Plinio Corrêa de Oliveira

 

Episódios pouco narrados e pitorescos da vida no Brasil no tempo de Dom João VI

 

 

 

 

 

 

26 de outubro de 1985, sábado

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

 

De elemento harmônico e musical, nós tivemos, não é pouco, mas como duração é pouco, tivemos apenas o cântico da entrada. Como tempo temos pouco, porque a Reunião de Recortes começou tarde e eu tenho mais uma reunião hoje à noite depois desta... o que encaixar em tão pouco tempo, de maneira a animar e alentar e distrair os senhores? Eu fico numa certa interrogação. E me pergunto, às vezes, o seguinte (me perguntei na viagem do São Bento para cá, conversando com o nosso Fernando Antunes): se contar alguns casinhos do mundo de outrora - não fatinhos pessoais de minha vida – mas do mundo de outrora como era e como não era, etc., se isto poderia trazer aos senhores um certo interesse.

Então, eu vou focalizar um pouco o assunto e depois entro em contar alguns casos. A questão é a seguinte: os senhores todos devem ter visto em álbuns, em revistas, em fotografias etc., gente vestida com as modas de outrora. Modas muito diferentes, desde as modas da Idade Média até as modas do século XIX, do século passado; ou mesmo até as modas de nosso século. As modas variaram enormemente. Com as modas variaram as casas: o arranjo, a apresentação externa das casas; a apresentação interna das casas variou também; os móveis, os objetos etc., tudo variou. Mas, o elemento principal que variou não foi nada disso, foi o homem. Foram os homens que foram se modificando ao sabor da Revolução muito mais do que da Contra-Revolução. Porque a Contra-Revolução se apresentava muitas vezes indecisa e sem conhecer ainda as manhas da Revolução. E por causa disso, sempre recuando um tanto, recuando um tanto, não é? Mas, enfim, oferecia uma certa resistência e havia casos concretos de admirável resistência oferecida pela Contra-Revolução. E isto segurava um pouco a onda.

Em cada geração que vinha, a Revolução avançava mais; a Contra-Revolução segurava um pouco a Revolução, mas ia recuando. Assim, cada geração foi ficando mais revolucionária.

Podemo-nos imaginar, por exemplo, há cem anos atrás. Nós estamos em 1985, portanto em 1885, como eram os homens, como se vestiam, quais eram as coisas que eles comiam, quais eram as idéias que eles tinham, como eles conversavam, no Brasil, em concreto. Para não alargar demais, porque se formos falar de todas as nações do mundo...

Então, me passou pela ideia tratar disso com os senhores. Como era o Brasil de 1885? Eu não tive tempo para consultar exatamente algum livro que desse os pormenores. É possível que algum lapso histórico me escape. Mas de um modo geral, era assim o Brasil de 1885:

Neste Brasil, havia duas instituições que morreram. Duas instituições muito diversas, e uma quase que morreu de ter morto a outra. Quais eram as instituições que havia? A instituição principal que havia era a Monarquia; a outra instituição que havia era a escravatura.

O que dizer um pouquinho dos escravos, o que dizer um pouquinho aos senhores, o que dizer um pouquinho do monarca, o que dizer a respeito da corte dele, a respeito do modo de ele ser, etc. Como é que tudo isso viveu no Brasil, concretamente, em 1885. É uma coisa que se pode tratar.

Eu conheci gente desse tempo. Como era a gente desse tempo que eu conheci? o que é que eles me contavam?

Notem bem, que não se trata aqui no caso de uma história do Brasil, é uma história dos particulares dentro do Brasil. História do Brasil, os senhores encontram felizmente à venda por aí, em toda a parte. Suponho que a tenham estudado com muita aplicação. Os brasileiros todos conhecem a História do Brasil na ponta da língua, como os americanos da América e os canadenses do Canadá... e lá vai daí descendo. Não encontro assim uma certeza entusiástica do que eu estou afirmando, mas afinal de contas, quero imaginar, não é?...

Vamos analisar um pouquinho o que era uma monarquia, como era uma monarquia, como era a Monarquia no Brasil, mas através de fatinhos.

Noções básicas sobre as três formas de governo

Os senhores sabem que segundo São Tomás de Aquino e segundo Leão XIII, que expôs com autoridade do papa a doutrina de São Tomás de Aquino, há três formas de governo. Já Aristóteles entre os gregos (os senhores são familiares com esses nomes todos). Já Aristóteles, entre os gregos, ensinava isto. Há três formas de governo: a monarquia (mono, quer dizer um em grego; archia, domínio, poder, manda um só); aristocracia (mandam alguns); democracia mandam todos. São três formas de governo.

Qual dessas formas de governo é a melhor?

Muito sabiamente, São Tomás diz que, propriamente, propriamente, a forma de governo depende do país. Uma forma de governo serve para um país e não serve para outro. Cada país tem suas exigências, tem suas necessidades. Assim como o modo de guiar o automóvel depende da marca do automóvel e de quem guia... Sobretudo, o modo de pilotar um avião depende da marca do avião e depende também de quem pilota, do temperamento, do feitio do piloto. Assim também vamos dizer que um país seja um avião e o monarca seja o piloto. Depende da relação entre o monarca e o país para que aquilo ande bem. Então, a monarquia é uma forma de governo que, quando essa relação se estabelece bem, pode dar um grande resultado. Qual é a vantagem? É a unidade de comando. Um manda, outros obedecem.

Os senhores imaginem um exército com dois generais mandando juntos. Ainda que sejam dois grandes generais, não funciona. Os senhores imaginem os dois maiores maestros de orquestra do mundo regendo juntos uma orquestra. Pode ser o que quiser, fracassa. Não vai.

Então, os senhores percebem através de dois pequenos exemplos a vantagem que apresenta a monarquia.

Mas a aristocracia tem algumas vantagens que a monarquia não tem. A aristocracia é o governo de uma elite. O que quer dizer uma elite? É um escol, os mais capazes, o que tiverem uma melhor educação, uma melhor instrução; mais inteligência, os que foram formados num ambiente que os elevou mais. Estes são mais capazes de governar por vários aspectos. E o governo dos melhores - esta é a aristocracia - tem algumas vantagens que a monarquia não tem. Porque quando um rei desanda, o país vai água abaixo. É muito bonito dizer que o piloto dá unidade de comando, eu sei bem, mas quando dá a louca no piloto o que é que acontece?...

Então, a aristocracia tem a vantagem que, se der a louca num, os outros compensam, abafam, dirigem aquilo. Isso é      muito bom. Mas pode acontecer que os membros de uma aristocracia briguem entre si. E aí seria como um estado maior de um exército em que os membros dele brigam entre si. E aí é uma encrenca. De maneira que a aristocracia tem vantagens, quando a aristocracia presta. E não tem vantagens quando a aristocracia não presta. Pelo contrário, pode ser até uma forma perigosa.

E a democracia? Mando de todos. Eu quase diria a mesma coisa: quando todos prestam, dá... . Mas quando o país inteiro não presta não dá certo. Quer dizer, com uma matéria prima, com uma farinha ordinária não se faz um bolo bom. Pode a receita ser o que for, pode dar no que der, sai uma porcaria.

São Tomás tomando tudo isso em consideração aconselha que cada povo escolha livremente sua forma de governo, mas como ideal, uma forma que acumule as três coisas: monarquia, aristocracia e democracia. E então, juntos, manda o imperador uma parcela do poder; manda algo a aristocracia, outra parcela do poder; manda algo o povo, tem outra parcela do poder, outra parte do poder. E, se equilibrando todos... se todos estiverem loucos, não tem remédio mesmo! Aí não tem solução, nada tem solução.

Mas é uma situação que dá, segundo São Tomás, mais possibilidade de um governo se fixar. Mas isso não é o mecânico, não quer dizer que deva ser para todos os países. É em tese, em teoria. Na prática, os senhores veem países florescerem, chegar ao mais alto florescimento com uma dessas formas de governo, e não com as três compostas. Depende.

Na monarquia, o imperador ou o rei é tido... O imperador é mais do que rei. O imperador geralmente se diz quando o país é muito grande. Um país pequeno não tem imperador, tem rei. Fica ridículo dizer, por exemplo, imperador da Bélgica... Rei da Bélgica, perfeito. Muito... é um país muito desenvolvido cultural e industrialmente etc., etc. Tem que ser um rei, está bom. Mas um imperador da Bélgica não tem propósito. É como um homem com um chapéu muito maior do que a própria cabeça. Não funciona, não funciona.

O Imperador era, portanto, um monarca de uma categoria mais alta do que um rei. Era uma espécie assim de rei, de arqui-rei. Quase se diria rei dos reis.

Características da personalidade de D. João VI

E, por ocasião da separação do Brasil de Portugal (os senhores sabem disso), o rei de Portugal que havia no Brasil era D. João VI. Era um homem muito ladino. Não sei se os senhores sabem o que é que quer dizer ladino. Não sabem o que é que quer dizer ladino? Muito esperto. Ele percebeu que o Brasil estava crescendo muito. Naquele tempo, as comunicações com Portugal eram muito escassas, e ele tinha vindo aqui fugido de Napoleão I, que tinha mandado invadir Portugal. E ele então bateu-se para o Brasil.

Chegando ao Brasil, ele era vagamente parente de um rei de que os senhores já ouviram falar, Luís XVI... Cortaram-lhe a cabeça. Maria Antonieta também teve a cabeça cortada. Essas casas reais são todas aparentadas. Ele era parente de Luiz XVI, de Maria Antonieta, parente desses reis todos. E quando contaram para ele aquela história toda da França etc., ele ficou com muito medo que se fizesse também a República em Portugal e que a cabeça dele voasse. E este era um efeito que ele não queria que se produzisse.

Quando ele soube que as tropas de Napoleão tinham invadido a Espanha, ele achou melhor deixar os espanhóis se defenderem como fosse possível, o que levaria algum tempo. E ele organizou a vinda dele para o Brasil. O Brasil ficava longe das garras de Napoleão completamente. E constituía em Estado enorme. Ele vindo para o Brasil, julgava que vinha para um país muito colonial, muito atrasado. Ele não tinha bem idéia de como era o Brasil. E mandou trazer todos os objetos que ele tinha no palácio: mais arquivos, móveis preciosos, quadros, roupas. Mandou trazer tudo dele e da mulher, dos filhos, de um sobrinho da mulher que habitava com eles. Mandou trazer tudo e formou uma esquadra colossal.

Contam os historiadores que, ainda na hora da esquadra partir, o povo, multidões enormes, assistindo à partida do rei, vem um homem gritando; “Pára! Pára!..” Isto tudo é muito português e muito brasileiro, uma coisa que acontece à última hora... Olham como os senhores riem contentes, hein?...

Pára a esquadra. Por que? Tinham “zupado” [esquecido] no Palácio real uma escrivaninha preciosa. E então vinham trazendo a escrivaninha para a instalar no navio, para vir junto.

Ele veio com tantos cuidados com sua pessoa, que ele era louco por sardinhas.

Portugal tem sardinhas deliciosas. Das melhores sardinhas em lata que há no mundo, havia em Portugal antes dessa porqueira dessa “revolução dos cravos”. Eram umas latas de sardinha “Brandão Gomes”, eram deliciosas!

E D. João VI tinha ouvido dizer que no Brasil não tinha sardinhas. E como ele queria comer sardinha no Brasil, ele vinha trazendo, num dos navios da esquadra, de uma esquadra colossal, um reservatório com água salgada para as sardinhas virem dentro vivas, que ele queria pôr no Brasil.

E aconteceu com as sardinhas o que aconteceu com o rei e acontece com os portugueses quando vêm ao Brasil. Dão-se extraordinariamente bem, e... hoje há sardinhas em quantidade pelo litoral brasileiro. Todas descendentes das sardinhas portuguesas...

Afinal, a esquadra pôs-se a caminho, veio do Tejo para cá. Mas começam a se pôr problemas que os senhores não calculam. Isso dá contrastes entre a vida de outrora e a vida de hoje. Eu estou vendo que eu estou mudando o caminho da reunião...

Os senhores imaginem aqueles navios, caravelas ainda bonitas, com aquelas velas pintadas com a Cruz de Cristo, ou então com as armas dos reis de Portugal, sei lá o que. E muitas caravelas juntas, etc. E passeando no tombadilho do navio fidalgos e fidalgas de cabeleira empoada, vestidos de seda, com saias balão as senhoras; eles, com roupas com botões de brilhantes, botões de esmeralda. E saudando-se, os homens usando chapéus de três bicos, cheios de plumas. As senhoras de cabeleira branca empoada e de grinaldas com flores. Onde paravam, pegavam flores, pegavam água doce, nessas ilhas Açores, Madeira, Canárias. Iam parando para trazer todo o necessário. Vinham músicos, etc.

É muito bonito, não é? Os senhores já imaginaram como era bonito passar de longe a esquadra de D. João VI? E a gente perceber o rei que aparece, sempre com uma condecoração, com uma faixa aqui de viés, no lado esquerdo; os fidalgos que se abaixam, fazem vênia; ele vem trazendo pela mão a rainha. E a cena de corte se dá. No “Angelus”, por exemplo, ao tocar, todos param. Vem um capelão que reza o “Angelus”. Todos acompanham: o rei, a rainha. Depois ele abençoa toda a tripulação, inclusive os marinheiros que estão embaixo remando. Tudo péra e reza o “Angelus”. São cenas que eu acho que os senhores gostariam muito de assistir. Mas os senhores vejam agora o seguinte:

Nós temos a impressão de que essa gente ficava numa tal altura que alguns dos senhores que sejam mais tímidos, se sentiriam meio intimidados de tratar com eles. Porque tal educação, tal finura, tal superioridade, que chegaria a hora, os senhores nem saberiam bem como dizer “bom-dia”.

Eu estou vendo pelas caras, uma vontade louca de descer no navio para ver como era tudo etc. E uma certa insegurança que ia dar. Não tem conversa.

Agora, vejam as cenas da vida outrora como eram e como isso compunha o lado humano desse protocolo todo e dava uma idéia de que a gente não tem sequer uma noção de como eram.

Durante a viagem, um dos flagelos era que esses navios todos, levando mercadorias embaixo, não tinham os desinfetantes de hoje. E que nos porões dos navios, a mercadoria corria o risco de mofar. Tanto mais quanto entrava muitas vezes água. E desse mofo e de tudo isso, nascia a proliferação de insetos, e esses insetos se tornavam tão terríveis que todas as senhoras tiveram que raspar o cabelo “grau zero” e ficar calvas, durante algum tempo, para os insetos não atormentarem demais a vida delas.

Afinal, chegam nas proximidades da Bahia. Bahia lindíssima! A Bahia de Salvador é lindíssima! Com ilhas lindas, com um Recôncavo muito bonito, etc., e entra a esquadra.

E D. João VI sempre com aquela idéia de que podiam fazer uma revolução francesa nas terras dele; ele era rei do Brasil, com essa idéia ele veio para cá preocupado. O que é que vai encontrar aqui?

Mal as naus reais entram na Bahia, uma explosão de pólvora e um tiroteio medonho de todos os lados.

Ele ficou apavorado. Mandou parar os navios e mandou um barquinho com dois ou três fidalgos em terra para saber o que é que havia. E encontraram o contrário: preparavam uma festa para o rei! O Brasil estava recebendo o seu próprio rei.

E os senhores sabem bem o temperamento brasileiro como é afetivo. De maneira que recebiam muito bem. E no cais, estava tudo preparado: tinha o governador geral, tinham as autoridades militares; tinha o Bispo da Bahia, era o Primaz do Brasil, acompanhado de todo o cabido, e todo clero; com relíquia do Santo Lenho para o rei ajoelhar e adorar logo que chegasse. Era só rei pôr o pé em terra firme, que todos os sinos da cidade de Salvador começariam a repicar. E uma procissão meio civil meio militar o acompanharia até o Palácio dele.

Quando o barquinho voltou e contou para o rei, ele ficou muito sossegado. Ele desceu. E foi recebido inclusive pelos negros, então muito numerosos na Bahia, com satisfação: aquelas negras com tabuleiro na cabeça e roupas de cor, dançando e cantando “viva o rei!”, etc. Vendendo acarajé, vendendo todas aquelas comidas baianas etc. Os sinos tocando. Ele desceu em terra. A primeira coisa foi ajoelhar-se, receber a benção do Bispo. Cantarem o “Te Deum” pela chegada do rei. E o povo encantado de ver o rei presente, afinal! Nunca um rei tinha pisado em solo de nenhuma das três Américas, e aparece, afinal, o rei de Portugal, de Algarves, d’Aquém e d’Além-mar em África, das Navegações e das Conquistas, da Guiné na África, etc., aparece esse rei aqui no Brasil, mas era uma alegria, não é? E o povo encantado de ver o rei e ver toda a corte, todos aqueles nobres, aquilo tudo. E o rei encantadíssimo de ver um povo tão bom. A coisa se passou à mil maravilhas.

E depois de alguns dias de sossego na Bahia... ele era esperto, de olhar vivo, mas muito sossegadão. Quieto. Ele não se movia depressa. Ele prestava atenção depressa, mas se movia devagar.

Ele afinal, retomou a esquadra e veio para o Rio, porque a sede do governo geral do Brasil era no Rio de Janeiro. A Bahia tinha sido, mas já não era mais. E ele quis se fixar no Rio. Então, veio para o Rio.

No Rio de Janeiro, e aí festa muito maior, e até hoje se mostra, no cais do porto do Rio, o lugar onde o rei D. João VI desceu. E existe ainda o Palácio onde ele morou e a Catedral velha do Rio de Janeiro (não é mais a atual), mas a que era a catedral naquele tempo, que era uma espécie de dependência do Palácio. O Brasil era governado por um vice-rei. Este vice-rei era o Conde dos Arcos, da maior nobreza portuguesa. E ele morava num prédio enorme, onde até pouco tempo atrás funcionavam (ou ainda funcionam) os Correios e Telégrafos do Rio de Janeiro, junto ao Palácio Tiradentes. E havia uma espécie de ponte coberta que passava do Palácio do Vice-Rei para a Catedral. E assim na catedral, o Vice-Rei, ou depois dele o Rei, podia passar em dia de chuva (ou qualquer outra coisa) sem se molhar, para a Catedral. E nesta havia um trono, junto ao altar-mor, para o Rei. Ele assistia à missa neste torno. Era incensado pelo Bispo, mas também quando entrava beijava a mão do Bispo. Era todo um protocolo antigo, muito nobre e muito elevado.

Mas, o rei era bem um rei segundo o sistema de que gostam os brasileiros, quer dizer: pomposo, autêntico, legítimo, mas ao mesmo tempo, com uns lados muito familiares. E tratava as pessoas muito bem, com muita liberalidade, muita bondade e muita gentileza. E ele mesmo simples ou quase simplório no modo dele viver. Então, por exemplo, uma coisa:

Ele tinha uma doença qualquer, coitado, por onde se lhe inchavam as pernas. E a medicina, naquele tempo, estava num atraso fabuloso. O primeiro médico do tempo era o médico de Napoleão, chamava-se [Jean-Nicolas] Corvisart (1755-1821). Mas não viria ao Brasil, ainda mais Napoleão estando em guerra. Era de se excluir a idéia. O rei tinha que se tratar com os mediquinhos aqui da colônia. E os mediquinhos recomendaram ao rei que tomasse banho de mar.

Naquele tempo um homem de circunstância tomar banho de mar, aparecer em público com essas “sungas” com que aparecem hoje, era uma coisa impossível. E um rei não tomaria banho em público, absolutamente nunca! Nunca! Mas ele precisava de tomar o banho de mar. Solução era ir para praias inteiramente desertas. Por exemplo, ia para a praia do Flamengo; ou a praia mais distante ainda – o fim do mundo para aquele tempo –, a praia do Botafogo. É o coração do Rio de hoje.

Então, o primeiro problema era a questão de como é que o rei haveria de se despir. Arranjavam uma barraca, o rei se despia, punha uma roupa (não essas roupas de elástico e para banho que existiam até algum tempo atrás), mas punha uma espécie de camisolão e interditavam a praia, para que ninguém passasse por lá, enquanto ele estivesse tomando banho. E ele entrava no mar assim. Era uma coisa digna, bem arranjada, de um homem que tem pudor. Mas agora vem a coisa:

Ele, esperto e prudente como era, ele tinha medo muito grande de siri e de caranguejo. E então como é que ele haveria de resolver o caso? Arranjaram um sistema: arranjaram uma espécie assim de estacas de madeira, com uma roda e uma corda. E penduraram na corda uma cesta de vime bem grandona, para caber o reizão dentro. Assim levavam a cesta até os paus onde tinha essa história, penduravam e deixavam entrar água do mar pelos lados, mas nunca por cima; de maneira que tudo quanto era siri e caranguejo ficava de fora. Ele podia tomar o banhão dele sossegado.

Quando ele estava farto do banho, ele dava uma ordem, levavam ele de novo para terra, eles o ajudavam a secar-se, vestir-se. Ele se punha na sua roupa de gala, cabeleira empoada, chapéu de três bicos, carruagem dourada, com cristais, puxada a dois, quatro ou seis cavalos, com lacaios com “libré”, corneteiro, etc., e voltava para o seu palácio, que era o palácio do vice-rei, que ele tinha desbancado, naturalmente.

Os senhores não sei se percebem aí um misto de aspecto popular e de aspecto régio que era muito do agrado do modo de ser dos brasileiros. Ninguém se lembrava de caçoar do rei por causa disso. Achando que ele tinha as pernas inchadas e que uma mordida de siri ou de caranguejo poderia complicar a situação. Era um pobre doente que tinha o direito de se tratar assim. Realmente é. Nenhum dos senhores, se tivesse no caso dele, não deixava de fazer o que ele fez.

Mas eu suponho que isto dê um certo sabor de outrora. Um certo sabor do mundo de outrora que me leva a contar, para os senhores, mais uns dois ou três casos.

Ele era muito esperto e tinha um problema em casa danado. Ele era casado com uma princesa espanhola. Houve na Espanha, exemplos de princesas célebres na História: Isabel, a Católica, é um exemplo. E houve muitas outras. Mas essa princesa era uma pimenta-malagueta daquelas!...

E enquanto ele era assim um homem bonachão e de muito bom temperamento e muito bom caráter etc. D. João VI quando veio para cá ainda não era rei, mas sim príncipe regente; a mãe dele tinha ficado louca, a Rainha D. Maria I, aliás, pessoa muito católica e muito boa, que veio para o Brasil também; ela morreu e ele ficou rei. Mas enfim, a Da. Carlota Joaquina, rainha de Portugal, era de um temperamento violentíssimo e criava incidentes diplomáticos como, por exemplo, se não me engano, deu de chicote na cara do embaixador da Inglaterra...

Quando Napoleão invadiu a Espanha, o pai e o irmão dela foram presos, e ela decretou que não tinha mais rei, e que ele passava a ser rainha da Espanha. Bom, ela não ia se meter com Napoleão na Espanha. Aliás, os espanhóis estavam heroicamente e lindamente expulsando Napoleão da Espanha. Um dos mais belos feitos da História da Cristandade!

Conta-se a esse respeito - está fora de nossa narração, mas um parêntesis não lhes desagradará -, conta-se que Napoleão - que era um anticlerical - invadiu quase ao mesmo tempo (não foi no mesmo tempo, é claro) a Espanha e a Rússia, os dois extremos da Europa. Ele queria ficar dono da Europa inteira. E foi nestes dois extremos onde a coisa lhe ficou dura.

Na Rússia, o “general inverno”. Os senhores sabem disso, veio um inverno medonho, o pessoal começou a retirar, retirar, ele foi correndo atrás e, em certo momento, tinha um inverno horrível. Ela esperava passar o inverno em Moscou. Deixaram-no entrar lá e alojar-se. Quando ele se alojou, os próprios moscovitas tocaram fogo na cidade de Moscou. E o império dele estava liquidado.

Bem, e de outro lado, o povo todo na Espanha se levantou todo contra Napoleão. Quando as tropas dele entravam nas cidades, o povo – os homens, as mulheres, as crianças – iam às janelas e jogavam móveis, objetos, jarros, o que tivessem, em cima da soldadesca. Negavam pão e água. Queimavam as plantações de cereais, de trigo, no caminho, de maneira que o exército não tinha com que fazer pão. Elas caíam na pobreza, mas puxavam Napoleão para baixo na pobreza deles. E conta-se que até (muitos historiadores sustentam) os padres saíam dos conventos e iam com armas de fogo fazer guerrilha, e Napoleão não estava habituado à guerrilha. Ele só entendia, em matéria de guerra, a grande guerra convencional, com grandes exércitos. E na Espanha sobreveio uma guerrilha.

E ele então, enquanto esses fatos se passavam, Napoleão perguntou para um padre:

- Quais são os dois povos mais religiosos da Europa! Devem ser os mais atrasados, não?

O padre disse:

- Julgue Vossa Majestade, são a Espanha a Rússia...

 Como se conta também de um cardeal italiano que usava rapé. Não sei se os senhores sabem bem o que é o rapé. É um pó feito com tabaco. A pessoa aspira assim e espirra. E era muito elegante tomar rapé. Mas era uma arte. Compravam caixinhas assim, mas de ouro, prata, brilhantes, etc., e punham esse pó. O modo de pôr era todo especial. Quem usava rapé oferecia a todo o mundo da roda. E todo o mundo espirrava. E um cardeal puxou uma caixa de rapé na presença de Napoleão, e foi usar. E Napoleão tirou de dentro da caixa o rapé. E enquanto tomavam o rapé, Napoleão perguntou:

- Eminência, é verdade que todos os italianos são canalhas?

O cardeal era italiano. Mas não teve dúvida, disse:

- Não, senhor, mas uma “buonaparte”...

Bem, tudo isso nos deixa apenas com cinco minutos... não tem remédio... para voltarmos para a História do Brasil.

D. João VI - era o jeito dele fazer as coisas – ele deixava vir a tempestade e depois tomava jeito diante da tempestade. Era um político. A mulher dele quis ficar rainha de todas as colônias espanholas da América do Sul. E mandou emissários para tomarem conta do Uruguai e da Argentina. E criou uma diplomacia paralela com a do marido, porque o marido não queria saber dessas aventuras. Ele queria ficar no Brasil, já enorme para ele dominar e não queria dominar mais a América espanhola inteira. Era uma doidice! Ela fazia, então reclamavam com ele. Ele dizia:

- Deixa ela fazer que não dá em nada. Deixa ela lá fazer que não dá em nada.

Ela fez, fez, e não deu em nada mesmo. Era a arte do drible, ele driblava na perfeição...

Muito sensato. Naquele tempo, era a época das peças de teatro românticas. Era sempre história de um casal, em que o moço queria casar com uma moça, mas não podia por uma razão qualquer, porque a “FMR” não queria, ou porque eram de religião diferente, ou porque eram da classe social diferente, ou de países inimigos, ou qualquer coisa. Então, os dois ficavam se amando à distância, e aí dava um romance. E no fim do romance, em geral, ou se suicidavam, porque não podiam se casar, ou se casavam.

Como o Brasil era uma colônia, não é... D. João VI elevou o Brasil à condição de reino unido ao de Portugal, mas não alterava a substância, o atraso era fenomenal. Vinham umas companhiazinhas de teatro muito ordinárias. Mas o teatro era a distração que tinha no tempo. E nesses países que tinham monarquia, havia sempre uma frisa para o rei. Era a primeira, bem em frente ao palco, o melhor lugar. Ele ia. Ele se sentava lá, começava a representação teatral, mas ele dormia durante a representação teatral. Porque era um teatrinho muito chocho. De vez em quando ele acordava, e como ele achava aquelas peças todas malucas, sem bom senso nenhum, ele perguntava para algum: “Os bêbados já se casaram?” Dizia um ajudante de ordens ou algum cortesão: “Não, Majestade, isso ainda leva tempo até lá!” Ele não se incomodava, e ferrava no sono...

Agora, ele era muito gastrônomo. E peça de teatro leva três horas pelo menos! Com cantoria, com declamação, intervalos de meia hora para trocar o cenário. Era toda uma história. Ele ficava com fome, né? Então, vinha já do Palácio para ele, numa bandeja de prata, tudo bem arranjado etc., um frango frio, com farofa, etc., etc., que ele comia com a mão.

Eram outros tempos e todo um mundo que a gente não imagina hoje. Em geral, os professores de História não dão esses pormenores, que dão extraordinário sabor à História.

Quando afinal, quando se acabava de dormir, acabava o frango, os bêbados se casavam etc., etc., ele voltava para casa. Mas sempre muito bondoso, muito paternal, mas era um homem de um aspecto muito digno, um grande aparato, uma grande corte, muito sério e levando as coisas direito. Ele sabia administrar bem.

Não lhe faltava um certo senso humorístico. Para vingar-se de o Napoleão ter tomado o país dele, ele mandou ocupar a Guiana Francesa no norte do Brasil. Aquilo naquele tempo era o fim do mundo. Mas era como uma vingança. E foi duro fazer o homem, depois de Napoleão cair, entregar à França de novo a Guiana, porque ele tinha tomado e não queria mais largar.

Mas para os senhores verem o senso político e como ele fazia as coisas, esse rei chamou um dia o filho dele, futuro D. Pedro I. Disse-lhe o seguinte:

- Pedro, o Brasil mais dia, menos dia, vai ficar independente de Portugal, porque é grande demais para ficar governado a partir de uma metrópole tão distante. (Naquele tempo era perto de um mês de navegação só para ida, quanto mais para a volta; não tinha telégrafo, não tinha avião, não tinha sequer navios à vapor: era uma distância enorme realmente, não dava garra para segurar). Se isto acontecer, põe tu a coroa do Brasil na cabeça, antes que um aventureiro a tome.

Quer dizer, adira à revolução antes que venha um aventureiro e se ponha como rei. Foi o que fez D. Pedro I. O brado do Ypiranga foi esse. “Independência ou Morte” etc., muitos historiadores acham que ele aí não traiu Portugal (D. Pedro I era português). Ele de fato seguiu o conselho do pai: antes de vir um aventureiro, ficasse ele o imperador, para conservar o Brasil para a dinastia. O homem sabia jogar.

Quando Napoleão caiu, fizeram a maior reunião de diplomatas que até então tinha havido na História do mundo, foi a reunião de diplomatas em Viena d’Áustria. Os dois gênios dessa reunião eram: da parte d’Áustria, o Metternich, João Nepomuceno, príncipe de Metternich, uma fábula de homem inteligente. Mas como se era inteligente naquele tempo. Todo o homem muito inteligente hoje, corre o risco de cheirar a livro... Se estiverem andando pela rua e oferecerem: “entre aqui que vai haver uma conferência de um homem muito inteligente”, não é certo que os senhores entrem, porque vai sair uma coisa complicada, difícil de entender, e livresca... No total, não garanto que entrem.

Bem, o Metternich, pelo contrário, era um homem educadíssimo, finíssimo, muito agradável de prosa, sabendo fazer muito bem as coisas. Um verdadeiro fidalgo e um diplomata de primeira ordem. Os reis da Europa inteira o consultavam sobre o que fazer e como fazer as coisas, de tal maneira ele era um colosso.

E Talleyrand, eu falo dele noutra noite aos senhores, pois não há tempo. Talleyrand era ministro do rei da França, Luís XVIII (isto é um fatinho também, mas tudo isso para os Srs. verem os tempos como eram diferentes). Ele passava por ser a melhor prosa da Europa. Apesar de Metternich ser um colosso, havia muitos que sustentavam que Talleyrand passava a perna no Metternich, tão esperto era o Talleyrand, era danado. Um diplomata fenomenal!

Um dia o rei quis dar diretrizes para ele. Ele era muito respeitoso, mas disse ao rei:

- Sire, diretrizes para mim? (Ele era um político muito mais experiente que o rei) Não, Majestade, não faça isso.

- Mas o que é que o senhor quer então como colaboração de minha parte?

- Ah, Majestade, eu lhe peço só duas coisas: me envie para Viena muito bons cozinheiros, para eu poder dar grandes banquetes na embaixada; e com regularidade queijo marca “brie” para chegar fresquíssimo a Viena, para eu ter uma mesa a mais concorrida do Congresso de Viena. O resto eu arranjo.

O rei mandou uns cozinheiros... [fabulosos]. E toda a semana, se não me engano, (porque é um queijo se deteriora facilmente), vinha da França quantidade de queijo brie para os banquetes do príncipe de Talleyrand. A atuação dele no Congresso (de Viena) ficou célebre.

Tudo é muito diferente do que os senhores veem hoje nos jornais. Os personagens, as coisas... Acho também que os senhores achariam mais interessante ler jornal dessa gente do que sobre o que se passa hoje...

Bem, D. João VI o que é que faz? Resolve casar o filho dele com a filha do imperador da Áustria. É um potentado. Era no momento o maior potentado do tempo. Napoleão tinha arrancado do imperador da Áustria uma filha para se casar com ela. D. João VI mandou pedir uma filha ao imperador d’Áustria para casar com o seu filho e vir morar no Brasil. O imperador da Áustria concedeu.

E D. João VI nomeou um embaixador (embora ele estivesse com as finanças muito prejudicadas com a invasão de Portugal), o Marquês de Marialva, para como procurador do príncipe D. Pedro, herdeiro do trono de Portugal, casar-se com a arquiduquesa Leopoldina. O Marquês de Marialva... é uma idéia das coisas que desapareceram hoje. Ele teve a ideia de que representar um homem com um tal poder imperial como tinha D. João VI, senhor do Reino de Portugal, mas senhor de tantas colônias na América, na África e na Ásia, que era preciso gastar uma fábula no casamento. E que já a chegada dele a Viena, de carruagem, deveria ser um acontecimento prodigioso. Foi, vendeu a fortuna dele inteira que era grande, e gastou só nessa missão. Ficou entre as festas mais célebres da Europa o casamento da Arquiduquesa Leopoldina, filha do Imperador da Áustria, com o Marquês de Marialva, representante do rei de Portugal.

E fizeram uma combinação, por onde a Áustria faria uma expansão política do lado do Oceano Atlântico para ajudar Portugal contra a Inglaterra e outras potências coloniais (ajudar Portugal e Brasil), para garantir mais a independência do Brasil. Os senhores estão vendo como o homem sabia jogar.

E o final sobre ele é isto:

Naquele tempo, quando os monarcas tratavam com embaixadores, etc., nesse clima de pompa das monarquias, quando um indivíduo ia ser embaixador no lugar onde tinha o monarca, quando ele terminava a missão dele, se era a contento do monarca junto ao qual ele estava credenciado, o monarca lhe dava um bonito presente.

Estou me lembrando de um diplomata francês que recebeu da mãe de Maria Antonieta, imperatriz, uma mesa cravejada de pedras preciosas.

Assim também, eles davam presentes enormes a homens célebres. E um libertador da Europa foi o Duque de Wellington, o famoso vencedor de Napoleão em Waterloo. Libertou a Europa, porque o empurrou para a ilha de Santa Helena. Então, todos os reis da Europa mandaram ao Welington presentes. O que é que D. João VI mandou?

Naquele tempo mesa de banquete era mesa para cem pessoas. Palácios enormes, com galerias colossais, com muitos lacaios, com muitos empregados, coisa pomposa. Ele mandou o que se chamava centro de mesa: era um conjunto de jarros, de floreiras, de serviços assim, por exemplo, de jarras de água, essas coisas, de adornos para se colocar na mesa do banquete, de ponta a ponta. Uma coisa colossal! Fazendo propaganda do Brasil. Então, o serviço era todo de prata maciça, e representava, de ponta a ponta, palmeiras do Brasil, coisas do Brasil etc. E todos os anos, no aniversário da batalha de Waterloo, o Duque do Wellington que tinha recebido da Inglaterra um grande castelo, e vivia na fartura, oferecia um banquete às maiores celebridades da Europa com quem ele tinha relações (da Inglaterra, naturalmente também) para comemorar a batalha de Waterloo. Em todos os anos, até ele morrer, o centro de mesa era evocativo do Brasil, era presente de D. João VI!

Para terminar, qual é o ensinamento que nós fazemos daí?

Quanta pompa, quanta inteligência, quanta habilidade! Quanta bondade e até quanto “terra a terra”! Quanta simplicidade! E como todas essas coisas viviam juntas numa harmonia de que a gente não se dá conta. Memórias de outrora que lembram tempos que já se foram.

Meus caros, está terminado.

(Aparte)

Eu conto um outro fatinho que é o seguinte:

Quando foi proclamada a república no Brasil, a família de D. Pedro II tinha sido expulsa. Mas no ano de 1922, festejou-se o centenário da independência do Brasil e ficava muito mal celebrarem tanto D. Pedro I, e os descendentes estarem expulsos do Brasil. Não tinha propósito. O então presidente da República, homem inteligentíssimo, um pouco surpreendente, para mim, como físico: baixinho, ruivo, que se poderia dizer, exageradamente, que era agressivamente ruivo, um bigode grande, mas com um olhar muito inteligente, uma segurança única. E era um homem que sabia fazer as coisas. Era um homem realmente genial. Genial não, muito inteligente. O Epitácio Pessoa revogou o decreto de banimento da família imperial. Então, veio a família imperial para o Brasil. E vindo a São Paulo, eles foram visitar naturalmente, as famílias que eles conheciam. Entre elas, a família de minha avó. Eu morava em casa dela.

Então, nos ensinaram toda uma série de regras de cortesia para com os meninos de nossa idade. O pai de D. Bertrand, o tio de D. Bertrand, a tia de D. Bertrand, outros primos de D. Bertrand vieram sucessivamente aqui. E nós ficamos com a idéia das meninas da família fazerem uma pequena reverência para as princesinhas, nós fazermos uma curvatura de cabeça diante dos príncipes etc.

E tinha na nossa casa duas salas de visitas. Uma mais pomposa e outra mais íntima. Os príncipes adultos foram recebidos na sala mais pomposa. E na sala de visitas mais íntima, a criançada.

Junto ao porta-chapéu, existia assim uma bandejinha para colocar cartões de visita, quando fosse visita colocava lá o cartão. E os príncipes entraram todos muito vivos e muito espertos, e muito animados, e foram colocar os chapéus deles no porta-chapéu. E olharam para aquela bandejinha, onde tinha um desenho em alto relevo, representando um papagaio. E eles começaram a dizer: “olha o papagaio, olha o papagaio!" Interessadíssimos pelo papagaio. E eu tinha um papagaio na cozinha!

E julguei fazer o papel de bom dono de casa, dizendo-lhes:

- Mas este papagaio não tem nada de extraordinário. Tem toda a espécie de papagaios aqui no Brasil. Aqui mesmo na cozinha, em casa, eu tenho um papagaio.

- Onde está? Onde está?

Eu disse:

- Lá!

Psssst! Foi todo o mundo para lá... Era uma papagaia chamada Olga. Os mais velhos ficaram aterrorizados quando verificaram que a recepção, tão pomposamente calculada, estava se dando, logo de cara, na cozinha.

Tudo: toda a “enjolrada”, príncipe e não príncipe, teve que voltar para a sala de visitas. Sentar em cadeiras e começar a conversar.

É um Santo do Dia de um gênero diferente! Cada um faz o que pode...

Nota: Para ouvir e/ou ler a continuação de narrações sobre a História do Brasil, feita em outra reunião, clique aqui.


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