Plinio Corrêa de Oliveira

 

Como o superior deve ajudar o inferior

e vice-versa

 

 

 

 

Santo do Dia, 23 de novembro de 1983

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

a) subsidiariedade: etimologia e significado da palavra

Os Srs. conhecem, naturalmente, o princípio da subsidiariedade. Subsidiário, quer dizer, aquele que dá subsídio. Subsídio é o apoio, é o dinheiro necessário para manter alguém e que a gente dá. Então, subsidiariedade é o princípio pelo qual a autoridade dá apoio àqueles que, de si, devem manter-se por si, mas que aos quais é prudente dar uma determinada ajuda. Isto se traduz no terreno econômico da maneira seguinte.

Os Srs. imaginem que haja numa determinada cidade uma série de operários de uma empresa particular nova, que criou uma fábrica nova: esta fábrica tem 400 empregos. No lugar há 800 empregados que estão à procura de cargos. O governo manda pedir à fabrica, o governo pode pedir à fabrica que ela empregue 400, os melhores e mais úteis e os outros o governo mantém integralmente, porque não podem morrer de fome. Isso, no Brasil, não tem razão do ser. Quem está morrendo de fome, a gente paga uma passagem para Goiás e um mês ou dois de subsistência, o resto... Já chega e planta milho – vou exagerar – daí a dois meses já está colhendo milho. Estou exagerando tudo. A pessoa está comendo o milho que colheu.

Mas nos países pequenos, na Bélgica, por exemplo, uma coisa dessas se compreende perfeitamente. Então, o governo se alegra: “Está muito bem esta fábrica que entra, eu dou isenções, favores, etc. etc., mas vai empregar metade dos que estão desempregados. Desafoga meu orçamento e atende, sobretudo, às necessidades particulares. Outros, pelo contrário, eu mantenho porque não estão fazendo nada.

Agora, vamos dizer que a natureza da fábrica permita dois modos de organização. Um é: ela emprega tempo integral 400; outro, ela emprega meio-dia 800 e dá para cada um meio salário. Há razão para o governo pensar assim: todos ganham meio salário e eu dou meio salário a mais para todos? É melhor do que dar salário inteiro para a metade? De repente, um silêncio na sala... Não sei por que esse silêncio? Se a pergunta não está clara...

A resposta é: isso é condicionado a uma porção de circunstâncias concretas, mas em princípio é melhor dar meio salário a 800 e não ter nenhum vagabundo, a ter gente mantida completamente pelo Estado, que perde o hábito de trabalho, e ter gente que pelo contrário está inteiramente independente. Quatrocentos habituados durante dois ou três anos a vagabundear e depois, a anomalia da situação de um homem que não pode produzir nada do que lhe é necessário e que precisa completamente do Estado, esta situação é uma situação em si falsa e ruim. E, portanto, em princípio, teoricamente, sem considerar circunstâncias concretas, o Estado andará com sabedoria se preferir meio emprego para 800.

Ele dando o resto, a metade do que falta para completar o salário, ele desenvolve uma ação subsidiária, ou seja, ele dá um subsídio que ajuda a fábrica a manter o operário no período em que ele não trabalha para a fábrica. É uma ação caracteristicamente subsidiária. Muito mais caracteristicamente subsidiária do que o homem que mantém o operário [o dia inteiro], porque a idéia do subsidiário não é só dar uma ajuda, mas é dar uma ajuda estimulando à ação, de maneira que o indivíduo possa tanto quanto possível providenciar para si. A ajuda vai apenas na medida do indispensável. Evitar, tanto quanto possível, a ação do homem que é incapaz de fazer tudo. Não sei se está claro o princípio?

b) a subsidiariedade vista de baixo para cima

Este princípio se exerce também nas organizações. Então, visto de baixo para cima, a ação da pessoa, por exemplo, de um sócio ou cooperador, ou um correspondente da TFP é subsidiária. Quer dizer, o bem debaixo faz aquilo que não é nem adequado nem o mais alto está apto a fazer. Por exemplo, vamos dizer, varrer todo o dia o jardim ou outras tarefas dessas, varrer a casa, manter a casa limpa, etc. etc., normalmente funções de muita responsabilidade tornam um indivíduo inapto a fazer aquilo, ou ao menos é meio inadequado para ele. O resultado é que é bom que outro o faça. É uma ação subsidiária debaixo para cima. O indivíduo mais novo, o indivíduo menos graduado, faz tudo aquilo que ele menos graduado pode fazer, para que o mais graduado possa fazer tudo aquilo de que ele é capaz. É o subsidiário debaixo para cima.

Depois, entre os graduados a mesma coisa: vamos dizer que um será datilógrafo, o outro é o que redige o texto. Redigir o texto, em geral, é mais difícil do que ser datilógrafo. Há texto e texto. Uma coisa é redigir uma circularzinha; outra coisa é fazer uma carta polêmica. Mais difícil ainda é uma carta evitando polêmica, tirando o corpo. Isso naturalmente se gradua. E se nós olharmos debaixo para cima, nós vemos que os que estão embaixo estão sempre exercendo uma ação que ajuda os de cima a se manterem mais em cima e a se especializarem no mais alto. E por esta forma até ao píncaro cada um fazer aquilo que pode dar de melhor, numa ação subsidiária.

c) a subsidiariedade vista de cima para baixo

Mas também de cima para baixo, a gente deve exercer uma ação subsidiária. A pessoa que exerce essa ação, a pessoa mais alta no caso, ou ela exerce essa ação ou ela fracassou. No que consiste essa ação? Por exemplo, no seguinte: uma pessoa está no alto de uma pirâmide de excelentes auxiliares. Excelentes!... excelentes – não tenham ilusão – não quer dizer sem defeito. Quem pensa que a definição da palavra “excelente” é aquilo que não tem defeitos, se enganou! Excelente é aquilo que tem algumas qualidades raras. Quanto ao lado dos defeitos, vejamos...

A autoridade deve conhecer as qualidades excelentes de todos, deve estimular as qualidades de todos, mas deve ter percebido os pontos fracos de todos. Deve ter uma conduta com cada um, pela qual esteja continuamente exigindo que ele vá progredindo nos seus pontos fracos, no domínio dos seus pontos fracos, continuamente. E progredindo tanto quanto é equilibrado exigir que ele progrida. Isso é indispensável.

Mas compreender também que não se pode exigir de um homem que corra mil quilômetros à hora no combate aos defeitos, especialmente. Exceto se bater uma graça especial em que o indivíduo transpõe distâncias supersônicas num minuto, exceto isso – mas é raro, as graças especiais são raras; nós rezamos pouco, nós as obtemos pouco para os outros e para nós – exceto quando se obtém graças raras, há um certo limite [de velocidade] que o superior compreende que não é normal exigir do inferior que transponha logo. Ele vai cumprindo por etapas.

O superior exerce a primeira ação subsidiária levando o inferior a estar na ponta da própria etapa.

A segunda ação subsidiária é – com respeito, com afeto, com misericórdia, às vezes sem o próprio inferior perceber – fazer por ele aquilo que ele não é capaz de fazer no momento. Se essas duas ações subsidiárias simultâneas não são desenvolvidas, esse superior por mais capaz que seja na escolha dos rumos gerais, disto, daquilo e daquilo outro, ele não é capaz de dirigir a organização que ele tem em mãos.

d) considerações gerais sobre a subsidiariedade

Então, eu digo que o princípio de subsidiariedade é uma ajuda para a gente não ter vontade de mandar. Porque a gente compreende até que ponto, até o mais modesto participa de coisas muito altas. E até que ponto o mais alto ou é um babaquara, ou se ocupa também de coisas muito pequenas. Aqui nós temos encerrado o negócio.

A coisa durou um pouco demais, mas eu não posso deixar de fazer um comentário. Se os Srs. viessem aqui sabendo que eu escolhi o seguinte tema para esta noite: “Princípio de Subsidiariedade: a) etimologia e significado da palavra; b) a subsidiariedade vista de baixo para cima; c) a subsidiariedade vista de cima para baixo; d) considerações gerais sobre a subsidiariedade...”. E eu começasse: “Senhores! Esta noite, eu vim tratar da subsidiariedade”... eu poderia dizer exatamente o que eu disse e daria uma conferência de dormir em pé! Feita a exposição inesperadamente, a propósito de uma determinada coisa que surgiu, se se percebe que o assunto vai ter vida, a exposição pode interessar.

Pela enorme dificuldade do brasileiro e – creio eu – do latino-americano em geral, de vir para uma conferência para um tema que ele já sabe de antemão. Ou a coisa é apresentada tendo vida, no momento, ou se não tem vida no momento, não presta atenção. Então, algum ou outro me pergunta: “Por quê que o Sr. não faz um curso metódico sobre tal coisa ou tal outra?” Eu tenho vontade de dizer: “se você quiser um curso que prepare as pessoas para a cama, excelente! Eu tenho uma sala, modelarmente tranqüila, que ouve a conferência assim... com o olhar sonolento, em que todo o mundo se levanta com muita pressa quando eu declaro que a sessão está encerrada, e que ninguém guarda uma palavra do que eu disse. Está perfeito. É o ideal” [para obter esse fracasso]...

Se, pelo contrário eu quero vida, eu tenho que tornar um assunto vivo. Hoje à noite, per accidens, passou que era possível dizer isto. Sendo possível dizer – e parece que foi possível – a coisa vai. Quer dizer, o apanhar o assunto vivo é um dos modos do conferencista aplicar o princípio de subsidiariedade: ele ajuda o ouvinte a prestar atenção e a acompanhar o que ele diz. Ele não diz ao ouvinte o que o ouvinte precisa ouvir: ele diz ao ouvinte o que o ouvinte consente em ouvir e acabou-se!


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