Plinio Corrêa de Oliveira
A causa da Civilização Cristã: no que consiste? Por que a ela se dedicar?
27 de outubro de 1982 |
|
Mensagem aos Correspondentes Esclarecedores da TFP norte-americana
Eu respondo com alegria a pergunta que me acaba de ser feita. Há realmente – e eu tenho observado isso em várias ocasiões – um número não pequeno de pessoas excelentes em nossos dias que, julgando que o mundo moderno é irrecuperável para qualquer forma de bem, se encerram nas suas próprias casas e tratam de levar apenas a sua vida de família, e a sua vida espiritual, sem se incomodar com aquilo que nós poderíamos chamar, globalmente, a causa católica. Ou seja, a causa da Igreja Católica, Apostólica, Romana e a causa da Civilização Cristã. Eu teria que dizer uma palavra sobre a causa da Civilização Cristã, porque o que é a causa católica se entende facilmente: é a causa que está em jogo quando se luta para assegurar à Igreja condições convenientes para desenvolver o seu apostolado e se colabora com o apostolado da Hierarquia eclesiástica para a salvação das almas, mediante as práticas das virtudes na terra, das quais a primeira virtude é o amor de Deus. Nessas condições, a causa católica, se entende bem o que é. Mas, o que é a causa da Civilização Cristã, e qual é o nexo que essa causa tem com a causa católica? O que é uma civilização? Não vou me perder aqui em análises de caráter doutrinário a respeito das várias acepções que a palavra “civilização” tem. Eu tomo apenas um elemento comum a todos os sentidos da palavra civilização, e este elemento é a idéia de uma determinada ordem de coisas, que é considerada no seu conjunto, desde os seus aspectos mais elevados no plano religioso e cultural, até seus aspectos mais triviais, no plano puramente material. Quando essa ordem de coisas é inspirada por determinados princípios, ela constitui uma civilização que se caracteriza, se diferencia das outras civilizações modeladas segundo princípios diferentes. Uma civilização cristã é aquela que é modelada pelas grandes convicções, pelas grandes inspirações, pelas grandes esperanças, quero dizer, pelas grandes normas morais que Nosso Senhor Jesus Cristo trouxe à terra e das quais a Igreja Católica é a mestra infalível, a mãe, a guia a dispensadora da vida através dos Sacramentos. A civilização cristã cria condições para que as almas conheçam melhor a Igreja. A Igreja está para a civilização cristã – mais ou menos, para empregar uma analogia que tem o imperfeito de todas as analogias – mais ou menos como a alma está para o corpo. A Igreja fora de uma civilização seria um pouco comparável a uma alma sem corpo. E uma civilização fora da Igreja é francamente comparável a um corpo sem alma. A ordem perfeita consiste em que a Igreja modele uma civilização através da qual Ela possa fazer todo o bem para os homens; uma ordem temporal, portanto, que A ajude a fazer todo bem para os homens. E é, de outro lado, uma civilização que merece ser chamada cristã enquanto ela realiza as condições de vida plenas, indicadas, preceituadas por Nosso Senhor Jesus Cristo. Agora, uma vez que nós não temos – nós temos a Igreja, mas nós não temos civilização cristã, e a própria Santa Igreja Católica se vê às voltas com a maior crise interna que Ela conheceu em todos os séculos de sua existência, e com uma crise externa tremenda também. Então muitos julgam que eles podem trancar-se em casa, devem até faze-lo, levar sua vida indiferentes ao que se sucede. Eles esperam, então, que venha logo o castigo prenunciado em Fátima, uma vez que o mundo não se emendou, que a consagração ao Imaculado Coração de Maria não se fez precisamente nas condições em que Nossa Senhora pediu em Fátima, – eles esperam então que venha esse castigo. Até o momento em que esse castigo venha, cada um espera tranquilamente em casa. Então lhes fica difícil entender qual é o grande empenho que a TFP faz em lutar, em praça pública, em lutar em jornais, rádios, televisão para se opor à adoção de formas de civilização ainda mais gravemente atéias e panteístas, para preservar os restos de civilização cristã que existem pelo mundo. Por que tudo isso, se tudo deve desaparecer na enxurrada trágica dos castigos que, como um novo dilúvio – pensam eles – deverá invadir a terra e levar tudo para dar origem a uma outra ordem de coisas? Eu acho que a pergunta é explicável, mas é explicável também a resposta que a TFP dá a essa pergunta. E é para dar essa explicação que eu ocupo alguns instantes da atenção dos amigos que estão reunidos em torno desse aparelho de televisão. Eu acho, antes de tudo, que se deve considerar que, em relação à Igreja e à civilização cristã, se aplica aquela palavra lindíssima da Escritura, no Antigo Testamento, nós devemos a elas, a uma e à outra, o amor que os judeus do Antigo Testamento tinham ao Templo de Jerusalém, eles amavam o Templo de Jerusalém. Um salmista diz isso, amam o Tempo de Jerusalém. Mas, não ama só o Templo, mas uma vez que o Templo seja demolido, ele ama as pedras que restarem dessa demolição. E, quando essas pedras estiverem desfeitas em pó, ele ama o pó em que essas pedras tenham sido desfeitas. Eu reconheço bem que a Igreja não está destruída porque Ela é imortal, mas que se teria quase a tentação de perguntar se o processo de autodemolição misterioso em que Ela se encontra, que Paulo VI mencionou com tanto poder de expressão, se esse processo de autodemolição não chegou já ao seu termo. Não pode chegar inteiramente ao seu termo porque “non prevalebunt”, as portas do Inferno não prevalecerão contra a Igreja, mas poder-se-ia perguntar quase isso. E, quanto à civilização cristã, positivamente, ela foi destroçada. Não resta dela nem mais o edifício, nem as pedras. Resta o pó. Mas, nós não estamos para com este pó como estão os antigos judeus para o Templo? Não amam a poeira desse pó e não esperam que venha a reconstrução do Templo? Eu falo dos judeus que eram anteriores a Nosso Senhor Jesus Cristo, não dos judeus pertinazes no erro, no pecado do deicídio e que querem reconstruir o Templo contra a vontade de Nosso Senhor. Eu falo dos judeus que queriam reconstruir o Templo quando ele era a verdadeira casa de Deus e era o elo de ligação dos homens com o Céu. Nós somos assim, queremos re-aglutinar o pó, fazê-lo em pedras e com as pedras construir o edifício. Alguém rirá: “Loucos! Conseguirão pouco.” Eu digo: Eu sei. Mas se nós conseguirmos salvar algumas almas, conseguirmos evitar pela adoção de leis que não sejam contrárias à civilização cristã, ocasião de pecados para muitas almas e, por esta forma, conseguirmos salvar algumas almas, se nós conseguirmos com que, no dia em que vierem os castigos, o número de fiéis seja um pouco maior, será maior o número de fiéis que terão atravessado o castigo para reiniciar o Reino de Maria. Não é apenas a poeira do templo, mas os sofrimentos devem fazer desta poeira algo que se rearticule, que se recomponha para ser pedras e que essas pedras se recomponham para ser pedras vivas da casa de Deus. Me parece, neste sentido, que certamente muitos pagãos se converterão, que muitos judeus se converterão também. Mas desejemos esta conversão, trabalhemos por ela com toda alma – dos pagãos, dos judeus, dos muçulmanos, etc. – trabalhemos por ela com toda alma. Mas amemos aqueles que são nossos irmãos na fé, os povos outrora no regaço da Igreja, antes da grande crise que marcou o fim da Idade Média e muitos até agora ficaram no regaço da Igreja. Amemos a eles e façamos com que deles reste o maior número possível de pessoas para o Reino de Maria. Para isso nós trabalhamos, atuando no terreno temporal para que, através do terreno temporal, facilitemos o trabalho daqueles que são verdadeiros bispos, daqueles que são verdadeiros sacerdotes, para a salvação das almas. Este é o sentido que nos inspira nas atividades da TFP. Pode-se tomar uma a uma as atividades da TFP, da TFP norte-americana, da TFP canadense, tão pujantes e em tal desenvolvimento, pode-se tomar uma a uma as atividades delas como das 15 TFPs que já as há hoje no mundo, nós podemos tomar essas TFPs e considerar o que estão fazendo, o que começam a fazer ou que já fizeram ao longo da terra. Desde a mais antiga, a TFP brasileira, que tem mais de 20 anos de existência até as jovens TFPs norte-americana, canadense, etc. Então alguém dirá: “O que a TFP visa?” Eu digo: ela é inspirada constantemente por aquilo que Mons. de Segur considerava as 3 rosas dos bem-aventurados: o amor a Deus, à Sagrada Eucaristia, portanto, e nisto vai uma rosa; à Nossa Senhora, outra rosa; ao Papa, outra rosa. Amor à Sagrada Eucaristia a qual devotamos um culto intenso, constante; fomentamos a comunhão diária, fomentamos a devoção a Nosso Senhor nas suas várias invocações e também notadamente trazemos muita gente para o grêmio da Igreja. Muitas conversões se tem feito de todas as procedências ideológicas, desde o mais cru indiferentismo até os meios mais estritamente protestantes, ou judaicos, da Igreja greco-cismática se tem convertido para o catolicismo pela ação da TFP. As pessoas se aproximam da TFP, entendem bem a civilização cristã, e, a partir disso, de “proche en proche”, de degrau em degrau, acabam entendendo a Igreja Católica, do Deus verdadeiro. De outro lado, temos Nossa Senhora: a TFP estimula em seus membros para que eles tenham o empenho na luta contra o comunismo, contra o socialismo, contra os grandes adversários da civilização cristã, para que eles tenham a força necessária, a TFP incute a devoção ao Santo Rosário. Todos rezam diariamente o rosário, além de outras devoções à Nossa Senhora e são entusiastas da espiritualidade de São Luiz Maria Grignion de Montfort, o grande apóstolo marial dos tempos modernos, cuja mensagem entretanto ainda repercute mais nos tempos contemporâneos do que nos tempos modernos. O Papa: ao pronunciar esta palavra augusta – “o Papa” – me parece sentir no fundo dos séculos ouvir a voz divina de Nosso Senhor Jesus Cristo proclamando: “Pedro, tu és pedra e sobre esta pedra eu edificarei a minha Igreja e as portas do Inferno não prevalecerão contra Ela.” Com efeito, eu quando falo aqui do Papa, falo bem entendido dos Papas dos nossos dias, mas falo dos Papas de todos os séculos, do Papado ao longo da história, com sua missão grandiosa, na continuidade admirável dos Papas autênticos em relação à São Pedro que foi o fundamento escolhido por Nosso Senhor. O Papa, visto assim, é o eixo da História. Ele é o eixo da história da Igreja. E como a história da Igreja é, por sua vez, o eixo da história do mundo, o Papa é o eixo da história do mundo. A devoção ao Papa é fundamentalmente a devoção ao Papado. A devoção à Cátedra infalível da verdade. E toca aos católicos – na continuidade dos ensinamentos autenticamente ensinados pelo autêntico magistério da Igreja –, toca aos católicos devotarem a esse ensinamento uma dedicação, uma entrega, uma adesão, uma submissão sem limites. Nas antigas torres de igreja, assim que a arte mecânica entre os homens progrediu bastante para que eles pudessem fabricar relógios mecânicos – o que os senhores sabem que se deu na Idade Média – a Igreja começou colocar relógios na torre dela. E quis se ver nisso um símbolo muito poético: é que a Igreja indica a hora certa do pensamento humano. Para Ela todos se voltam acertando seus relógios individuais, suas mentes individuais. Não pode haver coisa mais preciosa para o gênero humano, para pôr o gênero humano em ordem, para a civilização cristã e para chegarem ao Céu do que a infalibilidade da Igreja assegurada principalmente nos documentos pontifícios. Nos documentos pontifícios verdadeira e autenticamente infalíveis segundo os preceitos do direito canônico. Nessas condições, é com emoção que também me refiro ao Papa e às 3 rosas dos bem-aventurados que o Mons. de Segur desta maneira mencionava. Com os olhos postos nesta trilogia tão grata ao espírito de todos nós, eu julgo que nossa exposição se termina naturalmente e harmonicamente, em três temas que são o ponto de encontro de nossas inteligências e de nossos corações. E, nesse espírito de amor e de união em Nosso Senhor Jesus Cristo, em Nossa Senhora, em São Pedro, eu me despeço muito cordialmente de todos que tiveram a gentileza de querer me ouvir. |