Plinio Corrêa de Oliveira
Homem culto e homem erudito Os vários níveis de alfabetização
Êremo de São Bento, 19 de agosto de 1984 – Reunião extra |
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A D V E R T Ê N C I A Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor. Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
Bem, meus caros, eu pergunto se querem me dizer alguma coisa... (Pergunta: O que é um homem culto?) Ah! ha! ha! ha!... A definição que eu vou dar é arbitrária; a palavra “homem culto” tem uma porção de definições. Quase que se poderia dizer que sobre “homem”, cabem mil definições. E sobre “culto”, cabem cem mil. De maneira que eu vou dar uma definição arbitrária. Eu entendo que há uma diferença entre homem instruído ou erudito, de um lado; homem culto, de outro lado. E homem inculto – um analfabeto de segundo grau – de outro lado. Qual é o homem instruído ou erudito? É aquele que sabe uma porção de coisas. Erudito é isto. Não se pede ao erudito que ele tenha, que ele tome o sabor daquilo que ele conhece. É preciso ele conhecer; ele é uma enciclopédia ambulante. Então, um erudito sobre história grega é capaz de dizer mil coisas: qual era a grama que dava em Termópilas no tempo em que houve a batalha de... Como é que os gregos faziam das lanças que ficavam quebradas nos campos de batalha... E daí para fora... ele diria uma torrente de coisas. E quanto mais o que ele diz é insignificante, mais ele afirma a vastidão de sua informação. E, portanto, ele se transforma, pelo vício das coisas, num depósito de insignificâncias não assimiladas por um nexo, por uma intelecção comum; etc., etc. Mas, isso é um pouco a caricatura do erudito e, muito, a verdadeira foto do erudito. Agora, o que é um homem culto? O erudito vive só para a sua erudição; ele tem emprego; ele estuda só aquilo. E num país super organizado, já não haveria erudito sobre história grega, mas haveria erudito sobre a batalha de Salamina, ou sobre a primeira parte da batalha de Termópilas... É assim! O sujeito pergunta: “Mas, na segunda parte, o que aconteceu?” – “Consulte o fulano, que é uma sumidade; mas, comigo, é só aqui a primeira parte da batalha; esta eu conheço um pouco, porque eu não conheço ainda as repercussões da batalha de Termópilas, repercussões subconscientes dela na arte de fazer vasos na China”. Isso são eles... Agora, o homem culto. Eu digo, por aí, um homem que sabe muito menos fatos, e conhece muito menos coisas concretas, mas tirou muito sabor das coisas. Ele é um degustador das coisas. Existe aqui, na seleção do café – eu não sei se existe na Colômbia, que também é muito plantadora de café; nos Estados Unidos, acho que não plantam café – existe uma profissão que é muito singular. Para verificar se um café vendido num determinado saco é de determinado tipo, ao menos até há alguns anos atrás – não sei se, depois, isso mudou – havia, nos escritórios de corretores de café, uma mesa – mas, assim uma espécie de pia com ralo e tudo o mais – e vários tipos assim, e um cozinheiro que ia fazendo café continuamente. E ele servia numa xicarazinha café para um especialista. O especialista não bebia o café, porque não podia passar o dia inteiro bebendo café, ficaria doente, mas ele punha o café na boca, bochechava, cuspia. Dizia: “Tal marca”. E, às vezes, chegava à tal perfeição que dizia: “Café paranaense, do sul do Paraná... – Café de Ribeirão Preto antes da geada; – Café de...” E o corretor tinha, aí, a segurança do que ele estava vendendo; ele podia garantir para os seus compradores que o café era da marca que o fazendeiro tinha dito; por que os tipos de café têm preços diferentes. Esse sabia tirar o sabor do café. Ele podia ignorar a composição química do café, podia ignorar tudo... Sabor do café era com ele. Não sei se vocês têm ideia se isso ainda existe; vocês brasileiros. (Aparte: Isso se faz muito com o vinho. E chegam à perfeição de precisão nessa matéria) Sim. Os especialistas, que entendem, sabem até a safra, às vezes: Château não sei o quê, ano tal... Fazem isso na Colômbia com café? (Aparte: Sim. É o único meio de fazer isso. A máquina não consegue degustar o café...) Não. Mas podia haver um “papelzinho de tornassol” que dá tal reação... podia haver... De repente aparece. Enfim, o “culto” é isso – é muito mais bonito exemplificar com o vinho do que com o café - mas, seja como for, é o homem que aprende as culturas, aprende o sabor das coisas. (Aparte: O senhor disse uma vez que o culto transforma a erudição em valores de convívio) É isso. Transforma a erudição em valores de convívio. Perfeitamente! Agora, acontece que o erudito não tem tempo de ser um homem de ação e o culto deve ser um homem de ação; porque, se ele não estiver mexendo com a vida prática, com problemas, ele perde um certo equilíbrio do espírito que lhe faz sentir essas coisas. O culto, propriamente, é um especialista da vida. E é por isto que ele acaba sentindo o gosto do vinho, mas acaba sentindo uma porção de coisas assim: do café... Mas não é só o material: ele tem a sensibilidade artística, ele tem sensibilidade cultural parta entender... Por exemplo, “Ambientes, Costumes e Civilizações” seria um outro exemplo de uma modalidade de cultura. Agora, existe um tipo que é assim – esse é o analfabeto de segundo grau – que aprendeu a ler e escrever porque a lei obriga ele foi para a escola e aprendeu a ler, a escrever; mas é tão bronco que ele não é capaz de se distanciar da realidade e entrar por um livro; entrar portas adentro num livro e prestar atenção no que diz o autor. Ou ele está continuamente prestando atenção nas coisas que se passam diante dele, ou ele não é capaz de pensar; o resultado é que ele não pensa, porque a gente pensa pouco sobre o que está se passando diante de nós. É preciso tomar uma certa distância para pensar. E este não compreende nada: é o inculto. Ele é analfabeto neste sentido: que ele desenha o nome dele e entende o desenho que os outros escrevem. Ele sabe ler, sabe escrever, mas não é um homem do qual o normal seja estar sempre lendo um livro. Um homem normal, culto, está sempre lendo um livro. E, à noite, antes de dormir, ele lê um livro, lê um pedaço de livro. Isso é o normal. O que é que eu quereria para as minhas queridíssimas TFPs? Por exceção – no caso de um chamado muito claro da Providência – algum erudito, um bom número de homens cultos e – não tem dúvida também – alguns analfabetos de segundo grau que podem nos prestar – e devem nos prestar – seus ofícios; mas sabendo, cada um deles o lugar que lhe compete. Então, isto aqui não é para formar especialistas da primeira parte da batalha de Salamita, não! Isto é um apelo para ter, com o tempo, homens cultos. Não sei está claro. (Claríssimo) E com isto está encerrado o que eu tinha que dizer.
Nota: Para aprofundar
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