desgastada, como é que ele iria fazer para mandar consertar, ou consertava ele mesmo; é essas coisinhas.

"Aquele passarinho que está piando lá, de que espécie de pássaro é, será que serve para comerE se eu pego aquele pássaro levo para o meu filho para comer, levo para minha mulher pôr numa gaiola e fica divertido em casa". Essas coisinhas assim e alegre.

Nós podemos imaginar até que ele ia cantarolando e o filho ia assobiando; é a despreocupação da vida do pobre.

Bom, de repente uma turbamulta: "Mata! Mata e crucifica", etc., etc.

E ele ouviu ao longe, podemos imaginar uns gritos: "Ai, ai, tende pena de mim"; e a tragédia irrompeu na vida dele.

* De um lado, a graça começa a bater na alma do Cirineu, mas do outro o demônio começa a trabalhar: "Fuja da dor!"

Ele nunca ouviu ninguém gritar assim, que dor, que dor lancinante. Quem seria o homem que gritava assimMas gritava lá longe ou cantava.

"Que voz harmoniosa, que timbre bonito, que vontade eu teria de ajudar esse homem que geme de um modo tão celeste. Quem será esse homem?"

Meio atraído, pela primeira vez, por uma coisa que nunca o tinha atraído na vida. Quando ele via alguém sofrer, ele tinha vontade de fugir. A dor é o que a sua alegria despreocupada não queria ter, ele queria fugir de todas as dores, fugir de todos os que sofrem, porque de repente contagia aquela dor para ele. Pede uma ajuda, pede um apoio, ele está com pena, e entra dentro da tragédia, ele não quer, é um securitário, e não quer saber disso, vontade de sair, de afastar-se daquele caminho. Mas ao mesmo tempo a voz vinha chegando mais perto, a voz dos algozes também ficava mais alta.

Ele dizia: - Que contraste! Quem está... este homem, [quando] ele geme é uma música, e esses que gritam contra Ele, que o perseguem, que barulho medonho, que vozes horrorosas, que charanga sem harmonia, que gente má. Eu estou com vontade de tomar partido.

Era uma graça que sem ele saber batia na alma dele, penetrava na alma dele e ele ficava inclinado a fazer o bem.

Mas de outro lado vinha o demônio: - Cuidado! Fuja! Olhe, entre por aquela porta, isto aqui dá encrenca. De repente misturam você com isto e você vai para a dor junto com ele. Dor, não! Fuja da dor, idiota não se comova.

Ele: - Olhe que é verdade, hein! Se eu desse uma volta por lá, pela outra porta, era mais longe um pouco, mas eu ficava longe desse barulho.

Aiii... Aiii... Tende pena de Mim, tende pena de Mim.

O coração rachado de pena, a graça pousava nele; o egoísmo dizia o contrário, soprado pelo demônio: - Pense em si, não se incomode com Ele. Se Ele estivesse no seu lugar, Ele fugia; fuja você, seu bobo!

* Ao encontrar-se com Nosso Senhor, o Cirineu é intimado a carregar a Cruz

E ele na indecisão continua a ir para a frente. Em certo momento dá-se o encontro: ele vê um homem de trinta e três anos com o cabelo grande desalinhado, gotejando sangue, o rosto coberto de contusões que o tornavam azul num ponto e noutro, com o nariz naturalmente arqueado, quebrado por uma pancada brutal, com os olhos pisados, com a cabeça coroada de espinhos, com uma cruz pesadíssima às costas e que Ele arrastava no chão penosamente.

Ele ficou assim horrorizado: - Mas na vida, há tanta dor assim? Pode acontecer isso a alguém? Mas eu não pensei, nunca pensei que isso pudesse acontecer a ninguém, e de repente aconteceu a Ele. Não pode, de repente, acontecer a mim?

O demônio: - Fuja! Fuja!

Um anjo dizia: - Fique aqui, tem alguma coisa para você.

Um dos legionários, dos soldados romanos, viu-o nessa indecisão e lhe disse brutalmente: - Pegue a ponta da cruz!

Os romanos dominavam a Terra Santa, eles eram os senhores. Era a nação judaica uma nação conquistada, os romanos mandavam em tudo, e [o] que estivesse com aquele magnífico capacete romano, aquela armadura, com as lanças, com as armas de César, esse tinha que ser obedecido, todo o mundo tinha que obedecer.

Pegue aqui essa cruz!

Como?! Essa cruz ensopada de sangue na ponta que ele mandou eu pegar, eu vejo o sangue que escorre e bate no chão, eu vou me molhar com esse sangue.

Enquanto ele pensa isso, o sol bate no sangue, e é uma cor rubi. Uma atração, algo lhe diz: "Esse sangue é a salvação, agarre-o".

Mas... mas... mas... e a dor, e o peso dessa cruz?

- Pegue já, porque Ele não está agüentando e Ele tem que subir até aquela montanha.

- Ué, eu então tenho que levar essa cruz até o alto da montanha. Subir uma montanha com uma cruz e esse pobre coitado gemendo assim, e eu atrás. Eu não tenho coragem, é muito esforço, eu não gosto de fazer esforço. Oh... olá-lá, como é isso agora?

- Pegue, se não pegar você apanha!

- Agora a coisa estreita, porque então vai escorrer o meu sangue. Eu dessa não fujo, eu já devia ter fugido, não fugi, agora pego.

* Estabelece-se um diálogo por olhares entre o Cirineu e o Homem-Deus

Pega. O que carrega a cruz olha para ele. E ele percebe que aquele olhar o penetrou completamente e ele sente uma coisa que nunca sentiu na vida. É um homem casado, ele tem filhos, tem filhinhas, teve bons pais, teve relações de família comuns como se tinha naquele tempo. Mas, ele [se] sente objeto de um olhar como nunca ninguém o olhou assim. É um olhar que ele sentia que lhe penetrava no fundo da alma, de alguém que o conhecia de tal maneira que antes de ele nascer já sabia quem ele era, quem havia de ser. Um olhar extraordinário, um olhar que o envolvia de um afeto como nunca ninguém tinha tido.

Ele se sentiu compreendido nos antros, nas peculiaridades mais pessoais de sua vida. Ele percebeu que aquele olhar conhecia a sua vida inteira. Que aquele olhar conhecia todas as suas dores, e que aquele olhar tinha pena dele. Ele sentiu-[se] atraidíssimo, mais do que nunca, mas ele já pegava a cruz, o sangue quente que escorria lhe batia nas mãos, ele sentia-[se] meio envolvido naquela tragédia e cada vez mais atraído para a tragédia.

Mas, o medo procede por solavancos e em determinado momento ele diz para o romano: - Eu não quero continuar!

- Se não for, apanha!

Ele mal humorado então, pegou a cruz e continua.

Um diálogo mudo se estabelece entre os dois homens. O Homem-Deus e o Cirineu. O Homem-Deus dizia a ele: - Meu filho, é por você que Eu sofro. Você me vê no auge do abandono, no auge da desgraça, no último ponto do desprezo dos homens, mas olhe para Mim, que misteriosa grandeza em Mim. Que enigmática bondade, que bondade envolvente, que dedilha a sua alma, como um bom médico toma uma chaga para nele pôr um ungüento. Você não sente que você está sofrendo fisicamente com o peso da minha cruz, mas que a sua alma está sentindo uma leveza como nunca sentiuVocê não está sentindo que um horizonte novo se põe para você?

Estão ao pé do Calvário, é preciso continuar a subir e a cruz para Simão é cada vez mais forte. Simão pensa: "É terrível isso, mas mais terrível seria se eu jogasse a cruz no chão e Ele caísse sob o peso dessa cruz e quebrasse as palmas das suas mãos nas pedras desse chão. Eu não suportaria isso, agora eu vou até em cima".

Subiu e ajudou a deitar a cruz no chão.

Os carrascos disseram: - Põe a cruz no chão!

Ele humildemente, bondosamente pôs a cruz no chão e para o Cirineu que o ajudava, Ele olhou com um olhar de reconhecimento. O último olhar que Ele deu para o Cirineu.

O Cirineu afastou-se e percebeu que os romanos já não estavam pensando nele, que ele estava fora da tragédia.

Disseram: - Abra os braços, estenda bem as pernas, nós vamos cravar esses pregos nas suas mãos e nos seus pés!

E Ele, como quem queria sofrer aquilo, abriu e a pancadaria começou.

"Transpassaram as minhas mãos e os meus pés e contaram todos os meus ossos", diz uma profecia de Isaias, se não me engano. Era de Nosso Senhor o caso, transpassaram as mãos dEle, puseram cravos, um em cada mão. Depois nos pés. Segundo uma certa tradição não foi um prego em cada pé, mas um grande prego que atravessou os dois pés e prendeu na cruz.

Quando isso estava feito, levantaram a cruz e Ele ficou pendente daqueles pregos de maneira tal que quando Ele se apoiava nos braços, nas mãos, o prego começava a rasgar as mãos, quando Ele apoiava nos pés para evitar que rasgasse as mãos, o prego começava a rasgar os pés, e tudo não era senão aumento de dor.

* O Cirineu assiste o diálogo entre Nosso Senhor e os dois ladrões

O Cirineu longe, olhava apavorado e ao mesmo tempo fascinado, não falava com ninguém, ele tinha voltado a ser um anônimo na multidão, não notavam que ele tinha a túnica suja, não notavam que ele tinha a mão suja de sangue e que ele limpava esse sangue na túnica para ficar com as mãos limpas.

A coisa foi indo e ele percebeu que do alto da cruz Nosso Senhor conversava com os dois ladrões que estavam de um lado e de outro. Ele percebeu que um ladrão blasfemava e Nosso Senhor fingia que não ouvia e que o outro ladrão olhava com tristeza e tomava a defesa dEle. Disse:

Por que você blasfema dessa maneira? Nós temos razão de estar aqui, somos criminosos, o destino de um criminoso é morrer como nós. Ele é o inocente, Ele é o justo, Ele é o Santo, e Ele morre, e morre assim...

E Simão ouviu Nosso Senhor responder isso: - Tu hoje comigo estarás no Paraíso.

Perdoou todos os pecados dele e profetizou que Ele ia para o Céu e que ia levar o bom ladrão para o Céu.

O povinho passava de um lado para o outro, alguns apedrejavam, outros vaiavam, outros se calavam, alguns choravam. O céu foi se escurecendo cada vez mais, em certo momento era noite sobre Jerusalém, e, entretanto, eram três horas da tarde. E nessa noite se ouviu o brado dEle: "Eli, Eli, lamma sabacthani?" Senhor, Senhor, meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?

Depois dizer: - Tudo acabou! morreu.

* A alegria do Cirineu ao encontrar-se com Nossa Senhora

Um grupo de mulheres estava lá, uma que ele nem via, tinha o rosto coberto, mas exercia sobre ele uma atração parecida com a que exercia aquele homem. Ele perguntou: - Quem é aquela que se esconde?

- É a Mãe dEle.

A Mãe dEle?! Mas, isso para mim vale mais que uma rainha, vale mais do que uma imperatriz, vale mais do que todo o mundo. Que honra ser Mãe desse homem fracassado, que honra ser Mãe desse homem tão inábil que sendo inocente não evitou a própria morte. Que sabedoria desse homem derrotado, e que vitória essa cena!

 Ele morreu e o céu todo se toldou, escureceu e quando ele pensava isso um tremor começou a sacudir a terra.

O Cirineu continuou olhando aquilo, teve medo, mas ele teve medo sobretudo quando ele viu figuras andando de olhos fechados, todas envoltas em tiras de panos brancos, que era como se envolvia os cadáveres quando eram sepultados naquele tempo e com a boca fechada diziam terríveis censuras ao povo. E com os olhos fechados pareciam que olhavam e que radiografavam o corpo e a alma daqueles bandidos.

Ao longe ele olhou e viu o Templo todo tremer, aqueles eram os justos da Antiga Lei que saiam da sepultura por ordem de Deus para censurar o povo que acabava de matar o Filho de Deus.

Ele quis falar com aquela Senhora, mas não ousou. Ele achou que Ela era tão pura, que ele não tinha o direito de dirigir a palavra a Ela.

Apenas organizou-se o cortejo, tiraram-nO da cruz, foram levar para a sepultura, primeiro ungiram Ele sobre o colo dEla, ungiram e depois levaram, e organizou-se o cortejo de umas dez ou quinze pessoas. São João Evangelista, as mulheres, Nicodemos, José de Arimatéia etc., para sepultar; ele não teve coragem de acompanhar. Ele pensou:

Afinal de contas, o que é que vai me acontecer, eu estou tão cheio de idéias, tão cheio de preocupações, tão cheio de coisas e estou perdendo a esperança, porque afinal de contas eu sou um miserável, eu sou um medroso, eu sou um homem carregado de pecados, eu nunca estarei à altura de tudo quanto eu vi.

O cortejo aproximou-se dele, aquela Senhora deitou um olhar de bondade e só disse a ele duas palavras: - Meu filho!

Ele disse: - Ganhei o dia, ganhei a vida, estou perdoado, vou para casa.

* Nossa Senhora convida o Cirineu para freqüentar o Cenáculo

Em casa a mulher dormia, as crianças dormiam, tudo estava tranqüilo. A primeira coisa, o primeiro cuidado que ele teve foi de trocar de túnica, pegar aquela túnica e oscular com reverência, era o seu primeiro ato de adoração. Ele terá pensado: "Esse Homem era Deus". Era o primeiro ato de Fé, o primeiro ato de adoração.

Dobrou a túnica como se fosse o maior tesouro do mundo, osculou as manchas de sangue como se fossem a coisa mais preciosa que há na Terra e era mesmo guardou num lugar onde ninguém podia mexer; pôs outra túnica e sentou-se do lado de fora do jardim.

A luz ia alto, de repente ele percebe que algumas pessoas daquele cortejo saíram, estava o cortejo se dispersando, a tal Senhora estava lá. Ele saiu de novo atrás deles e viu a casa onde entraram, era uma sala de banquetes, onde tinham à pouco celebrado a Eucaristia. Abriram a porta para a Senhora entrar, e a Senhora não o podia ter visto. Ela olhou para trás e arranjou um jeito de, do fundo da dor dEla, dar um sorriso, machucado, mas florido para ele.

Ela não disse nada, disse assim... apenas à distância: "Eu moro aqui". Entrou e desapareceu.

Ele entendeu, era um convite.

O Cirineu começou a freqüentar os apóstolos e tudo leva a crer que se santificou, talvez tenha morrido mártir. O silêncio [paira] sobre esta vida que começa no silêncio. Era um homem adulto que de repente sai da banalidade, da vulgaridade, e entra nesse arco de dor e de glória. Acaba cumprindo o seu dever depois de mil dificuldades e some de novo no anonimato, mas a alma dele com certeza, podemos esperar, quando ele morreu foi recebida no Céu. Ele tinha tido a honra, a vocação única de ele sozinho carregar a Cruz do Cordeiro de Deus.

* Quando sofremos por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, O estamos ajudando a carregar a Cruz e teremos um prêmio no Céu

Nós podemos carregar a Cruz de Nosso Senhor?

Da Cruz de Nosso Senhor resta apenas um pedaço em Roma, mas desse pedaço de vez em quando, alguma pessoa obtém alguma faisquinha minúscula e já tem um valor moral e religioso inapreciável: é o Santo Lenho.

Figura na cruz peitoral dos bispos, figura nos anéis de alguns bispos, figura nos relicários de algumas igrejas, o resto é apenas um pedaço da Cruz, um pedaço de madeira, não resta mais nada. O Santo Lenho, portanto, foi-se. Como podemos nós carregar o Santo Lenho?

Há mil modos de carregar o Santo Lenho. A gente carrega o Santo Lenho quando sofre por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Quer dizer, há muita gente que nos odeia porque nós amamos a Nosso Senhor. Vamos dizer a coisa como é: porque nós somos puros, porque nós somos castos, porque nós dizemos que devemos ser assim, porque nós acreditamos na Santa Igreja Católica Apostólica Romana como ela deve ser, e sem os embustes e falsificações de um certo progressismo que anda por aí. Porque nós queremos, por causa disso, três princípios morais deixados por Nosso Senhor Jesus Cristo: a tradição, a família e a propriedade.

Por isso, tudo quanto é esquerda, tudo quanto é homem que se entregou ao paganismo moderno nos odeia, e sempre que esse ódio bate em nosso peito e como aconteceu no sketch aqui, encontra um que vai dizer que isso não vale nada e que fala e que ameaça: "Você vai ser vaiado por todos, você vai ser isolado por todos. Bobo deixe isso!"

Sempre que acontecer isso os senhores se lembrem: os senhores estão carregando a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Os senhores se lembrem que os senhores têm um prêmio demasiadamente grande diante de si. Aquele que é perseguido, odiado e desprezado por amor à virtude, por amor à Fé, por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo este tem um prêmio enorme no Céu.

No sermão das Bem-Aventuranças Nosso Senhor disse expressamente que uma das sete bem-aventuranças era para aqueles que sofrem perseguição por amor à virtude, por amor ao bem. O bem e a virtude, se dizia naquele tempo "a justiça", que é uma das virtudes e dava o nome a todas as outras. Este é um bem-aventurado que nesta vida receberá recompensa e receberá no Céu.

Mas, quando caçoam de nós, nós não devemos fazer uma cara de bobo que apanha; isso é ridículo, não é digno do nome de Nosso Senhor. Nós devemos levantar a cabeça e responder taco-a-taco.

"Eu menosprezo o seu desprezo e me orgulho Daquele de quem você fala mal. Você está falando mal de Nosso Senhor Jesus Cristo e eu me ufano de Nosso Senhor Jesus Cristo, eu O adoro como Homem-Deus, ria quanto quiser, que eu rio de sua risada". É ali no duro.

"Está vendo aquele jovem lá, você vai corrompê-lo com maus conselhos. Eu vou junto com você defendê-lo contra o teu mau conselho, porque eu quero retê-lo junto à Cruz de Cristo. Eu vou ter batalhas por isto, mas eu responderei a uma ofensa com uma defesa, a um argumento com outro argumento, serei denodado como um batalhador, e eu levarei muitos, levarei centenas atrás de mim, são centenas de derrotas que você encontrará no seu caminho e essas centenas de derrotas são as vitórias de Nosso Senhor Jesus Cristo.

* "Nessa noite nós consolamos a Nosso Senhor Jesus Cristo carregando a sua Cruz, nós fomos Cirineus"

Eu termino com o que eu vou dizer agora. Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus, conhecia o passado, o presente e o futuro. E quando Ele carregava a Cruz, Ele conheceu cada um daqueles que ajudariam a Igreja, ajudariam a Civilização Cristã nas lutas contra os adversários. Até o fim do mundo esses adversários vão lutar contra a Civilização Cristã, vão lutar contra a Igreja Católica.

Mas, Ele via todos os ataques, mas via todas as defesas, e Ele via numa cidade chamada São Paulo, numa rua chamada Martinico Prado nem sei que número tem essa casa onde eu vou tantas vezes, nunca olhei para o número da casa. Na rua Martinico Prado no número x, Ele viu um auditório cheio de jovens e Ele sabia que esses jovens eram chamados pela graça para ajudarem a Ele a carregar a Cruz. Ele via essa noite e via as almas dos senhores se abrindo para a beleza do destino do Cirineu, da vocação do Cirineu e a beleza que há, a glória que há em carregar a Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo combativamente.

E os senhores sabem o que acontecia? Ele ouvia esses brados que os senhores estão dando e esses brados consolavam a Ele na sua dor.

De maneira que nessa noite nós consolamos a Nosso Senhor Jesus Cristo carregando a sua Cruz, nós fomos Cirineus. Resta-nos pedir à Nossa Senhora, Mãe de Misericórdia, que nos faça Cirineus cada vez mais autênticos, cada vez mais amigos da cruz e cada vez mais batalhadores pela Igreja e pela Civilização Cristã.

Com isso, meus caros, a reunião de hoje está encerrada.


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