Plinio Corrêa de Oliveira
Como subir ou descer uma escada com arte e sem vaidade? A Escada Santa em Roma O gosto de refletir
Auditório São Miguel, 25 de junho de 1983, sábado, Santo do Dia
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A D V E R T Ê N C I A Gravação de exposição do Prof. Plinio para sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor. Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
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Infelizmente não consta os nomes dos palácios comentados no presente áudio. Assim, foram colocadas apenas algumas imagens evocativas das analisadas.
O homem contemporâneo, ao contrário do antigo, quase não tem ideia do que é uma escada. O que é uma escada? É uma série de degraus que nos permitem passar de um andar para outro por via não mecânica. O elevador nos permite o acesso de um andar a outro por via mecânica, a escada é por via não mecânica, por via natural, “calcantibus pédibus”: calcando os pés.
Bem, essa escada, está definida. E não se compreende mais o valor da escada. Por causa disso mesmo também, na arquitetura moderna os srs. dificilmente verão as escadas serem postas em relevo. A tendência é até esconder as escadas o quanto possível, fazendo salões dentro dos quais as escadas não tenham nenhum papel ornamental.
Os srs. tomem uma escadaria que os srs. palmilham com frequência e com um dinamismo louvável, não sem um certo perigo para o corrimão... os srs. já estão identificando a escada da Sede do Reino de Maria. Os srs. verão que o arquiteto - aquele é um prédio residencial mais antigo do bairro de Higienópolis - o arquiteto ainda com alguns ares da antiga arte, ele procurou dar ao giro da escada uma certa nobreza. E ele revestiu a escada com lambris, de maneira que a parte debaixo da escada é até de se ver. Embora a colunata do corrimão seja objetável. Se nós tivéssemos organizado a Sede com a largueza de dinheiro necessária, eu certamente teria feito um outro corrimão. Aquele é o corrimão originário, tem pelo menos esse lado interessante, que ele faz parte da coleção de objetos, de formas, de cores, que inspiraram o arquiteto no tempo que aquilo era moda. Ao menos tem isso de interessante.
Mas de fato, os srs. encontram o exemplo da escada sem tradição, da escada sem beleza, da escada puramente acesso, na escada que eu quero tanto, do [Eremo de] São Bento, que vai do andar de cima ao andar de baixo do São Bento: é uma cascata de degraus em linha reta, mais nada! Dos dois lados uma espécie de corrimão, o essencial para se pegar naquilo para subir, para facilitar um pouquinho a ascensão quando vem à cabeça a pessoa usar aquilo e acabou-se, não tem mais nada. Isso é a escada segundo a concepção nova.
Nova já tão antiga, que no prédio do São Bento que para os srs. deve parecer um prédio velho, no prédio de São Bento já a escada corresponde a essa concepção moderna.
Por detrás dessa dupla concepção de escadas há de fato uma dupla concepção do agir humano. E por detrás dessa dupla concepção do agir humano há uma dupla concepção do homem. E é só quando se chega até lá que se aprecia devidamente as escadas que nós vamos ver agora.
Qual é a concepção do agir humano? A concepção do agir humano que está implicada na escada antiga é que toda escada tanto quanto possível, portanto, tanto quando sensato é claro, não pode ser assim por todas as partes, de todos os modos, mas tanto quanto é sensato, a escada deve ter alguma coisa de ornamental. Alguma coisa de decorativo, de tal maneira que como tudo aquilo que serve ao homem para agir, esconda ou faça não pensar em algo da miséria humana! E de outro lado realce algo do homem.
Ora, a mais elementar das ideias que se possa ter sobre a escada é que uma escada serve para subir e para descer. Não se pode ser mais elementar na conceituação de uma escada.
Mas subir e descer são para o homem duas operações que mostram muito a sua miséria e podem muito mostrar a sua grandeza! E como tudo quanto cerca o homem deve respeitá-lo e o homem deve – o mais modesto dos homens – deve viver cercado de respeito. O respeito é um dos maiores bens da vida. A gente ser respeitado vale muito mais do que ser querido! Na medida em que se pode conceber alguém a quem a gente queria se respeitar, que não existe, mas na medida em que pudesse se conceber isso, ser respeitado vale muito mais do que ser querido. A escada é feita então para respeitar o homem, porque tudo aquilo de que o homem se serve dever ser feito para realçar algumas qualidades dele, algumas excelências da natureza dele e disfarçar algumas misérias de sua condição.
Ora, qual é a miséria da condição do homem? O homem para subir a escada ele tem alguns problemas. Problemas que eu os chamaria quase teatrais, problemas que eu chamaria quase teatrais quase de encenação, mas vamos pôr os problemas e os srs. entenderão bem.
Quando um homem sobe a escada, ele sobe lutando contra a lei da gravidade. É verdade que segundo a lei de Newton, quanto mais ele se afasta do solo, menor é o peso da gravidade, mas maior é o cansaço dos músculos!
De maneira que no total, se bem que ele possa ganhar alguma coisa se distanciado do chão, ele perde algo da elasticidade e do vigor com que ele sobe. E no fim de uma escada alta aparece o sinal, por mais discreto que seja, aparece o sinal da miséria: o cansaço.
Antes do pecado original, o homem operava sem cansaço. O trabalho era para o homem indolor, agradável, interessante. Mas depois do pecado original o trabalho passou a ser para o homem difícil, a lei da gravidade começou a combater o homem, e o homem de todos os lados vive batalhando contra o chão. Porque o chão o leva a deitar-se e ele se firmar e pisar o chão.
Eu me pergunto, nunca li nada sobre o assunto, mas eu me pergunto se um modo de interpretar o sapatear do espanhol não seria a vitória do homem sobre o princípio da gravidade, a vitória do espírito sobre a matéria. Quer dizer, como ele está tomado muito por uma ideia ele sapateia, ele não sente ação da gravidade e a vitória dos músculos sobre a lei de Newton: pan! Lá vai!
Outra manifestação - cada nação tem seu esplendor e seu gênio e seu modo de ser - outra manifestação da vitória sobre o princípio da lei da gravidade é do minueto. Aquele modo de pisar... em que o homem e a dama pisam como se fossem plumas, que mais dão ao chão a honra de ser tocado por eles do que por qualquer coisa... E para ostentar a sua indiferença ao princípio da gravidade, fazem longas reverências, não com o cansaço de quem senta mas com a destreza de quem se inclina diante de alguém a quem respeita. Depois se reergue com alternaria e continua a dançar...
Quem não vê que a “doceur de vivre” [doçura de viver] francesa rebrilha numa coisa dessas?
Bem, eu poderia, eu não vou enveredar por aí, falar das várias formas de dança, seria ir longe, mas eu quero apenas mostrar aos srs. o papel do princípio da gravidade na conduta humana. Para vos dar exatamente a oportunidade e o gosto de refletir. Porque refletir é agradável assim.
Para mim - eu compreendo que haja gostos diferentes - mas refletir abrindo um mero tratado de qualquer coisa e raciocinar, não é um refletir inteiro. Mas assim passando da prática para a doutrina, conhecer o alto da doutrina e depois fazendo uma imersão até o fundo mais miúdo da prática e procurando ali a confirmação das cogitações doutrinárias ou a ilustração das cogitações doutrinárias mais altas, isto é o subir e descer escadas que tem a leveza de um minueto e agrada. Mas agrada no sentido bom da palavra, quer dizer, faz bem à alma. Não é simplesmente o gostoso; é uma outra coisa: faz bem, o homem se sente mais espírito. Acentua-se nele aquilo por onde ele é mais semelhante a Deus, e assemelhar-se a Deus é a honra suprema, é o fim último, é o bem extremo.
Então, voltando às escadas, um homem subindo uma escada, os srs. podem imaginá-lo em qualquer idade, em qualquer circunstância. Uma senhora subindo escada, um senhor ou uma senhora, um servidor ou uma servidora. Um homem de média burguesia, dama de média burguesia subindo escada, todos eles têm certas condições por onde no fim do subir da escada alguma coisa aparece e diminui um pouco. Algo murcha no fim do esforço.
Os srs. dirão: “Mas Doutor Plínio, o senhor não me conhece, eu subo a escada de dois a dois”... Não se iluda, os srs. sabem bem, a gente nota ainda que seja no arfar, ou ainda que seja no pisão final de quem diz: “bom, acabou” - a gente nota algo que é o tributo que a natureza, ainda na melhor flor da juventude começa a pagar aos anos e ao pecado original. Começa não, desde sempre pagou. É assim!
Depois quem sobe a escada não só está sujeito a isso, que mostra um lado da miséria humana, mas também outro. É que visto de cima, quem sobe a escada parece muito pequeno. E não é grato ao homem ser visto de cima para baixo. Os personagens que nós respeitamos, nós gostamos de os ver em cima!
Isso é quanto ao subir. Nós poderíamos falar ainda muito mais sobre esse assunto, não, não depois temos que passar o slide também... Depois temos o descer.
O descer é uma outra operação na qual, como em tudo que o homem faz aparece à miséria humana, e o homem tem que saber fazer disfarçando. A menor das coisas é assim. Eu agora fiz isso, por exemplo. Ora, isso é uma coisa que se eu fizer assim é evidente que eu estou apoiando ligeiramente o meu queixo sobre a minha mão enquanto eu falo e que ao mesmo tempo eu estou fazendo um ligeiro esforço de espírito para ordenar as ideias que eu estou pondo. A tal ponto que essa posição é ligeiramente interrogativa, portanto, eu estou parafusando algo.
Mas isso é sempre, entra a cota do esforço. Ou eu faço isso com a instintiva leveza com que todos fazemos ou se eu faço assim, eu me degrado. Porque o peso da queixada cansada é feio, o esforço do espírito que pensa é feito!
E essas são as coisinhas, alguém me dirá: é bagatela. Eu acho que é viver, é viver, o contrário é vegetar.
Agora quem desce, os srs. imaginem o descer visto de baixo, dá uma impressão de uma degringolada. Se uma pessoa não desce com dignidade dá impressão de que está decaindo. Não se diz que fulano está descendo na saúde, está descendo na agilidade de espírito, está descendo como agrado de conversa, está descendo como virtude, está descendo no amor de Deus? É horrível! Como é que se vai descer sem dar a impressão, se não descer muito bem, que está se degringolando?
Os srs. imaginem alguém descer, mas descer de maneira a nobilitar-se, na escada de São Bento. É difícil, não sei se os srs. já se puseram o problema, mas é difícil.
Então há uma arte de subir escada, e há uma arte de descer escada que devem, tanto quanto as circunstâncias permitem, devem disfarçar isso. Por quê? Porque é pelo respeito que o homem tem para consigo mesmo e pelo respeito que ele tem para com os outros, ele deve velar a sua própria miséria.
Todo homem deve ter o pudor de sua própria miséria. Pudor eu não emprego aqui no sentido direto do VI e do IX mandamento, do lado impureza, não é isso. É que deve compreender que aquela miséria que ele tem é um castigo de um pecado que seus ancestrais no Paraíso cometeram. E que ele carrega o ferrete daquilo. É um reflexo portanto desse pecado, ao qual ele ajuntou seus próprios pecados e que, portanto, isso ele deve disfarçar como homenagem à virtude.
E o “maintien” [atitude composta, digna, n.d.c.], que exige um esforço sobre si, é uma homenagem que os lados fracos do homem prestam àquilo que o homem teria sido senão fosse o pecado. É belo, é pulchro, é nobre, e vale a pena nós vermos assim.
Então a construção da escada deve ser de tal maneira que sirva de cenário para que o homem possa fazer isso que eu estou dizendo: subir bem ou descer bem. Cenário digno, distinto, mas enfim, numa habitação modesta. Mas que nos palácios deve ser uma glorificação desse tipo de ação. Porque o palácio muito mais do que a residência do conforto é a residência da glória! É propriamente a definição do palácio: é o lugar onde reside a glória. É a habitação proporcionada com a glória, isso é o palácio. E o palácio nessas condições deve dar a possibilidade de uma pessoa que queira, gloriosamente descer e gloriosamente subir.
O que é mais difícil? Subir ou descer?
Depois nós vamos ver um pouco, eu sei que é espichar um pouco... não se compreendem as escadarias sem essa explicação. E essa explicação os srs. podem ver em quantas revistas queiram aí, ninguém encontra. Então vamos direto ao nosso tema.
Em tese é mais glorioso subir. O sol por exemplo quando sobe até o horizonte, ele vai mostrando mais a sua glória, mas quando ele desce, pelo contrário, ele vai velando a sua glória nos crepes da noite! De maneira que é mais glorioso, em tese é mais glorioso subir.
Mas acontece que as operações do homem são feitas na presença de Deus e na presença dos homens. E que se é verdade que subir com glória uma escada – se os srs. me lembrarem depois eu falarei como é que se sobe com glória uma escada – se é verdade que subir uma escada com glória é uma coisa muito bela, é verdade que aos olhos de Deus, quero dizer, em si mesmo é mais belo, entretanto aos olhos dos homens é mais belo descer. E eu vou explicar por quê.
Porque quem sobe é visto de cima para baixo e quem desce é visto de baixo para cima. E para mostra a sua própria glória a gente mostra melhor a quem está embaixo do que a quem está em cima. E há, portanto, uma espécie de cruzamento inesperado de perspectiva mas é isso.
Como é que se deve descer a escada com glória?
Primeiro lugar: não pode ser um mega [vaidoso]. Quer dizer, a pessoa deve descer a escada com glória quando tem direito à glória! Ela deve descer a escada com distinção quando ela está numa situação distinta ou é uma pessoa distinta. Ela deve descer a escada com correção pelo simples fato de ser uma criatura humana. Porque toda criatura humana tem obrigação de ser correta, não tem dúvida.
O que é incorreto no descer a escada? Sumamente incorreto dar a impressão de que vai cair e que perdeu o controle de si mesmo. E que, portanto, se alguém tiver agilidade de descer uma escada correndo de dois em dois, não deve fazer porque dá a impressão de uma avalanche que vem desmoronando montanha abaixo...
Como a lei da gravidade chupa o homem, o homem que se precipita na direção que ela solicita, dá a impressão de que se entregou a ela e configura um vencido, é um destroço que rola. E, portanto, se a pessoa tem que descer a escada depressa, para conservar a correção, ela deve tomar uma atitude que faça com que fique bem claro que ela está com pressa, mas que ela está inteiramente senhora de si. E, portanto, o tronco tem que estar muito teso e ereto e a cabeça também...
Se não fizer isso não desce a escada com correção, desce a escada de um modo vil. Ora, nenhum homem tem o direito de fazer uma coisa dessas de modo vil. Todo homem, pelo fato de ser homem, tem obrigação de ser correto.
Esta gente que está por aí tanto fala de dignidade humana, eu não sei bem se eles têm a noção do que quer dizer a palavra “humano”. A palavra “dignidade” raras vezes eles têm; eles não compreendem essas coisas. A noção dessas coisas se apagou. Ora, é a luz do homem! É a luz do homem.
Mais ainda, quando a pessoa tem o direito a uma situação distinta, tem propósito pela sua idade, pelas circunstâncias, pela situação distinta, deve descer a escada não devargazinho, isso não, mas compassadamente. De maneira que quem está em baixo perceba claramente todas as fases da operação, avançar o pé, colocar e avançar e pôr o outro.
E em cada uma quem vê em baixo tem o direito de notar duas coisas: em primeiro lugar que quem vem descendo, vem descendo meio superior àquilo, fazendo bem, mas pensando numa coisa mais elevada. É horrível descer uma escada prestando atenção, isso é horrível. “Degagé” [com naturalidade, n.d.c.]... e não só isso, mas olhando para quem está em baixo assim como quem diz: “Eu sei o que sou!” E pelo olhar, pela atitude, à medida que vai se aproximando de quem está em baixo, fazendo sentir mais a sua ação de presença, de maneira que quando chega bem perto, a ação de presença se tornou plena e não chegou apenas o corpo como um pacote de carnes e de ossos, mas chegou a alma...
Assim se deve fazer.
Aí a descida é um acontecimento. E os antigos que tinham noção das coisas, faziam com que os grandes personagens, conforme a indumentária própria ao homem ou à mulher, levassem cauda. Capa magna por exemplo para os bispos. Para os grandes dignitários de estado, para reis, para príncipes, capa levada por personagens mais altos ou mais baixos, conforme a condição de quem desce. O que é que acontece?
É que quando a pessoa vai descendo e atrás vai o pajem levando a cauda, e a cauda forma fundos de quadro para quem desce e a cauda à medida que a pessoa vai descendo vai se desdobrando; quando chega em baixo, a cauda está toda desdobrada e a pessoa... Forma um, é um acontecimento, uma descida.
Agora como é uma subida?
A subida deve ser de tal maneira que a gente de baixo olhe para quem está em cima, de um modo afável, atencioso, conforme o caso, respeitoso. Mas assim como quem olha como se já estivesse perto. Aí a alma tem que anteceder ao corpo e já se pôr no primeiro olhar em cima com o outro. Depois passo a passo, evitando qualquer manifestação de cansaço, evitando qualquer manifestação de peso, às vezes sorrindo, quando chegar um pouco mais perto já dirigindo a palavra, subir de tal maneira que o outro não tenha a noção da distância que quem sobe está percorrendo! E em todo momento se sinta igualado ou superado.
Agora aí os srs. compreenderão então as belas escadarias que nós vamos passar aqui. Naturalmente eu encurtei toda essa teoria porquê do contrário não daria tempo nem para as escadarias. Vamos agora analisar as escadarias. Eu vou mostrar aos srs. o seguinte: elas são muito bonitas em si, mas só se explicam inteiramente depois dessa doutrina que eu encurtei para... vamos ver então as escadarias.
Aí os srs. têm um palácio. É a entrada de um palácio e os srs. precisam se lembrar que nos palácios antigos o andar nobre não era o andar térreo, era o andar de cima. Porque todos os convidados distintos entravam num saguão onde havia uma escadaria monumental e eram levados para a parte de cima onde há os salões de recepções estão colocados. Então os srs. têm que tudo aí é monumental.
Os srs. estão vendo uma escadaria, que as paredes todas estão revestidas de belas pinturas, talvez num lugar ou outro com placas de mármore, com esculturas, e que a escadaria é o centro do quadro, toda essa nobreza de formas, de arcos, de painéis etc., é colocado para realçar a escadaria. O lugar é um lugar de passagem para caber a escada, para subirem as pessoas ou para descerem as pessoas. E que, portanto, a escada é a razão de ser da sala. O resto é ornato da sala.
Os srs. analisando como o pé direito, o teto dos palácios antigos eram muito altos, os antigos gostavam de tetos altos, porque internamente na cabeça eles tinham o teto alto. Nós hoje na cabeça temos teto baixo, e eles tinham teto alto. Então por causa disso as escadas eram altas.
Eu levaria algum tempo para contar o número dos degraus, mas eu creio que esta escada tem uns quinze degraus, pouco mais ou menos isso, ou talvez um pouco mais de cada lado. A gente pode presumir que além dos degraus que a gente vê tem mais dois ou três, pela forma do corrimão. E os srs. veem como o corrimão é mais bonito do que o da Rua Maranhão, os srs. vão ver que tudo é mármore, coluninhas bem trabalhadas etc., e nos quatro cantos os srs. estão vendo uma espécie assim de cupidinhos ou de anjinhos colocados dois em baixo e dois em cima. Daqui a pouco eu falarei deles.
Agora, a escada por sua natureza é feita para deixar passar duas pessoas. Por quê? Porque em primeiro lugar a largueza convém à toda ação nobre. E toda escada apertada e estreita é deselegante; a abundância é o corolário natural da grandeza... e deve, portanto, ter essas coisas. Deve ser largo, mas também porque o bonito da senhora, antigamente, era ser frágil. O bonito para a senhora hoje é ser uma mulher tão forte que compete com o homem; isso antigamente era reputado horrível. A mulher devia ser um bibelô, frágil, delicado, fino, superior e que o homem ajudava com a mão a descer. Ele punha a mão assim a essa altura e ela punha a mão assim e desciam os dois, ele ajudando. Ou então dava o braço.
Mais tarde, quando a elegância dos costumes baixou o homem dava o braço e desciam de braço, o senhor e a senhora desciam de braço a escada de maneira que para a fragilidade dela o descer da escada fosse leve!
Mas também porque se descesse uma senhora de grande saia balão, com grande capa, com lacaio etc., etc., ela pudesse quase que lotar inteiramente o degrau, como se fosse o cenário natural da grandeza dela que se desdobrava como o tapete que desce.
Aí a gente compreende que mais do que dizer simplesmente que a caixa da escada e a escada são um ornato para a ação de subir e descer do homem, que impõe ao homem e à senhora, portanto, também a arte de subir e de descer à altura dessa escada.
Os srs. veem assim facilmente a preocupação que tinha aquela gente de dignificar a natureza humana.
Alguém dirá: “Dr. Plínio, é no que o senhor está enganado. Dignificar os nobres sim, e o senhor está o tempo inteiro imaginando personagens nobres ou então imaginando personagens eclesiásticos. No que é que dignifica o plebeu? O plebeu que o senhor só imagina subindo essa escada na atitude de carregar a cauda de alguém, no que é que isso dignifica o plebeu? O plebeu que o sr. só imagina do lado de fora, embaixo, vendo o personagem eminente subir e descer, o embaixador, a embaixatriz, subir e descer. O sr. só imagina assim, e o sr. não imagina o plebeu ele mesmo subindo e descendo. No que isso dignifica?”
O princípio é que cada vez que alguém de um gênero tem algum do seu gênero que é glorificado, esta glória vai para o gênero inteiro. Assim, por exemplo, se num determinado colégio, os três primeiros grandes prêmios do ano foram para alunos da mesma classe, isso dignifica todos os alunos da classe, embora não sejam todos eles que tiveram o 1º prêmio, mas eles são daquela classe onde houve três que tiveram o 1º prêmio. Supõe-se que por osmose algo passou dos 1ºs para eles e os que não tiveram prêmio, supõe-se que convivendo com os premiados tomam algo de seu brilho.
Mais ou menos como a gente pondo limalha de ferro longamente em contato com o imã, ela mesma começa a imantar, a atrair. Nada eleva mais o plebeu do que ver o personagem eminente, o embaixador, a embaixatriz, o general, o bispo, o ministro, o conde que sobem ou que descem a escada com dignidade.
Por quê? Porque todos somos homens e todos nós nos dignificamos com o que acontece de grande a um, como nos rebaixamos com o que acontece de sinistro ou de vergonhoso a outro. Essa coisa assim de alto abaixo...
Essas figurinhas assim. O que achar delas? O que é que são definidamente? Primeiro, elas são indefinidas. São indefinidas porque não se sabe bem se representam personagens mitológicos ou crianças existentes. A gente tem impressão de que representam mais personagens mitológicos.
Que espécie de personagens mitológicos? Anjinhos? Ou cupidinhos? Está indefinido, não se sabe também. O pior é que eles são gorduchos, roliços e fundamentalmente feitos para a preguiça. Despreocupação completa! Um ar de pessoa que faz tudo quanto quer e só acha gostoso fazer aquilo que é bom que se faça, de maneira que não tem luta interior nenhuma. Não tem nada que seja dificuldade para reflexão, mas também se tem a impressão de que a cabeça não funciona e que um ente desses nunca vai maturar. Na minha perspectiva pelo menos, é um eterno imbecil que está representado ali.
Eu não condeno, a Igreja aprova - quem sou eu então para condenar?! - eu não condeno que se representem Anjos com a figura de crianças, mas não de crianças imbecis. E aqui a imbecilidade é o que eu censuro.
Essa imbecilidade faz parte da frivolidade que era o defeito dessa época. Dessa frivolidade que preparou a Revolução Francesa. A frivolidade com que a nobreza, o clero e a burguesia receberam a Revolução Francesa, a despreocupação, a falta de espírito de luta. O modo pelo qual ruíram não foi porque havia quatro bonequinhos assim nessa escadaria - não é isso -, mas é porque o gosto de coisas assim começou a entrar e esse gosto acabou completamente com a coisa.
Agora eu vou terminar essa consideração sobre escadarias com algo de inteiramente inesperado. Eu vou acabar a teoria da escadaria com essa escada e as outras que vierem eu passo apenas rapidamente, de maneira que a teoria de escada fica dada.
É claro que um espírito igualitário não pode gostar dessas escadas. Porque a escada é a imagem da hierarquia. Pois nós não falamos em escala social? Não falamos em escala de valores? Escala, escada são variantes. A hierarquia se faz notar numa escada assim. E há muitas fotografias de cerimonial antigo com pessoas que vão descendo, todas elas de situação ilustre, mas dispostas na escada conforme os seus graus. De maneira que os mais importantes estão em baixo chefiando o cortejo e os menos importantes estão no alto, quase apagados para a vista de quem vê, enquanto está mais perto da objetiva quem está em baixo. A escada serve de suporte para a escala social. O igualitarismo não pode gostar disso, é uma coisa evidente.
O contrário da escala ou da escada é a escada rolante do metrô. Para dar uma ideia, para dar uma ideia.
Agora eu vou dar um pulo, os srs. vão ficar surpresos, mas vamos ao mais alto dessas cogitações: qual foi o personagem que com mais nobreza subiu? Com mais majestade com mais dignidade, com mais esplendor? qual foi a subida de rampa, a subida de montanha mais majestosa, a subida de escada mais majestosa que houve na história?
De um personagem perseguido, humilhado, fustigado, desprezado, coberto de feridas, do alto da cabeça até a planta dos pés. Condenado à morte! Do Personagem diante de cujo Nome todo joelho deve dobrar-se: Nosso Senhor Jesus Cristo!
Tudo o que Ele fez era infinitamente nobre, mesmo nas situações as mais próprias a significar opróbrio e desprezo e repudio e humilhação. Ele era o infinitamente Humilde, infinitamente Nobre.
Infinitamente Humilde nesse sentido da palavra de que a humildade é uma virtude que tem seu fundamento em Deus, que Deus é a verdade. Nesse sentido da palavra que na Sua natureza humana Ele não era infinito, mas Ele era insondavelmente humilde. Mas de outro lado Ele era nobre como nunca nenhum rei foi nobre! Como nunca ninguém teve nada nem de longe que se parecesse com Ele na nobreza.
Então nós podemos imaginá-Lo escalando com os três Apóstolos o monte Tabor, para se transfigurar. E os srs. podem imaginar como eram os passos e a ascensão dEle rumo ao Tabor. No alto do monte o esperava a glória, esperava a glorificação. E Ele caminhando a gente pode imaginar que a cada passo Ele em algo se glorificava mais; misteriosamente glorioso Ele ia se irradiando para os Apóstolos atônitos, encantados, sem saber o que dizer e subindo atrás dEle.
Nós O podemos imaginar galgando as escadas do pretório de Pilatos. Digno, afirmativo, seguro de Si, olhando Pilatos de cima para baixo com uma tristeza de Pai, mas ao mesmo tempo com a majestade de um Deus.
Nós O podemos imaginar, e aí que sublimidade!, subindo as encostas do Calvário com a Cruz às costas. Que sublimidade! Depois de três quedas, desfigurado, triturado como um verme, subia, subia, subia, rumo ao sacrifício supremo.
Quem O acompanhava? Por certo Simão de Cirene que carregava a Cruz e que provavelmente ia percebendo que ele não ajudava Nosso Senhor a carregar a Cruz, que era Nosso Senhor que o ajudava a carregar a Cruz! Sumido em adorações que iam pegando fogo em sua alma.
As santas mulheres, a gente não sabe até que ponto a dilaceração da dor lhes permitia de ver a majestade da cena, mas a Uma a gente sabe que estava acima das santas mulheres e que via tudo. Via toda a dor, mas via toda a glória e admirava todo o esplendor da subida! Era Nossa Senhora! Compreendendo a majestade do próprio Filho e adorando-a, com a própria majestade dEla, Mãe do Rei, que olha o Rei que sobe para algo de infinitamente mais alto que um trono.
Como é nobre um rei galgar os dois ou três ou quatro degraus que o separam de seu trono, mas como é infinitamente mais alto, mais nobre galgar o que separava o Homem-Deus da Cruz em que Ele deveria morrer por nós! Ninguém tem ideia de nobreza se não imagina isso. E ninguém tem uma ideia global de toda a Paixão se não imagina a majestade de Nosso Senhor subindo, subindo.
Bem, é a censura que eu tenho que fazer a essa escada. Essa escada é linda, ela fala do prazer e fala com certa nobreza, mas ela tem qualquer coisa de irreal. A vida não é só isso. Esta vida, nesta terra, é a participação na Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nesta terra é a luta pelo Reino de Cristo. Esta escada não parece feita para Cruzados subiram e desceram!
Eu a admiro, os srs. veem bem, eu admiro em comparação com as escadas modernas. Escada da galeria Prestes Maia por exemplo. Não tem palavras. Mas... em relação ao que deveria ser uma escada, o que dizer?
Entretanto, a escada mais nobre que eu conheci na vida, a escada que eu não subi com os meus pés, mas eu subi de joelhos, era a Scala Santa Foi transportada para Roma. Onde Nosso Senhor subiu durante a sua Paixão e para que a ascensão dos peregrinos não a desgastasse, ela está recoberta de um revestimento de madeira, mas ela é uma escada de pedra. Tanto quanto eu pude ver, eu não posso garantir bem, mas pareceu-me de um mármore muito ordinário, desses mármores de fazer pia de copa e cozinha. Mas os lugares onde há gotas do precioso Sangue... na madeira está aberto um óculo com revestimento transparente e o peregrino pode ajoelhar-se lá, oscular o óculo e recitar as orações e as jaculatórias que queira. E refazer de joelho o caminho que os Pés divinos chagados, feridos, machucados, daí a pouco perfurados na Crucifixão, subiram por amor de nós.
E essa, apesar de ser uma escada feia e ordinária, é a escada das escadas, perto da qual nenhuma escada é escada!
Bem, meus caros resta-nos apenas mais algumas escadas aí, mais rapidamente e podemos ir descansar. Vamos ver então as outras escadas.
Aqui os srs. veem uma escada de palácio e eu disse aos srs. que o palácio é a habitação da glória.
A entrada se dá por essa arcada que fica entre os dois lances da escada. E os dois leões que estão aí de costas, leões de mármore, olham para frente, ao personagem que entra. O rei das selvas afirma a majestade do palácio para quem entra, como quem adverte: “nesta casa, o rei das selvas não é se não um servidor; admire a nobreza do rei das selvas e calcule por aí a nobreza de quem ele serve!”
Os srs. percebem que é bem alto o edifício é bem alto. Tem esse primeiro arco que dá para um salão de fundo, tem no fundo uma escultura, um lustre e um jogo de arcos ali, que é muito elegante, muito leve e onde o grau de luz, a tonalidade de luz é diferente do de cá. De maneira que quem olha vê colorido de luzes e intensidade de luzes diversas, o que é muito aprazível para os olhos.
Agora, como é bem alta, a escada é muito comprida. Essa escada eu creio que tem - eu não sei se exagero, eu calculo mal essas coisas - mas tem... são degraus não muito altos, o que torna a ascensão menos penosa, degrauzinhos, e tem... eu não sei. Talvez os srs. poderão calcular melhor do que eu. Segundo a minha vista uns 40 degraus, não sei se me engano, mas é mais ou menos isso.
Então para não ficar feio o comprimento da escada, disfarçam as colunatas com pontos de apoio mais largos e formam assim estreitos e largos que disfarçam o comprimento da escada e tornam mais agradável olhá-la.
Depois, a cada largo corresponde embaixo uma espécie de apoio ou coluna que vai até em baixo e que ajuda a carregar o peso da escada. E no interstício das colunas eu não vejo bem se há tapeçarias ou mosaicos, mas é uma das duas coisas. São cenas, eu percebo pelo menos alguma coisa de edifícios de construções, de pessoas que se movem nesses dois painéis, e há outro tanto no lado de lá. E por esses altos arcos aqui filtra também uma luz que dá mais colorido ao corrimão de cá e de lá do que aos corrimãos do outro lado e os jogos de luz constituem uma das atrações da escada.
É uma escada de um palácio onde reside a glória e para disfarçar o cansaço que o homem sente com a altura da glória, os mil degrauzinhos pequenininhos são feitos para dar a isso quase o caráter de uma rampa. Por que não uma rampa? Porque o cansaço renasce, a pessoa começa a lutar contra a escorregadela. Então para descer com o mínimo de esforço, degrauzinhos pequenos que a pessoa pode descer quase como se estivesse andando num corredor. Entretanto ela está descendo de uma alta distância.
No centro, por cima desse arco, os srs. percebem um terraço. Um terraço com uma balaustrada e de onde uma pessoa pode estar no alto para ver. Então nós podemos imaginar, por exemplo, se a senhora da casa vai receber uma amiga, a senhora da casa está postada ali em cima porque lhe avisaram que a carruagem da amiga chegou. A amiga desceu, em baixo, damas de companhia da senhora da casa estão se movimentando em torno da amiga, cumprimentando, convidando etc., um lacaio já está pegando a cauda da amiga para carregar e a amiga vai entrando por aqui.
A outra de cima lhe diz, do alto, uma palavra amável, numa voz de timbre de prata! Ela vê e as duas se fazem uma reverência. Depois essa se desloca para o alto da escada, vai para cá para receber a senhora que chegou e se a que a chegou é de muita consideração, ela desce alguns degraus, maiores ou menores conforme a categoria de quem chegou. A escada é feita para enobrecer a função de subir e descer, para dar estímulo à vida.
Resultado desse sistema.
Eu me lembro num livro que eu li, é muito conhecido esse livro, “Gens de la vieille France”, livro de G. Lenotre, contar memórias de estrangeiros que visitavam Paris e que ficavam pasmos com a cortesia que havia na rua. Então contavam que havia por exemplo, trombadas de carruagens, os dois cocheiros desciam paravam um diante do outro e cada um tirava o seu chapéu de três bicos diante do outro. Primeira cena.
Depois cada um pedia desculpa pelo outro pela trombada como se fosse o único culpado, sorriam e depois amistosamente desenganchavam os varais do carro, punham tudo em ordem, novos cumprimentos. Do fundo do carro os passageiros sorriam também e a coisa continuava. Era uma trombada.
Por que eram tão finos esses cocheiros? Olhem os patrões como eram... e os srs. compreendem o que é que a plebe lucra com essas coisas. Para frente meus caros!
Aqui é o alto. Os srs. veem a escadaria que começa ali à minha direita e a coisa está calculada para formar uma espécie de galeria no andar de cima, uma sala e onde, chamemo-lo assim, prosaicamente uma espécie de buraco onde se vê o que se passa em baixo.
Então o cenário é embaixo quando os convidados chegam, que há recepção, quer reunião, embaixo deve haver diretamente uma sala de recepções e a escada pode ser que desemboque na sala de recepções. Pode ser também um outro salão, pode ser a entrada, o hall do prédio.
Sobe-se e tem, em cima, essa grade que é uma verdadeira maravilha. Cada grade dessas, os srs. notam que tem no centro uma flor-de-lis, de cujo pedúnculo se destaca uma espécie de caracol, assim uma figura que vai ter numa espécie de escudo central aonde me parece divisar um perfil feminino, mas eu não estou vendo muito claramente o que é que tem dentro disso.
Agora, o corrimão é todo... vejam como tem uma galeria em cima, toda trabalhada com figuras ligeiras e depois em baixo a mesma coisa. E como tudo isso tem um unum: é desta figura central que se desprendem duas longas girândolas de figuras assim, que uma delas vai e acompanha a escada até embaixo e forma ainda um lance assim até em baixo. Do unum, o princípio metafísico da unidade, o princípio metafísico, como está bem afirmado aí. No meio está o ponto de partida de todas as coisas!
Para que é feita uma coisa tão delicada e tão bonita? Apenas para que a pessoa não caia, para a pessoa poder debruçar-se agradavelmente e dizer uma palavra amável para quem está em baixo: olhem que joia para servir de ponto de apoio para uma pessoa. Proteger o homem de uma catástrofe por meio de uma joia!
Essas proclamações socialistas sobre a dignidade do homem do que é que valem em comparação com isso?! Acho que os srs. preferem que eu nem fale do socialismo e vamos continuar a ver as escadas. Outra escada depressa... acho que essa é a última aliás...
Essa é a última. Então meus caros, está muito tarde...
Nota: Em uma reunião de 25-12-1970, o Prof. Plinio abordou também como se sobe ou se desce uma escada. Mas é muito interessante verificar que nesse "Santo do Dia" de 1983, ele também não se repete, mas acrescenta outros elementos a respeito dos quais não havia tratado na exposição de 1970. Ouça ou leia esta última clicando aqui.