Plinio Corrêa de Oliveira

 

O que é o amor-próprio?

Desatinos, delírios e maldições do egoísmo

 

 

 

 

Chá no Eremo de São Bento, 21 de janeiro de 1985

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de exposição do Prof. Plinio para sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


Então, meus caros, qual é a pergunta?

(Pergunta: A gente vê que no Grupo e na História em geral, as pessoas empreendem uma grande obra, ou por amor de Deus, ou por um amor-próprio. Mas que, a pessoa que age por amor-próprio, por maior que seja a obra realizada, ela não se sente bem; enquanto que a que age por amor de Deus, por amor que seja a obra que ela realiza, sente enormemente as graças e as bençãos de Deus. Santa Teresinha dizia que "para o amor nada é impossível", e São João Evangelista dizia que “no entardecer desta vida serei julgado segundo o amor”. Não sei se o senhor poderia dizer um pouco sobre como adquirir este amor de Deus, e como combater o amor-próprio)

 

É um tema muito vasto, e que vai para além do tempo do qual nós estamos dispondo aqui. Vou procurar resumir o mais que eu puder, expondo um aspecto da questão sobre o qual eu tenho impressão que não se fala muito.

Quer dizer, nos grandes tratados de moral etc., naturalmente que sim. Mas, na linguagem de todos os dias etc., não. É o seguinte: é o amor-próprio. Se fala muito a respeito do amor de Deus, mas se fala pouco a respeito do amor-próprio. Quando se fala, fala-se para dizer mal do amor-próprio.

A pergunta é: o que vem a ser o amor-próprio, propriamente dito? E o que ele tem de ruim? A tomar a palavra ao pé da letra, o amor-próprio é o amor que o homem tem de si próprio. Isto dá o amor-próprio. Agora, o homem não se deve amar a si mesmo? Se nós vamos à “Suma Teológica” [de São Tomás de Aquino], nós encontramos que o homem deve se amar a si mesmo.

E até mais ainda. Que das criaturas, aquela que o homem deve amar mais, é a si mesmo. E os senhores entendem bem, vou dar uma razão abreviadíssima, mas os senhores entendem bem que é assim. Porque se nós devemos amar o próximo como a nós mesmos, nós devemos amar o próximo tanto mais quanto mais ele é próximo de nós. Isto está em São Tomas, e é sábio, é verdadeiro.

Ora, ninguém é mais próximo de mim do que eu mesmo! Logo, o meu primeiro amor tem que se dirigir a mim mesmo!

Então, como é que se explica essa longa cantilena de increpações contra o amor de si mesmo? Não é uma virtude?

De outro lado, uma coisa que chama a atenção: a Igreja ao longo dos séculos, tão sábia, tão santa, a Igreja ensina muito aos homens como amar os outros. Ela fala pouco aos homens a respeito de como amar a si próprio.

Os senhores não imaginam um pregador subindo ao púlpito, dizendo: “Meus filhos, eu vou falar hoje a respeito do amor de cada um de nós a si mesmo. E vou começar por dizer aos senhores como eu me amo a mim mesmo...” Compreende-se que um tal sermão despertasse muita perplexidade. E que logo no começo do sermão, algumas boas e simpáticas beatas saíssem da igreja.

Então, como é isso? A Igreja ensina que isso é uma virtude, mas ela não ensina como é que se deve praticar essa virtude? Não dá o menor incentivo para que o homem se ame a si próprio? Ela, pelo contrário, fala continuamente que o homem deve amar aos outros, e não fala a respeito do amor de si mesmo? Que caos é este? Que desordem é esta?

Bem, e por fim, isso é tão evidente, entretanto ninguém levanta a pergunta que eu levantei. Porque também parece evidente que o que eu estou dizendo é sofisma. Um sofisma grosso. É ao mesmo tempo irrepreensivelmente lógico, e grossamente sofístico.

Ora, o sofisma é a torção da lógica, é a depravação da lógica. No que está errada esta lógica? O que vem a ser o amor de próprio, para que dele se possa tomar a propósito dele, a partir dele atitudes tão díspares? O que é o amor-próprio?

O problema esbarra logo no começo no seguinte ponto: é verdade que nós devemos amar o próximo como a nós mesmos, por amor de Deus, o que não quer dizer tanto quanto a nós mesmos, mas como a nós mesmos, por amor de Deus. Assim, pura e simplesmente. A realidade é que nós devemos amar o próximo por amor de Deus, e, portanto, nós devemos nos amar a nós mesmos mais do que ao próximo, mas devemos amar a nós mesmos por amor de Deus.

Enquanto nós devemos ter esse amor de nós por amor de Deus, e que Deus num certo sentido da palavra, é mais cada um de nós, do que cada um de nós é... Deus me é mais interior e mais próximo do que eu mesmo; e eu devo amar a Deus, portanto, mais do que a mim.

Bem, Deus tem outros títulos também a ser amado mais do que a mim, mas tem esse título. Então, acontece que se eu devo me amar a mim mesmo por amor de Deus, a pergunta seria: no que consiste o amor de si mesmo por amor de Deus? E aí nós podemos ver o que é o amor de si mesmo que não é por amor de Deus. E aí nós podemos fazer um marco divisório, que nos é muito útil, muito importante, para pôr em ordem nossas idéias, nossas reações.

Eu me amo por amor de Deus quando me amo porque eu sou criatura de Deus, feita à imagem e semelhança dEle, e remido por Ele. Então, conhecendo que existe em mim uma imagem dEle, que pode ser aperfeiçoada, e ser inteiramente imagem dEle – mas existe também, em consequência do pecado original, uma deformação dEle, monstruosa, por onde eu posso ser o contrário dessa imagem, se eu me amo por amor de Deus, o meu amor consiste em me parecer o mais possível com Deus!

E em que o amor que eu tenha a mim mesmo, me leva a procurar realizar em mim aquela semelhança com Deus, para a qual eu fui criado. Nesse empenho de realizar em mim essa semelhança, eu realizo a minha finalidade. O mais alto ato de amor que eu possa ter para comigo mesmo, é procurar assemelhar-me a Deus. O mais alto ato de amor que eu possa ter a Deus, é querer assemelhar-me a Ele!

E essa semelhança com Ele se chama santidade. De maneira que quando eu procuro santificar-me, eu procuro fazer o mais perfeito ato de amor de Deus, por ser Ele quem é. Mas, também, eu procuro fazer o mais perfeito ato de amor a mim mesmo, porque eu não posso desejar para mim mesmo outra coisa, a não ser eu parecer com Deus.

Eu dou uma imagem terrena para os senhores, que era sobretudo verdadeira no tempo em que havia no mundo verdadeiras cortes; não esses resíduos em estado semi-putrefatos de corte que existem hoje... Mas, no tempo em que havia verdadeiras cortes, dava-se que na corte todo mundo procurava parecer-se com o rei, e toda senhora com a rainha. O rei era o modelo dos varões, a rainha era o modelo das damas.

E quando a pessoa conseguia essa semelhança com o rei ou com a rainha, a pessoa realizava a sua finalidade na corte. Ela tinha contribuído para que a corte afinasse inteiramente segundo o rei e a rainha.

Bem, muito mais alto, infinitamente mais alto, de outro modo, isto se diz de Deus, não é? E da corte celeste, na qual todos nós seremos cortesãos e príncipes, que é a corte do Céu, à qual somos destinados por vocação. Então, nós compreendemos que nesse amor do homem, há a mais alta forma, o mais alto grau, o mais alto tipo de amor de Deus. Mas há também, ao lado, algo que é mais alto do que o amor de si mesmo, no próprio momento em que o homem se ama a si próprio: ele ama desinteressadamente a Deus!

Uma expressão linda desse amor desinteressado nós encontramos em Santa Teresa de Jesus: “Ainda que não houvesse Céu eu Te amara; ainda que não houvesse inferno eu Te temera!” Ele por ser Ele!

Então, amor de Deus, se pode distinguir especulativamente do amor de si mesmo. Mas o verdadeiro amor de si mesmo é como que absorvido no turbilhão do amor de Deus, e formam como que um só, embora se possa fazer a distinção.

Mas, o homem em virtude do pecado original, não tem apenas esse amor. Ele tem uma imagem falsa do que é seu verdadeiro bem, tem uma imagem falsa do por onde portanto ele deve caminhar, e ele tende com toda sua veemência, para esse lado. A sua razão lhe mostra que ele deve amar a Deus; a graça lhe mostra que ele deve amar a Deus; mas as suas paixões, a sua sensibilidade, os seus movimentos, o mais das vezes lhe levam a amar algo que é o contrário de Deus, mas que parece a ele que é o bem dele porque é agradável para ele. Porque ele pega, porque ele vê, porque ele sente, e por causa disso o arrebata! Enquanto Deus nós não vemos, nós pegamos, nós não sentimos, e, portanto, Ele não nos arrebata!

Essa tendência furiosa que o homem tem para este bem que não é o bem verdadeiro, esta se chama o amor-próprio, propriamente dito. Porque é um amor que não tem nada que ver com Deus; é exclusivamente próprio! Além do mais, dever-se-ia chamar o falso amor-próprio, porque no fundo é ódio de si mesmo.

Considerem uma pessoa que fuma maconha. Por que ela fuma, ou toma aquela maconha sei lá de que jeito? Porque acha agradável. Ela, portanto, pratica um ato de amor a si mesmo, querendo proporcionar para si mesmo um deleite, e por isso ela absorve aquela droga. Mas ela sabe que aquilo para ela é ruinoso, que ela vai acabar morrendo miseravelmente com aquilo. Por causa de um gosto imediato, ela sabe que está preparando para si um fim miserável.

O que é que é esse amor do homem a si mesmo, que o leva a usar maconha? É um falso amor. Ele, para poder ter aquela fruição, para poder ter aquele gozo, ele se expõe a um mal maior do que é grande aquele gozo. E com isso ele se liquida! É um falso amor!

Bem, assim também quem comete um pecado mortal, [por] um olhar que seja. E ele sabe que cometendo esse pecado mortal, ele pode morrer de um momento para outro e ir para o Inferno por toda eternidade.

Agora, isso é um ato de amor de si? Imediatamente falando, sim. Mas consideradas as coisas na sua profundidade, não! Porque de fato é um ato de ódio! Ele está preparando para si o sumo mal para si, que é de estar no Inferno por toda eternidade.

Então, esse amor imediato a si mesmo, que é o sentido mais imediato do amor-próprio, esse amor é um amor falso, e para este amor o homem tende com uma veemência extraordinária. Ele quer tudo, já e para sempre! Ele sabe que esse “tudo” não é tudo; que esse “já” é um já mentiroso que o devorará, e que esse “para sempre” é o inferno! Ele quer!

Portanto, esse amor-próprio deveria ser mencionado entre aspas, porque nem é amor, nem é próprio. Ele é uma forma voluptuosa de preparar para si mesmo a eterna desgraça. É, portanto, a loucura, a desrazão.

Na aparência, os senhores examinem um homem qualquer, ele tende para uma porção de coisas. Ele ao mesmo tempo, vamos dizer, é ambicioso; ele tem vontade de aparecer; ele quer ser admirado pelos outros; ele quer ser o primeiro entre os outros; etc. etc., mas ao mesmo tempo ele é preguiçoso. E quando ele percebe que ele deveria fazer um sério esforço para adquirir alguma qualidade que o leve a ser considerado pelos outros, ele, pelo contrário, não faz esse esforço porque tem preguiça. Ele quer, portanto, coisas contraditórias para seu próprio deleite. Nisso vem a contradição miserável do homem. O homem, já nesse amor-próprio errado, quer coisas que são opostas entre si.

Mas São Tomás nos ensina, que apesar de todo este caos que o homem tem, apesar de todos esses quereres desordenados e que dilaceram o homem para todos os lados, há nisso um certo unum. E que há um certo bem terreno, contingente, passageiro, desta ordem baixa e egoística de bem, que o homem deseja mais do que todos os outros bens. E que no fundo ele vai construir a vida dele, de maneira tal que ele acabe conseguindo esse bem.

A gente acompanha a vida de um homem que faz as coisas mais variadas; a gente vai analisar no fundo, esse homem seguiu um rumo na vida dele, é uma coisa que ele quis, que ele obteve e que o frustrou; ou que ele não obteve, e que o enganou; ele ficou a vida inteira correndo atrás daquilo. Mas aquilo ele...

Então, se nós não queremos ter uma vida completamente rateada, os senhores que são tão jovens, se não querem ter diante de si uma vida completamente rateada, o que os senhores devem é fazer com os senhores amem acima de tudo a semelhança dos senhores com Deus! E sacrifiquem de bom grado qualquer desses bens passageiros, contanto que os senhores se assemelhem com Deus. Essa é a finalidade.

Pelo contrário, se os senhores não fizerem isso, os senhores sabem que, mais cedo ou mais tarde, os senhores caem na caçapa, quer dizer, aquele “unum” errado que os senhores vão percorrer através de sua vida, e que os vai levar a toda espécie de desatinos.

Bem, desses desatinos, nós podemos dizer que sobretudo, eles consistem em dois pontos: no orgulho e na sensualidade. A sensualidade eu a designo na RCR [Revolução e Contra-Revolução], sobretudo como a sensualidade carnal, quer dizer, o instinto da procriação da espécie que é aproveitado até o último ponto do seu deleite, e que se transforma em todas as fontes de desordem que os senhores conhecem.

Mas, eu tenho falado menos do orgulho, tenho falado às vezes do orgulho, não tenho falado tanto a respeito do orgulho. Nós poderíamos ver qual é a diferença entre uma coisa e outra, o orgulho e a sensualidade.

Na sensualidade o homem não se incomoda com o mundo exterior, ele quer gozar em si. Ele quer sentir um determinado gozo, e o mundo exterior pouco lhe importa. Está na psicologia da sensualidade, por exemplo, a preguiça. O sujeito que é um preguiçoso, ele pouco se incomoda que os outros achem dele isso ou aquilo, que o desprezem etc., contanto que ele leve uma vidoca gostosa, macia, sem trabalho, ele está perfeitamente satisfeito, ele não quer uma outra coisa. É tudo quanto leva o homem para o sentir agradável, sem mais nada.

Na linha do orgulho é o contrário: o homem se preocupa extraordinariamente com os outros. E quer ocupar, quer receber dos outros afeto, mas muito mais do que afeto, admiração. E como prova da admiração, a submissão. Esse desejo do mando leva o homem a correr afanosamente, trabalhosamente, como um louco, atrás de toda espécie de bens, na ponta dos quais ele julga que encontra uma proeminência sobre os outros.

Então, os senhores veem que há homens que correm loucamente atrás da riqueza. É para gozar a vida? Às vezes sim. É um homem que quer arranjar um dinheiro, para depois cair na moleza. Mas, não é a maior parte dos casos. Na maior parte dos casos, ele quer ganhar dinheiro para ser importante. E ele quer ser importante para ser admirado. E que ele quer ser admirado, e quer tirar, quer auferir, quer sugar com essa admiração, o direito de mandar sobre os outros. Porque quem é admirado, manda!

Outros fazem estudos. Então, os senhores ainda não tiveram oportunidade de ver, mas os senhores não calculam como há gente que se lança na carreira de intelectual, e estuda de um modo inimaginável; estuda de um modo frenético; estuda de um modo, que eu diria quase, cavalar!

Eles podem se gabar, por exemplo, se são historiadores, a respeito de estudo de história, conhecer por exemplo toda a bibliografia mundial a respeito do personagem que eles estão estudando. Às vezes é por exemplo um grande personagem, não sei personagem detestável... mas enfim... não pensem que eu vou falar de Napoleão... não pensem que eu vá falar de Napoleão, o exemplo está muito surrado.

Mas, um homem que é uma espécie de prefigura de Napoleão, o rei Frederico II da Prússia: um conquistador, um militarista de esmagar tudo com a pata do cavalo... ele abriu os caminhos para Napoleão. Está bem. Tornou-se um homem celebérrimo; mas celebérrimo, no tempo dele, e até hoje os historiadores o consideram um dos homens célebres da história.

Naturalmente, para se saber tudo quanto que se publicou em todos os lugares do mundo a respeito de Frederico II, é preciso ter um trabalho insano, ter uma biblioteca insana, e formam-se curiosidades assim: o indivíduo tem a biblioteca a respeito de Frederico II e ouve falar que um historiador publicou, numa universidadesinha de cola e barbante, no lago Tchad, por exemplo, na Nigéria, um trabalho em língua da Nigéria, a respeito de Frederico II. Ele move céus e terras para ter isso na biblioteca dele. E para depois citar, com caracteres nigerianos, e uma notinha em baixo. “Tal coisa assim...” É um pobre homem que escreveu a respeito de Frederico II o que dizem os autores que ele não conseguiu entender! É uma coisa que não vale nada.

Mas é para deixar os leitores do livro dele de queixo caído: “Até na Nigéria ele foi descobrir gente que fala sobre Frederico II. Que colosso!...” O homem arruína a saúde, perde a juventude, gasta um dinheirão, passa no meio da poeira e dos alfarrábios a vida inteira para publicar um livro célebre a respeito de Frederico II, laureado pela Academia de História, de Berlim, por exemplo. Está acabado.

É o desejo de aparecer, o desejo de ser mais do que os outros.

A opção, os senhores estão vendo que se impõe: entre o orgulho que pede o trabalho, que pede o esforço, que pede a luta; e a sensualidade – eu estou aqui empregando aqui a palavra no sentido amplíssimo, quer dizer, inclui a violação do 6º e 9º Mandamentos, mas inclui toda forma de moleza e de concessão a si mesmo – a sensualidade que pede, pelo contrário, o relaxamento e a vida mole.

Se eu pusesse para qualquer um que anda na rua, parasse e dissesse: “Olha, há isto aqui, e você tem que escolher!” Ele teria uma sensação de mal estar. Porque a escolha lhe é laboriosa. A maior parte das pessoas não gosta de fazer esta escolha. Porque tem a ilusão que pode conseguir para si uma boa fatia de cada. E, portanto, gozar bem do lado da sensualidade, e também do lado do orgulho arranjar um jeitosinho, e se avantajar bem também. E não gosta de fazer escolha, primeiro porque a escolha é preciso pensar, ele não gosta de pensar; precisa fazer um ato de vontade: “quero tal coisa!” Esses atos de vontade definidos exigem certo esforço, o indivíduo não quer fazer esse esforço.

Então, ele em vez de optar, ele resolve não optar. E ele resolve – é o caso da grande maioria das pessoas – resolve fazer um esforçosinho; também conceder algo à sensualidade na vida, mas para ir para cima, aprender a blefar. E blefar é o modo de satisfazer o orgulho do vaidoso, do sensual.

É... uma coisa qualquer assim, fez alguma coisinha, porque lhe custou pouco. E o resto é tapeação e sensualidade. Este é... eu não sei se os srs.  acham – cada um que está aqui não acha que todos os outros que estão na sala lucrariam muito em fazer um bom exame de consciência a respeito disso?

Eu julgo que lucraria muito fazer esse exame de consciência. Então eu vou descrever um pouco como essas coisas são.

O indivíduo frequenta uma determinada roda. E nessa roda, ele percebe que se ele fizer certas coisas, ou disser certas coisas, ele sobressai, e se faz admirar pelos outros. E ele então forma o propósito de aprender a dizer essas coisas; aprender a fazer essas coisas, fingindo, tapeando, e pega o que há de mais fácil para tapear, e tapeia ali. De maneira que com pouco esforço, ele se imponha ao conceito de alguns outros.

Quando ele se impõe ao conceito, ele faz o papel do pavão com a roda, no meio dos outros. Mostra aquilo. Os outros o admiram, e já naquilo ele se delicia! Porque o vaidoso, o homem com amor-próprio, se regala com a menor manifestação de admiração que ele possa conseguir. Um alguém que anda pela rua e diga: “Que rapagão forte!... Ele já pensa: “Está vendo!...” Começa a andar a lá rapagão forte! E à noite, antes de dormir, ele ainda se lembra que disseram: “Ó rapagão forte...”

Pelo contrário, qualquer censurazinha, o outro estranha. Então, se por exemplo, ele passa num lugar – e vamos dizer, ele é de um tipo racial x, vamos dizer que ele é de um tipo racial nórdico muito acentuado, claro, louro etc.  –  e passa numa roda de favela onde a pigmentação costuma ser diferente, e ele ouve um preto dizer para outro: “Que amarelo é esse?” - “Como amarelo? Eu sou amarelo, ou tenho cabelo dourado, como é esse negócio aqui? Eu preciso ver...”

Ele se preocupa com aquilo, disseram dele, aquilo perturba a ele! Ele fica ultra sensível a tudo quanto fizeram ou disseram a respeito dele. E ele se regala com qualquer gotazinha de admiração que na ponta de algumas tapeações ele conseguiu despertar.

Para ele, é totalmente indiferente que a admiração seja merecida ou não seja; ele quer é sorver a admiração. Ainda que a admiração seja fruto da mentira dele, pouco o incomoda, ele se fez admirar, isto é o que ele quer.

Ele vive numa perpétua inquietação que percebam a tapeação dele. E por isso, não há coisa que inquiete este homem, e o aborreça mais, do que ele olhar e ver que ele está sendo observado, e que alguém está entendendo qual é a palavra cáustica que pode dizer, que o derruba completamente aos olhos dos outros... Aquele é um inimigo!

Bem, e há gente que literalmente passa as horas, os dias e os anos, à procura de uma coisa dessas.

Essa posição, qual é o resultado que tem? É que em 1º lugar, ela embrutece o indivíduo. Como o indivíduo começa a dar muita importância a qualquer forma de admiração, acontece que ele se contenta com as admirações mais “de lo último”. E todo o sentido de desenvolver-se e de se afinar segundo os mais altos padrões por amor de Deus, desaparece. Desde que ele, numa gafieira qualquer tenha obtido aplausos, ele está contente. E, por causa disso, ele começa a crescer para baixo, em vez de crescer para cima.

Dizia-se de César – César era nascido numa cidadezinha do Império Romano, chamada Arpino – que ele dizia que ele preferia ser o primeiro em Arpino, a ser o segundo em Roma. Ele não tomou isso a sério. Tanto que é que ele não ficou em Arpino, e acabou sendo o primeiro em Roma. Mas, há uma porção de bobos que preferem ser os primeiros em Arpino, a serem os segundos em Roma. E que passam a vida do tamainho de Arpino, se preocupando com aquilo e vivendo para aquilo, uma vida completamente frustra que perde completamente o sentido.

Há um romancista inglês - eu não sei qual é, eu não leio inglês, não sei inglês - me contaram o romance dele, de um homem, um europeu do século passado, quando a Europa estava no apogeu dos apogeus, que não conseguiu fazer-se admirar na Europa tanto quanto ele queria. Então ele foi para a África, e meteu-se numa tribo semisselvagem da África do Sul, e ali conseguiu fazer-se adorar como Deus.

Até chegar o momento em que apareceram os brancos lá. E os brancos perceberam que ele estava se fazendo adorar como Deus, e sabiam que ele não era Deus. O resultado, ele ficou apavorado que os brancos dissessem para os negros que ele não era Deus. E fez as tramoias que pode, pôs os brancos fora para não destruírem o mito dele. Ele passou assim divinizado algum tempo. E ao cabo desse tempo ele morreu. Na hora de morrer, os que o adoravam não compreenderam uma palavra que ele gemia, e que era: “Que horror, que horror, que horror....” E assim ele morreu!

Bem, quanta gente ao morrer, verifica que fez coisas dessas, e morre dizendo: que horror! que horror!...

Quando a pessoa vence, e vence as grandes batalhas da vida quer dizer, então, é o contrário, conseguiu ser o primeiro em Roma, e não o primeiro em Arpino, a imagem não é muito diferente. Porque “in concreto”, em nossos dias, nenhum homem vence sozinho. Não existe! Tirem da cabeça, e percam essa ilusão, porque isso não existe! Nenhum homem vence sozinho. Ele vence ajudado.

O que é que ele pagou por essa ajuda? E como ele fica sabendo que ele não é o verdadeiro autor dos seus triunfos. E que se ele não tivesse tido essa ajuda, ele estaria no chão! E como tem mais valor autêntico um homem que, sem se entrosar, cresceu isto; do que ele que é uma torre aos olhos dos outros, mas é uma torre de mentira e de zero. Aí nos leva o amor-próprio.

Mas há uma frustração do amor-próprio mil vezes pior do que esta. (...)

O resultado disso é que, se ele viver séria e sinceramente neste estado; se ele em consequência, renuncia a ser admirado, renuncia a ser aplaudido, renuncia a ser um grande homem, ele é apenas um homem que nunca olha para si mesmo, e olha apenas para o ideal que ele tem que é de imitar a Deus, ele passa a ser um herói. Mas quem é herói na virtude, tem uma qualificação especial: ele é um santo. Santo é o que tem uma virtude heroica.

Bem, então, esse homem toma este caminho, constitui-se nesse estado de obediência, e de repente, lhe volta a saudades das cebolas do Egito. E ele começa a querer parecer importante entre os outros.  

E conta casinhos, e ditos, mostra que ele em tal apostolado assim teve tal resultado, e que isso, que aquilo, que aquilo outro.

Ele leva uma vida de mentira. Porque dentro de muito pouco tempo ele deixa de ser flexível nas mãos do seu superior. E em vez de ser uma bengala sobre a qual o superior se apoia, é um tronco de árvore que o superior carrega nas costas. É um trambolho. Acaba sendo que o superior, para não fazer mal à alma dele, quase não sabe por onde pegá-lo, porque tudo machuca, tudo melindra. Porque ele queria uma coisa, ele queria uma coisa, que era brilhar aos olhos dos outros. E se o superior não lhe dá isso, ele se revolta contra o superior.

E o superior, à espera da hora da Providência, passa pelo quebra-cabeça de imaginar o que ele queria, para mandá-lo fazer o que ele queria. E ele não tem vergonha: quando ele se ajoelha para receber essa ordem, e diz que está de acordo para fazer, mas, ele mesmo sabe que ele impôs ao superior a ordem que ele está recebendo! Isto é assim! isto é assim!

Qual é a vida desse pobre miserável?  Porque esse é um miserável. Ele passa a vida inteira torcendo para conseguir que mandem a ele fazer o que ele quer. Ele, portanto, para conseguir mover uma palha, tem que fazer um mundo de política. E para se mover um pouquinho, tem que ter uma vida dificílima para conseguir que mandem, porque sem isso não mandam. Quando ele consegue, a sua consciência está pesada, porque ele nota que ele não está obedecendo. Ele nota que ele é uma cruz dos seus superiores... da cruz, ele é um crucificador!

Pode haver algo que faça da vida de um religioso assim, uma maior burla do que isso?

Mais ainda, mais ainda: o indivíduo que concede alguma coisa a esse amor-próprio, ele faz o seguinte papel: ele só recebe a graça de Deus se ele fizer alguma coisa sem amor-próprio. Se ele fizer com amor-próprio, Deus não aceita, porque Deus só aceita o que é feito por amor a Ele. E, portanto, todo o apostolado dele, ele sabe que não é fecundo, que é palha e aparência.

 São Paulo diz que é como o aço que com pancadas reboa, mas que não adianta nada. Aquele barulho, “pan, pan!”, não diz nada. Assim é o homem que se move por amor-próprio. Ele sabe, portanto, que ele pode ter feito uma obra colossal por amor-próprio, vai ver o que essa obra converte, não converte ninguém! Ele obteve esmolas, mas ele roubou estas esmolas, porque as transformou no pedestal de um colégio para fazer figura, para fazer farol, e ninguém nesse colégio se converte. É a maldição do amor-próprio que ele tem dentro de si.

Ele é mestre de noviços, os seus noviços saem frios como blocos de gelo. Ele é o culpado. Por toda parte ele espalha a morte e a divisão! Por quê? Por causa do amor-próprio. Quando ele morre, ele olha para a vida dele. Qual foi a vida dele? Pelo menos a de um palhaço.

Não era melhor para ele ter ficado no mundo, do que ir levar esta má semente para dentro do campo de Deus?

Tomem um homem que é um advogado, engenheiro, médico, leva uma vida comum. Eles perdem muito menos almas do que um sujeito que forma um colégio para apostolado, mas mete esse fermento de amor-próprio no modo de ele ensinar, deforma os outros professores, e faz com que o colégio seja estéril. E os pais mandam os alunos lá para serem católicos, e saem pagãos.

E se ele dirige esse colégio durante 30 anos, eu pergunto: que mal ele fez? Ele foi inimigo da Igreja, com os trajes da Igreja, com as aparências de coisas da Igreja, ele durante 30 anos apunhalou por dentro... E isso se chama amor-próprio.

Como pode isso acontecer conosco? É preciso chegar até lá... Por pequenas concessões.

O indivíduo conta uma piada, todo mundo dá risada. Ele começa a inventar uma outra piada, lembrar as piadas que ouviu etc. etc., para contar ali. Se ele tem a infelicidade – eu considero uma infelicidade em nossos dias – de ser engraçado, é pior ainda. Ele começa a contar coisas, forma uma roda. Por toda parte onde ele está, tem gente que quer estar com ele. Simplesmente isso ele nota, e mais nada: ele estufa como um peru! E já não sabe viver a não ser vendo como todo mundo procura por ele.

Está acabado, esse homem ou se converte e muda completamente esse defeito, ou para onde ele chega é esse o ponto final. E os senhores sabem por onde é que começa? Concessõezinhas... Uma vez que a gente faça uma pequena concessão, faz uma brincadeira e fica contente pela popularidade que isso trouxe, já na segunda vez a agente tem muito mais vontade de fazer. Na 5ª vez é quase irresistível! É como maconha. O amor-próprio é tal qual maconha!

Um outro não, é muito inteligente. Então ele espera uma ocasião e diz: “Não, isso é de outro modo...” e dá uma sentença inteligente! “Ahhhh! Fulano, hein? Vamos consultar fulano!” - “Não me consultaram, deu errado! Se me tivessem consultado, como sairia certo, que beleza!” Maldição, esterilidade e zero. Pelo menos não minta para si mesmo! E pelo menos, à noite antes de dormir, oscule sempre o chão, e diga: “Maria Santíssima, minha Mãe, perdoai-me, este dia em que eu lutei o dia inteiro contra vós!” Ao menos isso, ao menos isso, confesse pelo menos para si mesmo o mal que faz.

Outros não; se julgam uns heróis imbuídos de não sei que espécie de esplendor, por onde são umas personalidades superiores. Então julgam que são homens brilhantes, e que têm tais e tais qualidades, despertam admiração entre si, realizam um tipo de um personagem wagneriano, uma coisa formidável! Então tomam modos afetados de falar, modos afetados de dizer: “Ahhh...”, por exemplo, não sei o que... Igual maldição, igual horror!

No que é que isso dá? Dá em primeiro lugar que o indivíduo fica reumático para a obediência: move-se numa direção e não na outra. Eu já falei disso.

Segundo lugar: começa a aparecer as briguinhas. Briguinha – sobretudo quem leva a vida que os senhores têm – briguinha é sintoma infalível de amor-próprio! Ninguém faz briguinha por amor de Deus. E se alguém tem alguma briguinha, oscule o chão!

Por que isso o que quer dizer? Não é saber se ele tem ou não tem razão, isso não vem ao caso. O homem que não tem amor-próprio, cede quando ele tem razão, e deixa ao outro que faça o que quiser, que pense o que entender. Para que isso?

Sacrifique-se, faça isso pelo bem da alma daquele que está querendo dele uma coisa injusta. Obedeça e dobre-se! Um companheiro, um amigo, trata com pouco caso, ele procure estar perto daquele para ser tratado com pouco caso! Sorva o pouco caso como um néctar e aí sim a sua alma terá um aroma de néctar para aqueles a quem ele deve levar para o Céu.

Também aparece uma espécie de zelo pela alma dos outros: “aquele sujeito fez para mim tal coisa, eu preciso castigá-lo, para corrigir tal defeito dele.” O defeito dele é um defeito que incomoda a mim, e por causa disso que eu estou fazendo esse apostolado...

Muito melhor é eu apanhar por causa dele, deixar-me humilhar tranquilamente por causa dele! Um dia, isto fará bem para a alma dele. Se a alma dele não aproveitar, fará bem para uma outra alma. Em última análise, será para a minha. Isto é certo! E aí eu serei um homem capaz de expandir o Reino de Cristo e o Reino de Maria.

Por fim, meus caros, por fim, isto tem uma outra permeação, e uma permeação perigosa, que é a seguinte: começa a nascer a impureza. Não se iludam! Começa a nascer a impureza. Por quê? Porque quem cede a isto, fica com o temperamento agitado e desbragado, e quando vem as tentações de impureza, não resiste. E a pureza vai ficando cada vez mais difícil.

Então vem as dúvidas contra a Fé: “Como é que Deus permite que eu seja tão tentado?”

Você, miserável, você criou na sua alma as condições para ser tentado. Ainda vai blasfemar contra Deus?!

Ele me dirá: “Bom, mas os que me formaram não me disseram isto!” É porque foram como você! Você é digno discípulo deles. Foram homens orgulhosos que passaram a ser sensuais.

Então, para nós... como é belo a gente ver eremitas com esse hábito... Arautos, que coisa bonita! Como é belo quando a gente sente a autenticidade disso. E como é inexpressivo quando se torna inautêntico! É quase como um pijama...

Quando nós queremos que isso tenha a sua verdadeira beleza, não nos esqueçamos: é nos colocarmos na lógica de nosso estado. O nosso estado proíbe qualquer forma de amor-próprio! Tenhamos cuidado, e não consintamos no menor deleite, na menor análise do efeito que nós causemos! Não olhemos nunca para nós, de maneira a nos acharmos moral, ou intelectual ou fisicamente “pulchro”. Apenas procuremos servir, servir, servir.

Aí o hábito se enche de luz, o canto floresce, e as cerimônias arrebatam.

Já demorei demais... Dr. Plinio Xavier com toda Comissão encarregada dos Encontros [de Correspondentes e Esclarecedores] está à espera...

(Dr. Plinio Xavier: Nós estamos aproveitando, Dr. Plinio...]

Estão aproveitando, mas o relógio foge. E por causa disso, meus caros, terminou a nossa conversa.

Ave Maria, gratia plena...


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