Plinio Corrêa de Oliveira
Crise na Santa Igreja: como preservar sua Fé durante esta prova?
Conferência no III Encontro de Correspondentes Esclarecedores da TFP, 22-6-1984 |
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Pergunta: “Comentando a crise existente no tempo de São Luís Maria Grignion de Monfort, o Sr. mencionou alhures que os católicos tinham dois meios para se orientar diante das doutrinas divergentes: 1º) o cotejamento dessas doutrinas com as verdades sempre ensinadas pela Igreja; 2º) o discernimento dos espíritos. Pergunto: 1º) Sem negar a possibilidade de interação desses dois meios, ao que parece o mais conveniente, qual o meio dentre esses, o melhor, para que o católico hoje utilize para orientar-se diante da crise post-concíliar? 2º) Poderia o senhor explanar melhor em que consiste o discernimento dos espíritos e suas limitações? Peço uma explicação sobre os carismáticos dentro da Igreja”. *** Aqui é um curso de seminário, é um pequeno seminário... Eu não poderei senão dizer coisas muito resumidas a esse respeito. Mas eu enfrento. “Non recuso laborem”, vamos para frente. Então a pergunta é: “Sem negar a possibilidade de interação desses dois meios”, portanto, “o cotejamento com a doutrina e o discernimento dos espíritos”, então ele pergunta qual é, desses meios, o melhor para que o católico hoje utilize para orientar-se diante da crise post-conciliar. Depois no que consiste o discernimento dos espíritos. Fica mais fácil se eu disser uma palavra rápida sobre o discernimento dos espíritos. O discernimento dos espíritos é uma ação da graça sobre o homem, mediante a qual o homem fica mais habilitado a perceber aquilo que é tocado pelo bom espírito e aquilo que é tocado pelo mau espírito. A ação sobrenatural, aquilo que é bom, aquilo que fala de virtude, fala de santidade, fala de verdadeira fé, a alma tem como que um instinto, que percebe isso e que se deixa levar por isso. Pelo contrário, quando tem alguma coisa de mal, a alma tem um como que instinto, dado pela graça, que faz perceber que ali há alguma coisa de ruim e que põe de lado. A experiência de todos os dias mostra isso por várias formas. Eu me lembro aqui de um fato muito bonito da vida de um grande santo, do qual hoje em dia, infelizmente, não se fala muito no Brasil. Talvez se fale nos EEUU, na Europa, talvez na América espanhola se fala mais dele: São Clemente Maria Hofbauer, o grande apostolo do mundo germânico no século passado. Ele era de uma família muito modesta, muito pobre. E ele era entregador de pão nas casas. Mas nas horas vagas ele ia assistir aulas de teologia na Faculdade de Viena. Esse entregador de pão, apaixonado pela teologia é uma pequena obra prima da graça. Deixavam-no entrar, uma criança, um mocinho tão sem importância, deixavam entrar. E ele assistia a aula. E ele estava um dia assistindo a aula de um famoso professor de teologia de Viena. Viena como os senhores sabem, uma das grandes capitais da cultura européia, da inteligência européia, das belas maneiras, etc., ele estava assistindo essa aula quando o professor disse alguma coisa, ele interrompeu e disse: “o sr. permite, eu quero fazer uma objeção”. - “O que é”? - “Eu estou em desacordo com isso, por isso, por aquilo”. Indignação geral porque o padeirinho, menos do que isso, entregador de pães estava em desacordo com o grande “professor doctor fulano de tal”. Está bem. Ele manteve seu desacordo e, muito tempo depois, o erro do professor foi condenado pela Igreja. São Clemente, o futuro São Clemente Maria Hofbauer tinha percebido que aquilo era ruim. Era um trabalho da inteligência, mas era um trabalho do discernimento dos espíritos, ele viu naquele professor algo de ruim, algo de errado, que nos faz sentir no herege o herege. Às vezes de costas, quando ele está andando na rua, no modo de pegar o guarda-chuva... É evidente que a fé está duramente posta à prova na crise da Igreja. É uma coisa evidente. Como é que a pessoa pode defender a sua fé nessa prova? Pelos meios tradicionais. Ela deve estudar os documentos oficiais da Igreja, anteriores à crise; deve dar a esses documentos toda a sua adesão na medida em que, segundo o próprio ensinamento da Igreja, é preciso dar esta adesão; e ela deve fazer o cotejo, como bem diz o meu simpático consulente. Além disso ela terá muitas vezes, nem sempre, esse instinto por onde ela percebe para onde vai o erro. E ela, por outro lado, deverá ver quais são os sacerdotes, quais são os bispos fiéis ao ensinamento tradicional. Deve procurar por eles, deve fazer-se formar por eles. Ela pode recorrer também, como um mero eco da Igreja docente, não como elemento da Igreja docente, a leigos, a leigas também, cuja fé elas conhecem, e que acha que pode aconselhá-las bem. E rezar e pedir a Nossa Senhora que a proteja. Não há outro meio. Mas uma coisa é certa: nunca a tentação será maior do que a graça que a pessoa recebe. E se a pessoa prevaricar, ela de fato teve culpa, porque Deus não abandona ninguém dentro da confusão. A verdade é essa. Tenhamos ânimo, portanto, e não estremeçamos. A realidade é essa. Há um critério que é seguríssimo: quando nós vemos que em uma determinada corrente se favorece aquilo que do lado da virtude é censurável, é pelos menos muito improvável que ali a doutrina seja boa do ponto de vista da teologia. Em última análise, se há uma corrente religiosa que se diz católica, eu não tenho meios, eu, quer dizer A, quer dizer B, quer dizer C, não tenho meios para formar um juízo próprio, mas percebo que nesta corrente existe condescendência com modas contrárias à virtude cristã, condescendência com a violação de preceitos postos pela Igreja. Então, por exemplo, há um ambiente aonde as saias, onde os trajes são indecentes, aonde se favorece a ida a praias que não prestam, aonde o ambiente é de um relaxamento de todas as regras, relaxamento de todos os deveres, abolição de todo preceito, horror a todo sacrifício, eu tenho razões de sobejo para desconfiar que a teologia dessa gente não vale dois caracóis. Porque quem erra em matéria de moral, a moral se baseia na Revelação. Se eles erram em matéria de moral... É tão fácil conhecer isso... Se eles erram em matéria de moral, erram interpretando a Revelação erradamente em matéria de moral, no que diz à Santíssima Trindade, ou à Missa, ou qualquer outra coisa, como é fácil que estejam errados! Eu não arredo pé, esse não é ambiente para mim. Notas: É altamente recomendável a leitura do artigo de Dr. Plinio na Folha de S. Paulo intitulado "Quem ainda é católico na Igreja Católica?" (5 de janeiro de 1975): Para ler uma breve biografia sobre São Clemente Maria Hofbauer, citado nessa conferência, clique aqui. |