Plinio Corrêa de Oliveira

 

Doçura e heroísmo juntos: a vocação do Brasil

 

 

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 27 de abril de 1985, sábado  Bookmark and Share

 

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

 

Na recordação de suas infâncias, é possível que tenham notado ou não o tenham, que há um determinado momento em que a criança quando se desenvolve começa a conhecer os seus próximos. No primeiro momento ela entra e não é capaz de conhecer nada: são os próximos que a conhecem; estudam o temperamento, o jeito, para o que a criança deve dar; fazem seus planos, etc. Há um certo momento em que a criança começa a conhecer os próximos: como é a casa, como é o pai, como é a mãe, como são os irmãos, como são os tios, como é o avô, a avó, como são os primos; as afinidades se estabelecem, as heterogeneidades se definem. É forçoso! A pessoa gosta daquele; não gosta daquele outro, gosta sob um ponto, não gosta de outro etc.

A criança vai modelando o aspecto de seus próprios para ter uma idéia de qual é a família em que nasceu, o que é ela mesma. Ela começa... eu me lembro disso, a se olhar no espelho e não é por vaidade. “Que cara eu tenho? Que efeito será que eu faço para os outros? Que efeito eu faço para mim mesmo? Como é o meu nariz? Como é a minha boca, os meus olhos? Como é esta história toda?”

É mais ou menos como uma pessoa que vai começar um jogo e alguém lhe ensina que pedras tem no seu jogo, que cartas têm no seu baralho, para saber como joga. Presta atenção, ouve um elogio e diz: “ah, bom, eu sou então capaz de tal coisa?”

Mas ouve, às vezes, uma deploração do pai ou da mãe: “Coitadinho, para tal coisa ele não tem jeito...”

-- “Será que não tenho mesmo? Será que não dou um jeito? Que cacete não ter jeito para tal coisa, mas é verdade...” A criança faz um desenho, todos os meninos da mesma idade são convidados a fazer um desenho. Um menino “x”, que pode ser Plinio Corrêa de Oliveira faz um desenho, sai um desenho sem graça, medonho! As pessoas olham com bondade e empurram para a frente. De repente, chega o desenho feito por um outro menino, tem verve, tem charme, tem encanto, tão bem parecido: “Ó que interessante”!

-- “Como é? Então eu não sei desenhar... esta carta não está no meu baralho...”

E assim a pessoa vai fazendo o balanço da vida.

É possível que os senhores se lembrem, ao menos agora que eu estou falando, de terem passado por coisas dessas... já vejo umas caras mais ou menos assim como quem diz: “é verdade, eu ainda vou pensar nisso melhor; como é que foi, como será, como é bem esse balanço, etc., etc.”

Há depois um certo momento em que a gente começa a fazer o balanço de seu próprio país. Não é mais a família, mas é o país. Brasil: eu me lembro de fazer esse balanço, dizem que é colossal. Aqui está o mapa! Nunca fui afeito a aprender negócio de quilômetros quadrados, etc., mas pelos tamanhos coloridos do resto da América do Sul, a gente vê que tem um tamanhão mesmo...! Olha um pouco o mapa da Europa: como a França, tão gloriosa, é pequena; como a Itália, como a Espanha, como a Alemanha, como a Áustria, como a Inglaterra são pequenas em comparação com o nosso Brasil. Nosso querido Portugal do qual nós descendemos: que mãe pequena para um filharão enorme!

A gente vai para a praia... primeiro gosta da praia e não pensa no Brasil. Mas, em certo momento, a gente olha, com as costas para o mar, e diz: “homem, aí está o Brasil!” Quer dizer, um pouco parecido com isso, ora de um jeito ora de outro, os senhores todos passaram por isto. “Aí está o Brasil! Que Brasilão grande! Que marzão grande! E pensar que isto se espicha até ao Pará, e depois até no Rio Grande do Sul! Que coisa fe-no-me-nal! Que coisa extraordinária! Mas, mas, mas, isto aqui é como a casca do pão. A casca do pão não é o pão inteiro. Há o miolo do pão. Eu não conheço o miolo.

Um dia, eu conheci o miolo do Brasil. Era menino ainda, não me lembro que idade tinha, tinha talvez nove anos, talvez 10 ou 11 anos, não sei, minha mãe ouviu dizer que as águas de um lugar que hoje se conhece muito, mas que naquele tempo era inteiramente desconhecido, chamado Araxá, em Minas – eu acho que quase todos os senhores já ouviram falar de Araxá – águas muito indicadas para isto, para aquilo e aquilo outro fariam bem para ela que sofria muito do fígado. E lá foi a família toda para Araxá. Eu fui também.

Fui vendo o Brasil por dentro e entrando no miolo do pão e cheguei até no coração de Minas Gerais. Eu ia tomando contato com os panoramas não marítimos do Brasil. Eu conheci um pouco do Brasil do interior. Mas era assim, umas coisinhas. Ali não, ali entrei fundo, entrei até ao Estado mais central do Brasil. Eu me lembro que depois de Ribeirão Preto (nós pousamos em Ribeirão Preto), pouco depois, não me lembro quanto tempo depois, o automóvel em que viajávamos deu num rio. Um rio vasto. Do outro lado tinha montanhas e continuava o Brasil. Mas eu percebi que do lado de lá tinha outra coisa. Havia uma coisa imponderável, mas havia uma outra coisa. Eu perguntei ao meu pai ou à minha mãe ou a “fraulein” ou a alguma pessoa: “o que é que tem do lado de lá?”

Disseram-me: “Do lado de lá é Minas Gerais!”

Eu disse: “Mas, então, São Paulo acaba aqui?”

- “Sim, senhor. Acaba aqui e ali começa o Estado de Minas Gerais!”

- “Mas é tudo Brasil?”

- “Tudo Brasil.”

Dali a pouco veio uma barcaça, pegou-nos e levou-nos para outro lado. Lá, do outro lado, esperava-nos um outro automóvel e seguimos para Araxá.

À medida que entravamos, eu ia percebendo ao mesmo tempo como o panorama era diferente e como era o mesmo. Eu ia dizendo: “É verdade, Minas não é São Paulo, mas tudo é Brasil, é verdade, é verdade. Mas como é este Brasil?”

E foi-se formando no meu espírito, desde aquele tempo, a idéia de que o Brasil era como um grande livro em branco, onde a mão dos homens tinha que escrever uma história. Um grande livro em branco aonde eu poderia perguntar às montanhas e aos rios, às planícies e às cordilheiras: “Isto é cenário para que? Que gênero de fatos é normal que se passem aqui? E como será? Não há algo do futuro do Brasil no cenário que Deus pôs aqui? Não se pode entrever qual é a história, que coisas se devem passar?”

Sobretudo me impressionava o panorama mineiro, feito de altas montanhas, de planícies muito grandes que em geral, dever ser coincidência do itinerário que seguimos, não sei, em geral tinham terras muito menos plantadas e pareciam muito menos fecundas do que as de São Paulo. Mas, de outro lado, que grandes montanhas! Que mistérios por detrás dessas montanhas que tem atrás de si outras montanhas, e outras montanhas... E que rios grandes, maiores do que os de São Paulo. E como tudo isto aqui chama para um futuro que é um futuro de heroísmo, futuro de glória!

Montanhas que não são as do tipo que eu leio nos livros da fraulein sobre montanhas wagnerianas. São montanhas feitas para guerras em que a esperteza tem um grande papel. Montanhas de trás das quais saem exércitos; montanhas por detrás das quais há terrenos minados; montanhas atrás de cada uma das quais há uma surpresa, mas em que cada avançada é uma glória! Ó Brasil, quanta coisa há por esse Brasil afora que ainda o mundo deve ver”.

Eu me lembro que eu estava viajando de automóvel, olhando, formando estas idéias – mas eu estou reproduzindo como vem à cabeça de um homem de minha idade, elas vinham à minha cabeça à la “bem-te-vi”, à la “enjolras” (jovens, n.d.c.) – mas eram estas as idéias que vinham.

Eu não me posso esquecer que comecei a ver passar uns pássaros grandes, vagamente parecidos com cegonhas de bico curto, feios, cor de chumbo, que saíam correndo pelo meio da planície, e uma planície sáfara, sem vegetação bonita e depois também uns montículos – eu perguntei a algum dos mais velhos que viajavam comigo: “Que montanhazinhas são estas aqui?” Me pareciam excrescências da terra, coisas que a terra não deveria produzir e tinha produzido. Eu me perguntava: o que serão esses montinhos aqui? O que estava por detrás da minha cabeça era: nas fotografias que eu vejo da Europa não há montículos destes, não há feiúras, não há bolotas dessas. Que bolotas é que dão neste Brasil aqui? Esta terra bem bolotas? É preciso mandar raspar essas bolotas.

E me responderam, não me lembro quem respondeu, com uma naturalidade extrema: “ah! são formigueiros”.

-- “Mas, como? Está cheio de formigas isto aqui?”

Eu conhecia uns formigueirinhos assim desta altura, no jardim da casa de minha avó, não conhecia mais nada.

-- “São, são sim! E depois essas formigas alastram por debaixo do chão [e fazem] galerias inteiras. Às vezes chega a haver um quilômetro de formigas e isto produz a pobreza do solo”.

-- “E não se liquidam com essas formigas?”

-- “Um dia virá em que se liquidará”

Eu pensei: raspa o formigueiro e liquida com essas formigas.

O Brasil não pode ter essas bolotas feias e as nações civilizadas, cujas fotografias dão estampas bonitas nos livros de leitura para meninos, não tem e tenha no Brasil! E esses formigueiros? Era preciso organizar uma caça subterrânea... eu vou dizer a palavra que me ocorreu: “Acabar com esta porcaria!”

Nesse momento, eu lembro-me deste fato – fatinho – eu vejo uma seriema. Eu perguntei: - “Que pássaros são estes?”

- “Seriema!”

- “Do que é que serve essa seriema?”

- “Não serve para nada.”

Eu pensei: bolotas que não servem para nada, formigas subterrâneas que não servem para nada; seriemas sem beleza que correm sem sentido num panorama que eu não “à quoi bon”, para que é que serve? Que negócio é este? Pensei: essas seriemas, o que é que adianta isso?

-- Estão por aí...”

Eu pensei com os meus botões: “acabar com as seriemas”!

Em certo momento, eu vi as seriemas andarem – eram duas ou três – e por entre as pernas delas (parece uma coisa incrível) eu vi um pedaço de montanha e um pedaço de panorama. Aquele pedaço de montanha e de panorama, eu percebi que era bonito. Eu disse: “não, eu agora percebo para o que é que elas servem, elas vão correndo por essas vastidões e servem para um homem (para um toco de homem como sou eu) medir já em pequeno como é enorme o Brasil. As distâncias não são nada para elas; elas correm com essa celeridade, a gente fica pasmo; a gente percebe que elas podem correr, correr e correr e quando tenham corrido muito, que nem o meu olhar pode acompanhá-las, elas estão no começo de uma corrida delas pelo Brasil.

Resumindo: panoramas heróicos, feiuras neste ou naquele ponto e prosaísmos de arrepiar; um quadro que pede heroísmo para estar à altura do panorama e para extirpar tudo aquilo que é bolota que não serve. O Brasil tem um grande futuro, se puder contar entre os seus filhos grandes heróis. Grandes heróis da oração.

Como aquela montanha, aquela e aquela outra ficariam bonitas com lindos conventos em cima, com ermidas. Como seria bonito que a esta hora, agora, do alto daquele monte um pouco menor, me chegasse aos ouvidos o som de um “Angelus” que está tocando. Como o panorama ficaria modificado simplesmente com isto; que coisa estupenda! Como seria nobre e bonito apresentar uma terra restituída à sua fertilidade porque o homem penetrou nas entranhas da terra e acabou com esse inimigo ridículo e pequeno que é a formiga. Acaba com ela!

Minha simpatia, quando anos depois, eu encontrei num trem um anúncio de um formicida e perguntei:

- “Para que é que serve o formicida?”

Para jogar dentro dos formigueiros!

- “Aí está a fórmula!”

Um Brasil cheio de inimigos subterrâneos, de inimigos que o desfiguram, que alteram aquilo que ele devia ser... mas de possibilidades maravilhosas, de possibilidades extraordinárias, das maiores do mundo: era assim que o Brasil ia nascendo para o meu panorama.

É impossível que eu descrevendo isto aos senhores; não sintam que isto tem um quê de realidade. Quer os brasileiros a cem por cento como eu (que não tenho senão sangue brasileiro), quer os brasileiros “cativados” pelo Brasil, porque são de descendência estrangeira, mas o Brasil de tal maneira os absorveu com o seu afeto, com sua doçura que os conquistou mais do que com a lança ou com a espada... e eu há pouco vi uns brasileirinhos não com ar muito autenticamente brasileiros falar do Brasil como pátria deles com uma naturalidade enorme e se gabarem eles que não descendem nem de Filipe Camarão, nem de Fernão Dias, nem de Henrique Dias, mas que já se sentem aglutinados pelo Brasil e que a justo título sentem nisto a sua glória e a sua história.

É a história deles, de um passado de que eles não provêm, tal é a força de aglutinação e de conquista do Brasil da bondade.

Eu acho que todos esses brasileiros aqui, e mesmo os não brasileiros, irmãos nossos na Fé, irmãos nossos na TFP e que são numerosos graças a Deus, neste auditório, e que chegando ao Brasil se devem ter posto perguntas deste gênero. Porque sempre que a gente vai a um país novo, consciente ou inconscientemente se põe essas perguntas. Eu acho que os ajudei a explicitarem para si mesmos um tanto da resposta.

É esta a conjuntura em que se encontra o Brasil de hoje. Brasil grandioso, Brasil imenso que está para ficar uma das maiores potências do mundo, com ou sem dívida externa, com ou sem políticos, com ou sem problemas. Está para se tornar uma das maiores potências do mundo.

Vamos falar entre brasileiros, vamos admitir que todo mundo seja brasileiro: Quando os senhores se colocam diante do mapa da Europa é impossível que não sintam a desproporção entre o tamanho das várias nações da Europa, e depois da Rússia. A Rússia sozinha tem um tamanhão que dá para pesar na Europa inteira e deglutir a Europa inteira. É isso! E se ela não o fez foi por atraso, foi por circunstâncias históricas que não vem a propósito mencionar. Mas a Rússia sozinha é um molok encostado junto à gloriosas irmãs, pequenas e fabulosas, mas esmagáveis pela pata do elefante russo. É indiscutível.

É a mesmíssima comparação que se põe entre o Brasil e as nações irmãs sul-americanas. De tamanho, elas estão para o Brasil como a França, Alemanha, Espanha, Itália, tá-tá-tá.. estão para a Rússia. Nós somos a Rússia da América do Sul, mas a Rússia sem o comunismo e com Fé; sem as neves e os gelos; sem a hostilidade da natureza; com uma das naturezas mais amenas da terra, nós somos um dos gigantes maiores que estão nascendo.

Alguém dirá que é megalice. Eu digo: abra o mapa! Abra o mapa, meu filho, e faça a comparação: onde é que você encontra as neves russas, os gelos russos, os ursos russos; qual é o lugar de degredo à la Sibéria onde se possa mandar alguém... O que é que na nossa natureza ameaça o que quer que seja? Os nossos mares são doces – os sul-americanos que nasceram na costa do Pacífico estranham a bondade e a gentileza do nosso mar em comparação com o bravio e o magnífico do Oceano Pacífico.

O oceano chega aqui e oscula a terra... e a terra se deixa oscular. Os nossos rios quase não tem escolhos: se navega dentro deles. São rios profundos que formam uma rede natural de navegação.

Os senhores tomam as nossas florestas: são duras de desbravar; mas uma vez desbravadas, que natureza amiga sai de dentro. Pero Vaz de Caminha que veio aqui com a frota de Cabral, escrevendo para o rei do Portugal, descrevia tudo o que via e disse: “Enfim, Senhor, esta terra é dadivosa e boa (“dadivosa” quer dizer que tem dádivas), em nela se plantando, tudo dá!”

Este é o Brasil.

Sobre esta imensidade de terra, um povo cuja força de conquista até aqui tem sido a doçura. Nós abrimos para todas as imigrações o nosso território. Não nos incomodamos que eles viessem morar onde quisessem e se aglutinassem onde entendessem, porque sabíamos que, pouco a pouco, a força da bondade brasileira os penetraria, os amoleceria e os incorporaria. É o que se vai dando, de norte a sul do Brasil.

Às vezes eu passo por debaixo de um viaduto, que não sei como chama (é o que fica debaixo da rua da Glória), e eu vejo uma porta posta ali em cima à maneira de uma porta de obra de arte japonesa (diga-se entre parêntesis feito com um material muito ordinário), mas está colocada ali. E é evidentemente que referência a um bairro de japoneses que deve ter ali em cima. Em outro país proibiram: “Vai fazer aglutinação contra o Brasil”!

Nós não temos medo: põe a porta, a Prefeitura paga a porta para vocês... Vem aqui o prefeito e faz a inauguração e até tolera que o discurso do outro lado seja em japonês, ele acha interessante. Vem autoridades brasileiras e toca uma banda de música italiana... por ali tem um restaurante sírio vendendo kibe, e que se enche de gente nessa ocasião...

Soma, subtrai, mistura – sem amassar, nem contundir – o que sai é o Brasil!

Eu costumo comungar (estou me estendendo um pouco) os senhores sabem disso na igreja de Nossa Senhora Auxiliadora, no bairro do Bom Retiro. É o bairro dos judeus. Em qualquer lugar seria um gueto. Aqui está aberto, eles andam de um lado para outro; nós andamos de um lado para outro também... a coisa vai tocando.

O reduto mais reacionário do Brasil se abre para os judeus como para os italianos, como até para os portugueses que são nós mesmos se abre do mesmo jeito. “Entra!” É judeu e quer se batizar? Entra, senta aqui, vamos viver juntos...

É o Brasil! É assim o nosso Brasil. Vêm as raças diferentes, vem os pretos, estavam aqui os índios... A gente vai aglutinando, aglutinando... dá o Brasil! O Brasil é uma síntese em que predomina largamente a nota portuguesa, uma síntese feita pelo amor: o Brasil ama e sabe-se fazer amado!

A prova disso é a seguinte: o Brasil não tem medo que os imigrantes que vêm cá voltem para morar no país de origem depois que fizeram fortuna. Todos eles chegam aqui com esse projeto: fazer dinheiro nesta terra e depois voltar para a terra de origem.

-- “Meu caro, pode fazer os planos que quiser. Na hora “H” você vai e... lá você vai ter saudades de nós. Alguns ficarão por lá. Os filhos deles vem morar no Brasil”. É assim, não tem conversa, é a grandeza desta terra que vai nascendo.

Mas, mas, mas, mas, mas... há cupim nesta terra, há bolotas nesta terra, há onças e cobras traiçoeiras nesta terra e isto é preciso exterminar! E se ficar tudo isto só em doçura, dá em podridão. Por mais que essa doçura seja digna de ser amada, por mais que ela seja simpática, que ela seja prática, que ela seja até genial, se nas ocasiões necessárias esta doçura não der em força, ela não dará em nada. Ou a nação mais suave do mundo saberá ser, no caso de necessidade, a nação mais guerreira, ou ela terá rateado o seu destino.

Os senhores mencionaram – e como mencionaram bem, como declamaram bem – o caso da guerra contra os holandeses calvinistas, no norte, em Pernambuco. Os senhores poderiam – noutra ocasião mencionarão – episódios não menos bonitos dos ataques dos calvinistas no Rio Janeiro para se estabeleceram lá. Estácio de Sá, Mem de Sá, Salvador Corrêa de Sá, o padre Anchieta, os jesuítas da época lendária, a Confederação dos Tamoios, as batalhas terríveis para dominar aqueles dos índios que não queriam se deixar incorporar e que queriam se aliar aos nossos inimigos, os calvinistas franceses, para deglutir o Brasil. Ah, que batalhas, que heroísmos, que incondicional heroísmo em tudo isso.

Para mencionar só um fato: Anchieta. Anchieta, bem brasileiro e, entretanto, espanhol, nascido nas Ilhas Canárias. Anchieta, o dulcíssimo missionário jesuíta do Brasil, que esteve aqui e que foi tão bondoso para com os índios. Mas que os superiores destinaram para servir, em determinado momento, de refém na mão dos índios para garantir que ele poderia ser morto no caso em que os portugueses, dentro da época determinada, não preenchessem certas condições de um armistício que tinha sido feito de parte a parte.

Anchieta sabia perfeitamente bem que ele podia ser morto independente do não cumprimento do tratado. Eram índios ferozes, que bastava ter fome de carne branca que o matariam a qualquer momento. Quando ele saía com o seu breviário para rezar um pouquinho na praia, ele via que a vegetação se movia e que eram índios que iam acompanhando atrás. Ele não sabia se enquanto rezava o breviário, uma flecha envenenada não poderia transpor sua caixa torácica e atingir o seu coração.

Anchieta, entretanto, que ficou mais de um mês lá, maravilhando os indígenas pela sua paciência e pela sua bondade, pela sua castidade, coisa que eles não tinham idéia – os índios ofereciam a Anchieta as suas filhas e ele não queria. Eles se zangavam e ele corria risco de vida para manter a sua castidade, para manter a sua virtude sacerdotal.

Depois, Anchieta, ao entardecer, indo para a praia, com o bastão e traçando na praia misteriosos sinais que eles não entendiam. Ele explicou, ele estava escrevendo nas praias de Peruíbe um poema para a Santíssima Virgem!

Tudo isto precisa ser estudado, precisa ser lembrado. Notem bem, entretanto, meus caros, precisa ser lembrado como prefácio e prelúdio de outros heroísmos muito maiores! Porque nós não podemos ficar vivendo da lembrança apenas do tempo em que nós éramos uma nação-criança. Por mais admiráveis que tenham sido os exemplos de heroísmo dados então – não tem dúvida, foram – de heroísmos religiosos, é a mais alta, mais autêntica e mais pura forma, a mais autêntica forma de heroísmo é o heroísmo por motivo religioso – por mais altos que tenham sido os exemplos, isto não basta!

O Brasil está numa encruzilhada que é uma encruzilhada tremenda. Esta encruzilhada, meus caros, vem parar em nossas mãos.

Ainda, há dias atrás, eu escrevi uma conferência para ser lida, porque eu não pude atender a um congresso da nova direita norte-americana, mandaram pedir que eu comparecesse como presidente do Conselho Nacional para fazer uma conferência para os congressistas, que são notabilidades da direita dos Estados Unidos, do Canadá e de vários países da Europa e da América do Sul.

Seja como for, eu mandei a conferência que mostrava isso. A tese da conferência era: o centro dos problemas da América do Sul está nos assuntos religiosos; o centro de todos os assuntos religiosos é a questão progressismo e comunismo versus anti-progressismo e anticomunismo. E a América do Sul é para a América do Norte como um pêndulo colossal pendurado num relógio. E a América do Norte não se iluda: o relógio não funciona independente do seu pêndulo. Por mais que o mecanismo do relógio esteja bom constituído e seja rico, etc., e prodigioso, se o pêndulo parar, pára o relógio.

Realmente, a América do Sul presa à América do Norte pela América Central dá a impressão de um pêndulo colossal, preso ao relógio e que [oscila].

E mandei dizer: de que depende que não pare esse pêndulo? Depende da atitude que tomem os católicos sul-americanos face ao problema interno da Igreja – esquerda ou direita. É uma questão religiosa que está, portanto, condicionando o futuro do Brasil, o futuro da América do Sul; e, porque nós somos o pêndulo, o futuro de vocês!

É um discurso forte, mas nós gostamos das coisas fortes! Eu acrescentei: não depende de nós. A Providência dispôs que isto fosse assim. Na América do Sul, há duas Américas irmãs e profundamente irmãs: a hispano América e a luso América. A luso América se conservou unida e ela é tão grande que se der nela um enfarte, o coração da América do Sul está todo arrebentado. É, portanto, no Brasil que a batalha mais decisiva tem que se travar.

Agora, meus caros, vede como é bonito o papel que a Providência a cada um de vós reservou. A cada um de vós da TFP brasileira, das outras TFPs. Cada TFP é um organismo vivo e a reação de um organismo vivo é a reação de cada uma das células desse organismo vivo.

Quer dizer, aqui está a minha mão, a minha mão é capaz – infelizmente em conseqüência do desastre é capaz de uma débil reação, mas de alguma ela é capaz – esta reação está proporcionada à reatividade de cada músculo; em cada músculo, de cada célula; na epiderme de cada célula, tudo, tudo e tudo tem que reagir para que minha mão possa reagir à altura.

Está bem, assim também é uma organização viva. A reatividade da organização depende da reatividade de cada um de seus membros. A reatividade da TFP no perigo e na luta, é a reatividade de cada um dos senhores. Porque existe na TFP brasileira a minha ação sobre os senhores; existe nas outras TFPs a reação dos respectivos conselhos nacionais sobre os respectivos membros. Mas existe mais do que isto: não é só ação diretoria-membros, é a ação membros-membros. O que na linguagem usual, corrente, é a interação, a ação de uns sobre os outros, sobre os outros e sobre os outros.

Os senhores estão, por exemplo, aqui na minha frente. Eu falo dos que estão mais imediatamente à minha frente e que constituem uma camada; depois há outras camadas e outras camadas. Mas para exemplificar, desta camada. O modo pelo qual os senhores estão recebendo este Santo do Dia vem muito – mas muito – da reação que cada um está tendo, porque sem os senhores se darem conta, o seu vizinho da esquerda e da direita, e seus vizinhos de trás sofrem a influência de cada um dos senhores. É o fato concreto! É o fato que não se pode discutir. E cada um dos senhores é elemento de repercussão do que digo: A sobre B e B sobre A. E é desse movimento de conjunto que sai a pujança do organismo.

Sobre esse movimento de conjunto cada um dos senhores tem uma responsabilidade individual. Se o pêndulo do mundo – o pêndulo da América é hoje o pêndulo do mundo – se o pêndulo tiver a oscilação vigorosa e completa que deve ter, é porque todos os senhores vibraram com ele.

Peçam a Nossa Senhora que lhes dê essa graça e caminharemos todos para a frente para servi-lA!

Julgo ter atendido ao pedido que me fizeram.

[ahhhhhhh]

Não pensei que uma decepção fosse o final das minhas palavras... [ironizou Doutor Plínio]

Não me lembro bem se aos sábados à noite há fatinho também. ou não?

(Sim, sim)

...e era a Santa Igreja de Deus – a Igreja Católica, Apostólica, Romana – cujo nome eu declino com encanto e com entusiasmo, com veneração que chega quase aos limites da adoração: A Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana! Não há doçura maior, não há doçura igual, ali se aprende a doçura, ali se aprende a combatividade!

O que é a doçura?

Para dar uma definição um pouco apertada, porque “fugit” (referência à frase latina “fugit irreparabile tempus – o tempo foge inexoravelmente”, n.d.c.) – uma hora... os senhores já calcularam? Uma hora... – o fato concreto é que, um pouco apressadamente, eu lembro aqui uma definição admirável que Santo Agostinho dá da paz. Ele diz: a paz é a tranquilidade da ordem.

Eu me lembro que tinha assim uns vinte e poucos anos quando li isso. Quando eu li isso, eu tive uma coisa que fez tremer até o meu coração. Senti que nessa definição tão sábia, tão harmônica de dentro dela partia como uma seta de um arco, partia um ataque contra os meus adversários pacifistas. Não é qualquer paz que nós devemos desejar. Quando a paz é gerada pela ordem, aí a coisa está boa. A ordem é a disposição das coisas segundo a sua natureza e seu fim – definição de Santo Agostinho também.

Então, se este copo aqui tem como natureza ser de cristal e tem como fim conter água e contém, de fato, alguma água, este copo está em paz. Por que? Porque ele está em ordem. E esta ordem gera uma harmonia entre todas as partes do copo. Esta harmonia se chama paz.

A paz é a tranquilidade da ordem. O próprio da ordem é dar uma sensação doce de tranquilidade, uma sensação suave de tranquilidade, que não é a tranquilidade agitada e derrotada do bêbado, não é a tranquilidade ambígua e traiçoeira do pacifista, mas é a tranquilidade da ordem; como está tudo em ordem, está tudo em paz.

Vamos dizer, por exemplo – os senhores sabem que há um mundo de ossinhos no pulso. Estes ossinhos constituem uma engrenagem complicada; tarso, metatarso... toda uma complicação, um arquipélago de ossinhos! Estes ossinhos estão em ordem em todos nós, graças a Deus, dentro desta sala. E por essa razão nós nem pensamos em pulso na nossa reunião. Lembramos que há pulso. Como é suave esta ordem que faz com que nós nem pensemos no pulso; que doce é o pulso que funciona bem e que nunca nos dá o trabalho de pensar nele.

A doçura é fruto da ordem; a ordem é a disposição de todas as coisas segundo a sua natureza e a sua finalidade.

Quando a gente vê uma coisa, uma pessoa ou um ambiente, que está todo disposto segundo o seu fim e sua natureza, se percebe a ordem, se ama profundamente a ordem. Degusta-se a paz, que é aquele sabor que a ordem tem, aquele sabor único que faz com que a ordem seja deliciosa.

Deve ter-se dado com os senhores... em certo momento, os senhores têm uma escrivaninha (alguns são tão jovens que não terão escrivaninha, mas terão uma gaveta em casa com os seus próprios objetos) e aquilo de vez em quando – me acontecia na idade dos senhores – fica um pandemônio, cheias de coisas. É até desagradável lembrar que a gaveta existe... Se a gente se toma de coragem e arranja os objetos, depois a gente fecha a gaveta e fica com uma sensação de paz.

Vamos dizer, num domingo, um eremita, um membro do Grupo que tem seus objetos em desordem, ordena e depois vai para a sua vida eremítica, vai para a (sede localizada no bairro da) Saúde, vai para (a sede chamada) “Acies Ordinata”, vai para onde for, ele vai e de vez em quando se lembra: a gaveta está em ordem. Alegria!

A ordem é doce, é deliciosa de degustar. Se os senhores de tal maneira gostam da ordem, imaginem que depois de ter ordenado a sua gaveta alguém lhe diz: - “Está vendo, está ali passando na frente um irmão ou um primo seu que chegando na sua casa vai deixar todos os seus papéis e tudo revolucionado”. Quanto mais os senhores gostarem da ordem, mais os senhores param o sujeito e dizem: - “Não vá lá mexer, porque senão eu ...”

A indignação diante da percepção, diante da iminência da desordem, a força da indignação, está na proporção da doçura que se sentiu da ordem.

Não sei se está claro?

Então, a profunda degustação da ordem, a profunda degustação da paz, num homem reto, faz dele um guerreiro. Porque fizemos tantos sacrifícios pela Civilização Cristã e pela Igreja Católica, e porque estamos dispostos a fazer tantos e tantos outros sacrifícios a mais, qual é a razão disso?

A razão é muito simples. A ordem cristã, a paz de Cristo no reino de Cristo nos empolga. Nós a queremos para nós no Céu e a queremos desde já na terra. Passa um miserável que a quer pôr em desordem? Não pode! É o fruto do amor que sentimos à ordem.

Creio que está explicado e com isto nosso Santo do Dia está terminado.


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