Plinio Corrêa de Oliveira
Castelos espanhóis: lição de idealismo, de senso do sacrifício, de maravilhoso e de Fé
Santo do Dia, 5 de maio de 1984, Sábado – Auditório São Miguel |
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A D V E R T Ê N C I A Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor. Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
1. Fortaleza de Almansa, na província de Albacete
Os Srs. devem distinguir nessa fotografia, depois do primeiro impacto que ela causa e que fez com que ela tenha sido recebida com alegria, com aclamação por todos, os senhores devem começar a fazer análise da fotografia. Como é que a gente faz uma análise da fotografia? Primeiro olhando e tendo a primeira impressão. Segundo procurando ver qual é a sensação que causou em nós a fotografia, em cada um de nós a fotografia, e ver qual é o fundamento que essa sensação tem na própria foto. Então, eu vou descrever como eu imagino essa fotografia e a grandeza que ela tem. Em primeiro lugar, é preciso fazer uma distinção entre dois campos visuais admiravelmente harmônicos, mas perfeitamente distintos. Um é o castelo propriamente dito, com a montanha que lhe serve de base; e o outro é o conjunto de nuvens extraordinárias que dão uma espécie de moldura para o castelo e que completam a beleza do castelo. O castelo mais as nuvens fazem centralizar toda a vista na torre. A torre dá impressão de uma altaneira, uma dignidade, uma majestade extraordinária. A gente tem a impressão de que ela enfrenta do alto desse monte, um inimigo que vem ao longe. Mas que ela o enfrenta com galhardia, olhando como quem ameaça e como quem diz: Chega que eu te esmago, não te temo. E não dá impressão que seja fanfarronada da torre, porque a fotografia é tirada com tanto jeito que a pessoa percebe aí atrás outras muralhas do castelo que mostram como o castelo é profundo e, portanto, quanta fortificação têm, quanta tropa têm, e quantos elementos têm a torre para resistir. Quer dizer, esse atrevimento da torre, esse fidalgo atrevimento da torre, tem a sua razão de ser. O castelo é poderoso e a torre não teme nada. Se nós nos colocarmos na posição de um comandante do castelo, que está colocado no alto da torre, e que vem vir de longe o inimigo, que tem por assim dizer, personifica em si tudo quanto a torre tem de heroico, os senhores notam, entretanto, que esse comandante do castelo da torre como o que desafia dois adversários. Um, é o adversário que vem de longe, que vem caminhando na terra, que vem no tropel de cavalaria, cavaleiros armados com espadas, com lanças, tocando olifantes e ameaçando chegar e escalar essa muralha que se confunde quase com a torre; e de outro lado, esse que está no alto tem outro adversário, são as nuvens do céu. Prestem atenção nas nuvens, elas se acumulam densas, majestosas, grossas, um pouco luminosas do lado de cá e do lado de lá escuras, carregadas, quer dizer, cheias de possibilidades de glória expressa na parte luminosa, mas (carregada) de ameaças de lutas expressa na parte sombria do fundo. Dir-se-ia que essas nuvens simbolizam o tremendo da batalha que deve dar-se. E seriam como que uma voz da história dizendo ao comandante do castelo, ao senhor feudal do castelo: “As ameaças da vida pairam sobre ti, chegou a tua hora de lutar. Sê herói ou serás esmagado”. Voltem os seus olhos agora novamente para o castelo e os senhores notarão uma coisa curiosa. É que o castelo, a gente tem a impressão que domina a rocha que está embaixo, é uma garra que domina a rocha que está embaixo. Os Srs. notam que o castelo está em cima de um monte e que o castelo domina a rocha, mas de tal maneira que os Srs. notam nesse muro da frente, a rocha, a gente tem impressão que escalou a muralha do castelo, e subiu quase até em cima e que o castelo está em luta com ela e lhe diz desdenhosamente, como quem estende o braço: “Tu não me alcançastes”. Tecnicamente falando, para as condições de guerra do tempo da guerra de arma branca, não da arma de fogo que usam hoje, mas esse castelo teve o seu significado militar antes das armas de fogo, é do tempo da arma branca. Tecnicamente falando, havia um inconveniente em que essas rochas subissem tão alto, porque davam ao adversário a esperança de subir, escarpar as rochas e saltar na muralha do castelo. Mas com certeza era uma rocha tão dura, e era uma mão-de-obra tão difícil, que eles preferiam contemporizar com a rocha porque sentiram que não podiam batê-la. Mas, com certeza também, do lado de lá de trás das ameias, que os senhores veem bonitas, nobres ali, ao longo de todas as muralhas, com certeza havia ali um dado de defesa com que o adversário tinha que contar e que deveria dar-lhe muito medo de subir até lá. É que nessa parte alta do muro é provável que eles tivessem todas as instalações postas para ter fogo em quantidade e com o fogo, água fervendo e chumbo derretido. De maneira que era só o adversário começar a escalar as rochas, que sobre ele vinham as torrentes de água fervendo, que lhe entravam armadura a dentro, queimavam o corpo. Chumbo derretido, muito pior, que produziam no corpo um ferimento medonho, mas mais, secavam na armadura e nas junções da armadura, secando, imobilizavam a armadura. E o soldado tinha que sair de dentro de sua armadura, se ele quisesse fazer qualquer coisa, porque estava com as pernas e os braços hirtos. Sem armadura, ele era um boneco na ponta de qualquer espada. De maneira que, até certo ponto, essa pedra aí era uma cilada para o adversário. Se o adversário ignorasse a existência desses recursos, ele subindo era liquidado. De maneira que era, ao mesmo tempo a rocha da cilada e a rocha da vitória. Os senhores notam uma coisa que com certeza se abriu, depois que cessaram as guerras contra os mouros na Espanha e que o castelo perdeu a sua significação militar. Os senhores notam ali, luminosa, uma portinha. Os senhores notam que passa luz por lá. A luz passa por lá, a portinha foi aberta muito depois por alguma necessidade de comodidade, de residência, de qualquer coisa, quando o castelo deixou de ser uma fortaleza para ser a residência dos senhores feudais proprietários de toda aquela zona, que viviam então, cômoda e despreocupadamente dentro do castelo. Foi o período em que os castelos começaram a se ornar de móveis preciosos, de tecidos, de quadros etc. e eram destinados ao esplendor da vida, depois de serem destinados ao heroísmo da vida. Os senhores notam ainda, uma coisa que provavelmente não existia no tempo em que o castelo tinha significado militar. Os Srs. notam uma vegetação ao pé do castelo. Com certeza naquele tempo isto estava arrasado, eles não permitiam que crescesse, porque era um lugar onde o inimigo podia se disfarçar, e nas cercanias do castelo tinha que estar tudo raso, para o inimigo não poder se disfarçar, para ele não poder se ocultar, se defender contra as flechas que do auto do castelo jogassem contra ele. O fato é que a história correu sobre o castelo, ele deixou de ter utilidade militar, ele passou a ser um castelo de conforto, o castelo do proprietário de uma fazenda magnífica em torno. Os seus muros, suas paredes foram recebendo sóis, os sóis calcinantes da Espanha, as chuvas gélidas da Espanha. A pedra quando mal tratada pelo tempo, adquire uma beleza extraordinária. Os Srs. analisem a cor dessa pedra, dir-se-ia que é de âmbar, que não é da pedra corrente. E o artista, com senso muito grande, soube fotografar o castelo, numa hora em que a luz batendo nele, faziam parecer quase de âmbar ou de porcelana. É um castelo de sonhos, um castelo irreal. Depois com o tempo e com a vida do conforto moderno, esse tipo de castelo começou a ser abandonado e não servia mais para residência. A residência era construída em baixo, que era uma residência moderna, prosaica e uma “nhonhozeira” [neologismo originário da palavra nhônhô, ou seja, o filho do “sinhô”, que tem como objetivo para sua vida simplesmente vegetar egoisticamente, n.d.c.] qualquer.
Qual é a missão de um castelo desse? Lembrar a alma comodista do homem contemporâneo, alguma coisa que o deve envergonhar. É que ele perdeu o senso do sacrifício, ele perdeu o gosto da luta, ele não sabe mais o que é ser herói. Para as populações acovardadas de hoje em dia o castelo é uma lição de moral, que fica proclamando a grandeza de alma dos espanhóis da Reconquista, que por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, à Nossa Senhora e à Santa Igreja Católica, foram povoando a Espanha de castelos à medida que iam reconquistando a Espanha, para que os mouros não pensassem jamais em voltar, porque se eles quisessem voltar, encontrariam essa rede de castelos para fazer oposição a eles. A verdade é que uma vez expulsos não voltaram nunca mais. Os dias e as noites se sucederam no castelo solitário. Um dia passou por aí um fotógrafo alemão. Esse fotógrafo queria - ele diz isso no prefácio - ilustrar o que significava a expressão, que com certeza meus “enjolras” não alcançaram mais, mas que mesmo em gerações posteriores à minha ainda se usava: Fulano está sonhando com castelos na Espanha, quando se queria dizer que eram castelos de uma beleza quase irreal, quase impossível de existir, diziam-se castelos de Espanha. Ele declara no prefácio que ele quis fotografar esses castelos, de maneira que se compreendesse o que havia de maravilhoso num castelo da Espanha, de tal maneira tal que o mundo inteiro falando de castelos da Espanha, falasse de castelos por excelência. Os Srs. já imaginaram, quantos e quantos dias esse homem permaneceu ao pé do castelo, até que as nuvens tomassem esta exata posição que tomaram e que o castelo tomasse essa exatamente esta luz e ele aí fotografou? Quantas fotografias que não foram aproveitadas, até sair a fotografia 1001 de uma beleza perfeita, que ele incorporou no álbum dele? De dia normalmente o castelo não têm toda essa beleza, é preciso a alma de um fotógrafo artista, que pegue o castelo no momento em que ele faça espiar a sua beleza. É um momento passageiro, em que o objetiva do fotógrafo, mas um fotógrafo grandemente artista, disse o que ele entende de maravilhoso nesse castelo. Aí os Srs. têm um castelo na Espanha. Heroísmo cristão, heroísmo que nasceu no mundo na hora em que Nosso Senhor Jesus Cristo expirou na Cruz. E que então, Ele redimiu o gênero humano, e a Santa igreja católica pôde começar a espalhar-se entre os povos. Aí nasceram coisas dessas. Meus caros, para frente! 2. Castelo de Coca, em Segóvia
A primeira impressão que se tem, é de que é uma coisa irreal, a vontade se tem de dizer: não, isso não existe! O castelo... com a felicidade de costume, o artista soube fotografar o castelo numa hora de um contraste muito feliz. Ele procura com freqüência nas fotografias dele, os céus sombrios com os castelos muito iluminados. Os Srs. imaginem que não houvesse céu sombrio ali e que houvesse um céu azulzinho, os Srs. não acham que o castelo perderia? Por que que uma ameaça assim, um céu tão ameaçante, tão ameaçador, fica bem para o castelo? É uma pergunta que os Srs. poderiam tentar resolver por si mesmos. Mas, em atenção à jovem idade, eu vou dando os passos para se fazer a análise da coisa. O céu está muito sombrio, mas não é sombrio de qualquer maneira. Os Srs. notam nele uma parte que está luminosa. Dir-se-ia que um raio acabou de passar por lá como um corisco, e que deixou um resto de luz ali e que será talvez esse resto de luz que ilumina tão magnificamente o castelo. Que castelo! A gente tem a impressão de que ele é tão grande, tem tantas torres, tem tantos salões, tem tantos espaços, tem tantas muralhas, que se diria que é um castelo sem fim. É o castelo incalculável, é o castelo incomensurável, é o castelo de conto de fada. A gente imagina esse castelo voltado para o viver delicioso dos que nele habitam. Então imagina salas, salões, imagina uma capela interna magnífica e grande como uma catedral, imagina sala de refeição estupenda, salas de recepção estupendas, salas de trabalho, de conversa política, de reuniões políticas maravilhosas, dormitórios extraordinários, imagina todas as formas do conforto do tempo em que esse castelo foi construído, instaladas ali para um número indefinido de personagens que ali habitam. Personagens nobres, vestidos com riqueza, com maneiras requintadas, que quando se encontram pelos corredores fazem grandes reverências, que se saúdam com cerimônia, mas que ao mesmo tempo cochicham e fazem política, uns para outros, uns contra outros, no vai e vem da vida de todos os dias. Realmente, esse castelo em indeterminado momento foi assim e foi construído com uma preocupação artística muito apurada. Os Srs. notarão, por exemplo, que quem construiu o castelo teve a preocupação de fazer nele umas estrias brancas, de maneira que ele é marcado por umas listas brancas em toda a sua extensão. Eram pedras de outras qualidades trazidas para formar uma espécie de alternativa e concorrer para a beleza do castelo. Os Srs. notarão no castelo, na parte bem central, um torreão. Um torreão, que é um maço de torres coligadas entre si. Em torno desse torreão, percebe-se que há por detrás dos muros, um pátio enorme. Depois esse pátio é cercado por altas muralhas, com torres também grandes em número enorme, e na ponta de cá, um maço de torres, especial que faz uma espécie de equilíbrio com o maço de torres do centro. Depois isso se repete, porque considerado como um todo, aquele torreão central, mais o pátio, mais os muros, os Srs. percebem que tem depois mais outro pátio e depois mais muros para depois chegar a parte externa do castelo. Não sei se interpreto bem fotografia, mas parece que o castelo é cercado por um valo de água ou por um rio. É como eu seria elevado interpretar a parte clara, luminosa, que tem aqui embaixo. Mas não sei se não será um engano da minha interpretação. Qual é o significado militar desse castelo? O castelo nos fala sem dúvida, de uma vida requintada, de uma vida nobre, nos fala sem dúvida das mil delicadezas da civilização cristã. Mas as delicadezas da civilização cristã se deterioram quando elas vivem num clima sem heroísmo. Onde está o heroísmo desse castelo? Todo ele é feito para combater! Ele é uma fortaleza e uma fortaleza calculada para resistir a um cerco tão longo, que o adversário desista, a um cerco tão longo que o adversário vai ficando cada vez mais com menos gente, e perceba que não pode lutar e fuja durante uma noite. A um cerco tão longo que dê para que os castelães assediados possam mandar avisar os aliados, e os aliados venham ao socorro deles. Um castelo tão enorme que quase não se possa imaginar como é que uma tropa possa cercá-lo inteiro. De maneira que ele sempre fica com uma saída livre, para saírem os avisos e entrarem os aliados. Os Srs. percebem que é um castelo inconquistável, ou que ao menos é muito difícil de conquistar. Quando acontecia dos adversários serem tão numerosos que conseguiam fazer o cerco no castelo, como é que o castelão se defendiam? Como é que ele mandava um aviso aos seus aliados? Pombos correios soltos do alto daquela torre, da torre central, ou desta outra torre aqui do ângulo, dos pontos mais altos do castelo, para o pombo levantar voo muito alto e não poder ser atingido pelas flechas do adversário. Pombos correios que levavam como os Srs. sabem, na patazinha, amarrada por uma pequena argola, uma mensagem: “Venha já porque estamos sitiados”. Só isso, assinado, fulano. E era do chefe Sr. feudal desse castelo para um Sr. feudal vizinho, aliado dele, parente dele, amigo dele, eventualmente irmão ou primo dele. Às vezes os castelos assim, muito seguros, tinham ainda uma outra saída que era o subterrâneo. E as vezes tinham vários subterrâneos que iam dar em lugares tão distantes que o sitiante não sabia onde era. Era uma gruta de onde de repente se movia uma pedra e saía de dentro um mensageiro rápido como um corisco. Se não era uma gruta, era uma velha árvore, várias vezes centenária, na qual se tinha aberto uma saída e de dentro da qual pulava fora de repente um homem e saía correndo. E isso em regiões muito diversas e as vezes guarnecidos ali, com um guarda oculto, de maneira que se o adversário quisesse entrar ali, de repente uma flecha mortal o pegava pelas costas e ele morria. Qual é o sistema de defesa do castelo? O sistema de defesa é este. No meu primeiro plano tem toda uma série de muralhas, no alto dessas muralhas, os Srs. devem imaginar nos grandes dias de cerco, no alto dessas muralhas, guerreiros. Do alto das outras muralhas gente com arcos e flechas, atirando em quantidade sobre os que estavam em baixo. E as vezes as flechas incendiadas, de maneira que queimavam a pessoa que feriam. E as vezes iam bater longe na retaguarda, onde estava o nobre que dirigia o assalto do outro lado. E portanto, muito perigo para a manutenção de todo os ataques do exército. Se porventura, o sitiante conseguisse sitiar, ou arrombar, ou penetrar nesta muralha, ele teria depois toda uma outra batalha para a segunda muralha, e depois uma batalha para a terceira muralha, de maneira que eram três guerras concêntricas. Ora, o castelo era sempre sediado por gente que vinha de fora, os habitantes do lugar não davam comida, e davam caminhos errados quando perguntavam o caminho - informavam errado. Durante à noite, quando eles dormiam, procuravam pegar fogo nas tendas deles, etc. De dia quando eles se apresentavam para combater, eles estavam expostos ao ar livre, contra gente combatia de trás de murada. Os Srs. compreendem que um castelo desse é uma potência. Daí, desta idéia de resistir sem fim, de resistir sempre, de resistir com coragem, vem um certo ar de heróico que esse castelo tem e que forma o melhor da elegância dele. Uma das melhores definições da elegância talvez seja a leveza e distinção do guerreiro quando descansa. Quem não é batalhador, quem não é polêmico, esse não tem verdadeira distinção, não tem verdadeira elegância. Aqueles nobres que lutavam assim contra as investidas árabes, fortemente apoiados pelos seus camponeses, dos quais eles viam filhos e que os tratava como pais, esses, esses nobres, eles realmente fizeram a defesa da Espanha e liquidaram para a Europa, o perigo muçulmano. Podemos ir para frente. 3. Mosteiro de Rodila, na província de Burgos
Desse monastério, desse mosteiro, resta apenas uma torre. Essa torre é um caco de torre, colocado sobre uma elevação de terra que não chega a ser uma montanha. Entretanto é inegável, que fotografada pelo nosso alemão de um angulo exato, essa fotografia dá uma impressão de heroísmo verdadeiramente sublime. Como é que um tal caco dá essa impressão? E por que é que uma torre de um mosteiro que dá essa impressão? Um mosteiro não é feito para rezar? Como é que um mosteiro pode ter uma torre combativa como essa? Quem sabe se era uma torre para carregar nobres e pacíficos sinos de bronze? E não para servir de amparo à guerreiros como eu estou imaginando? Um mosteiro-torre, um mosteiro-fortaleza, quero dizer, que sentido tem isso? Não haverá uma interpretação irreal dentro disso? Não sei se estou claro? A resposta é muito simples. As guerras internas que a Espanha teve que enfrentar, foram guerras de religião, eram guerras de maometanos, árabes contra católicos de origem visigótica, de origem latina ou visigótica, mesclados. Os mosteiros eram ferozmente atacados pelos árabes, porque eles queriam exterminar a religião católica. Esses mosteiros muitas vezes eram no campo, não eram dentro das cidades, mas eram no campo, muitas vezes. Porque os seus monges queriam viver longe da cidade, no recolhimento e na solidão. E para realizarem isso, estarem ao abrigo dos ataques dos árabes, eles precisavam ter mosteiros-fortalezas, grandes igrejas, grandes conventos, grandes obras de caridade dentro, hospitais e outras coisas para atender os pobres da região, para atender os necessitados etc. Mas fortalezas redobradas, defendidas por monges que não raras vezes obrigados pelas exigências da defesa própria, eram monges guerreiros. Suas mãos muitas vezes ungidas, porque muitas vezes eles eram sacerdotes, suas mãos de manhã seguravam, tinham as Sagradas Espécies, seguravam o cálice. As suas mãos seguravam o rosário, as suas mãos benziam, serviam-lhe para ministrar os sacramentos, davam absolvição, eram mãos símbolos de bênção e de paz. Se de longe chegavam os árabes, o risco de vida era evidente, o risco de blasfêmia, de profanação dos lugares sagrados, de violação das mulheres das redondezas, que para fugirem dos árabes se abrigavam atrás das muralhas do convento. Os próprios monges corriam o risco de serem exterminados, era a hora da coragem, essas mãos empunhavam a espada. Não espantava encontrar na guerra Santa, mãos sagradas. Essa seria provavelmente uma torre que restou das fortificações do mosteiro. Agora analisemos um pouco a torre. Ela tem qualquer coisa de heróico. O que que há de heróico nela? É que nós a sentimos grossa, mais grossa do que o seu diâmetro pediria. E isso dá a impressão de que era uma torre feita para resistir a toda espécie de ataques, porque grossa assim era uma torre de combate. Essa torre posta ali tem uma espécie peso e de firmeza, como o que diz: aqui estou e daqui ninguém me tira, resistirei a tudo. E com efeito, se nós olharmos para a parte de cima da torre, nós percebemos uma parte elevada, uma espécie de bico, que parece ter resistido, é algo que faz parte de algo da torre que caiu, mas que ainda resiste ali, como quem diz: não senhor eu resisto e a mim não tiram daqui. Testemunha de gloriosas e antigas batalhas, de uma missão histórica esplendidamente realizada, essa torre é uma lembrança do passado, quase uma relíquia abençoada pelo céu. É por essa razão, que os senhores consideram a felicidade única que teve o fotógrafo em apanhar o movimento das nuvens acima da torre. Há um maço de nuvens mais central, que parece estar diretamente em cima da torre. Ao fundo o sol se põe. As nuvens partem desse maço central para vários lados e são iluminadas pelo sol, exceto algumas que o sol não atinge e que estão escuras. A gente tem impressão de que a luz avança por esse céu cheio de nuvens, o ilumina e cobre como uma espécie de auréola a torre. E indica, essa torre teve em várias direções, grandes missões e a cumpriu com glória. O amor de Deus por ela paira sobre ela e a ilumina. Neste sentido eu acho que o fotógrafo teve um censo artístico raro. Eu não sei quanto tempo ele teve que esperar até que aparecessem nuvens que dissessem o que está dito aí. Eu acho que as nuvens são mais importantes do que a própria construção, para nós compreendermos a beleza da torre, a expressão moral da torre, a alta expressão moral da torre. Eu gostaria aqui, de mostrar aos Srs., fazer os Srs. sentirem bem ao vivo, tocarem com a mão, tudo quanto as inovações do nosso século têm de degradante. Os Srs. imaginem colocado por exemplo, sobre uma espécie de parte de planície que havia junto a torre, a torre como os Srs. veem fica num esporão, ela tem diante de si uma zona algo que desce até uma zona mais baixa, mas atrás de si ela tem uma espécie de planície. Os Srs. imaginem que tivesse nessa planície, por exemplo encostados, transitando por aí imaginem um jipe. É ou não é verdade que a simples presença de um jipe estragava o panorama? Comparem todo o talento que entra para a construção de um jipe, quantos homens tiveram que pensar para serem capazes de ter um jipe. Todas as facilidades que um jipe conserva, proporciona ao homem, como por exemplo, transportar eremitas e “enjolras” é uma coisa magnífica que um jipe pode fazer, até para a boa causa é esplêndido! Bem, os Srs. põem a ferralha toda de um jipe aí, insulta a torre. Mais ainda, eu que fiz dessa torre um elogio tão fogoso, se tivesse um jipe eu não permitiria que fosse projetado aqui; nem um jipe, nem qualquer forma de máquina moderna, um trator, que digo eu, um lindo Mercedes ou um lindo Rolls Royce, não ficariam bem ao pé dessa torre. Tem a marca mecânica de nosso século e aí são eras de heroísmo que não se compaginam com isso. Bem meus caros, vamos ver mais duas fotografias. 4. Fortaleza de Monte Alegre, em Valladolid
Monte Alegre...! Nas proximidades do Êremo de Amparo de Nossa Senhora, existe uma cidadezinha chamada Monte Alegre. Nas raras ocasiões em que eu tenho tempo para me distrair um pouco, eu vou de automóvel acompanhado com a comissão São Pio X, eu vou à Monte Alegre e nós visitamos um pouco a cidadezinha. Naturalmente como tudo que há hoje, ela vai perdendo o seu encanto porque lentamente ela vai se modernizando. Mas ela tem as velhas casas confortáveis, agradáveis, uma população habituada a uma vida muito ordenada, muito tranqüila. Tem numa espécie de parque, colocado de lado, um velho trenzinho dos que serviam antigamente Monte Alegre, no tempo em que os trens chegavam até lá e ali era uma ponta do café que ia penetrando pelo Estado de São Paulo. Os trens estão abertos e é fatal, que quando eu vou com enjolras que estiveram lá, eles pedem licença e vão pulando para dentro do trem. Entram na máquina, entram nos vagões, entram de um lado e de outro e é muito legítimo, se distraem e o trem está ali para ser visitado mesmo. Tem uma piramidezinha feita de cimento, muito modestazinha, com a lista dos expedicionários de Monte Alegre que foram lutar na Itália. Mas no total é uma expressão encantadora da vida tão tranqüila, tão serena do interior brasileiro. Como é diferente desse heroísmo extraordinário, que está representado aqui e que fala dos séculos de luta e de reconquista. É provável que os Srs. tenham tido como eu, uma primeira surpresa quando viram pela primeira vez essa fotografia. Porque essa torre quadrada que está aqui na frente com a quilha diretamente assestada para bater entre os dois olhos, em cima do nariz, da pessoa que está olhando a fotografia, ela tem uma catadura, uma grossura e uma seriedade, nenhum ornato, limpa de qualquer ornato, ela vem lisa e rasa de cima até em baixo. Nenhuma janela aberta. A gente se perguntaria se tem quartos dentro dessa torre ou se isso é de pedra maciça. Mas quando o olhar se estende sobre a superfície do castelo, nota que o resto é do mesmo gênero. Olhem aqui para a esquerda, nada; olhem aqui para a direita, nada, a não ser na extrema direita ali em cima uma janela e em baixo uma porta. Mas a gente tem impressão de que essa porta e essa janela foram abertas em séculos posteriores e ao mesmo tempo um pouquinho. Que impressão dá essa torre, dá esse castelo? Coragem, altaneira, coerência. A alma do homem coerente é como uma dessas torres. Não têm fenda nem fissura, nem concessão, nem abertura. Os muros que ligam entre si essas várias torres, sistematicamente assim: torres retangulares nos ângulos da fortaleza, torres redondas no centro; os muros que ligam essas torres são muros também de pedra, altos, inacessíveis. Não se sabe como é que essa gente poderia alguma vez ser conquistada. Também não se sabe que tenha sido conquistada. O castelo não tinha janela, a muralha não tinha ornato para não ajudar a escalar em nada. Quem quisesse conquistar, tinha que ter escadas tão altas que chegasse até lá em cima. Como conseguir? Não podia nem vir em jogo lançar uma corda lá, que deitasse em uma dessas ameias, para depois subir pela corda, porque muito antes do assaltante chegar em cima, os defensores teriam cortado a corda e ele teria caído. Mais ainda, deixa-lo-iam subir um bom tanto... Há um velho provérbio português que diz e deve ter seu correspondente em castelhano: quanto maior a altura, maior o tombo. Mas como vivia essa gente que morava no castelo? Todas as janelas davam para um pátio interior e nesse pátio com certeza, ou ao menos é provável, havia plantadas bonitas laranjeiras, bonitos pés de romã, bonitas árvores que dão na Espanha e que perfumam todo o ambiente, produzem flores, produzem frutos; uma fonte, um chafariz em que se ouvia o cântico das fontes enquanto das torres partiam os brados dos guerreiros lutando, as ameaças de lado a lado etc. Dentro, para a vida quotidiana, para a vida de distensão, uma capela, uma residência confortável para o senhor, residências para os servidores, residências também para a população das cercanias, porque quando os árabes se aproximavam, toda a população do castelo fugia para dentro do castelo. O castelo era uma espécie de amparo para toda a população e não só residência do senhor feudal. E a população iam para dentro com as riquezas que tinha: levava seus animais, levava seus móveis, tudo. Eles sabiam com antecedência do adversário que vinha, por estafetas etc. e eles se recolhiam. Quando o adversário chegava não encontrava nada para devastar de coisa viva ou pertencente aos vivos. Às vezes eram os próprios rebanhos que eram levados para ali dentro. Então, dentro havia uma verdadeira aldeia. Havia o ferreiro que faziam ferraduras para os cavalos, havia uma verdadeira aldeia com tudo que os Srs. quiserem. E na casa do senhor feudal, com uma certa freqüência - a casa fazia parte do próprio castelo, estava encaixada no muro - uma escada com patamar de cima grande, e nesse patamar, em certos dias, punham uma cadeira ou uma poltrona alta, mais ou menos um trono, e ele fazia o papel de juiz das questões que eram discutidas. Casa para o capelão, etc. era uma cidadezinha que tinha nessas torres; risonha e encantadora dentro; terrível fora. Se alguém quer ter idéia do que é heroísmo, mas heroísmo colocado diante de perspectivas terríveis e portanto levado a uma confrontação com o péssimo, varonil e que avança; heroísmo que tem em alta conta o censo do sacrifício, que não tem medo da morte porque é o heroísmo do católico, que sabe que outra vida o espera e o sorriso de Nosso Senhor Jesus Cristo e a bênção de Nossa Senhora, porque ele morreu lutando pela fé, os Srs. tem nesse castelo um símbolo magnífico. Os Srs. notam aí uma constante do trabalho desse fotógrafo. O castelo todo iluminado e o céu escuro. Bem, chegamos ao último castelo. 5. Fortaleza de Consuegra, na província de Toledo
Não é verdade que fica muito mais bonito dizer em espanhol a coisa do que em português? Toma um ritmo! Ele soube, o fotógrafo, valorizar muito o castelo por causa do ângulo em que ele tirou a fotografia. Ele tirou a fotografia como uma pessoa que está aqui embaixo e que vê o castelo isolado ali no alto; um pouco como um brinquedinho, um pouco como uma defesa tremenda. Ele fica pequenininho dentro desse panorama largo, grande. Mas de outro lado a gente olhando, a gente vê que de perto, em comparação com as dimensões de um homem ele é colossal e quase não tem muros, ele é quase só feito de torres. Os Srs. notarão que é um feixe de torres. O que explica o caráter heróico que ele deixa transparecer. Qual era a vantagem da torre? A vantagem da torre é que, se se ataca uma muralha, duzentos homens atacando uma muralha, podem fazer um esforço conjunto. Na torre, como ela é redonda, só cabe contra cada parte da torre um esforço individual. Porque o indivíduo que está atacando a torre em uma linha, não é ajudado pelos que estão na outra linha. Não sei eu me exprimi bem? O que torna naturalmente a defesa muito mais eficaz e muito mais interessante. A gente imaginando que o defensor está protegido contra pedras que rolam, contra chumbo, contra água fervendo, contra setas. Se... se o agressor conseguir subir até o alto da torre, ele sobe dois ou três que são estrangulados, massacrados em cima. É difícil fazer subir o número de agressores proporcionado ao número de defensores que está no alto da torre. A gente compreende como as torres olham com desdém para essas elevações de terreno, olhando para os adversários que poderiam pretender atacá-la. Elas estão ali, impávidas. Os notam uns pequenos estandartes de aqui, de lá e de acolá. Como seria bonito esse ambiente se os Srs. imaginassem ali um cortejo da TFP. Bem meus caros, vimos já um belo número de castelos. Bem, mais um só. 6. Castelo de Trujillo, em Cáceres
A tática na construção desse castelo é bem diferente: as muralhas são longas e enormes. De vez em quando umas torres. Se eles fizeram muralhas tão grandes, por que colocar as torres salientes ali? Não era melhor já deixar tudo de uma vez muralha? Qual é o papel militar da torre? O papel militar da torre é que os que atacam são contra atacados de frente e dos dois lados. E isso dá aos defensores um embasamento ainda melhor. Eu tenho certeza que algum dos Srs. estarão se perguntando o seguinte: “mas no fim, se eram tão formidáveis esses castelos, do que adiantava fazer guerra? Porque ninguém sobe, toma homens contemporâneos e manda tomar isso a unha. Como é que se chega até lá?” É que os homens não eram os contemporâneos. Era outra gente, era outra coisa. Não tinham conhecido a putrefação da civilização nascida das três Revoluções. Eles levavam altas escadas, eles levavam catapultas, que eram aparelhos que faziam voar pelo ar pedras pesadíssimas que caíam sobre os que guarneciam a muralha. Eles levavam dardos incendiários e às vezes barricas com material incendiário, que não caía na muralha, caía na cidadezinha dentro e pegava incêndios e, portanto, causava o alarme lá dentro. E isso eles tinham em quantidade. E às vezes escadas que era possível emendar uma na outra, na outra, na outra até chegar em cima. De maneira que as torres eram conquistáveis. As torres e muralhas eram uma bela defesa, mas não eram inexpugnáveis. Era árduo tomar um castelo, mas que glória ter conquistado um castelo. Os Srs. notam que uma parte das fortificações não existe mais. Está arrasada. Os Srs. notam aqui mais claramente isso. Aqui o arrasamento foi mais completo. Por que razão isso? É porque, em geral, nos séculos em que a arma de fogo começou a ser utilizada, esses castelos perderam o sentido militar para as grandes guerras, quer dizer, numa grande guerra o castelo não podia resistir; metia um canhão em cima disso e o castelo caía. Mas o castelo servia muito para que os nobres fizessem luta, guerrilha local contra o rei. O rei não ia mobilizar um canhão para abater qualquer guerrilha. Ele tinha que mandar soldados de fuzil, de carabina... a carabina naquele tempo o que que podia contra isso? Então os reis quando saía revolta, algum castelão se revoltava, quando eles dominavam procuravam desmantelar uma parte da fortificação. De maneira que nunca mais o cavaleiro tentasse se revoltar. É bom ou é ruim? Os Srs. ouvem isso com tristeza ou ouvem com alegria? Eu dou os prós e os contra. O lado pelo qual ouvem com tristeza: são símbolos magníficos de heroísmo que eram assim arrasados. A pujança dessas populações, para defender as suas autonomias regionais contra os reis, ficava assim liquidada. Era a máquina do Estado que entrava e que ia achatando tudo. Já era o remoto, remotíssimo começo do socialismo. Mas de outro lado também, é verdade que um país em que a três por dois se encontravam fortificações onde nobres pudessem opor-se ao rei, era um país que não podia ter ordem. Então, qual era a melhor coisa? Abater os símbolos do heroísmo e fazer um país nhonhô? Ou deixar o país na desordem para ele ter heroísmo? Qual é a solução que os Srs. levantam? Se é que tem uma solução. Não há solução! Porque a solução seria ter senhores que não quisessem revoltar-se. E ter reis quem não quisessem liquidar com os senhores nem com as autonomias locais. O mal estava em que os reis e os senhores e os povos, estavam decaindo religiosamente. Era a decadência religiosa das três Revoluções. Então, nada mais funcionava bem. E foi esse não funcionar bem que nos conduziu ao caos de hoje. Os senhores tirem Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora e a Santa igreja, o caminho é do caos. A isso, esse castelo semidemolido poderia ter como título melancólico “o primeiro passo do socialismo”. E o pior é que é um passo irremediável. Porque ou é a tirania socialista dos reis que vai se impondo, ou é do outro lado, um caos inaceitável. Qualquer dos dois lados dá em erro. Meus caros, "fugit"! ("fugit irreparabile tempus - o tempo foge inexoravelmente"; frase de Virgílio recordando que o tempo passa rapidamente). |