Plinio Corrêa de Oliveira

 

O Santo Rosário:

por que e como rezá-lo?

 

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 10 de março de 1984

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

Meus caros!

O tema não me poderia ser mais grato, nenhum tema me poderia ser mais grato do que o tema do Santo Rosário. Falarei, portanto, a respeito dele na medida em que o que há em mim sobre ele de adesão, de devoção e de recordação possa me ajudar. E vamos entrar diretamente no assunto.

O fato narrado aqui e tão bem declamado de São Domingos, do modo pelo qual ele recebeu a revelação do Rosário, depois como ele entrou na Catedral e depois o terror que as palavras dele espalharam diante dos albigenses; depois como ele rezando fez recuar a tempestade, a punição e por esta forma foi demonstrando cada vez mais quanto essa devoção era agradável a Nossa Senhora e com isso foi recuando a heresia albigense, tudo isto merece um pouco de desenvolvimento aos vossos olhos. Vós encontrareis algumas analogias supervenientes entre aquela situação e aqueles fatos e os fatos dos dias que correm. Analogias que são para vos incentivar a rezar o Rosário hoje e cada vez mais. Quais são essas analogias?

Em primeiro lugar: albigenses. O que vem a ser essa heresia dos albigenses? Para vós, na vossa juventude, ela se perde na noite dos tempos... Primeiro se falou no século de São Domingos... Meus Deus, este São Domingos!... Que São Domingos é este? São Domingos de Gusmão, o grande São Domingos de Gusmão, fundador da ordem dominicana, uma das grandes ordens religiosas da Igreja. Ainda hoje florescendo, em alguns países, de modo admirável como, por exemplo, na Espanha. São Domingos de Gusmão viveu numa época em que a Idade Média estava às voltas com o problema da Revolução.

Nós costumamos apresentar o quadro histórico da seguinte maneira: veio a Idade Média e depois, em certo momento, arrebentou no campo da Revolução “A” sofistica, no campo da Revolução “A” tendencial, arrebentaram determinadas tendências que deram origem ao protestantismo, à renascença e ao humanismo. Depois, isto frutificou pessimamente e deu origem à Revolução Francesa, pior ainda deu origem à Revolução comunista  e pior ainda deu origem à IV Revolução. Nós temos, portanto, a impressão de que a História foi um manso lago azul, pelo menos desde Constantino quando cessaram as perseguições até Lutero quando recomeçaram as perseguições contra os católicos.

Foram, portanto, mais ou menos mil anos de tranquilidade em que se construíram belos castelos, lindas catedrais, em que a humanidade vivia cada vez mais virtuosa com as ordens religiosas se estendendo, as dioceses se multiplicando, o papado cada vez mais dominando, triunfando pelo mundo e a cristandade preparada para a grande expansão que ele teve de fato no século XVI. Expansão de que o fruto é este aqui: esta sala cheia de luso americanos, de ibero-americanos, nascidos das navegações. Se não fossem as navegações não haveria Brasil, não haveria os países hispanos, tudo isto seria taba de índio por aí afora de acordo com o programa da esquerda católica. Dom Casaldáliga e outras coisas que nós conhecemos bem...

Na realidade, este quadro nós não apresentamos assim. Nós declaramos que esse período entre Constantino e Lutero foi um período de grande esplendor para a Igreja, mas nós não damos a ideia do manso lago azul que, entretanto, fica no espírito de quem ouve pela falta de tempo em que estamos para entrar na narração de vários fatos que houve entre Constantino, o imperador romano que cessou as perseguições contra os cristãos, contra os católicos e mandou fechar o culto pagão por todo o Império Romano, limpando o Mediterrâneo da cadeia pagã, transformando-o num lago católico até Lutero.

Não houve um manso lago azul. Muitas e muitas vezes o mal e o mal que fazia pressentir a Revolução, o mal tentou levantar a cabeça. Muitas e muitas vezes, sobre estas ou aqueles aspectos foi preciso esmagá-lo e foi possível esmagá-lo.

O que apresentou a crise protestante de novo, a crise do humanismo e da renascença? O que isto apresentou de novo foi o fato de que os bons, só em parte, conseguiram esmagar os maus. Os maus obtiveram uma meia vitória que se transformou com o curso do tempo numa vitória completa. Mas, na realidade, batalhas houve e as houve muitíssimas em que foi necessário esmagar germens de Revolução que, afinal, no século XVI explodiram. Podiam não ter explodido, porque na História nada há de fatal. Mas no século XVI, no século XV, suponhamos... se os senhores quiserem estudar meticulosamente a História podem falar em século XIV, começaram os bons a ser menos bons. E porque os bons foram menos bons, os maus começaram a avançar. Antes disso, os bons foram sempre muito bons. Houve maus e houve péssimos, mas os bons derrotaram o mal!

A heresia albigense, cujo nome provém do nome da cidade de Albi, na França, que se espalhou mais ou menos por toda a Europa, esta heresia, era uma heresia oculta e tinha necessidade de ser oculta, porque naquele tempo a Igreja perseguia os hereges e não lhes permitia que fizessem propaganda de suas doutrinas. Então, eles, para fazer a propaganda, tinham que a fazer por debaixo do tapete. Esta heresia continha uma série de doutrinas cuja análise eu não vou fazer aqui, mas que eram doutrinas que conduziam a muitas doutrinas modernas. Eu não li e não fiz o estudo com tanto cuidado que eu possa fazer uma afirmação, mas segundo coisas que eu li um pouco por alto, uma famosa “Tullezelschaft”, sociedade de Tulle, que era uma sociedade secreta (hoje já muito estudada e de que falam muitas revistas históricas) sobre a qual se baseou o nazismo, ela era no fundo uma continuação da doutrina albigense. A tal ponto que, quando na II Guerra Mundial os exércitos alemães tomaram conta da França, os nazistas foram a Albi e foram aos restos dos albigenses, inclusive núcleos ocultos de albigenses que havia lá para confraternizar, porque eles se consideravam sucessores e continuadores dos albigenses.

Os senhores podem por aí calcular o que representa de força revolucionária essa doutrina e essa seita para viver tanto tempo depois de tão esmagada, vivendo à maneira dos bacilos assim incrustada, pendurada nas coisas, pronta a disseminar-se quando encontrasse um ambiente propício. Os senhores compreendem, portanto, qual era o inimigo que São Domingos encontrou pela frente.        

Há um nome... há um nome... que não costuma ser mencionado senão mais parcimoniosamente pelos historiadores, mas que tem uma posição de glória na repressão da heresia dos albigenses. A heresia dos albigenses foi reprimida, antes de tudo por São Domingos, pela sua grande pregação, pela ordem religiosa dos dominicanos, pelo Rosário do qual nós devemos falar daqui a pouco. Mas é preciso ponderar que ao lado disso houve um homem, esse homem tinha um gládio, ele tinha um coração de fogo, era um herói – a maior parte dos historiadores pretende que ele se excedeu... – que esmagou – já não digo “manu militare” – mas “pede militare” os albigenses armados até os dentes... e o nome desse homem merece de um modo ou de outro que não seja encoberto pelo silêncio nesta noite. É Simão de Monfort.

Já me passou pela cabeça, mas a coisa me parece muito inverossímil e por isso nunca fiz um estudo a esses respeito, se, por acaso não haveria uma remota descendência entre Simão de Monfort e Luís Maria Grignion de Monfort... Se houvesse essa descendência minha alma ficaria alegre!

A Providência quis se utilizar de dois meios para esmagar os albigenses: o Rosário de um santo e a espada de um herói. Recordemos com admiração muitos dos feitos, não digo todos (eu precisaria, também isto, estudar mais detidamente, mas minha vida de corre-corre não me permite) muitos dos feitos, pelo menos, da vida do grande Simão de Monfort – inclinemo-nos diante dele – e lembremo-nos dessa conjugação entre o Rosário e a espada: foram feitos para conviver.

Brilharam na mesma ocasião e juntos: o espírito do Rosário é um espírito de façanha; o espírito do homem que porta o gládio, com mentalidade católica, é um espírito de oração. Não nos esqueçamos disso!

Passemos daí para o tema do Rosário, para o tema de São Domingos.

São Domingos teve a sua parte e Simon de Monfort teve sua parte... Que pensar a respeito da parte de cada um? Em primeiro lugar que são partes necessárias, mas os senhores estudem a situação:

São Domingos está rezando. Ele reza três dias consecutivos pede, pede, pede... a Nossa Senhora que quebre a dureza de alma dos albigenses e que os abra para a conversão. Quando ele cai desfalecido – e só quando ele cai desfalecido – Nossa Senhora lhe aparece. Revela-lhe, de uma vez, o Rosário e o incita à oração e que se ponha na pregação de uma vez. Explica-lhe a razão da grandeza do Rosário, da magnificência do Rosário e lança de uma vez para a ação. Ele vai correndo à catedral... até há pouco homem que estava desfalecido. A história não conta que ele tenha sequer comido um pedaço de pão ou tomado um copo de vinho. Nada! Ele foi direto para a catedral para pregar! Entra com o fogo de quem acaba de receber uma revelação.

Começa a falar e o Céu o prestigia; ameaças de toda a ordem para quebrar a cerviz dura daquele povo. Pânico! E o pânico tem um efeito corretivo fenomenal... Há maus... há maus que só se reduzem ao bem por meio do pânico: “Vinde filhos e eu vos ensinarei o temor ao Senhor" diz a Escritura e está na introdução da Regra de São Bento. Eu vos ensinarei o temor de Deus. Pelo temor de Deus se chega à escala áurea do amor de Deus. São duas coisas: uma de nobre granito – o temor; e outra de ouro, o amor. Como o temor prepara para o amor!

A Providência, querendo preparar aquelas almas duras para amarem a Deus na palavra inflamada de São Domingos, espalhou o terror e depois, à medida que São Domingos falava, se faz a mesma coisa de que quando Nosso Senhor mandou que a tempestade amainasse. Começou tudo a baixar. Compreenderam que a palavra desse homem era poderosa diante de Deus. Ele era amado de Deus, que Deus lhe dera esse duplo poder de desencadear as punições, mas também de trancar as punições e de tomar as almas arrependidas, tremulas e envergonhadas e trazê-las para o perdão, trazê-las para a contrição, trazê-las para o amor de Deus. Ele o que pregou? Ele pregou o Rosário!  

  Começou esse castigo, começou esse episódio lindo da História da Igreja de um modo misterioso que foi bem narrado aqui. Antes de tudo os sinos começaram a tocar. Todo o mundo via que não havia mão humana acionando esses sinos e, portanto, era mão angélica que acionava.

Como o toque de sino é diferente do trovão! Por que quis a Providência que o toque de sino fosse anterior à trovoada, aos raios e ao pânico? Mostrar que Deus prefere tocar pelo amor, que Ele gostaria de tocar, simplesmente, fazendo ressoar os sinos melodiosamente de maneira que as almas verdadeiramente “áveis de amar” se ajoelhassem e dissessem: “Domine, peccavi! Mater misericórdia! (Senhor, pequei! Mãe de misericórdia)” Não fizeram! Ah! Não fizeram. Então, punição! Chegou a vez.

Mas Deus foi rápido na punição; foi terrível e foi rápido na punição, porque em tudo isto estava Nossa Senhora. E Nossa Senhora que quis este pânico, porque este pânico foi uma graça e Ela é Medianeira de todas as graças, Ela quis esse pânico. É como uma mãe quando castiga e castiga na medida do necessário. Mas mal apenas Ela vê que o necessário está atingido, ela quer deixar o castigo: é o amor materno. Ela com certeza disse à justiça Divina, disse ao Divino filho dEla: 

“Meu Filho é assim. Eles já estão meio abalados... Agora, eu vou obter de Ti mesmo, para Domingos, uma palavra inflamada e não vai mais ser necessário castigar tanto. Ajuda, meu Filho, ajuda Domingos". Domingos se levanta e começa a falar... e revela o Rosário. Instiga essa gente a rezar o Rosário.

A História da Igreja conta que a partir do momento em que o Rosário começou a se difundir, a heresia albigense foi secando e apodrecendo, ela foi caindo por si mesmo, porque ela estava golpeada no que ela tem de mais vital. O que é que ela tem de mais vital? Ela liga o homem a Nossa Senhora, primeiro ponto; segundo ponto, ela afugenta o demônio.

O demônio tem ódio e terror ao Rosário e se algum dos senhores se sente tentado, eu lhe dou esta recomendação: pegue o Rosário! Mas pegue fisicamente o Rosário. Aliás, minha recomendação é supérflua, espero, para sócios ou cooperadores da TFP é não largar o Rosário: nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca!... de tal maneira que nós o tragamos conosco quando dormimos, nós o tragamos conosco quando descansamos, nós o tenhamos conosco quando estamos lendo, quando estamos fazendo toda e qualquer coisa: o Rosário está conosco.

Mais ainda, se fazemos sesta durante o dia, procuremos ter o Rosário na mão de maneira tal que sintamos o Rosário conosco. E se temos receio que ele caia, porque o Rosário deve ser tratado com muita reverência, tenhamos na mão mesmo. Se tenhamos receio que ele caia, ponhamo-lo no pescoço, ponhamo-lo no braço, de qualquer outra forma, mas tenhamos o rosário ligado a nós. Nunca, nunca, nunca, nunca larguemos o Rosário! E sendo nós filhos de Nossa Senhora é supérfluo, inteiramente supérfluo recomendar.

Quando as nossas mãos não puderem mais nem se abrir nem se fechar, mas forem fechados por outros para a última atitude de oração, que o Rosário esteja enleado no meio de nossos ossos...

De maneira que quando chegar a Ressurreição dos mortos e de dentro de nosso caixão, o nosso corpo tomar vida de novo, normalmente, entre os seus dedos vivificados esteja o Santo Rosário. Eu quisera que fosse o meu primeiro ósculo, no momento em que todos os católicos formos convocados à Ressurreição e eu ressurgir também, fosse ao Rosário que eu encontrasse nas minhas mãos...

Aqui fica dado um conselho singular para depois de Ressurreição... Eu não ouvi dizer que se desse um conselho para depois da Ressurreição. Eu não ouvi dizer que se fizesse uma combinação para depois da Ressurreição. Aqui está o conselho. E eu proponho uma combinação: quando todos ressuscitarmos (e curioso ressuscitaremos todos na idade perfeita; ninguém ressuscita na idade que tem; a criança ressuscita como homem maduro; o homem velho ressuscita homem maduro; todos ressuscitam na maturidade), neste momento, nós nos lembrarmos, entre os resplendores da Ressurreição: é verdade que estava combinado! Todos osculamos o Rosário!

Como eu tenho má memória, já que, enquanto os senhores filialmente exclamavam “fenomenal”, eu pedi ao meu Anjo da guarda que me lembrasse disso na hora. Eu creio que não tenho que perguntar aos senhores se está combinado ou não. Está combinado...! a coisa é liquida...! Assim, de Rosário na mão, ressuscitará a TFP de Nossa Senhora!

O Rosário afugenta o demônio, o Rosário atrai a graça de Nossa Senhora. O Rosário é a oração dos fortes, era a oração dos batalhadores, ela é a batalha dos que rezam, porque o Rosário é um conjunto de orações de tal eficácia que ela faz recuar o mal. Ela é uma oração de tal eficácia que ela faz avançar o bem. E para dizer aos senhores tudo numa palavra só (é uma convicção íntima que eu não sei como justificar; ela tem uma porção de elementos de probabilidade; mas intimamente, em mim, é uma convicção):

a TFP não teria sido nada e não teria saído do chão se nós não tivéssemos desde o começo recomendado a todos que rezassem todo o dia o Rosário!

Vejam bem! Vejam bem! Não é só ter devoção a Nossa Senhora. A devoção a Nossa Senhora é a substância do Rosário. A devoção do Rosário é a devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo e a Nossa Senhora. Nós veremos isso daqui a pouco. É ter a devoção a Nossa Senhora, é claro, pois é a substância, mas tê-la também e de modo insigne através do Santo Rosário. Essa ligação com o Santo Rosário, esta devoção que Nossa Senhora mesma recomendou a São Domingos, ela deve ser a característica do contra-revolucionário do século XX, como ela já foi a arma de vitória do contra-revolucionário do tempo de São Domingos. Não há razão nenhuma para esperar que o Santo Rosário, que naquele tempo foi tão eficaz, seja menos na época em que ele é ainda mais necessário.

Apenas algo se acrescentou, veio completar o Santo Rosário desde o tempo de São Domingos para cá. Algo que não é uma parte do Rosário, que não é um elemento constitutivo do Rosário, mas que é um elemento constitutivo da devoção a Nossa Senhora, um elemento tão precioso que me é difícil compreender que um membro da TFP rezando bem o Rosário não acrescente esse complemento, me é difícil compreender que um elemento da TFP tendo bem esse elemento não reze todo o dia o Rosário: é a consagração como Escravo de Amor a Nossa Senhora segundo o método de São Luiz Maria Grignion de Monfort.

Quem reza o Rosário todo o dia, faz essa consagração todos os dias. Quem faz essa consagração seriamente todos os dias, reza o Rosário todos os dias!

O Rosário e a Consagração são dois complementos, são o elemento de nossa defesa e de nosso ataque ao adversário e com isto é que nós devemos ir para a frente.

 

Notem, então: quando os senhores tomam o “livro I” (Meio século de epopéia anticomunista) e que os senhores veem quanto mal o adversário tem sofrido por causa da TFP, quando os senhores vem o ódio que fervilha em torno de nós a todo o momento e que neste momento mesmo em que eu falo, sob forma de nuvens espessas se acumula sobre nossas cabeças para fazer descer mais uma tempestade de ódio, ele não perderia tempo conosco se nós não o incomodássemos muito.

Eu afirmo que todo este mal feito a ele, todo este bem feito à Causa da Nossa Senhora, a meu ver, não teria saído se todos os membros da TFP não fossem devotos do Santo Rosário.

Não posso compreender, se eu souber do melhor membro da TFP, mais assinalado, mais cheio de favores do Céu, e do qual eu saiba que não é todo o dia que reza o Santo Rosário, eu tenho um sobressalto de angustia por ele.

Se eu souber de um pobre pulha que não me dá senão preocupações e desgostos, mas que é meu filho e que no meio de todas as misérias ainda reza todos os dias o Rosário, eu tenho um élan de esperança!

Eu espero – espero, não equivale a dizer que garanto – tudo em favor de quem reza o Rosário diário. Eu temo tudo a propósito de quem não reza (o Rosário) diariamente dentro da TFP... de tal maneira o Rosário é fundamental na nossa vida!

É muito bonito no Rosário o seguinte: isso que, por uma série de raciocínios que nós, em parte pelo menos, desenvolveremos nessa noite, marca a beleza, marca o pulcrum do Rosário, é eficaz, explica como o Rosário é grato a Deus, é grato a Nossa Senhora, tudo isso se externa sob uma forma de uma porção de imponderáveis que se fazem sentir - ou que ao menos a mim me parece sentir - a propósito do Rosário. Os senhores tomem por exemplo, as várias modalidades de Rosário que há: rosários pequenos, rosários graciosos, elegantes, delicados, para crianças, para crianças de trato; rosários modestos, rosários pesadões feitos de sementes que todo o mundo já chupou e que caíram no prato e passaram pela desinfecção, e dentro das quais passa depois uma verruma e passa um arame; rosários de operários, rosários de trabalhadores manuais, grossões como é tantas vezes o trabalho manual, mas rosalhões fortes e dedilhados por mãos fortes também que vão por cima daquelas contas, para não levar demais tempo na descrição das várias modalidades de Rosários... o belo Rosário dos meus queridos eremitas, pendentes aqui ao lado e que eu recomendei que rezassem com ele próprio, de preferência a pequenos rosários manuais... rosário sério, rosário varonil, de guerreiro... Que coisa magnífica!

Rosário de Rainha, por exemplo, o Rosário de ouro tão bonito da imagem de Nossa Senhora Peregrina que está aqui atrás de nós. Não sei se os senhores prestaram atenção nesse Rosário: é uma jóia, é um lindo rosário! O crucifixo nem tanto. Mas cada conta do rosário é uma beleza, é um ouro de colorido quente, a própria corrente tenho a impressão de que é de ouro, muito bem proporcionado, próprio mesmo a ser usado pela Sagrada Imagem: uma verdadeira maravilha!

Quantas formas de Rosário? Algumas falam de graça, falam de charme, nos fazem ver alguma coisa da suavidade de Nossa Senhora, da bondade de Nossa Senhora, nos fazem ver Nossa Senhora como rainha; outros nos fazem ver Nossa Senhora enquanto protetora das crianças; outros nos fazem ver Nossa Senhora enquanto protetora do homem pobre e trabalhador como foi o Príncipe e esposo dEla, São José, descendente de David e carpinteiro; outras nos fazem ver o guerreiro como é um eremita da TFP.

Os senhores imaginem a conjugação sobre um objeto (é bonito fazer...) Nós não temos isto aqui, no Brasil não há disso. Mas que coisa bonita seria a gente fazer uma exposição só com esse tema: sobre veludos ou sedas de cores diferentes, tomar bonitos livros encadernados de matéria piedosa e colocar Rosários diferentes envolvendo livros diferentes ou saindo de dentro ou de um modo ou de outro entrelaçando os vários livros. O rosário entrelaçado belamente no livro, quanta espécie de efeitos ornamentais e simbólicos numa coisa dessa se pode produzir. Mais bonito talvez: o Rosário e a espada.

Estando uma vez em Buenos Aires, eu fui convidado por um senhor que tinha uma das mais belas coleções de armas que eu tenho visto. Mais bela do que esta, eu só vi (assim mesmo coleções não, armas belas vi; coleções não me lembro de ter visto) em grandes museus europeus. Armas, armas, espadas, espadas... colocadas em estantes com vitrinas etc. Depois, ele entende (não sei se esse senhor está vivo ainda; não sei se devo dizer entende ou entendia... se Nossa Senhora o chamou a Si, que tenha misericórdia da alma dele) e explicava: tal espada teve tal papel, depois se segura assim, se faz deste jeito, tatá-tá-tá... E me ocorreu este pensamento: se eu tivesse liberdade com esse homem eu recomendaria que ele tivesse uma coleção de rosários tão rica quanto a coleção de espadas. Cada dia, no centro desta sala, ele tivesse uma bonita mesa com um bonito forro, e renovasse a espada e o rosário em honra de uma imagem de Nossa Senhora que ele pusesse a presidir a essa coleção de espadas. O museu tomaria vida. Como o Rosário e a espada vão bem!

Meus caros, o Rosário é, portanto, uma magnifica arma de guerra e nós temos tantas vezes insistido em que a psy-war é a forma de guerra mais importante. Pois bem, então a guerra pelos métodos espirituais pelos quais se abre a alma e se prepara a alma para que ela ponha fora o demônio e ela receba a graça de Deus, esse é o elemento mais importante de toda a luta ideológica desde que nessa luta esteja interessada a verdadeira Igreja de Deus, esteja interessada a Causa de Nossa Senhora. Então que coisa mais magnifica do que nós fazermos um entrelaçamento do seguinte:

Eu li numa “Reunião de Recortes”, talvez algum dos senhores estivesse presente nessa ocasião, a notícia de que na URSS estão treinando centenas de homens tipo Uri Geller para invadir as nações que eles queiram dominar. Não é invadir com um batalhão bem feitinho, não. É mandar de antemão centenas e centenas destes bruxos para deformar a mentalidade da nação que depois queiram conquistar.

Como seria magnifica, como seria bom que nós tivéssemos os nossos portadores do Rosário! Homens que por sua devoção ao Santo Rosário e pelo seu espírito de Fé nós pudéssemos mandar clandestinamente para detrás da cortina de ferro, porque eles abalariam toda a espécie de... Como é que se chama esse ditador da Rússia novo?

(Sr. -: Tcharnenko! – respondem alhures do auditório)

Tchernenkos e toda a espécie de Glemps. Que coisa magnifica, por exemplo, se nós tivéssemos homens de tal vida interior que nós pudéssemos dizer o seguinte: (para cinco deles)

“Meus filhos, aqui estão cinco passaportes para Rússia. Vai ser feita a substituição do Andropov e eu quero que vocês estejam ali perto em tal hotel como turistas. Declarem-se indispostos e fiquem rezando o tempo inteiro no quarto do hotel para que Nossa Senhora faça eleger um poca, um poca que divida os espíritos, que hesite nas diretrizes, que erre e que fracasse... Por que pedir tão pouco quando nós nos dirigirmos Àquela que tem tudo? Por que não dizer, pedindo a Nossa Senhora, que Ela mande São Miguel Arcanjo aparecer ali?"

No dia seguinte notícias nos jornais: “Não foi possível fazer eleição. Os jornais ainda não têm a informação dos pormenores, mas sabe-se que uma estranha indisposição acometeu a todos e que os eleitores estão numa tal situação que alguns até morreram. Cogita-se de curar a saúde de alguns e de escolher outros eleitores a se realizar a eleição, o que não será – é assim que eles noticiam as coisas quando eles estão muito desapontados – tão fácil porque ao mesmo tempo vai ser preciso concertar o local, onde uma desconfortante fissura se apresentou na parede nesse dia tanto”. Enfim, enfim os peritos nada sabem dizer!

Rezem mais!... Eu ouço aqui a convocação do cerimonial: “Espadeiros!...” Que Nossa Senhora suscite espadeiros! Que coisa magnífica!... Essas coisas todas podem pedi-las, podem cogitar delas sem fantasia aquele que tem devoção ao Rosário. E para os grandes males os grandes remédios! Na nossa época restará alguma coisa mais a fazer do que isso?

Eu estou me eternizando na introdução ao tema. Mas há palácios que têm peristilos tão bonitos que convidam a uma hora inteira de análises antes de a gente entrar no palácio. Um palácio assim é, sem dúvida, o Santo Rosário. Que lindo peristilo! Fiquemos nele apenas por mais um minuto... Pensemos em tudo quanto o Santo Rosário diz e nós podemos compreender mais o seguinte: na história de São Domingos – há pouco contada aqui – há resposta para a aflição recente que eu ouvi de um filho que eu quero muito bem. Ele me dizia: “Doutor Plínio, este (demônio) mantenedor... que coisa Doutor Plínio!” Ele me olhou e me disse: “O Sr. está tão calmo, tão sereno. O senhor não fica aflito? O senhor não quer pôr fora esse monstro desse demônio mantenedor? O senhor não acha que isto está demorando? Que nós não aguentamos mais! Não é preciso vir a Bagarre logo, Dr. Plínio?”

Meu filho, é evidente que é preciso que venha logo! Peçamo-la. É absolutamente necessário! Mas... mas... mas... mas... Nossa Senhora retarda muito as suas graças e um dos modos de a gente conseguir que elas venham mais depressa possível, é a gente se conservar apressado sempre, sereno sempre mesmo dentro do auge do infortúnio. É normal, é normal assim...

Com esta serenidade de São Domingos... Os senhores vejam: ele rezou e rezou tão afincadamente que ele passou três dias jejuando e rezando continuamente. Os senhores já pensaram o que é que isso quer dizer? Três dias sozinho rezando o tempo inteiro... Não fazendo outra coisa senão rezar. O que é isso? No fim, nada conseguido, nada conseguido. Sabem qual foi o último resultado que ele obteve de suas orações? As suas forças desapareceram... ele se gastou e não conseguiu nada. Ele entrou vigoroso e pugnaz, piedoso. Ele acabou desfalecido. Eu gosto de imaginar esse último momento de desfalecido dele. Eu gosto de imaginá-lo no momento em que ele dizia:

Minha Mãe, eu não tenho mais forças, mas em Vós eu confio. Eu continuo a rezar, a rezar e a rezar. Vós sabeis o que fazer de minhas pobres orações, mas em Vós eu confio!”

Ele sentiu que suas forças desfaleciam mais. Ele talvez tenha perguntado: “Será a morte? Não sei... eu continuarei a rezar enquanto a minha mente puder rezar e meus lábios puderem articular alguma palavra. Eu continuo a rezar!...”

Depois de uma tão longa recusa diante de uma tão meritória oração, aí chegou o relâmpago fenomenal. Logo Ela apareceu. Ela deu-lhe como arma algo que esmagou de fato os albigenses. Mas se tivesse esmagado só os albigenses, como seria pouco... Adiou por alguns séculos ainda mais a duração da Civilização Cristã.

Mas mais ainda, deu força, deu alento a uma enorme ordem religiosa da qual floresceria São Tomás de Aquino entre tantos e tantos outros! O Rosário por si, de tal maneira se dilataria pela Igreja para fora dos limites da Ordem Dominicana que durante muito tempo, no período constantiniano, numerosas ordens religiosas usavam o Rosário pendente daqui (ao lado). De outro lado, quase todas as ordens religiosas de que eu me esteja lembrando aqui usavam o Rosário pendente daqui. Rosário e piedade católica eram a mesma coisa. Uma menina fazia a Primeira Comunhão, primeiro presente: um Rosário para usar com a vela no dia de sua Primeira Comunhão, entrelaçado nos dedos. O Rosário para tudo. O Rosário de todo o jeito e de todas as formas.

É este Rosário cuja forma nós conhecemos; cinco dezenas. Na extremidade, presas por uma medalha – e como a Medalha Milagrosa calha bem aí! Não se compreende, eu ao menos não compreendo o Rosário que não tenha a Medalha Milagrosa. Depois pendente ali um resto de cordão: um Glória, três Ave-Marias, um Padre Nosso! Depois, Nosso Senhor Jesus Cristo Crucificado do qual São Paulo dizia: “eu não sei pregar a não ser Jesus Cristo e Jesus Cristo crucificado". De maneira que o modo ideal de começar a rezar o Rosário é oscular o crucifixo, pedindo a Nossa Senhora que seja intermediária nossa e que esse ósculo seja dado por intermédio dela para ser grato a Ele.

Depois, começamos as orações do Rosário em união com Maria e por intermediário de Maria, de maneira tal que toda a oração se faça por esta forma os três terços do Rosário.

Os senhores podem imaginar a torrente de graças que se difundiu sobre a Igreja Católica com a reza do Rosário. É uma coisa incalculável, simplesmente incalculável! De onde haver um número enorme de documentos de autoridades eclesiásticas elogiando o Rosário. Autoridades infelizmente pré-conciliares. À minha memória não acode – não é boa memória – nenhum documento post-conciliar elogiando o Rosário.

Aparições de Nossa Senhora em que Ela está com o Rosário, incontáveis! Em Fátima Ela aparece uma vez como Nossa Senhora do Rosário. Enfim, nós não terminaríamos de falar a respeito de tudo aquilo com que Nossa Senhora enriqueceu o Rosário. Enriqueceu o Rosário, além disso a Igreja com toda a espécie de indulgências. Também esquematizadas e reduzidas mais tarde, na era conciliar. Mas antigamente ainda havia os Rosários bentos em que este ou aquele padre ou bispo, com delegação especial do Papa, tinha o privilégio de abençoar o Rosário com tais, tais e tais outras indulgências.

Havia Rosários que eram verdadeiros tesouros de indulgências inapreciáveis. Mas a forma material do Rosário, ao menos para mim, não sei se é para todos, que tinha alguma coisa de belo e de indizível que não me parecia adequado substituir.

Eu me lembro que eu era pequeno, no Colégio São Luiz e vejo, de repente, aparecer um padre que começa a fazer distribuição de novos Rosários, já naquele tempo, tipo moderno. Eu pedi para ver e era uma estória, um dispositivo (eu nunca fui bom para compreender essas coisas) que em matéria de Rosário era um pouco o que essas máquinas de calcular são em matéria de contas: havia dois andares, aqui em cima dez contas, depois aqui um baixo um outro fio menor que ia marcando o mistério que estava sendo rezado. Era um objetozinho assim tomando o mínimo espaço no bolso e fazendo-se ver o menos possível pelos outros e permitia que a pessoa rezasse o Rosário. Ele me mostrou e me disse: “olhe aqui, é muito prático”. – “É sim, senhor”. – “Você não quer?” – “Obrigado...”

Isso em que ano? Talvez... pelos anos vinte. Não pegou... tinha a seu favor tudo: era prático, era barato, era portátil, era escondível – para os indivíduos com respeito humano, uma vantagem enorme – não pegou! O velho Rosário... o Rosário de sempre. Oh! Maravilha!

Bem, eu digo alguma coisa a respeito do Rosário, propriamente agora. Não será possível dizer tudo, mas eu digo alguma coisa agora e deixo para os fatinhos alguma outra recordação a respeito do Rosário. E assim, com a ajuda de Nossa Senhora, nós teremos uma noite eminentemente rosarial.

O que vem a ser propriamente a reza do Rosário? O que é que significa isto? como é que se reza o Rosário?

O Rosário reza-se assim: a pessoa deve antes de cada dezena, mencionar o mistério do Rosário. O mistério quer dizer aqui o fato histórico que é preciso lembrar da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Rosário é todo ele uma meditação da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo e da vida de Nossa Senhora. Cada dezena corresponde a um fato. A pessoa deve rezar mencionando a dezena. Por exemplo, primeiro mistério: Anunciação de Nossa Senhora e a Encarnação do Verbo. É um fato que está tão lindamente contado no Evangelho. Segundo: a Visitação a Santa Isabel. Em terceiro lugar: o Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em quarto lugar: A apresentação do Menino Jesus no Templo. Em quinto lugar: o encontro do Menino Jesus no Templo. O Menino Jesus se subtraiu à santa vigilância de Nossa Senhora e S. José que O foram encontrar depois no Templo. Cinco fatos da vida de Nosso Senhor.

Pode-se rezar da seguinte maneira:

Intenção de rezar aquele Padre-nosso e Ave-maria em louvor daquele fato. Quer dizer, em louvor de Nosso Senhor, de Nossa Senhora e de São José – se S. José esteve ligado ao fato –, em louvor deles a propósito daquele fato. Portanto, em louvor a Deus que é o termo final de todo o louvor e que é o ponto de partida e o ponto de chegada de todos esses fatos. Agora, então, vai-se rezando o Padre-Nosso e Ave-Maria prestando a atenção nas palavras da oração.

Mas também se pode fazer de outra maneira: ir pronunciando o Padre-Nosso e Ave-Maria, mas meditando naquele mistério, naquele fato histórico. Então, como é que foi isto, como é que foi aquilo etc., etc. E havia métodos de rezar antigamente, não sei se ainda há em alguma nossa biblioteca, que a mim durante muito tempo me fizeram muito bem em que para cada conta do Rosário, estava sugerido um ponto de meditação sobre aquele mistério.

Então, a pessoa com facilidade ia mudando de tema e o Rosário deixava de ser árido. Dentro do mistério, nós tínhamos uma porção de aspectos. Eu rezei muito tempo o Rosário assim e me foi muito benfazejo. Depois eu comecei a rezar de outras maneiras. Esse folheto que se encontrava à venda em todas as livrarias católicas por preços ínfimos, ínfimos, para estar ao alcance do povo, naturalmente. Esse folheto se perdeu no meio das minhas mudanças, não o tenho mais. Mas, talvez, ainda haja esse folheto hoje. Se houvesse esse folheto, um dia eu gostaria de tomar um desses pontos de meditação e analisar com os senhores.

Seria uma coisa interessante, tomar uma dezena e analisarmos uma dezena é uma coisa que valeria a pena fazer, seria interessante. Então, assim nós acompanhamos a vida de Nosso Senhor inteira. Meditando sobre a vida dEle, mas também sobre a vida dEla.

Por quê? Porque a vida dEle começa nEla e termina na Cruz junto dEla. Mais ainda, a ressurreição dEle. Sabe-se que Ela tinha conhecimento dos fatos e tudo leva a crer que Ela foi a primeira pessoa a quem Ele apareceu. Ele ressurgiu e apareceu diante dEla fulgurante. A gente deve meditar assim.

Há dois mistérios do Rosário que dizem respeito especialmente a Ela, e são: a Assunção – não se diz morte de Nossa Senhora, diz-se dormição de Nossa Senhora. A morte dEla não foi como a nossa morte pesadona e putrefaciente, foi um sono ligeiro da Virgem das virgens; esta foi a morte dEla – e Coroação dEla no Céu. Ela morreu, ressuscitou e subiu aos Céus. A coroação dEla por Nosso Senhor como Filha do Padre Eterno, Mãe do Verbo Encarnado e Esposa do Divino Espírito Santo. Aí com esse ponto de ouro termina o Rosário. Aquilo que começou por Ela, termina por Ela. Começa pela Encarnação do Verbo nas entranhas virginais e santíssimas dEla e termina com a Coroação dEla no Céu.

Agora, que sentido tem estar o tempo inteiro rezando para Ela enquanto a gente medita? Por que não podia ser uma coisa mais simples? Por exemplo, eu tomo dez pontos de meditação no mistério do Rosário e não rezo. Terminado, eu rezo dez Ave-Marias. É bom eu estar rezando Ave-Marias enquanto eu medito? Qual é o sentido disso? não sei se está clara a pergunta?

É inteiramente válido primeiro meditar e depois rezar em louvor daquilo que eu meditei. É inteiramente válido.

O modo comum é: enquanto eu medito, eu rezo. Que sentido tem isso? Essa é a pergunta.

É muito simples. Enquanto o meu pobre espírito está procurando sondar as elevações sem fim de cada mistério do Rosário em cada pormenor, eu preciso continuamente da graça de Deus, porque nenhum homem é capaz de nenhuma ação que seja feita pela graça, que seja propiciada, tornada possível pela graça, sem o auxílio de Nossa Senhora. Toda a graça nos vem por meio de Nossa Senhora e todo o pedido que nós fazemos sobe por meio de Nossa Senhora. Então, enquanto eu estou meditando, eu vou pronunciando a Ave-Maria. Porque que eu vou pronunciando a Ave-Maria? Eu vou pronunciando a Ave-Maria para obter que Ela me ajude a ter a graça suficiente para meditar.

Alguém dirá: “Dr. Plinio, e o Padre Nosso?” Eu digo é simplicíssima a explicação. Que coisa mais agradável a Nosso Senhor do que pensar o seguinte: “Meu Senhor e Meu Deus, Vós nos ensinastes a oração perfeita, eu vou rezá-la. Mas Vós nos destes também a Mãe Perfeita. Como as duas coisas se comungam bem: é por meio da Mãe perfeita, da Vossa Mãe, que eu Vos direi a oração perfeita”.

Pedir a Nossa Senhora: “Pronunciai Vós, junto ao Vosso Divino Filho, as palavras do Padre Nosso enquanto eu as pronunciar também”. E eu posso imaginar que Nosso Senhor é tão clemente e tão misericordioso que enquanto nós estamos juntos rezando o Padre Nosso, Ela está dizendo conosco ao Filho dEla: “Padre Nosso que estais no Céu...” e está nos apontando. Ela se expande, Ele diz “sim”, Ele atende. Essa conjugação é, portanto, uma conjugação ultra-necessária, é uma conjugação indispensável.

O Santo Rosário – nós passamos aí ao fatinho!... – sim, porque os assuntos se dividem naturalmente em sequências. Eu poderei fazer uma meditação de uma dezena que o srs. peçam em uma outra reunião etc. Mas não tem sentido eu agora meditar uma dezena e ficar uma dezena balançando no ar. Não é verdade que as reuniões devem ter uma arquitetura? Os senhores não gostam da arquitetura das reuniões?... Encontro uma coisa assim... nem quente nem fria... o que é que o meu “x” está segredando aí?

Diga?!

(Não é público...)

Não é público? Então, venha me dizer em particular...

Isso me fez perder o fio do que eu ia dizer... Os senhores, estão vendo que tem uma arquitetura!

(Sr. -: O senhor estava falando da arquitetura e ia entrando no fatinho...)

Eu estou elogiando tanto o Rosário. A Igreja é um tesouro que não tem comparação algo como não se sabe dizer o suficiente... Os senhores deveriam folhear esses antigos livros da piedade anteriores ao Concilio. Por exemplo, se os senhores folhearem o missal não, o “Manual do Cristão” de Goffiné. Esse Goffiné é um sacerdote francês, que eu creio que não foi bispo, é só padre ou Abbé Goffiné ou alguma coisa assim... 

Era uma coleção magnífica magnifica das principais orações de piedade, não o que se dizia na Cristandade, porque isso era uma tal conta que eu acho que todos os livros em todas as paredes dessa sala aqui não dariam para se encostarem os livros só com os textos de orações variadas que se diziam naquele tempo. Mas trazia o texto da Missa oficial e depois vários modos privados de assistir à Missa, sem acompanhar o texto. Depois várias outras devoções. Devoções de um valor incalculável, de uma beleza incrível. Depois os salmos penitências, vários outros salmos. Textos bonitos da Escritura. Era um tesouro verdadeiramente! Muito bem escolhido de coisas da piedade e entre elas uma forma, uma devoção que a Igreja sempre recomendou muito, que andou muito afim sempre com o Santo Rosário e que era a Via Sacra, que os senhores ainda veem, suponho eu, penduradas nas paredes de algumas igrejas.

Essa Via Sacra, em algumas igrejas era rezada todo o dia, todo o dia, por ocasião da benção do Santíssimo Sacramento. Quer dizer, toda à noite, havia benção do Santíssimo Sacramento. A hora clássica, aqui em São Paulo era uma hora que eu detestava, posso dizer entre parêntesis, porque era uma hora que prejudicava todos os horários de jantar do pessoal com quem eu convivia.

No Coração de Jesus era toda a noite às sete e meia. Começava com uma Via Sacra em que o Padre ia na frente com o sacristão, tocavam no órgão alguma coisa. O padre proclamava: Jesus Cristo carrega a Cruz, Jesus Cristo cai sob a Cruz etc. ia diante das várias estações. No trajeto entre uma estação de outra o órgão tocava e o coro cantava alguma coisa em latim. Mas a nossa língua é proveniente do latim e se pegava facilmente o sentido do que é e se acompanhava. Depois, então, terminava a Via Sacra, todo o pessoal ocupava os bancos da área central da igreja e começava o Tantum Ergo Sacramentum e depois vinha a benção.

Terminada a benção, todo o mundo ia para casa, sossegado, algumas famílias ficavam ainda parlapateando um pouquinho, depois se dissolviam e iam todos embora. Eu gostava de ouvir o que conversavam para ter a ideia de como era a vidinha deles... Sem saber eu estava fazendo sociologia. Mas eu gostava de ouvir. Eu passava relativamente devagar para ouvir o que é que era. Eram as coisas mais variadas, mas de um certo estilo de vida, simpático e respeitável. Eu tocava para a frente...

Então, essa Via Sacra era, então, outra forma de oração de piedade. Mas havia uma porção de outras piedades. Ladainhas de vários santos, terços, coroinhas... homem! quanta forma de piedade se possa imaginar que se desenvolvia segundo a piedade dos fiéis e do vigário. Em algum lugar o vigário tinha mais certas devoções, convidava mais para ela os féis, a graça soprava mais nesse sentido. Naquela paróquia se celebrava mais tal coisa, na outra paróquia tal outra coisa. A Igreja parecia um menino recamado com pedrarias das mais variadas... verdadeiro tesouro.

Mas não tem dúvida que na ordem da piedade privada, o Rosário ocupava um papel privilegiadíssimo. Piedade privada e piedade pública. Esta distinção é muito importante e eu queria fazê-la.

Qual é a distinção?

Uma coisa é a oração que um de nós faz. Nós fazemos uma oração privadamente. Como Católicos, um de nós se dirige por meio de Nossa Senhora sempre a Nosso Senhor Jesus Cristo ou se dirige aos santos Anjos de guarda, seus santos padroeiros... e pede favores, diz o seu amor, o seu respeito etc. Os atos de piedade são: para Deus – adoração; para Nossa Senhora, o culto de hiperdulia, quer dizer uma devoção que se tem aos santos, mas hiper, para cima de; a São José se tem proto-dulia, não é hiper, é dulia como as outras, mas é a primeira das dulias; depois vem a série de dulias. A adoração devida a Deus se diz latria. São termos gregos: dulia e latria com um sentido perfeitamente trabalhado pela Igreja, perfeitamente correto.

Nessas devoções, cada um reza por si enquanto filho da Igreja Católica, mas enquanto particular que é. Nós podemos rezar por nós e podemos rezar por outros: por pessoas a quem temos afeto a quem temos obrigação e que queremos conquistar para o bem da Igreja Católica, para isto, para aquilo, para aquilo outro nós podemos rezar também pelos outros. Mas é uma oração que é feito por um particular, privada portanto, neste sentido é o culto privado.

Outra coisa é o culto oficial da Igreja Católica. Qual é o culto oficial da Igreja Católica? É o culto que é prestado a Deus pela Igreja inteira e não apenas por um particular. A Igreja é que pede a Deus oficialmente como Corpo Místico de Jesus Cristo, portanto, tendo um valor a oração extraordinário. Por isso, Ela só faz essa oração por meio da voz de seus ministros. O culto oficial é prestado em nome da Igreja e só pode ser prestado quando ele é rezado por um sacerdote ou bispo da Igreja Católica. Uma freira, por exemplo, de si, não tendo delegação especial da Igreja, não pode pronunciar sequer o Ofício, como culto oficial. O culto oficial é dado por delegação da Igreja. Essa delegação cabe, toca adequadamente ao clero, aos padres e aos bispos.

Mas quando eles rezam, eles rezam com um poder que é o poder da Igreja inteira. Esse poder dá à oração uma eficácia extraordinária. Então, quando é, por exemplo, para pedir alguma coisa a Deus, um padre celebra uma Missa para pedir algo a Deus, aquilo é um pedido oficial da Igreja inteira. Quando a Igreja canta um Te Deum, ou um Magnificat é um agradecimento oficial da Igreja inteira. Por ser assim, é o agradecimento de um Corpo cuja cabeça é o próprio Cristo. Os senhores compreendem o valor extraordinário que tem.

É claro que ambas as formas de devoção têm o seu papel na piedade católica. Nós devemos ter alegria, fervor e nos unirmos à oração feita pelo padre em nome de toda a Igreja, pela eficácia incomparável desta oração, quer para adorar ou para prestar o culto de dulia, quer para reparação, quer para a ação de graças ou para a petição.

Mas nós também devemos compreender que há um papel para nossa oração privada, nossa oração particular. E estas duas coisas coexistiram toda a vida na Igreja normalmente, santamente.

Eu me lembro – aqui entra o fatinho – e os senhores estão vendo que eu para compensar o que a reunião tem um pouco de curto, eu estou fazendo um fatinho um pouco longo; assim, eu não cedi, mas concedi...  Essa paz, essa concórdia entre essas duas formas de oração era uma coisa que naturalmente estava como nós respiramos com os dois pulmões, olhamos com os dois olhos... É coisa natural! Eu não vou perguntar: estou respirando com o pulmão direito ou esquerdo? Se eu me puser o problema começo a respirar mal... Não se põe... Nenhum dos senhores se põe... lá vai... Respirou, foram os dois... Está acabado! Eu estou olhando com o olho direito ou esquerdo? Se eu me preocupar, eu fico vesgo.... Então, olhei! Está acabado. O resto não tem importância. Estou vendo! Está acabado!

Assim também a piedade privada e oficial coexistiam. A piedade oficial, no tempo em que eu comecei a me interessar mais pela piedade, na realidade, podia ser um pouco mais realçada do que era.

Eu me lembro que nesse manual do Goffiné eu li pela primeira vez o texto da missa. Eu era um rapaz de vinte anos já. Pela primeira vez eu li o texto da missa. Eu confesso que eu fiquei encantadíssimo!! No interior de minha alma eu tinha impulsos de contentamento lendo aquilo. Incomparável! Incomparável! Eu comecei a acompanhar, então, a Missa pelo texto do Goffiné. Chegou-me a acontecer que eu passei um longo tempo doente – um mês mais ou menos – e em que eu tinha tanta saudade da Missa rezada com aquele texto que não podendo ir à Missa, eu rezava o texto de saudades da Missa... Eu evidentemente sabia que o que eu rezava não era missa, que a missa só um padre reza.

Mas me parecia que aquela oração privada, seguindo o texto oficial seria agradável a Nossa Senhora e a Deus e eu rezava tal era o entusiasmo que eu tinha. Mas eu usava o meu bom Goffiné, livrão grosso, que eu depredava, pois eu sempre fui predatório de meus livros: quanto mais eu gostava do livro, mas eu depredava. Eu folheava e folheava prestando atenção no sentido e portanto não na folha e lá ia aquilo... a encadernação desde logo contundida pelo natural ímpeto de meus movimentos.

Quando conversando com uma senhora de São Paulo – não sei se já morreu –, piedosa de quem eu conservo muito boa recordação, que eu respeito e admiro, que ela queira rezar por nós se ela estiver no Céu – se ela já tiver morrido –, eu vejo a senhora me perguntar de um modo um pouco assim (ela vendia livros da piedade, era uma senhora rica, para propagar a piedade), diante de uma cesta cheia de livros de piedade, eu hesitando um pouco, ela me apontou um, com uma vivacidade não muito comum e me disse – era uma senhora muito mais velha do que eu, ela me tratava de você e eu a tratava de senhora:

– “Plínio, você já viu aqui este missal de D. Léfèbvre?”

Os livros de piedade daquele tempo eram todos em português ou francês. Eu não preciso dizer aos senhores que eu... livro de piedade em francês me atraía enormemente. Esse missal era em francês-latim.

Eu disse:

– “Não, ainda não!... Mas eu tenho aqui o Goffiné e não estou precisando...”

– "Não, não. É uma coisa completamente diferente. Só textos da Igreja, nada de oração privada".

Eu me lembro que estava olhando para aquela cesta de livros e não olhei para ela, porque entendi que nem sempre a gente olha quando quer porque não vê. Na hora de ver é uma hora que não é assim no primeiro impulso. Olhe depois, que a gente pega bem...

Eu disse:

– Minha Senhora...

– Não, agora, isto é uma coisa nova que está entrando. Você não ouviu falar do movimento litúrgico?

– Não. Mas eu gostaria que a senhora me dissesse alguma coisa a esse respeito.

Estávamos numa espécie de escritório do marido dela, meio hall e meio living. Sentamo-nos e ela me disse:

– Eu vou te falar no movimento litúrgico. Agora, você sabe, tudo vai mudar dentro da Igreja...

Isso lá por 1928-30, hein...

– ... a oração privada vai desaparecer, Rosário, Via Sacra... mas a oração oficial da Igreja tem prodígios, tem maravilhas, tem não sei o que...

E começou-me a fazer o elogio da oração oficial da Igreja. E eu percebi que o elogio era verdadeiro e meritório. Nem podia deixar de ser, a oração oficial da Igreja é uma maravilha! Mas que havia uma exclusão de que eu não gostava... Fiquei muito contrariado, porque essa senhora me parecia uma senhora muito boa e eu notava um gérmen dentro da alma dela, um gérmen ruim que não me agradava. Eu disse para mim: “quem meteu esse gérmen nessa pobre alma?” Eu não sei se ela percebeu, não sei como é que a coisas corresponderam, ela, depois deixou isto. E essa germinação malsã desapareceu completamente no espírito dela, o que me deu grande satisfação, me deu grande alegria.

Mas, pouco depois, eu começo um contato com os elementos da Ação Católica. Eu ainda era deputado no Rio de Janeiro, quando alguém que no momento eu não quero mencionar, me chamou de lado e disse:

– Você quer vir assistir a uma coisa muito interessante?

– Sim; a uma coisa muito interessante, quem não quer assistir?! Quero.

– São rapazes aqui do movimento litúrgico. Esses rapazes rezam Ofício como se fossem frades no coro e rezam aqui numa sala qualquer. Não precisa desses enfeites, nada disso. Numa qualquer sala eles rezam, porque a simplicidade é o nosso sistema...

Eu já pensei: igualitarismo!... Pé atrás! enquanto não puder ser pé para a frente!... Entrei e me apresentaram a vários rapazes, eu não era do Rio de maneira que eu conhecia pouca gente do Rio. Rapazes todos educados, de boas famílias do Rio, inteligentes, e assim, do ponto de vista humano me deram uma impressão bastante favorável. Mas começaram a conversar comigo, antes de começar o tal Ofício e eu percebi que era sondagem. E assim, de repente, um brincou com outro e disse:

– Você ainda tem Rosário? Oh! Oh! oh!...

O outro perguntou:

– Você é Goff...?

Pensei: o que é que é Goff? Eu percebi que Goff era um modo depreciativo de falar do Goffiné... Eles não explicaram assim, mas eu percebei do que é que eles conversavam... Goffiné, o meu velho livro de missa, era ruim porque tinha orações privadas e não devia ter Rosário, porque era uma oração privada, não era oração oficial. Daí por diante só devia rezar oração oficial da Igreja, oração privada devia cair fora. O Goff era o manual para o pessoal velho e sem discernimento. Eu, naquele tempo, tinha 24 anos. Para o pessoal novo era só Missal Quotidiano e Vesperal de D. Léfèbvre. Daí a pouco eles começaram o Ofício: Deus, in adjutorium meum intende... Muito bem rezado. Eu percebi que tinha alguma coisa ali que não estava direito e deitei os olhos ali...

Dentro de pouco percebi que estava ali estava se amontoando a crise da Ação Católica, que era uma crise feita – entre outras coisas -, primeiro no terreno da Ação Católica para acabar com o poder da Igreja docente, quer dizer, para que os Padres e Bispos não tivessem mais poder na Igreja, e só os leigos tivessem. E depois acabar com a oração oficial da Igreja, no fundo sustentando que os leigos podiam rezar essa oração oficial tão bem quanto os Padres. Era um movimento revolucionário dentro da Igreja.

Começava, então, uma série de perplexidades na minha alma, uma série de desconfianças na minha alma, e dados que eu ia registrando sem escrever. Daí começou a nascer o “Em Defesa da Ação Católica”. Na partida do “Em Defesa da Ação Católica”, um dos elementos que há é a devoção ao Rosário e a fidelidade ao Rosário... que essa gente não gostava.


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