Plinio Corrêa de Oliveira

 

Devemos acompanhar os importantes acontecimentos

Mas por quais motivos?

Os males do egoísmo

 

 

 

 

 

Almoço no Êremo do Amparo de Nossa Senhora, 17 de março de 1987 

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de exposição do Prof. Plinio para sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


* Quanto mais uma pessoa faz de si mesma o centro de seus interesses, tanto mais ela causa repulsa

(pergunta)

Trato com muito gosto, mas tomando um pouco de longe o tema, fazendo começar um pouco de longe, que é o modo mais rápido de tratar das questões é andar devagar.

Cada um dos senhores se ponha nesse papel: que oferecessem para um dos senhores de ir passar uma temporada aqui no Êremo do Amparo de Nossa Senhora, mas com várias espécies de deleites, coisas agradáveis, etc., etc., uma turma de cinco eremitas. Uma turma de cinco eremitas com quem cada um dos senhores fosse bem, fosse bem acolhido etc. E passassem, vamos dizer, dez dias aqui.

Mas a pessoa que convidasse dissesse o seguinte: "Estes cinco eremitas têm essa peculiaridade: cada um quando está sozinho só pensa em si. E no fundo, ele só se interessa por si. De maneira tal que, por exemplo, quando Doutor Plinio dá uma informação sobre o Metternich ou a Duquesa de Berry, ele só pensa que papel ele representaria se estivesse naquele contexto. Mesmo assim ele acha este tema cacete. Ele gostaria muito mais que o Doutor Plinio deixasse ele contar sobre a vida dele – dele eremita – a vida dele como foi na sua escola, e depois os interesses dele no momento quais são, qual o automóvel que ele gostaria que pusessem na mão dele para ele guiar, qual é isto, aquilo, aquilo outro".

Com a condição de tratar disso, cada um aceitaria perfeitamente de ir para a fazenda passar esses cinco dias? Os senhores teriam vontade?

(Nããããooo!!!)

Mas de nenhum modo! Por quê? Porque lhes pareceria que essa conversa seria de um horizonte pavorosamente baixo! E depois muito monótono, porque cada um pode muito facilmente interessar-se por si mesmo, mas interessar-se pelo outro, e por um outro que só se interessa por si, é muito duro de tomar esse interesse. Pode-se dizer que esta estadia estava fadada ao fracasso, de antemão, fadada ao fracasso. E quando começasse a estadia, cada um estava pensando quantos dias faltam para terminar: "Nove, oito, sete, seis..." Daí por diante. No dia de ir embora, acho que saíam sem se despedir uns dos outros. Iam correndo, tomavam o ônibus correndo na estrada e batiam para São Paulo.

Agora, o horizonte desagradável estaria criado, a atmosfera desagradável estaria criada nesses cinco que viessem passar dez dias juntos, é a atmosfera interior que há na alma de uma pessoa que só se interessa por si. Não sei se essa transposição está clara?

(Sim)

Bem, de maneira que no fundo, quanto mais o indivíduo faz de si mesmo o centro do seu interesse, tanto mais ele no interior é baixa de nível, ele repugna, e a gente não quer saber dele. Isto está claro?

(Sim)

(...) De onde decorre que a união entre os que assistem a Reunião de Recortes deveria ser muito maior do que ela é, porque cada um está absorto em si. E o outro sente isto. E enquanto há esta prevalência do prestar atenção em si sobre todas as outras coisas, nada funciona bem. Não há verdadeira união, não há nada.

* A maior parte dos desequilíbrios nervosos de nossa época tem por causa o egoísmo

Como outra coisa de que eu estou persuadido, é o seguinte: a maior parte dos desequilibrados nervosos e até mentais em nossa época provém do fato de que as pessoas só prestam atenção em si. É a tal concentração de atenção nesse "eu-eu-eu-eu-eu-eu", que a pessoa não se interessa por outra coisa. E acaba de tal maneira se remexendo naquilo e tal coisa, que perde o equilíbrio e fica meio aturdida e fica neurótica. Agora, do neurótico para o gagá... [a distância é pequena]

Eu lhes dou um exemplo. Olho aqui para minha mão. Eu vejo essa superfície aqui. Está normal. Mas se eu toco a mexer, e mexer, e mexer, no fim da noite pode estar aberta uma ferida aqui. E se eu começo a prestar atenção em mim, e prestar, a futricar e remexer, e como é e como não é, eu acabo criando um estado de espírito que eu abro feridas na minha alma. E isso pura e simplesmente não pode ser.

As pessoas não se fazem ideia do prejuízo que têm com uma coisa dessas. Mas é um prejuízo colossal!

 

* Episódio da vida de Metternich

Bom, eu estou, por exemplo, lendo agora as Memórias do Metternich. Bom, ele é um homem muito interessante, é até delicioso como narração. Agora, a gente vê que ele é um egoistarrão de primeira força! Mas que ele não presta atenção só em si. Ele não encontra o deleite só em si, mas que ele é um espectador do grande teatro da vida. E que o jogo da vida, o jogo dos interesses, das paixões, das culturas, dos povos etc., etc., as incertezas e depois as certezas, as vitórias e depois as derrotas – o vai-e-vem da vida interessa a ele como interessaria a um de nós olhar o vai-e-vem do mar.

E o delicioso da narração dele está nisso. É que ele... ele conta, por exemplo, as conversas dele com Napoleão, o que Napoleão dizia, o que ele respondia, e depois recados da parte do Imperador da Áustria para Napoleão, recados de Napoleão para o Imperador da Áustria, como é que a coisa pegava etc.

Tudo isso... eram outros tempos naturalmente, não é? (...)

Napoleão tinha vencido a Áustria numa guerra, e vencido de modo de esmagar. Entrou em Viena e estabeleceu-se em Viena, capital da Áustria. Mas Napoleão, a Áustria estava se sentindo ultra esmagada por ele, e não sabendo como sair debaixo da bota dele. E o Imperador da Áustria tinha nomeado o Metternich como chanceler, quer dizer, ministro das relações exteriores. E estava conversando com... Teve longas conversas com o Metternich a respeito do que fazer, em vista da situação e tal coisa.

Quando o Metternich, se não me engano estava conversando com o Imperador, quando vieram dizer para ele que havia uma carta urgentíssima chegada para ele, da França, da esposa dele que estava na França, porque ele foi para a Áustria, mas o Napoleão não permitiu que a esposa dele fosse. Porque era assim, segurou. Ela ficou. Diz que o Napoleão ofereceu um baile – e o que é mais extraordinário, que a gente... os historiadores passam por debaixo do pano - era um baile de carnaval, em que todos deviam comparecer mascarados, inclusive o “imperador”... o Napoleão, compareciam de máscara. E que no meio daquela balbúrdia toda, as pessoas de máscara, dizendo brincadeiras uns para os outros etc., passou pela esposa do Metternich uma máscara que ela percebeu logo que era ele [Napoleão].

Que ele agarrou a ela pela mão, ele viu que ele tinha sido percebido, ele agarrou ela pela mão, e disse: "Venha comigo até a última sala que fica na ponta daquela galeria, que eu quero dizer alguma coisa". Ela foi, em linha reta. Chegaram lá na ponta da sala, ele pôs-se de costas para a porta, para ninguém reconhecer, porque não podia fechar a porta só com ela, seria um escândalo. Arrancou a máscara e disse:

– Falemos sério! Eu quero casar com a filha de seu Imperador. O que a senhora acha da ideia?

Bem, ela disse:

– A mim não me compete opinar. Eu sou prisioneira, eu não represento meu país. Meu esposo representa o meu país, mas ele não está aqui, está separado de mim – ele [Napoleão] tinha separado, não é?  – Eu não tenho opinião a dar.

Ele disse:

– Está bem. Mas se a senhora tivesse na posição de Princesa lá, a senhora aceitaria a minha mão?

Uma pergunta do qual o mínimo que se pode dizer é que é completamente sem propósito! Porque a que propósito vem que esta coitada aceite ou não aceite a pata dele, com outra que vai escolher, que vai decidir, noutra situação? Não tem nada uma coisa com a outra!

Ela disse:

– Eu peço o favor de não ter que opinar.

Ele disse:

– Mas se eu lhe pedir para comunicar ao seu esposo que está em Viena, esta minha pergunta, se a Princesa aceitaria, a senhora comunica?

Ela disse:

– Sim, eu posso escrever a ele contando essa cena que está se passando aqui.

Ele disse:

– Está bem, obrigado.

E saiu. Ela passou uma carta contando tudo para o marido direito, e voltou para dentro da festa também, porque não se facilitava com aquele déspota. Mas na manhã cedinho, ela mandou uma pessoa da embaixada da Áustria a todo galope levar a notícia a Viena.

Estava o Imperador da Áustria e estava o Metternich despachando quando chegou a carta. O Imperador... não, ele recebe a carta e pede ao Imperador licença para ler, porque podia ter alguma coisa que interessasse ao que estavam falando.

O Imperador deu licença, ele leu. E passou a carta para o Imperador:

"É tão singular, que eu achava melhor Vossa Majestade ler diretamente a carta".

O Imperador leu, naturalmente. E diz que o Imperador Francisco II, muito calmo, muito senhor de si, muito tranquilo... de ferro; não manifestou a menor vibração nem nada, e disse:

"Que tal? Convém à Áustria isso? Concordo ou não concordo com esse casamento?"

Diz o Metternich: "Majestade, quanto a convir, eu posso dizer em duas palavras se convém ou não. Eu acho que convém altamente..."

Eu acho, aliás, errado, hein. Erraram!

"Convém altamente. Agora, quanto a aceitar eu não posso dizer nada, porque Vossa Majestade tem aqui duas situações únicas, que não confluem em mim. Primeiro é o Imperador, e eu não sou. O Imperador sente isso de um modo especial e pode dar a isso uma solução especial.

Ele deveria ter dito: "Tem graças de estado especiais". Não saiu... não saiu.

"Bem, agora, quanto a pai, pai dela é só Vossa Majestade, não sou eu! Que repercussão tem isso na alma dela, como ela toma, como ela aceita, como ela não aceita etc., etc., isso é Vossa Majestade. De maneira que aí eu não posso ser de nenhuma utilidade. A sua situação é intransferível e incomunicável".

O Imperador: "Ela está aqui no palácio..." Ela repousava no palácio do pai. "O senhor me faz um favor, vá até o quarto dela – tinha um apartamento que era da princesa – vá até o apartamento dela, e exponha a questão de minha parte, e diga que eu não quero fazer nenhuma pressão sobre ela. Mas diga a ela que pese o bem da Áustria, e pese, enfim, o que vai na alma dela. Que obrigar eu não obrigarei. Ela me dê a resposta que quiser. E que eu não vou falar com ela, para não ser do mínimo peso sobre a deliberação dela".

Ele vai e conta a história para a Arquiduquesa Maria Luíza. Era o nome da moça. A moça ouviu, ficou assim... Imaginem que quando ela era menina, ela e os irmãos brincavam de enforcar Napoleão, com bonequinhos. Bem, ela disse... Aí o Metternich expôs: "Ele como pai mandou-me aqui, mas ele não quer influir, etc., etc., etc." Ela disse: "Já está resolvido. Se é da vantagem da Áustria, eu aceito. Porque nós somos feitos para nos sacrificar pela Áustria".

Daí o Metternich escreveu uma carta à esposa, que foi levada também por correio especial etc., dizendo que o Imperador e a Princesa aceitavam. E se portanto... que a senhora esposa do Metternich não tomasse a iniciativa de dizer nada. Mas que se o “imperador”, se o Napoleão perguntasse, dissesse que sim. Napoleão perguntou, ela deu a resposta. No dia seguinte começaram as negociações.

Bem, agora, os senhores estão vendo que é um episódio cheio de colorido, cheio de situações. E é um episódio que se passa num alto cenário, num alto ambiente... é um alto episódio! Bem, se uma pessoa lê essa narração feita pelo Metternich, lê essa narração percebendo o colorido e o jogo da vida dentro disso, a pessoa...

Bem, mas afinal, vamos para frente. Se a pessoa tomou gosto nisso, a coisa é uma, e a alma se enriqueceu de qualquer coisa. Mas se a pessoa começa a dizer: "Eu vou imaginar que eu sou o Metternich e eu vou me por naquele papel, como é que eu sentiria, o que eu faria? E depois quando viesse a resposta... Então vou imaginar que eu sou o Imperador, como é que..."

Os senhores sabem que há gente assim... Os senhores sabem! Em última análise, se as pretensões mais modestas, os senhores imaginam que eu sou o estafeta que está levando a todo esforço a carta, e que atravessa a cavalo os Alpes, a Suíça, e chega no palácio todo "ah-ahh", tem uma mensagem especial para S. Excia. o Chanceler, e chega meio desfalecido até o quarto do Chanceler e entrega... e cai desfalecido no chão.

Então o Chanceler e o Imperador se ajoelham junto dele, o Imperador mesmo dá um copo de vinho para ele beber etc. "Esse súdito bom e dedicado, eu te promovo para tal grau..." Megalice! Bem...

Os senhores imaginem que nesse grupo de cinco eremitas passando dias altamente confortáveis aqui em Amparo, todos lêem isso na hora da sesta. E quando acordam devem comentar isso. O que se meteu no papel do Francisco II ou no papel do estafeta, ou do Metternich, qualquer coisa, só vai contar besteira. Ele nem abre a boca para comentar nada, porque ele está entendendo que ele vai dizer coisas que não interessam a ninguém.

Agora, o que soube ficar de fora da cena, com seus egoísmos, suas misérias, suas porcarias, e apreciando a cena de fora dela, esse vai contar coisas interessantes.

Bem, isto, eu dei esse exemplo que me deu ocasião de quebrar um pouco a monotonia da exposição, contando aos senhores um episódio do Metternich. Tanto mais que eu já verifiquei que os meus jovens ouvintes são muito adictos a episódios... episódio histórico etc., etc., é reputado mercadoria de boa categoria.

Mas eu poderia fazer a mesma coisa imaginando um grupo de pessoas que está assistindo um teatro. Então, é um drama, uma coisa qualquer, e o sujeito está assistindo o drama só prestando atenção em si. E se imagina uma figura do drama.

Os senhores imaginem "Aida", ópera famosa de Verdi, tem certa hora, entra no palco uma marcha triunfal etc., tocando uma famosa marcha triunfal da "Aida", que um ou outro dos senhores se lembra qual é... Parece até que estão cantarolando aqui... E entra um elefante no palco. É, entra o próprio elefante. Era mesmo a grande peça de sensação no palco, era a entrada do elefante. E no elefante o Faraó instalado em cima.

Então os senhores podem imaginar o sujeito mega [vaidoso], entrando, vendo entrar não o Faraó, porque se fosse o Faraó ele delirava, mas o homem que representa o Faraó, e que ele sabe que é um homem como ele, que ele vai encontrar na rua no dia seguinte. Mas ele vê o homem encantado lá, e representando o Faraó. Ele se pudesse escalar lá e sentar... "Ponha-se para baixo, eu quero fazer esse papel de Faraó". É o que ele quereria. Naturalmente o outro se defenderia a murros contra essa usurpação, esse esbulho! Mas era assim que a coisa corria.

Um que assista uma peça de teatro assim, quando termina a peça não tem o que comentar. É um bobo.

* A Reunião de Recortes é o grande teatro da vida dos povos cujo enredo é uma batalha que tem por centro a Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo

Bem, agora acontece que do ponto de vista mais largo, as relações entre os povos, as lutas entres as culturas, as disputas de terreno entre as civilizações, os progressos, os retrocessos e tudo o mais, o grande vai-e-vem da vida, é um vai-e-vem agitado, mas bonito, cuja beleza a pessoa deve saber apreciar. Mas não é apreciar como quem está dentro, como quem é um ator e porque ele é ator. Mas é apreciar de fora, não sendo ator, gostando de ver. Esse pode realmente ter ideias de teatro.

A Reunião de Recortes [reunião comentando recortes de jornais e revistas, n.d.c.] é o grande teatro da vida dos povos... que tanto quanto possível eu procuro retraçar diante dos olhos dos que estão me ouvindo. E que o normal é que tomem interesse pela coisa, por causa do interesse desse grande jogo da vida que do alto do Céu, Deus e seus Anjos acompanham o teatro da vida. Sobretudo quando no centro disso, como no centro de uma partida, mais ainda, de uma batalha, está uma taça contendo o Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quer dizer, Ele verteu o Sangue dEle para que o Reino dEle se estabelecesse nesta Terra, como meio de depois levar os homens ao Céu. Foi o que Ele fez.

Agora, nesta perspectiva a luta da Revolução e da Contra-Revolução é a luta dos que querem jogar no chão a taça com o Sangue de Cristo e perder todas as almas. E a luta dos que querem defender essa taça, erguê-la por cima de todas as coisas da Terra, e fazer com que assim tudo reflita a beleza, a santidade do Criador, do Salvador, do Redentor, e tudo se ponha em ordem.

Bem, e, portanto, no centro está a Pessoa mais celestialmente interessante que imaginar se possa. Tão interessante que no que diz respeito a Ela a palavra "interessante" estala. Não se pode dizer de Nosso Senhor Jesus Cristo que Ele é interessante. Ele é tanto mais do que isso que a palavra estala. De qualquer homem os senhores podem fazer o elogio de que ele é interessante que só acrescenta algo a ele. De Nosso Senhor Jesus Cristo não! A palavra interessante se mingua, se amesquinha e não pode ser usada. Ele é tão superior a todos que o que para outros é elogio, para Ele é irreverência.

E assim em torno disso é que deve a pessoa tomar interesse pelo problema R-CR. E tomar interesse por toda a questão de como vão as coisas etc., como é que a Revolução está avançando, os restos da Civilização Cristã, os restos moribundos como é que estão sendo salvos, como é que estão sendo defendidos? Como é que, pé a pé, polegada a polegada eles são defendidos por aqueles que amam a Nosso Senhor e Nossa Senhora? Como nós vertemos o sangue das nossas almas... do nosso sangue não é o aspecto culminante. “Petit vermisseau et misérable pecheur – vermezinho e miserável pecador" [expressão utilizada por São Luís Maria Grignion de Montfort], é o que cada um de nós é. Então o que é importante? É Ele! Não somos nós... É Ele! E acabou-se!

Será bem certo que cada um dos meus filhos que ouve a Reunião de Recortes tem isso inteiramente claro quando ele penetra na sala de reunião? Eu não posso garantir. Mas eu não vou fazer o seguinte: "Quem tiver essa certeza levante o braço". Porque eu tenho receio de que muitos poucos braços levantem. Maior receio eu ainda teria se todos levantassem, e todos dissessem que estavam bem certos que... Eu diria: "Então não sei por onde recomeçar!"

Bem, então agora, depois dessa longa introdução nós entramos na pergunta. Meu caro Beccari qual era a sua pergunta mesmo?

(Sr. Luís Francisco: Se o senhor poderia tratar de toda a atuação sobre a opinião pública, como isto está relacionado com o centro da vocação, missão e mentalidade da TFP)

* Não recebe a graça do discernimento dos espíritos quem não tem os olhos voltados para a Causa da Igreja e da Civilização Cristã

De manhã, iam me começando a me dar a notícia de que o bispo auxiliar de Santiago do Chile fez declarações ainda mais insolentes contra o governo Pinochet, do que o bispo Camus.

Agora eu vou descrever como é que, segundo o espírito da TFP, a gente vê essa cena. A gente vê uma nação como o Chile, com as características que esse povo tem. Não adianta vir aqui com "cutuca-cutuca" porque todos fomos concebidos no pecado original, nós brasileiros, os outros todos, temos nossos defeitos e nossas qualidades. Mas é uma nação latino-americana, dentro do passado relativamente grande da América latina, um grande passado, que desempenhou um papel sempre muito ponderável no conjunto das coisas latino-americanas. Em matéria de cone sul é uma potência, e que tem as características próprias de inteligência, de estado de espírito etc., tem as suas características próprias. Representa a alma de um povo.

Agora, se nós conhecemos esse povo e conhecemos essa alma tomada no seu conjunto, nós vemos as qualidades e os defeitos, mas podemos nos dar conta da glória que daria a Nossa Senhora, se o Chile fosse todo ele ultramontano. É claro, podemos nos dar conta disso. E podemos, como que ter um quadro diante dos olhos como seria o Chile ultramontano.

De outro lado nós vemos que desse Chile ultramontano como não foi, como não houve um Brasil ultramontano, não chegou a realizar-se, nenhum outro povo sul-americano chegou a ser o que devia ser, mas houve começos de construção que indicam bem a coisa como poderia ter sido. E que são mais do que começos de construção. São semeaduras. Que se forem salvas, preservadas, podem semear para o Reino de Maria. Naturalmente, vendo isso, a pessoa é desejosa de que isso se faça, e que esses aspectos da alma chilena se conservem e se desenvolvam.

E quando se ouve dizer: "João Paulo II vai ao Chile, se tem portanto impressões variadas em face desse tesouro sobre o qual vai agir João Paulo II"... [Vira a fita] ... que gosta de não pensar em si, é claro que se eu nessa hora vou pensar: "Homem, hoje seria prático eu cortar as unhas. Esqueci o alicate de unhas em São Paulo..." Não é verdade, não seria prático. Eu estou imaginando. "Então quem é que pode me trazer hoje à noite isso?" Se eu for pensar nisso agora, olha aqui, toda essa narração baixa e quando eu terminar, os senhores não estão prestando atenção no que eu digo. Evidente!

Mas se eu tomo interesse nisso, os senhores também tomam, começamos a compreender a cena.

Então, interessa altamente nesse quadro ler a notícia de hoje. E ver que passo ela representa nesse jogo. Isto está claro ou não?

(Sim!)

Bom, eu não sei se consegui o que eu quereria. Mas correspondendo ao penúltimo bocado, eu queria mais um pouquinho, então uma outra cena. Eu pensei, quando eu li a notícia na Reunião de Recortes, eu pensei nisso: os senhores viram eu dar a notícia de uma espécie de debate para que o Gorbachev mandou convidar jovens de toda espécie, os [debat-?] [faltam palavras], [animadores] famosos, especialistas etc., e que os jovens não reagiram, não deram opinião nem nada, ficaram abobados. E que um desses animadores de programa disse: "Mas deixem de ser cordeiros, carneirada sem opinião, inexpressiva, digam alguma coisa!" Fisionomia de apatia...

Bom, qual é o interesse disso? Evidentemente que não é que aqueles duzentos ou trezentos tipos que estavam lá, o que estavam pensando eles. É preciso ter a cabeça do tamanho disso para imaginar isso.

Aquilo era uma amostragem, gente colhida a esmo para fazer uma amostragem. E é o primeiro fato que nos chega – ao menos a mim – ao conhecimento de que alguém destampou o mistério da opinião pública russa e faz uma experiência.

Quer dizer, o comunismo foi implantado na Rússia em 1917, nós estamos em 87. São 70 anos de comunismo, se não me engano. Depois de meio século mais duas décadas em que ninguém sabe o que se dá lá dentro, saem boatos de que há uma onda de fervor religioso, de que há não sei o que... Eu disse numa reunião anterior, pode haver, mas pode haver uma atonia completa também. Não se sabe o que é. Pela primeira vez se destampa aquele mistério.

Bom, é claro que não se pode julgar da opinião pública russa inteira apenas por aquele teste. Mas é um teste que dá uma certa ideia de como certas coisas podem andar. Mas é um problema para o mundo inteiro.

É um povo a respeito do qual Nossa Senhora prometeu que se o mundo se convertesse, a Rússia se converteria, e que haveria paz na Terra. Quer dizer, é um povo que Deus fez, um povo com a chibata na mão para castigar o mundo. São os russos, é isso.

Então esse gigante portador da chibata, o que virou? Um orangotango? Um gambá bobo? O que é que ele virou? Isso é um drama humano, é uma questão de alma, uma coisa importantíssima. Como explicar que a gente pense nisso e no alicate de unhas que deixou em São Paulo?! Tem uma alma do tamanho... não sei, a criança inocente tem mais voo do que isso. Uma criança de chocalho, hein! Tem mais voo de alma do que um animal desses.

Não sei, meu filho, se eu cheguei até o fim da pergunta.

(Sr. Luís Francisco: Está magnífico! Nós gostaríamos que o senhor continuasse a tratar sobre esse tema "opinião pública" em outras refeições. Como o senhor sempre atuou na opinião pública, como o senhor quereria que a TFP atuasse sobre ela hoje e no Reino de Maria etc.)

Eu sei que por causa desse egoísmo se dá uma coisa que é uma incompreensão de todo mundo a respeito de tudo, que torna a vida pardacenta como ela é hoje.

Eu dou um teste antes de terminar. Eu falei há pouco do meu querido Chile. Não é tão anormal que eu fale um pouco do Brasil.

É evidente que correspondem ao Brasil grandes desígnios da Providência. Tudo indica isso. Agora, como seria esse povo se ele correspondesse inteiramente à graça, se ele estivesse na linha desse desígnio? Como seria esse povo no momento em que ele simplesmente dissesse "sim" a um grande apelo da graça, durante sua história? Seria uma coisa extraordinária já agora.

Agora, se é assim, a data em que o Brasil se tornou independente é uma grande data. Nasceu um povo. Nascer uma estrela no céu é uma grande coisa; nascer um povo, que coisa!

E esse momento, é das tais coisas: ainda que o filho nasça de um casamento que Deus não quis, ele nasce, a bênção de Deus pousa sobre ele. E ter proclamado a independência do Brasil ou ter trabalhado para que o Brasil fosse proclamado independente é uma grande ação histórica etc., etc. Os que mais trabalharam, quem proclamou o Brasil independente foi D. Pedro I, mas quem desenvolveu larga parte do trabalho para que isso fosse possível foram os três irmão Andradas, nascidos em Santos, de uma família nobre aqui do Brasil, de uma inteligência lendária, e depois de uma inteligência difusa por todos da família. Eles são – o que eu posso dizer deles é o que eu disse do Ceará – não encontrei um só burro entre eles. Conheço vários deles até na geração de hoje. Todos têm uma inteligência brilhante.

Eu me lembro de um desses que era apenas um pálido neto do grande José Bonifácio. Ele era um homem assim, enquanto ele viveu, ele levava o Brasil entusiasmado nos ditos de espírito dele. Ele, por exemplo, tinha sido muito republicano. Foi proclamada a República e começou a comedeira. E um tio meu assistiu a isso: estavam em um restaurante de Santos e entrou um homem dizendo para o dono do restaurante:

"Estou com fome e quero comer muito. Prepare isso logo!"

O Andrada estava na outra mesa e disse:

"O senhor me desculpe, o senhor é republicano?..."

Muito maior foi o grande José Bonifácio que trabalhou pela independência, mais os dois irmãos dele, Martim Francisco e Antônio Carlos, que não estavam bem à altura dele, mas eram homens de muita categoria intelectual e tal.

Meus caros, agora chegou a hora da sesta...

Nota: Vide Célebre audiência de Napoleão com Metternich. Praticidade das antigas fórmulas de educação  e A luta de Napoleão contra a Áustria (Metternich).


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