Plinio Corrêa de Oliveira

 

A moda e os modos dos brasileiros das mais variadas regiões e profissões

 

 

 

 

 

 

 

Auditório São Miguel, Santo do Dia, 14 de março de 1987, sábado

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

A posição de um rapaz, de um “enjolras”, perante o mundo pode ter... Há duas posições de um “enjolras” diante do mundo. Posições possíveis. Uma é a de um “enjolras” que pertence a uma família que tem um determinado rumo na vida. Essa família – supõe-se no caso, uma família unida em que o pai e a mãe pensem do mesmo modo a respeito de como viver e do que é que pode dar o gosto à vida, o sentido da vida, o prazer da vida. Então como o filho deve ser para poder aproveitar a vida. Isto é um tipo.

O rapaz, em presença dessa influência que se exerce sobre ele, aceita a influência e resolve seguir o caminho que seus pais indicam.

Eu preciso fazer notar que há moda para tudo. Não é só moda, traje para senhora, traje para homem. Isso é um aspecto da moda. Mas há moda quanto aos modos de pensar, de agir, de gesticular, de entoar a voz, de agradar os outros, de ser impertinente com os outros... Todos os atos da vida de uma pessoa que está encaixada assim, são regidos pela moda.

Quer dizer, por um modo de ser que tem uma certa coerência. Há uma coerência entre o modo de vestir, o modo de falar, o modo de gesticular, o modo de comer, o modo de receber os amigos, o modo de escolher os amigos para convidar e não convidar, em que casa se vai, em que casa não se vai. Enfim, há moda para tudo. É um regulamento completo da vida. Mas, por detrás desse regulamento, completo de vida, existem alguns princípios, que as pessoas não percebem. Ficam embutidos, mas existem.

E, por detrás desses princípios, existem alguns feitios de alma. No próprio modo de ser, da própria alma do indivíduo que a moda traz consigo. E todos aqueles que estão nesta linha, seguem habitualmente com algumas modificações, algumas adaptações, porque isso muda gradualmente de geração para geração, seguem a linha, seguem a moda, dentro da qual a família se colocou.

Essa moda naturalmente, muda muito o ambiente.

Por exemplo, uma será a moda num ambiente jurídico. É claro. Os advogados cultivam o bem dizer, o bem falar. Porque está na profissão deles. Eles cultivam, portanto, vocabulário abundante. A fórmula florida. O modo atencioso de procurar os outros, para obter clientes. Faz parte da moda florida. Do modo de ser dos advogados.

Eu me lembro, por exemplo, no meu tempo de estudante, tão remoto, havia uma moda própria para estudante de direito, no modo de se tratarem. Eu me lembro que nós estudávamos na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. E um modo de chegar lá – porque ir de automóvel era uma complicação, não parava automóvel no largo etc., etc., – era preciso deixar os automóveis longe.

Então para isso tudo, a gente tinha que passar por uma ruazinha que liga a rua José Bonifácio ao Largo de São Francisco. Acho que chama Largo do Ouvidor. Uma qualquer coisa assim. Já não me lembro bem mais. E aquilo era o funil por onde passavam os estudantes que vinham assim, de um lado e doutro, quando eram amigos, ou quando tinham mais relações, se cumprimentavam.

Era comum, um rapazinho de 17, 18 anos, cumprimentar o outro assim: "Ilustre amigo, como vai?" Era comum. O modo de conversar era um pouco discursado e tomando distância, fazendo gestos etc., etc. Mas que preparavam tudo isso o fórum, o júri. Onde o advogado tinha que falar. Eu acho que nada disso é mais assim hoje, mas quando os grandes advogados iam falar, enchia. E os advogados ficavam falando até meia-noite. Hora em que começou essa reunião.

Meia-noite e tanto. Depois, iam ainda cear nos grandes restaurantes da cidade. E muitos dos que tinham aplaudido a eles no fórum, iam ao restaurante que sabiam que eles estavam para bater palmas quando eles entravam. Era um mundo teatral, florido.

Pelo contrário, pelo extremo oposto disso era o estudante da politécnica. “Quadrado” (espírito geométrico), seco. E enquanto o futuro advogado achava que o agrado dá o molejo da vida, o futuro engenheiro achava que o agrado é a perda de tempo da vida. Apresenta orçamento! apresenta desenho! apresenta gráfico! quando se encontravam: "Como vai você? Tá bem?" O outro: "Bem, obrigado". Está acabado. Não tinha mais nada. Nem abraço. Tudo isso é perda de tempo...

Precisa fazer funcionar os números, as máquinas, ganhar dinheiro etc.

Meio termo, eram os médicos. Estudantes de medicina.

Mas, como os senhores estão vendo, havia moda para tudo. E há moda, mais ou menos, para tudo. A moda muda de acordo com os Estados. Por exemplo, uma coisa é o modo de ser do Rio. Outra coisa é modo de ser de São Paulo. Mas nenhum desses modos de ser é o da Bahia, mais florida, mais poética, mais retórica.

Pernambuco ainda trás um pouco da marca da guerra dos holandeses: "pão-pão, queijo-queijo". E vai daí para a frente! Mas existe moda para tudo. Nós poderíamos perder um tempo enorme, classificando modas etc.

Eu previno aos senhores que a reunião tem que ser um pouco curta hoje.

O Brasil tem dois Estados militares muito distantes de si. E o temperamento mesmo dos que pertencem a um Estado e outro são diferentes. Um Estado é militar porque está em fronteira. O país de fronteira mais quente, no Brasil, é a Argentina.

Nós tivemos vários entreveros com a nobre nação argentina ao longo dos tempos. Quando eu estive em Buenos Aires, pela primeira vez, e se minha memória não me trai, pelos anos 60, 65, uma coisa assim, eu nem sabia mais bem quais eram as brigas que o Brasil tinha tido com a Argentina. Então fiquei surpreso de cair lá, num ambiente de intelectuais – aliás, homens muito educados, muito agradáveis, mas nacionalistas, que levavam a virtude do patriotismo ao auge e que sabiam todas as guerras da Argentina com o Brasil, do Brasil com a Argentina, e ainda conservavam um ressentimento pessoal contra o Duque de Caxias.

Ali, ainda tinha uma vitalidade extraordinária. Isso faz explicar que também esses fatos todos pesando no relacionamento entre os sul-rio-grandenses e os uruguaios, façam com que o senso da guerra e o senso da luta sejam muito mais acesos entre eles, do que entre nós.

Nós temos uma distância astronômica da parte da fronteira onde se guerreou. A guerra para nós foi uma coisa distante, não é? E para eles uma coisa, para os gaúchos, muito mais recente. Eles são muito militares. E grande parte do contingente brasileiro, no exército, é constituído por gaúchos. Generais etc., etc., é constituído por gaúchos. E há um modo gaúcho de ser militar.

Outro Estado militar do Brasil é inteiramente diferente – os senhores vão ficar surpresos – é o Ceará. Se eu pudesse prever que íamos tratar disso, eu tinha mandado um mapa do Brasil aqui, para que os não brasileiros pudessem acompanhar no mapa... e um pouco os brasileiros, hein?

O militarismo gaúcho tem qualquer coisa de feudal. A raiz do militarismo era ainda aquela, aquele velho coronelismo agrícola do Brasil. Fazendeiros com fazendas enormes, plantações de mate, e depois aquilo, criações de gado em quantidade etc. Extensões colossais e senhores nestas terras, de populações grandes que moravam ali, dependendo deles e que tinham solidariedade patrões-empregados absoluta.

E fazia com que em cada guerra de fronteira, contra os argentinos, mas raramente contra os uruguaios, os fazendeiros e a capangada saíam como uma unidade. E viviam a la militar. Militar caboclo. Não é o militar francês ou austríaco, nem um pouco. Mas é o militar caboclo. Então, é o que eles chamam, então um pouco aquele chapelão, um pouco faroeste, laço vermelho aqui no pescoço, poncho. Os senhores todos ouviram falar do poncho. Chimarrão, com aquela bomba de chupar o chimarrão, feita de prata. Botas altas e correria a cavalo, pelas vastidões das criações.

Mas eram homens fortes, sólidos e de dominação. Terá a configuração do Ceará, terá uma certa influência no militarismo de ser do cearense. Na moda cearense militar. Terra seca, parece que terra ótima. Se levarem algum rio para lá, parece que dará mais do a Califórnia, dizem. Não sei até que ponto é verdade. Não sou especialista nestas matérias. Mas, por enquanto, terra seca e danada lá. E eles, nômades e no meio daqueles cactos e daquela pobreza.

O espírito de aventura, não é o do senhor com uma base na terra e mandando gente que faz parte da raiz dele. Mas é gente de correria e tropelia por aqueles sertões, aqueles desertos, com "mata-mata", capangada etc., etc. Um faroeste norte-americano do tempo clássico, mas acomodado às condições brasileiras e ao temperamento brasileiro. E, portanto, sem aquele ar estável e firme do gaúcho, mas com... que é simpático... Mas com outro ar que eu acho simpático também, que é o espírito de aventura, uma espécie de D'Artagnan da poeira...

Dando origem a tipo como o Padre Cícero de quem os senhores já devem ter ouvido falar. No Juazeiro, o Lampião. Eu acho que não há brasileiro que não tenha ouvido falar do Lampião e outras figuras assim. Legendárias, absolutamente.

Isso são modos, são modas. Se os senhores forem tomar, por exemplo, o carioca. Ele é inteiramente diferente. Ele primeiro não é belicoso. Primeira coisa: não é guerreiro.

Os senhores vejam como as coisas são. Eu, em umas ocasiões fiz uma indagação aqui sobre quem só tinha sangue brasileiro. Não tinha nenhum sangue que não fosse português, mas brasileiros. Muitos poucos levantaram a mão. Se eu mandar fazer aqui a mesma coisa, eu tenho a impressão de que muitos poucos levantam a mão.

Mas, pelo contágio, o auditório está embrasileirado... E todas as reações do brasileiro. E se eu falo... agora há pouco, falei de carioca – deve haver cariocas por aqui, um estou vendo aqui – estou procurando com os olhos que identifique. Pode, deve haver. Ah, Felipe! Claro. Mas começa a falar do carioca, começa "cutuca-cutuca", e... esse é brasileiro a mais não poder. A ponto de tornar quase impossível... É tal o "fala-fala" que... a gente quase que não pode desenvolver o que quer dizer.

Tanto mais que nós temos pouco tempo. O carioca coloca sua principal confiança, e sua principal arma de luta, talvez seja inspirado por alguma circunstância. O Rio foi, durante muito tempo, a capital do país. Deixou de ser a capital, aqui no tempo do Império, que Império? No do Juscelino. Ele mandou construir Brasília – uma torpeza – e deixou o Rio.

Aí, as embaixadas do exterior, ainda num período brilhante, em que a vida diplomática não era uma vida de caixeira viajante, mas era uma vida representativa, nobre, que tinha ainda o aroma das velhas cortes européias, o mundo diplomático brilhava no Rio. E, tinha naturalmente, comunicação com a alta sociedade do Rio. E essa alta sociedade ficava muito impregnada assim de todos os ventos que vinham da Europa.

De outro lado, o Rio sendo capital do Império e depois, capital da República, atraia as elites de todos os estados do Brasil – de São Paulo não – mas atraía as elites de todos os estados do Brasil para morarem no Rio. Havia elementos exponenciais, do que há de melhor dos vários Estados do Brasil, morando no Rio. E havia a doçura e a beleza majestosa, suave, descansada, da natureza do Rio. Muito mais bonita do que hoje. Carlos de Lacerda andou fazendo umas reformas que estragaram um pouco o perfil do Rio. Mas no tempo do Rio, pré-Carlos de Lacerda, aquelas curvas do mar tinham sido desenhadas por um engenheiro francês. E tinham toda a graça francesa e tinham... eram linhas aquelas curvas. E o mar chegava a dois dedos das casas, no Hotel Glória, que era naquele tempo um grande hotel, a gente sentia quase o mar bater nos paredões do Hotel Glória. E levados por esta doçura do ambiente do Rio, as palmeiras imperiais, do Jardim Botânico, aquelas montanhas que parecem irmãs, umas encostadas nas outras... molemente... Tudo aquilo, e depois, aquela brisa constante, mas em geral morna, que sopra no Rio. O Outeiro da Glória, lindamente colocado num morro da Glória, que é uma verdadeira jóia. É uma igreja e é um brinquedo, de tal maneira é bonito.

E daí para fora, fez com que o carioca colocasse no seu principal meio de ação, o charme. O encanto. O modo de pronunciar com os "s" finais, em vez de ["s" ou "j"]. Sentimosss muito frio... Nós diríamos: "Sentimos muito frio". Dizem um pouco cantado. Eu não sei imitar esse canto. Eu não tenho esses charmes.

Os senhores podem imaginar que eu tenha outros. Este, eu não tenha, decididamente: "Sentimos muito frio. Estávamos conversando..." Amáveis, muito amáveis. Brincalhões. Mas sem nada de agressivo. Brincalhões, assim gentis etc., etc. E fazendo disso o meio pelo qual atraiam, faziam convergir tudo para o Rio e faziam reinar sobre o Rio, uma atmosfera de bonomia elegante, que o turismo de hoje – me perdoem – acabou completamente.

Não sei se você acha isso, mas é uma coisa horrorosa. Bem, diferente, o paulista antigo. Os senhores quase não conheceram. O paulista antigo era o fazendeiro, sem guerras, mas senhor à conta inteira. Sério, amável, com um fundo de desconfiança, diziam que Minas começa em São Paulo.

Um fundo de desconfiança, pé atrás. Mas não de uma desconfiança muito carregada. Mas de poucas palavras e enquanto no Rio, uns vão muito nas casas dos outros. Entrar na casa de um paulista é uma dificuldade. Porque eles têm as casas cerradas e recebem pouca gente. Casas bonitas, muito bem arranjadas, para receber os parentes e os íntimos, ou as visitas de cerimônia, recebidas numa sala toda especial, toda dourada, chamada sala de visita. O resto é intimidade.

O tipo da casa paulista antiga, os senhores podem ver, na esquina da Dona Veridiana, com a Higienópolis. Onde hoje há um clube. Outra, que eu estou sempre anunciando uma visita para lá, mas não posso fazer, é o Palácio dos Campos Elíseos. Que é mais ainda uma casa paulista característica, do que o Clube São Paulo.

Minas. Já há duas Minas. Há Minas de Ouro Preto. Há Minas de Aleijadinho. Minas do tempo colonial. Minas dos Profetas. É uma Minas. Recolhida, meditativa, inteligente, calma, desconfiada, dinheirosa e econômica.

Ao longo do tempo do Império, certas qualidades foram desaparecendo. O aspecto artístico, caiu bastante. O fato é que isso foi substituído pela Minas política. E pela Minas bancária e comercial. Agrícola, que vai começando a ser Minas industrial. Os melhores políticos – rivalizam com os gaúchos – o mineiro é rei da política, na arte de sussurrar, na arte de falar baixinho, de dizer a metade, de dar a entender o resto, de passar rasteira.

A arte política dele mais faz-se em observar e sussurrar, do que em qualquer outra coisa.

A política do gaúcho é declamatória. Eles têm lábia. Tem verve. Agradam as pessoas. Mas falando muito. Falando aos borbotões. Não queiram-me mal os mineiros, acho que os gaúchos são políticos ainda mais hábeis do que os mineiros.

Os impolíticos são os paulistas. Eu posso dizer, porque minha mãe era paulista e eu fui criado em São Paulo. Eu sou um paulista. Eu me tenho em conta de um paulista. Mas, a arte deles é outra: é fazer dinheiro e comparecer com o dinheiro na mesa das negociações. Não para comprar, mas para dizer: "Nós entramos com um orçamento tanto, nada de "farafáfá", nem de sussurro. Vamos ver este negócio!".

Em geral perdem a partida... Não são... Pusessem nas mãos dos gaúchos ou dos mineiros o potencial que há em São Paulo, eu não sei até onde é que ia. Bons políticos nós não somos.

Bem, a Bahia cantante, a Bahia pitoresca, a Bahia poética, a Bahia gastronômica, a Bahia histórica, tradicional, a Bahia oratória... Basta lembrar estas coisas que todo mundo sabe o que é um baiano. Não é preciso descrever.

Entra os meus pernambucanos. Eu vejo no Pernambuco, eu não sei por que, uma mistura curiosa. Porque não é mistura. Mas é assim, os pernambucanos são uns baianos meio apaulistados. O baiano tem aquele charme que é da primeira capital do Brasil, que foi Salvador. Eles têm – como os cariocas – a arte de agradar. Eles são leves, eles são engraçados. E eles têm uma inteligência luminosa.

O Pernambuco é brincalhão. Até mais brincalhão do que eu gostaria. O auge do brincalhão é o cearense. Bem, mas são frequentemente bem inteligentes. Mas não dão propriamente tribunos, como os baianos, que se puser num púlpito, ou numa tribuna, eles falam e arrastam. Eles são bem inteligentes, discursam bem etc., escrevem livros muito bem feitos. Conhecem o português primorosamente bem. E são espíritos assim mais "aprofundantes". Mas, são muito mais homens de ação. Gostam de produzir, gostam de trabalhar. Gostam de fazer. E mandões. Na terra de cada um, manda cada um. E ai de quem se meter. E tem uma coisa que em São Paulo não é frequente. Mas entre eles é. Era. Depois, mudou também. É briga de fazenda a fazenda, chegando a punhais ou outros recursos...

Eu já descrevi aqui, não é necessário descrever a minha impressão da casa de engenho de meu pai, em Pernambuco, quando eu fui visitar. Eu descrevi isso aqui sim. Isso é a eterna estória... Era uma casa antiga, ainda do tempo colonial. Num lugar chamado Goiana. Nesse lugar nasceu – mas não era da família – um dos maiores brasileiros, talvez o maior dos brasileiros: D. Vital Gonçalves de Oliveira, que era o bispo que lutou contra a maçonaria no tempo do Império e que morreu vítima da maçonaria. Era um gigante!

Essa casa era ligada à capela – tinha uma capela própria, mas do tamanho de uma pequena matriz, com imagens coloniais, tudo muito bonito – ligada por uma ponte coberta, à maneira da ponte dos suspiros de Veneza. E, outrora, a minha família tinha sido muito rica. Como todos os donos de engenho de Pernambuco. E exportavam açúcar para a Europa, em quantidade. E aquela zona em que eles tinham engenho dava açúcar à vontade, em quantidade.

Então, tinha o engenho do açúcar. Era uma máquina cujo funcionamento – me levaram para ver, mas eu não entendi nem prestei muita atenção – e está desmontada colocada de lado. É uma curiosidade. Porque entraram máquinas modernas, que já é usina. E usina é o sindicato, é o trabalhismo, já é uma outra coisa assim, diferente.

Meu avô era tão rico que tinha uma espécie de corte. E tinha um bobo da corte, como havia nas cortes antigas. O bobo da corte chamava Marcelino. E meu pai contava piadas do que fazia o Marcelino, brincadeiras. Marcelino também apanhava, como aqueles sujeitos das cortes antigas. Apanhava e às vezes, passavam da conta, diziam desaforo e davam pontapé no Marcelino. Ele voltava, caiam na gargalhada. Era uma patuscada com o Marcelino. Uma desordem medonha. Mas, de repente, numa nação européia, muito... inventaram o açúcar de beterraba. E o açúcar brasileiro... Pssut... Caiu no chão.

E minha família, como todas aquelas famílias aparentadas da redondeza, perderam a fortuna. E aí, a decadência foi tão grande, que a ponte pitoresca, poética, entre a capela e a casa da família, que fazia com que da casa de família saísse diretamente para a parte de cima, onde estava o órgão... E a família assistia a Missa daquela parte de cima... Aquela ponte caísse. E ficasse na casa da família, aquela porta abrindo para o vácuo. E na capela, outra porta abrindo para o vácuo, também.

Na casa, alguns móveis bonitos. Sobretudo um relógio muito bonito, do tempo do Império. Mas a peça mestre da casa, era meu tio, irmão de meu pai. Chamava-se Totonho. Esse Totonho era como que meu padrinho de batismo. Ele não pode vir. Mandou uma procuração, uma qualquer coisa assim. Era um homem alto, mais alto do que eu, ligeiramente obeso. Um nariz adunco. Uns olhos assim de olhar e percorrer as coisas e registrar... Meio quietarrão e comilão ao máximo. Aliás, o pernambucano em geral tem muito bom apetite.

Pobre, como um fazendeiro pode ser pobre. Ele era um homem pobre. Mas tinha assim, uma majestade de ares, e um ar de senhorio de olhar para as coisas e para as pessoas, que era uma coisa... eu tinha vontade de fotografá-lo.

Não fotografei, primeiro porque não sabia fotografar. Segundo, porque não tinha máquina. Do contrário tirava fotografia.

Eles ofereceram um almoço enorme. Pantagruélico. Porque a nossa fazenda ficava perto de um braço de rio. Que era meio mar, meio rio. E a certa altura do dia – essa é a natureza do Brasil – o mar entrava. E entrava trazendo marisco, trazendo caranguejos, trazendo toda espécie de coisas.

Quando o mar entrava, eles baixavam uma rede, e a rede ficava segurando os bichos quando queriam voltar para o mar. Já não podiam mais. Então, quando o mar começava a refluir, saía, e a bicharada ficava presa. Então, a caipirada pegava a rede, vergando de bicho, e colocava no chão. E começava a comedoria.

Distribuíam entre eles e a noite era a comedoria. Então, tudo quanto é peixe, e coisas do mar, mas as mais saborosas, tinha em quantidade lá. Sem trabalho. Bem, as diversões deles, diversões de gente pobre. Quando chegava certa época do ano... a fazenda ficava a uma certa distância da praia. Eles tinham uma casa na praia. Quase todos aqueles fazendeiros eram parentes e eram pobres. E tinham casa na praia.

Eram construçãozinhas muito elementares. Mas, quando chegava a época deles passarem época na praia, também era na lei do mínimo esforço. Eles tomavam uns barcos que eles tinham, à noitinha. Preparavam sanduíches, coisas assim, comedorias sem as quais o pernambucano não vive. Preparavam essas comedorias em quantidade, punham dentro dos barcos e iam cantando e tocando viola, até amanhecer. Sem fazer o mínio movimento, porque o rio levava.

Não tinha o mínimo risco, porque era uma espécie de canal. Era só cantar, tocar viola e olhar para o luar. E comer... chegava na praia, eles iam até suas casas. Quando era para voltar, acabavam as férias, eles tomavam o rio, na hora em que a maré ia subindo e o rio ia enchendo. Voltavam para o lugar.

Os europeus e norte-americanos que estão ouvindo aqui...

Eu percebo no reflexo do olhar, o europeu de qualquer espécie de Europa, hein!

Eu percebo no reflexo do olhar, uma coisa que diz assim: "Bem, mas assim não tem graça. Ou põe pelo meio, o trabalho, ou a coisa não tem graça". Eu compreendo que eles digam isso. Mas se eles presenciassem a coisa, eles compreenderiam o fundo. Porque durante todo esse tempo, não pensem que é um estar ocioso. É um brincar, é trocar ditos de espírito, é manter um tipo de relação humana, que absorve a atenção e é um jogo do espírito, que exige que a pessoa esteja prestando atenção naquilo que faz.

É um jogo sério do espírito, o gracejar. Não é a piada vagabunda que tem por aqui, mas é uma coisa de inteligência. E por causa disso, absorve. E de fato as almas se desenvolvem e a cultura se desenvolve, enquanto o mar sobe e enquanto o mar desce.

E eu vou acrescentar uma coisa, que tem sua importância. Não vejam nisso uma censura, vejam nisso uma variante. Mas, quem encontra uma terra boa e trabalha muito essa terra e ganha dinheiro. Que faz dinheiro porque encontrou uma indústria e um comércio e ganha dinheiro, este faz uma coisa louvável, desde que o faça segundo os mandamentos da lei de Deus.

Agora, quem está numa terra que só dá uma coisa que não dá dinheiro – que é o açúcar – e não tem jeito de ficar rico, o melhor partido que pode tirar da vida é ter uma vida sossegada, mas, ao mesmo tempo, uma vida cheia de cultura.

Não se tira outro partido da vida. Bem, e não a cultura de livro, pela qual o meu entusiasmo é moderado. Mas ter exatamente essa cultura do espírito, que nasce do trato de uns com os outros, da conversa, e do ... [inaudível] ...  há uma palavra francesa, cujo equivalente eu não encontro em português, aquele burburinho da champagne quando se derrama na taça. Quando o espírito adquire isso, adquiriu uma coisa e um reluzimento de espírito que se traduz, por exemplo, conversa deles.

É uma conversa séria, consistente, mas... Gastronomia esplêndida, porque vida baratíssima. Sossego. Eu pergunto: [inaudível] ...  não é uma “way of life”? Não é um caminho da vida?

Bem, do Ceará eu já falei. Eu já contei aqui que é o único lugar do mundo – olhe que eu estive na Europa, e quase todos os países da Europa – o Brasil eu conheço quase todo. Estive na Argentina, estive no Uruguai, no resto da América do Sul, infelizmente eu não conheço. Bem, não conheço nem os Estados Unidos e o Canadá. Mas, enfim, boa parte do mundo eu vi. Não me aconteceu o que me aconteceu no Ceará. Eu olhava para cá, para lá, falava com este, com aquele etc., e não notava ninguém que não fosse muito inteligente.

Eu cheguei a andar sozinho, pelas ruas de Fortaleza, a procura de um burro. Não encontrei. É uma coisa... Eles brincam demais. Isso sim.

Eu já contei uma história de uma comunhão minha no Ceará, não contei? Eu tenho a impressão que eu nunca conto nada, não é? É uma coisa... hein, meus brasileiros, como é esse jogo?...

Eu fui a uma igreja e pedi para comungar. Eram ainda os bons tempos pré-conciliares, e na sacristia, estava um padre, junto a uma escrivaninha e lendo. Eu entrei, cumprimentei. Eu sou paulista, cumprimentei a la paulista. Não tenho outro modo de cumprimentar.

Portanto, meio cerimonioso. Eu disse: "Padre, bom dia". Ele disse: "Bom dia". Mas com olhar inteligente. Eu senti que ele estava me olhando para me pregar alguma. Bem, eu disse: "Padre, eu queria comungar, está um pouco tarde. O senhor me desculpe, mas o senhor podia me dar a comunhão?"

Eu não tinha sofrido o meu desastre de automóvel ainda. Ele disse: "Posso. Mas acontece que eu sou aleijado e só posso ir até o altar se o senhor me carregar até lá. O senhor está disposto a eu me pendurar no seu pescoço e o senhor me levar até o altar"?

Mas enfim... para comungar eu faria qualquer outra coisa. Eu disse: "Padre, o senhor me diga como eu devo fazer que eu levo o senhor até a mesa da comunhão e lhe fico muito agradecido". Eu me perguntava: "Se esse homem é aleijado assim, como é que fica em pé? Enfim... se é para comungar, eu faço qualquer uma". Ele disse para mim: "Não precisa não". Eu disse: "Mas, como não precisa? O senhor não quer ir?" Ele disse: "Não. Senta aqui Doutor Plinio, o senhor pensa que eu não lhe conheço? Eu lhe conheço muito". E puxou uma cadeira e disse: "Eu sou o Monsenhor Mimi". Eu nunca ouvi falar de Mons. Mimi na minha vida.

Era tudo brincadeira. Ele queria uma prosa com uma pessoa de fora. Conversamos um tanto. Ele perguntou notícias do sul, notícias de São Paulo etc., notícias religiosas era o que ele estava querendo. Eu dei a ele as que eu tinha, e tal. Aí a certa altura, ele viu que eu estava com pressa, e disse: "Bem, então vamos para a comunhão. Levantou e foi lépido para o altar e me deu a comunhão. Não era aleijado nem nada.

Além do Ceará eu não fui e minha narração terminou aqui.

Uma e cinco.

Os senhores notam que eu dei esse rumo a reunião, porque havia uma caudal brasileira, impetuosa, a qual não convinha resistir. E eu cedi, mas vamos nós ao nosso tema: o rapaz da moda.

Acontece o seguinte: durante muitas gerações, o homem do Ocidente foi educado nessa ideia, que provavelmente existe também na América espanhola. Na Argentina, certamente existe, porque eu vi. No Uruguai também. mas, nos países sul-americanos que eu não conheço, certamente existe também. A ideia é a seguinte: que a vida foi feita para que o homem fundamentalmente a goze. Mas a vida tem duas modalidades de gozo.

Uma é: o prazer, então regatas, toda espécie de prazeres que se tem com a água, como o mar, com rios etc., etc. Prazeres muitas vezes não puros. Praias etc. Outros são os prazeres com o ar. Voos, planadores etc. Outros são prazeres de pé firme na terra: bailes, festas, grandes hotéis luxuosos, como hoje não há mais. Hotéis Palaces, fantásticos, viagens, idas as fazendas uns dos outros, com grande luxo, vida rica etc.

Era o ideal da vida. Alcançar isso era a meta da vida, para ter a maior soma de gozos possível. Essa soma chegava o auge quando se poderiam proporcionar uma visita a Europa. E visita a Europa era em geral de seis meses. Viajando por toda Europa etc., depois voltavam para o Brasil. E, como no Brasil era muito estável, as fortunas não tinham sofrido o menor abalo. Eles se metiam nas fortunas e começavam a viver. Está acabado.

Mas outro era o prazer do trabalho. O trabalho era tomado como um jogo, como uma aplicação como os esportes, e dava o dinheiro para sustentar a vida de gozo. De maneira que o homem verdadeiro encontrava gosto no seu trabalho e trabalhava para ele e a família terem o prazer do grande luxo.

Isso era a coisa no tempo em que eu era por exemplo, mocinho.

Bem, mas ficou assim, até muito atrás, e mesmo gerações que vieram depois da minha, com menos luxo, porque o mundo foi empobrecendo, todos mesmo os países mais ricos do mundo. Nos Estados Unidos, se os senhores fossem visitar as mansões dos milionários de antes da II Guerra Mundial, eram palácios de ombrear com os da Europa, pela riqueza. Pelo bom gosto, nem sempre. Mas pela riqueza sim. Até, às vezes, superando os da Europa.

Bem, e a vida de um milionário norte-americano era a vida de um marajá republicano, de um príncipe republicano, ao pé da letra!

Depois, o custo da vida, o luxo da vida foi diminuindo por toda parte. Mas a ideia sempre foi de alcançar um stand alto, ou pelo menos médio, para gozar da vida. E para isso, trabalhar e gostar do trabalho.

Precisa também alguns estudos para a cabeça funcionar bem na hora dos negócios. Mas, o ideal não era nem ser fazendeiro, nem advogado, nem médico, nem engenheiro. O ideal era ser homem de negócios.

O homem que sabe fazer negócio, que sabe fazer dinheiro em penca e saber ficar rico. É impossível que muitos dos senhores não tenham encontrado reflexos disso em quantidade.

Agora, eles de tal maneira tinham marcado – por exemplo, na geração dos meus pais – que esse era o sentido da vida, que eles não compreendiam que a vida tivesse outro sentido. E por exemplo, dedicar-se à Causa Católica, dedicar-se a uma Causa, trabalhar por um ideal, lhes parecia uma coisa sem sentido, sesquipedal. Não existe. É de um louco.

Eu me lembro que quando entrei para a causa católica, eu comecei a... [inaudível] ...ia ser advogado. Estava estudando na Faculdade de Direito. Comecei a fazer muitas conferências – já em estudante – em uma porção de lugares. E um senhor que frequentava muito minha casa e era meu parente, via à toda hora eu me despedir, sair mais cedo, porque tinha que fazer conferência, aqui, lá e acolá.

Quando eu saia da sala, depois de me despedir dele e da minha família, eu percebi que eles comentavam: "Qual é a vantagem que o Plinio tem com isso?" Quer dizer, a ideia do ideal não vinha na cabeça. E esse senhor disse: "Olha, algum sempre tem. Porque ele fica muito conhecido. Isso pode dar clientes para o escritório de advocacia que ele vai fundar".

A ideia dele – de que Dona Lucília não participava – é que a vida não existe para os ideais, a vida existe para o negócio, para ficar rico e para gozar a vida. Não é outra coisa senão isso.

Então, por exemplo, um menino, um estudante que rompesse com a carreira, para ir trabalhar num negócio, um gênio. Tomem, por exemplo, um rapaz que estivesse no primeiro ano da Faculdade de Direito fazendo exames geniais. De repente dissesse sabe de uma coisa, eu resolvi deixar para ajudar meu pai na fábrica. Colosso! Porque uma fábrica dá mais dinheiro do que uma banca de advocacia.

Embora a advocacia seja uma profissão mais nobre do que de um industrial. Não tem importância. Isso de tal maneira marcou que eles não conhecem outra coisa na vida e não concebe uma coisa que se deu: em determinado momento, numa geração, um pouco anterior a dos senhores, começa a se operar uma mudança. E um “fartão” (enfastiado, muito farto, n.d.c.) dessa vida. E o querer ter uma vida diferente disso. Ou para um ideal, ou para nada, para a "flanação". A Revolução da Sorbonne foi uma explosão disso. "Nós vamos viver para o nada. Mas não vamos viver para repetir ao infinito essa geração de gente que se repete, repete, numa vida que nós achamos monótona: Olhe aqui, arranjem-se."

Bem, muitos são desta ideia e são mais fáceis de se encaixar dentro de um ideal com a TFP. É um ideal. Não tem aquele culto do interesse pessoal. Bem, outros não, eles se instalam inteiramente dentro do sistema da moda.

O que é que o rapaz da moda pode querer dos senhores na hora do apostolado?

Bem, o que acontece com todo rapaz da moda é que ele segue a moda, mas ele não segue sem restrições. No fundo da alma dele, ele compreende que aquilo não o satisfaz inteiramente, como satisfazia ao rapaz do meu tempo. O rapaz do meu tempo se satisfazia com isso inteiramente.

Não se satisfaz inteiramente. Há algum lado da alma dele que quereria outra coisa. E ele tem duas tendências que o dividem: para o muito melhor e para o muito pior. Ele quereria ser hippie, ele quereria ser bandido, se quiserem. Mas não queria viver na moda, naquela linha, de um lado. Agora, de outro lado, os senhores encontram outros que não queriam ser bandidos, que quereriam uma coisa mais alta. Mas que positivamente acham aquilo baixa de nível. Acham aquilo insípido.

Qual é o papel que os senhores devem tomar diante deles? É oferecer a eles, por sua presença, e por seu modo de ser, o exemplo de uma vida em que encontrariam o que eles na vida deles não encontraram.

Quer dizer: de um lado, numa linha contra-revolucionária, o “maintien”, o porte, amável, afável, “maintien” não quer dizer carranca. Muito menos quer dizer pretensão. E, portanto, imaginar que é mais do que os senhores. Não é isso.

É uma certa distinção, na medida que cabe na idade dos senhores e nas condições dos senhores. E um hábito de insensivelmente puxar a prosa para temas mais altos. Não “ex abrupto”: "Você conhece Fointanebleau"? O sujeito cai das nuvens”!... Não pode ser assim portanto.

Então, como é o negócio? É fazer com que ele veja um modelo diferente, guiado pela razão, guiado pelo bom senso, guiado pelo desejo de uma coisa mais alta, no fundo do qual reluz a Fé. A Fé Católica, Apostólica Romana.

Mas, para quebrar o maldito mito de que o católico é um molenga, eles perceberem nos senhores, homens enérgicos e de luta. Apresentem isso no seu modo de ser, no seu modo de conversar. Façam assim e isto é uma oferta para eles.

Ou eles topam ou não topam. Quando os senhores tiverem com eles, a graça de Deus os visita, visita a alma deles. Porque faz sempre. Sempre que uma pessoa dá um bom conselho a alguém a graça ajuda a pessoa que dá o conselho para se tornar persuasiva. Rezem, portanto, quando estiverem fazendo apostolado, rezem. Uma jaculatória. Peçam a Nossa Senhora, ao Anjo da Guarda, ao Sagrado Coração de Jesus, enfim, conforme sua alma lhes diga no momento. Façam uma jaculatória e rezem. Peçam que Nossa Senhora ajude.

Mas, sejam o que os senhores são, com toda naturalidade. Eles querendo pegam, não querendo, não pegam. Os senhores cumpriram seu dever!

Mas os senhores se ponham – vamos voltar ao rapaz da moda – os senhores se ponham no papel de um rapaz da moda. Os senhores não acham que aquilo ao cabo de algum tempo satura ser da moda? Não tem sentido. O que é aquilo? Não vale nada. Há um momento em que a alma diz: "Bem, estou farta".

Nesta hora fica um resíduo: "O que eu procuro? Eu não sei. Eu procuro algo que eu não sei o que procuro". Encontrando quem Nossa Senhora mandou, quer dizer, encontrando o abordante, se ele corresponder à graça, ele topa. Mas se não topar? Nós não temos a missão de arrancar as pessoas pelo pescoço e levar para o Céu.

Nós devemos fazer todo o possível e levá-las na medida em que elas queiram. Se não quer, vamos rezar por elas, ou vamos esquecê-las. Porque é assim a vida. Os senhores não podem lembrar de todos os rapazes que abordaram pela rua.

Meus caros isto está claro, ou não? E com isto, “fugit” (irreparabile tempus – o tempo foge irreparavelmente).

(Fatinho!)

Meu Fernando, o fatinho?

(...)

Eu... Há uma pessoa de um grupo hispano–americano, que não direi o nome porque do contrário caem em cima dela depois, de um modo bárbaro, que tem um talento especial para uma parte da história chamada eurística. É pedante, hein? Os senhores não sei se ouviram já, se ainda existe, um líquido hoje, para apagar o que se escreveu no papel, tirar a tinta. Se ainda chama como se chamava o meu tempo: Eureca.

É um líquido que se põe em cima e absorve a tinta. E depois, a gente com cuidado, o mata-borrão chupa, e o papel quando seca bem está em condições mais ou menos de se escrever em cima dele. Eureca o que dizer? Encontrei, em grego, a raiz é a palavra encontro. Porque durante séculos a humanidade procurou alguma coisa que apagasse a tinta. E não encontrou. O que encontrou gritou: eureca!

Século XX. Eu assisti a entrada da eureca no mercado paulista. Século XX e evidentemente logo, creio que nos Estados Unidos, o descobridor registrou uma patente, montou uma fábrica e aí o verdadeiro eureca dele que é o dinheiro que ele apanhou.

Eurística é a mesma coisa: é a arte de procurar, de encontrar. E é a parte do método histórico primeira. Pela qual a pessoa tem um certo faro, de descobrir os documentos históricos, descobrir o material, descobrir citações. É um faro. Alguns são muito ... [inaudível] ...  protegidos por Nossa Senhora nesse sentido e obtém resultados extraordinários. E há um rapaz que tem a gentileza de me dar sempre cópias etc., das coisas da São Paulo de outrora.

Coisas muito curiosas mesmo. E que vão desde o operário daquele tempo, até naturalmente o plutocrata. E esse rapaz encontrou uma descrição na "Illustration Française", da São Paulo de 1910, feita por um dos homens mais inteligentes do tempo dele, que era Clemenceau, o tigre. O homem que chefiou a resistência civil francesa aos alemães na guerra 14-18. Ele descreveu muito bem.

Um belo dia eu ainda mando traduzir isso e mando ler aqui para os senhores ouvirem. Eu vou deixar o rapaz chegar aqui a São Paulo e senhor Fernando Antúnez me lembra e aí organizamos umas projeções e aí eu explico a São Paulinho, que é quase inenarrável assim. De maneira então, que nós ficamos para essa ocasião. Agora vamos rezar.


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