Plinio Corrêa de Oliveira

 

A virtude da confiança

Descrição de como se dá o chamado para se fazer a Contra-Revolução na TFP

 

 

 

Auditório São Miguel, Santo do Dia, 9 de fevereiro de 1985 – Sábado

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

 

Ilustração: fotomontagem com o milagroso Afresco de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano (Itália), a respeito da qual o conferencista trata; e um pôr do sol no Norte da Itália, em fevereiro de 2023.
Para aprofundar o tema desse "Santo do Dia", consulte-se a obra que o Prof. Plinio escreveu naquele mesmo ano (1985) e intitulada "Guerreiros da Virgem - A RÉPLICA DA AUTENTICIDADE - A TFP sem segredos"

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Meus caros, a virtude da confiança! Como descrevê-la? No que consiste, definidamente ela? Para que nós tenhamos disso uma ideia, valeria a pena nós entrarmos nos pormenores do que é o problema da vida de um homem

Eu acho que se poderia talvez sustentar que -- pode-se certamente sustentar - que há na vida duas categorias de pessoas: para umas, Deus tem a sua providência geral. O que vem a ser a providência? É a atitude de Deus que provê, que prevê o que vai acontecer com cada homem, e amoroso para com cada homem, Ele então toma todas as disposições necessárias para que o homem realize aquilo para o que ele foi destinado.

Aqueles que estão debaixo da regra comum da Providência são homens que recebem uma intenção de Deus a respeito deles, muito genérica, por exemplo, é intenção de Deus que a maioria dos homens trabalhe para ganhar a vida; é da intenção de Deus que a maior parte dos homens se case; é da intenção de Deus que a maior parte dos homens, com o suor de seu rosto, alimentem as suas famílias, que tenham progênie numerosa, que essa progênie se multiplique e que quando eles morrerem a sua descendência seja vasta sobre a terra.

Essas são coisas que são desígnios de Deus sobre o comum dos homens e que fazem parte da providência geral. Geral porque exatamente é sobre o comum dos homens, e Deus guia de um modo genérico essas pessoas com todas as disposições que Ele toma.

Assim, a chuvas se sucedem ao bom tempo, irrigam e preparam a terra; as colheitas se formam, elas são recolhidas, elas alimentam os homens; os homens vão, caminham para os seus trabalhos; os governos administram o trabalho dos homens e de um modo relativamente frequente, os administram bem... Os homens crescem dando uma educação cada vez melhor aos seus filhos, uma cultura cada vez melhor aos seus filhos, os povos progridem. E de um modo geral a humanidade vai indo para a frente.

Agora, há certas pessoas sobre as quais Deus tem uma providência especial. Quer dizer, Deus quer delas uma vida que não é a do comum das pessoas e deseja que elas realizem uma missão que também não é a do comum das pessoas. E para essas pessoas Deus dá ajudas que também não são para o comum das pessoas.

Quais são as pessoas nessas condições? São as pessoas que Deus chama de um modo especial para o serviço de sua Igreja. E para o serviço de sua Igreja em dois ramos distintos: servir a Igreja, inscrevendo-se nas fileiras sagradas do clero, das ordens religiosas e trabalhando pela Igreja Católica Apostólica Romana; e outra forma é, continuando no estado laical, mas servindo a Igreja, por meio de um serviço prestado à civilização cristã. Esses continuam, então, num serviço especial da Igreja, trabalhando para que a sociedade civil, a sociedade comum dos homens, se organize de acordo com a lei do Evangelho, com a lei de Nosso Senhor e por esta forma a sociedade colabore com a Igreja para salvação das almas.

Eu dou um exemplo. Deus tem Mandamentos a respeito da família: o sexto e o nono Mandamento. O sexto: não pecarás contra a castidade; nono mandamento: não cobiçarás a mulher do próximo. Esses dois mandamentos devem ser cumpridos por todo o mundo. São imperativos. Enquanto o homem não se casa, ele deve ser casto. Quando ele se casa, ele vai praticar não mais a castidade perfeita, mas a castidade segundo seu estado, que vem a ser a fidelidade matrimonial.

Se a sociedade é toda católica, as pessoas não procurando praticar o ato impuro antes do casamento, as pessoas também não são tentadas, não se tentam umas às outras. E não se tentando umas às outras a vida no mundo é muito mais fácil para a salvação.

Se a sociedade é toda católica, as pessoas não procurando praticar o ato impuro antes do casamento, as pessoas também não são tentadas, não se tentam umas às outras. Não se tentando umas às outras, a vida no mundo é muito mais fácil para a salvação. Se a sociedade é toda católica, o marido e a mulher tem horror à infidelidade. Tendo horror à infidelidade, eles não são tentados por pessoas de fora para serem infiéis, eles mesmos tem muitas resistências contra a infidelidade. As famílias se mantendo, a sociedade toda sendo assim, há poucas tentações para os homens e as almas então se salvam em quantidade.

A civilização cristã serve de meio para facilitar os homens no cumprimento dos Mandamentos. Com isso ela dá gloria a Deus, e dando glória a Deus ela leva, ajuda os homens para irem para o céu.

Está escrito no Primeiro Mandamento da lei de Deus: amarás o Senhor teu Deus com todo o coração etc. Isto é uma coisa que todo homem deve praticar no domínio de sua vida particular e deve praticar na Igreja. Mas acontece que o Estado está sujeito ao mesmo Mandamento. E todo Estado, toda Nação é obrigada a servir e amar a Deus de todo o coração. Se é assim, o Estado deve oficialmente ter a religião católica, deve apenas tolerar as religiões não católicas, e essas religiões, as igrejas dessas religiões não podem ter forma exterior de templo, tem que ter a forma de uma casa qualquer, ali dentro realiza suas práticas. Mas não podem fazer propaganda, porque o erro não tem direito à propaganda. Só tem direito à propaganda, a verdade.

As cerimônias e os grandes dias da Igreja são grandes dias do Estado e num Estado onde a Igreja seja oficial, a Igreja seja unida ao Estado, por exemplo dia 25 de janeiro, festa de São Paulo, é uma festa da cidade de São Paulo e do Estado de São Paulo, porque é festa do patrono, a cidade foi fundada neste dia. Mas como é festa também, porque a festa de São Paulo é festa de um dos maiores Apóstolos, São Paulo, então uma festa religiosa. Resultado, todas as autoridades deveriam ir, incorporadas, assistir a missa na catedral. E terminada a missa, deveria haver desfile solene de tropas diante das autoridades eclesiásticas e civis, reunidas no mesmo palanque.

Seria natural que no dia de Corpus Christi, o Santíssimo Sacramento desfilasse pelas ruas com as alas de tropas formadas de um lado e de outro, ajoelhadas ou apresentando armas.

Por esta forma fica muito mais fácil aos homens darem toda a importância à religião, por esta forma lhes fica mais fácil amar a Deus e o Estado e a sociedade civil ama a Deus sobre todas as coisas, etc., etc. Quer dizer ela leva os homens a amarem a Deus, o Estado ajuda os homens a irem ao céu.

Por essa forma os senhores compreendem como a civilização cristã é preciosa para a realização dos desígnios de Deus. E Deus pode escolher determinados homens para a missão especial de figurar no mundo, como leigos, mas servindo a civilização cristã, sob inspiração da Igreja Católica.

Esses homens são, por exemplo, e notadamente, os senhores. A TFP é feita para fazer isto. Ela é feita para que os homens não se casem, para se dedicar a vida inteira a isto. O casamento é legitimo, é permitido na TFP, e é legitimo. Mas é normal que a maior parte dos da TFP, para se entregarem completamente a essa tarefa não se casem, não contraiam vínculos de família, se dediquem a isto a vida inteira.

É ou não é um designo especial de Deus? É claro que é. Porque se todos os homens fossem ser padeiros, ferreiros, cozinheiros, advogados, médicos, engenheiros, deputados, senadores... bom, se todos esses homens que fazem isso fossem ser TFP, e só cuidassem de fazer propaganda da TFP, a sociedade morreria de inanição.

Mas Deus escolhe alguns especialmente, Ele escolhe alguns especialmente a quem ele dá a graça dessa vocação especial: "meu filho, olhe esta situação, como a sociedade civil está desgarrada, e como ela serve para a perdição das almas. Não queres tu dedicar-se inteiramente para que ela sirva para a salvação das almas, ó meu filho, ó meu filho?"

O resultado: a pessoa é chamada -- nós falaremos daqui a pouco como é que se faz esse chamado -- a pessoa é chamada para esta vocação, a pessoa é chamada para esta linha, e então se dedica a isso. Ela tem um chamado especial, Deus tem para ela um destino especial.

A vida das pessoas que Deus chama para servi-Lo é uma vida melhor ou uma vida pior do que das pessoas que Deus deixa levarem a vida por aí? A resposta é esta: é melhor desde que se entenda bem o que quer dizer melhor. É incomparavelmente melhor desde que se entenda bem o que é melhor. E é muito complexo se estabelecer bem a linha em que isto é melhor.

Quer dizer, é fora de dúvida de que é uma vida mais santa, é uma vida mais pura, é uma vida mais elevada, é uma vida de dedicação completa. Deus quis utilizar aquele como instrumento da graça dEle. Quer dizer, pela vida a dentro ou pela vida a fora, para onde ele vá, Deus dá esperança a ele de que as palavras dele vão ser acompanhadas de uma ação sobrenatural de Deus, no fundo das almas, para que as almas sejam sensíveis a essas palavras e se convertam. E por esta forma a sociedade se mude.

Neste sentido é uma vida lindíssima, é uma vida belíssima: ser portador da graça, essa graça que Nosso Senhor Jesus Cristo conquistou no alto da Cruz no momento em que ele disse “Consumatum est” e expirou, Ele pagou o preço da nossa redenção.

Que os homens maculados pelo pecado original e tendo fechadas as portas do céu e não podendo entrar no céu, por causa do pecado de Adão, as almas a partir desse momento passaram a ter o céu aberto e a graça começou a jorrar sobre eles. E começou uma nova era na história da humanidade, a era de doçura e de glória, que é chamada a era cristã.

Pois bem, a nós foi dada a vocação, de ficarmos em contato diretíssimo com aqueles que precisam dessa graça, de ficarmos por assim dizer, no meio deles e de trabalharmos não só junto ao indivíduo, mas junto às nações, para que as nações se convertam e elas mesmas se transformem em instrumentos de apostolado.

A civilização cristã é fruto desse tipo de apostolado. Nós fomos chamados para fazer esta maravilha, de dentro desse horror. O mundo está como está, caiu onde caiu está ao revés de tudo quanto Deus quer. Pois Deus chama alguns, chama mil e tantas pessoas do Brasil, chama tantas e tantas outras pessoas em quinze outros países, por enquanto, só Nossa Senhora sabe em quantos outros países Ela chamará quantas outras pessoas...

E Nossa Senhora diz: "Meus filhos, vinde que Eu vos chamo, há uma tarefa para realizar".

Como é ser chamado? É um chamado assim: Deus ou Nossa Senhora aparece de repente, de modo visível e diz "meu filho queres pertencer à TFP?"? E a gente diz: "Senhor Vós mandais, Senhora a Dona sois Vós, dizei e eu farei"! E a pessoa obedece?

Eu não conheço nenhum caso concreto assim. Entretanto, no Brasil, entre sócios e cooperadores - sem falar, portanto, entre correspondentes e esclarecedores, que não tem especificamente a nossa vocação, é uma coisa bela, nobre, mas colateral -- nós temos mais ou menos mil e duzentos que atenderam esse chamado, que sentiram esse chamado e que andam conosco no mesmo rumo.

Quando a gente vai examinar como é que se constituiu essa vocação, em quase todos os casos -- eu não conheço todos os casos mas nos casos que eu conheço -- é quase sempre assim: uma pequena história individual, que os senhores dirão até que ponto esta história individual é a história deste ou daqueles dos senhores. Eu vou fazer uma história.

I - É um menino, e a história começa em geral em menino. Esse menino sente, vive em um ambiente que é muito variável. Alguns nascem em ambientes bons, na medida em que hoje há ambientes bons, outros nascem em ambientes ruins, é muito variável. Mas se ele nasceu em um ambiente ruim, há qualquer coisa nele que deseja um ambiente bom, que faz com que ele em contacto com os lados ruins desse ambiente, ele sinta uma fricção, um desagrado, ele não afina com aquilo, ele quereria uma outra coisa, ele as vezes não sabe o que é, mas é como se se elevassem na alma dele, harmonias como as das nuvens que trouxeram a imagem de Nossa Senhora de Genazzano.

Há músicas que sua inocência canta no seu interior: eu quereria assim, eu gostaria de tal outro jeito, tal coisa me repele ou eu repilo tal coisa, as coisas deveriam ser diferentes, ó como elas deveriam ser diferentes. Mas o menino não sabe como deveria ser. Ele nem sabe dizer bem, ele sente em si algo de mais luminoso, mas começa por se sentir incompreendido. E ele sente a necessidade de migrar, de ir para um ambiente onde as coisas sejam de outra maneira.

Ou ainda é o mesmo menino, e o caso I, o ambiente dele é bom. Mas ele queria coisa melhor, ele queria coisa maior, ele queria coisa mais bela, o ambiente é digno, o ambiente é agradável, o ambiente é sereno, o ambiente convida à prática dos Mandamentos. Mas na sua alma há anseios do maravilhoso e não apenas do suficiente, na sua alma ele pensa em combates que ele não sabe quais são, ele pensa em riscos e aventuras que ele não sabe como são, mas ele se sente, ele quer tão bem aquele casulo onde ele nasceu, mas ele tem vontade de outra coisa.

Os senhores sabem que há larvas que em determinados momentos se transformam em borboletas. O menino assim sente que ele nasceu larva, mas que há nele asas que vão se formando. E que ele quer voar, quer voar, e não é ali, é preciso se desfazer de alguma coisa. Há uma hora que a carapaça da larva se desfaz e a borboleta começa a voar.

Ó larva bem amada, berço dos primeiros dias, ó céus e ares diáfanos, sonho dos primeiros anos, ó maravilha! A borboleta começa a voar. De um modo ou de outro, nascido de uma honesta e proba larva, ou nascido limpo dentro de um charco, que não o é... o menino tende para uma outra coisa.

Vai ao colégio, não tem consonância. Tem, pelo contrário, dissonância. Ouve as aulas de seus professores e lhes parecem pão velho e seco. Nutrem, nutrem... se der a um homem faminto pão velho e seco para comer, no total ele não morre de fome. Mas o organismo queria outra coisa, o organismo pensa em brioche, pensa em outras coisas, enfim. E, pelo contrário, o que é que aparece? É aquele pão seco. E eu me lembro de tantas de minhas aulas de curso secundário, que miséria, que desolação. Eu tinha impressão de um funeral, minha alma... e por cima da enorme diferença de idade que nos separa, eu vejo bem que o curso secundário não melhorou de lá para cá.

Bem, o menino deseja outras coisas, que coisas são? Aí começa o chamado de Nossa Senhora. Ele um dia está numa esquina, ele quisera ter pelo menos amigos que o compreendessem, amigos com quem ele pudesse se abrir sobre isso, mas amigos são o contrário, falam sobre tudo menos sobre o que ele quer. Tem toda espécie de anseios, menos os que ele deseja.

Um dia ele está numa esquina, ele espera um ônibus, vem um mocinho da idade dele, um enjolras que diz "eu não estou com relógio aqui, quer me dizer que horas são"?

Eu não tenho relógio também. Se tem relógio, o amigo diz: "que horas passa o ônibus linha tal"? E começa uma conversa com qualquer pretexto. Se não tem relógio, o novato não desanima, diz "como faz falta um relógio, hein?”

No domingo seguinte, o primeiro menino está brincando, está jogando, está declamando na Saúde, ou no Pilar, da Argentina e em quanto outro lugar há. Ele está declamando, ele está proclamando, algo de novo se abriu para ele.

O que aquele menino isolado, na sua solidão pensava, ele encontrou de repente e até muito mais do que ele imaginava. E ele sente que todos os bons impulsos de sua alma -- não os maus, não os maus -- que todos os impulsos de sua alma caminham naquela direção.

Muitos e muitos entram sem nem sequer discutir, a tempos eles queriam aquilo, vão entrando e está acabado. Eu conheço um que dizia que de vez em quando se apalpava os dedos para ver se não estava sonhando, porque era tão completamente aquilo que ele queria, que ele julgava que estava sonhando que queria, que era aquilo não era realidade.

Isto é uma vocação! Por que é uma vocação? Porque era a graça de Deus que punha na alma daquele menino aqueles anseios que o levavam a procurar a Igreja, que o levavam a procurar a civilização cristã. Foi como um anjo da guarda que "A" se encontrou no caminho de "B" e falou com "B". Foi como um anjo da guarda. Deus mandou aquele falar com aquele outro. Como é que Deus mandou? O outro, o veterano, veterano... meses de Saúde, ficou um veterano de fato... cinco meses, seis meses.... coisa dura... Foi Deus que pôs no veterano o desejo de atrair outros, e quando o veterano falou com o novato, Deus pôs no novato o desejo de seguir o veterano.

Algum dos senhores me dirá: mas com que direito o senhor diz que foi Deus que fez tudo isso? Eu digo: com o direito da doutrina da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Todos esses fatos que eu citei, são mais ou menos explicitamente, mais ou menos definidamente, passos da alma para conhecer mais de perto Nosso Senhor Jesus Cristo, adorá-Lo e servi-Lo, para conhecer Nossa Senhora, Sua Santa Mãe, amá-La e servi-La, prestar-lhe o culto de hiperdulia e servi-La.

Ora, ensina a Igreja Católica que nenhum homem é capaz de dar um passo em direção a Nosso Senhor Jesus Cristo e a Nossa Senhora, sem o auxílio sobrenatural da graça, que sem o auxílio sobrenatural da graça um homem não pode sequer dizer de modo amoroso o nome de Jesus ou o nome de Maria.

Então, os senhores tem que, a graça pondo na alma aquele desejo, ela chamou. Vocare, em latim, é chamar. Vocação é chamado. A graça chamou e pondo um no caminho para atrair e fazer entrar naquela linha, a graça reforçou o chamado.

Está bem claro isso? Então, não é uma fantasia, é uma questão de fé. Os senhores dirão: mas o senhor não acaba de dizer que a TFP serve a sociedade civil e que os eclesiásticos servem a Igreja? Eu não disse isso. Eu disse que os eclesiásticos servem a Igreja, certamente, que a TFP serve a sociedade civil para servir a Igreja também. E que o amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, a adoração a Nosso Senhor Jesus Cristo e o culto de hiperdulia a Nossa Senhora, são os móveis pelos quais nós queremos trabalhar a sociedade civil e reformá-la. De maneira que é um desejo sobrenatural que nos leva nessa direção.

Eu tenho uma sala aqui cheia de gente, uns quatro ou cinco que não são enjolras - todo o resto é enjolras. A sala está tão cheia que graças a Nossa Senhora quase não cabe de tanto enjolras aqui dentro. Bem, todos os que estão aqui, em via de regra -- talvez algum muito novato que esteja fora dessa regra -- em via de regra, de um modo geral, todos tem essa vocação. Foram chamados.

Agora, entra de um modo especial, a confiança. Aqueles sobre os quais Deus tem um designo geral, eles precisam ter a confiança. A confiança do que?  De que eles realizarão o designo geral que Deus quer para eles.

Mas aqueles sobre quem Deus tem o designo especial, "meu filho, faça uma determinada tarefa", esses precisam ter uma confiança especial, porque como Deus lhes deu uma tarefa especial, Deus se reserva de ajuda-los de um modo especial para fazer aquela tarefa. De maneira tal que, nós devemos bem nos por na cabeça, que ainda que fossemos os homens mais talentosos do mundo, ainda que fossemos os homens mais capazes, mais imponentes, mais atraentes, mais eloquentes, mais organizadores, com maior força de impacto no combate, não sei, no fim, digamos, mais financeiros do mundo, ainda que fossemos isso, nós não conseguiríamos chegar ao fim especial que Deus nos deu, sem uma ajuda especial dEle.

Este ponto também é de doutrina católica. Então, os senhores tomem um bispo. Ele é sagrado Bispo para dirigir uma diocese. Os senhores suponham que ele seja um grande orador, um orador de arrebatar multidões. Ele vai, então, fazer sermões, e ele julga que assim como quando ele era advogado ele arrebatava as multidões com seus discursos, ele agora como bispo vai ao púlpito, fala e arrebata as multidões, é a mesma coisa. Começa a falar.

O que é que ele alcançará? Como ele é muito eloquente, haverá gente que enche a igreja, é um efeito natural, nas épocas em que não se é totalmente analfabeto, quer dizer, nas épocas que não são o ano de 1985, a eloquência atrai gente. Há gente que gosta de ouvir falar gente. E nessas condições, pode encher uma igreja com um grande orador. É o efeito natural da eloquência.

Para isso precisa a ajuda de Deus? Precisa distinguir. Deus deu ao homem a eloquência, Deus deu a ele uma situação por onde ele pode desdobrar sua eloquência, é a ajuda de Deus. O resto, toque a vida, é natural, se desenvolve no plano natural.

Se ele não acreditar que precisa uma ajuda especial de Deus, ele não converterá nenhuma alma. Em dois sentidos da palavra: suas palavras não produzirão nenhum aumento no amor de Deus a ninguém. Suas palavras não trarão para a Igreja Católica, ninguém. É preciso que Deus dê à sua palavra um timbre, que Deus acompanhe a ação de sua palavra por uma ação nas almas, por onde as almas amem mais a Deus.

Eu estou aqui falando aos senhores com uma eloquência que não é desse bispo imaginário, mas que é a facilidade de expor de um professor que deu um numero indefinido de aulas (aos seus alunos?). Se eu não tiver a certeza de que Deus, a rogos de Maria, está agindo nos senhores à medida que eu falo, e que portanto, o fruto do que eu digo vem dEle e não de mim, se eu não tiver essa certeza, eu posso ter outra certeza: eu não estou fazendo bem a ninguém. Não tem por onde escapar.

Os senhores imaginem uma pessoa que monta um grande orfanato católico, para colher órfãos. Um modo de combater a limitação da natalidade, o aborto etc., etc., é montar casas onde os pais desalmados, que não querem educar os seus filhos, possam durante a noite colocar o filho em um lugar, já é chamada "a roda", é um dispositivo onde põe a criança e sai correndo. Toca uma campainha e a pessoa do lado de dentro da parede não atende logo, para dar ao mau pai ou à má mãe tempo de fugir. Chega lá, recolhe a criança e é um órfão com pai vivo e com mãe viva que é acolhido pelos braços amorosos da Igreja. E como para a primeira infância nada é comparável ao carinho materno, são Ordens religiosas femininas que se dedicam a acolher essas crianças.

Bem, essas crianças, essa Ordem religiosa tem problemas, tem falta de dinheiro, tem necessidade de remédios, tem necessidade de médicos, tem necessidade de mil coisas. Isto não é simples de arranjar. É preciso ter uma pessoa com uma boa capacidade administrativa à testa de uma obra destas, para realizar, para levar a bom termo a fundação e organização desse orfanato.

Mas esse orfanato foi criado para que as almas amem a Deus. É uma obra destinada a servir a Deus. Se o organizador do orfanato não entender que ele deve por a sua principal confiança não na sua capacidade, nem nos seus meios de ação, vamos dizer, no seu parentesco, nas suas famílias, nas relações que ele tem na cidade por obter esmolas etc., isto é secundário. O grande problema é que Deus queira e Deus ajude. Se não tiver essa certeza, o orfanato vai água abaixo.

Então, há ai uma coisa que é mais interna e mais delicada. Nossa Senhora nos chama para esta via. Esta via supõe renúncias, supõe renúncias... A esta hora, nesta cidade, como em todas as cidades do Ocidente - as de atrás da Cortina de Ferro nem se fala, é a prostituição oficial, gratuita nem sei o que, é o amor livre mais despejado -- bem, mas do lado de cá, é o que é, nesta hora, sábado à noite, por volta -- preciso ver a hora -- por volta de uma hora - meia noite e quarenta já -- quanto pecado está havendo por esta cidade, atraindo tanto jovem... Está bem, os senhores não estão fazendo isto, mas estão ouvindo uma conferência.

Há privações para isso, para alguns é preciso esforço para fazerem isto, e o homem é fraco. Na hora da tentação ele cambaleia, por vezes, e tem o risco de não ter coragem de seguir esse caminho. Então, é preciso ter confiança que Nossa Senhora dê graças especiais. E nunca é válido o seguinte raciocínio: esse caminho é muito bom, mas eu não vou seguir porque não tenho força. Porque o contrário é verdade: dê um passo, e outro, e outro, basta a você que para esse minuto você tenha força, no minuto que vem Nossa Senhora proverá. Ande para frente e peça auxílio a Ela: Ela fará milagres.

Nossa Senhora é Mãe de Misericórdia, Ela nos pede muitas coisas, mas Ela nos dá muitas coisas também. As vezes nós precisamos, para realizar a nossa vocação, nós precisamos certa coisa natural. Por exemplo, precisamos de uma boa saúde; por exemplo, precisamos de um pouco de repouso para nos refazermos; por exemplo, precisamos de tal ou tal outra coisa... Bem, e desejamos aquilo para tornar o nosso caminho um pouco mais leve. Nós devemos achar que Nossa Senhora, na maior parte das vezes, nos dará aquilo.

E então nós devemos rezar com confiança: "Salve Rainha, mãe de misericórdia, vida, doçura, esperança nossa, salve"! Ou então, "Lembrai- Vos ó piíssima Virgem Maria que nunca se ouviu dizer, que algum daqueles que tenha recorrido à Vossa proteção, fosse por Vós desamparado. Animado eu pois com igual C O N F I A N Ç A, a Vós, ó Virgem singular, como à Mãe recorro e de Vós me valho". Quer dizer, confiança!

O que é aí a confiança? É a virtude por onde a gente confia na sabedoria e na bondade de Deus, pelos rogos de Maria, confia no amor materno especialmente misericordioso, especialmente próprio a perdoar, de Nossa Senhora, que faz dEla uma longa manus da misericórdia divina, até onde Deus por assim dizer não podia chegar Ele criou Nossa Senhora para que ela chegasse na sua misericórdia.

Então, a confiança é a virtude por onde, tomando isso em consideração, a gente pensa: eu fui chamado, preciso de tais e tais circunstâncias especiais para realizar meu apostolado, confio em que Nossa Senhora dará.

Quer dizer, ela é lógica, ela é segura, ela é bondosa, ela não fará essa coisa monstruosa de me chamar para que eu não realize aquilo para o que Ela me chamou. Um dia virá! Um dia virá! Essa é a confiança.

Confiança é o seguinte: Nossa Senhora me chamou por esse caminho, eu preciso de tal coisa, por exemplo, a graça de me curar de tal coisa para exercer melhor esse apostolado, vou pedir a Ela com confiança, porque o pleno exercício do meu apostolado é o normal. Confiança é a certeza de que Ela me dará.

Essa certeza, Ela quer como condição para atender o nosso pedido. Ela atende, mas Ela quer que a gente confie. A prece do desconfiado sobe a Deus com mais dificuldade do que a prece do homem confiante. A prece do desconfiado em relação a Ela, daquele que não confia nEla, é como quem subisse ao céu passo a passo; a prece, pelo contrário, do homem confiante, voa!

 

Há um matiz delicado nisso. Eu não sei até que ponto tudo isto está claro... Mas enfim, há um matiz delicado nisso. Às vezes, nós não temos uma razão especial para ter certeza que Nossa Senhora vai nos dar aquilo que nós queremos. Imaginem por exemplo um jovem. Esse jovem se sente especialmente chamado para fazer apostolado em tal país e ele então deseja muito de Nossa Senhora ser mandado para tal país.

Bom, ele tem direito de confiar? Ele pode dizer o seguinte: "Nossa Senhora que sabe se esse país me convém, eu não sei, como é que eu vou ter confiança nesta oração? Se ela é minha mãe e me dá o melhor, eu peço uma coisa a Ela, quem sabe se não é o melhor, eu não obtenho". 

É uma reflexão razoável, não só não tem nada contra a fé mas é conforme a fé. Como é que eu vou confiar?

Às vezes Nossa Senhora põe em nossa alma, uma certa doçura, uma certa esperança especial de conseguir que é uma espécie de promessa que Ela faz de que Ela dará se a gente pedir. E quando vem essa moção interna da graça, uma moção especial, cometeria uma ingratidão se não compreendesse que isso dela se quer. E que ela deve, portanto, por causa daquilo que ela sentiu, esperar com confiança

É muito delicado porque a pessoa pode se enganar e tomar como voz da graça algo que não é a graça, é o desejo dela. Mas, normalmente, quando se sente uma espécie de alegria especial e sobrenatural, quando se sente uma espécie assim de pressentimento bondoso, de que aquilo vai se realizar, muitas e muitas vezes aquilo é algo que a graça fala na nossa alma. Nós devemos dizer: "minha Mãe, eu confio!".

Mas muitas vezes, é preciso notar, a graça nos submete, nos expõe a provações tremendas. Os senhores conhecem a história de São Pedro andando sobre as águas: Nosso Senhor estava em um barco, São Pedro foi chamado a falar com Ele e foi caminhando sobre as águas até chegar ao barco. Nosso Senhor chamou, ele não teve dúvida, começou a andar. Em certo momento, ele começou a olhar para a água e sentiu como aquilo era mole debaixo dos pés, e teve medo. Instinto de conservação. Começou a afundar. Foi preciso o auxílio especial de Nosso Senhor para ele flutuar e chegar até Nosso Senhor.

Às vezes se dá assim conosco. Nós começamos a fazer uma coisa que é desejada por Nossa Senhora. Vamos fazer e aquilo parece afundar. Parece levar a breca. Nós devemos dizer: mas não devia confiar? Eu não pedi tanto a Ela? Eu não senti dentro de mim que Ela iria fazer isto e agora vem essa decepção?

A gente deve ajoelhar-se e dizer a Ela: "Minha Mãe, nesses transes assim, permiti que eu vos diga com todo o respeito que uma criatura Vos possa ter: eu não tomo a sério o que está se passando. Eu sei que é uma provação que Vós estais pondo para mim, que é uma coisa que para mim me põe numa situação dificílima, mas que Vós fazeis isso para ver se eu confio. Se eu confiar contra toda a confiança, eu obterei. Minha Mãe, eu continuo a confiar em Vós e continuo a ir para a frente"!

E então, as vezes é preciso rezar anos. Às vezes é preciso esperar anos, com uma série de fracassos pelo meio. Um dia, inesperadamente, aquilo tudo se realiza.

Esta é a virtude da confiança. É evidente que essa virtude tem uma porção de outros aspectos e uma porção de outros matizes que é até prematuro vos descrever, na vossa tão, tão acentuada juventude. Tanto mais que o que eu digo aqui não é para a reverenda coletânea de veteranos que estão diante de mim, mas é para os mais jovens que se estendem por aí, que enchem os "irmãos separados", etc., etc. É para eles que eu estou falando. Eu compreendo que tudo isso é muito novo e que é preciso repetir algumas vezes, e algumas vezes, e algumas vezes. Não é fácil.

Mas eu vos digo: uma das maiores alegrias que o homem possa ter na vida, uma das maiores alegrias que ele possa ter no caminho para o qual Nossa Senhora nos chamou, é quando ele passa por um período onde parece que tudo vai contra a confiança dele. Mas, apesar disso, em certo momento ele vê que aquilo se realizou.

Eu me lembro que havia - eu lecionava em uma Faculdade aqui em São Paulo, uma das faculdades da Universidade Católica, eu era professor de história medieval, moderna e contemporânea nessa faculdade. E havia uma capela com o Santíssimo Sacramento. E sempre que eu ia a essa faculdade, ao sair eu ia rezar diante do Santíssimo Sacramento, fazer uma visita à imagem de Nossa Senhora que estava lá e saía.

Era, como em todas as épocas de minha vida, essa era também, de muitas provações e da necessidade de muita confiança. E eu estava no período de muita provação quando, normalmente, me levanto, e havia assim uma galeria de vitrais, de um lado e do outro, vitrais com cenas da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. Eu olho para um dos vitrais - não eram vitrais muito bonitos, eram vitrais fabricados aqui em São Paulo e não muito bonitos - enfim, olho para o vitral e olho o que está embaixo. Era um vitral que representava, se não me engano, a ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, estava escrito embaixo o seguinte “Etiam si ambulavero in umbra mortis, non timebo mala - ainda que eu caminhe nas sombras da morte, eu não temerei os males”. E outro vitral ao lado dizia “In lumine tuo, autem, videbimus lumen - à luz de tua luz, verei a luz”.

Aquilo me encheu a alma, eu compreendi: "é preciso mais confiança. Plinio anima-te, Nossa Senhora te ajudará, dize a ela “Etiam si ambulavero in umbra mortis, nom timebo mala”. Minha Mãe, ainda que eu ande nas sombras da morte eu não temerei os males porque Vós me ajudareis! Minha mãe à luz de Vosso olhar, eu verei a luz!".

Eu pensei nessas coisas a propósito dessas magnificas fotografias de Nossa Senhora de Genazzano. Nossa Senhora de Genazzano que olha com o olhar tão interior, tão embevecido, não se sabe bem se para o Filho dEla que está no quadro e que Ela tem no braço, ou para um filho dela que está ajoelhado diante dEla e que é qualquer fiel que vá ali rezar para ela. E a gente tem a impressão de que pode dizer a Ela “In lumine tuo, autem, videbimus lumen - à luz de Vosso olhar, veremos a verdadeira luz”, que é Jesus Cristo Nosso Senhor, que Vós trazeis a Vosso braço.


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