Plinio Corrêa de Oliveira

 

O que ser na vida:

um poço de ciência? um mercador bem sucedido?

ou um Cruzado?

 

 

 

 

 

Encerramento de SEFAC (Semana Especializada para a Formação Anticomunista), 11 de abril de 1982, Domingo

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

 

[...] a vossa situação me lembra uma história antiga que poderia ser imaginada mais ou menos assim:

Imaginai há séculos e séculos atrás uma cidade da Europa, a Idade Média. Oito horas e vinte da noite, a cidade está ainda no formigar de um dia de Domingo. No sábado, todos se divertiram, descansaram um tanto, o Domingo foi ainda mais animado. O Domingo à noite costuma ser o apogeu, tendendo ao cansaço, de um Domingo agitado.

Um grupo de rapazes estaria conversando num lugar próximo à praça pública da cidade. Ou junto à principal praça pública da cidade. Ali, o movimento, ali a alegria,  ali os [anúncios de] gás néon que acendem e apagam; um pouco mais adiante um alto-falante que  toca música; mais adiante tem uma confeitaria, mais adiante, tem um cinema, mais adiante tem uma outra confeitaria, ou um outro cinema, um restaurante, e num outro lugar jogam snocker e bilhar e não sei mais o que, os prédios estão acesos, [são as] casas de algumas famílias que estão acesas, que olham pelos terraços e por toda parte, assim, uma atmosfera de alegria. E numa rua lateral, que emerge para a penumbra, onde a iluminação é menos forte, onde o movimento é menos grande, onde portanto há uma certa solidão, esses rapazes conversam.

Conversam tendo à vista aquele quadro. Conversam trazendo o quadro dentro da alma, porque eles andaram por ali. Eles são amigos, moram em casas próximas, alguns são parentes uns dos outros, outros são colegas, eles se conhecem, estão todos os dias juntos, as famílias deles tem mais ou menos os mesmos níveis financeiros, mais ou menos o mesmo nível de educação, vivem do mesmo jeito, do mesmo estilo, eles são semelhantes uns aos outros, e o que repercute na alma de uns repercute na alma dos outros, mais ou menos do mesmo modo. Eles, há pouco estiveram por ali. Eles estiveram há pouco fazendo parte daquelas diversões. Eles estão à margem, meio entediados, meio saturados.

Provaram de tudo e estão achando que o dia está longo, que a noite está longa, as suas almas pedem alguma coisa que eles não sabem definir bem. Mas aquilo tudo lá, de que aquela gente está gostando tanto, a eles parece um pouco cacete. Eles gostariam de falar de outra coisa, gostariam de outro horizonte, gostariam de outra coisa. A sua alma tem uma certa grandeza, que não há sorvetes que encham; que não há músicas, nem saracoteios, nem leviandades, nem frivolidades que satisfaçam. Eles quereriam alguma outra coisa.

Eles sentem que eles foram feitos para coisas maiores, gostariam de outra vida, gostariam de outro estilo. Eles pensariam em qualquer outro horizonte para si, e eles sentem o seguinte – sentem confusamente, mas sentem: esta gente toda que está aí, ao meu lado, esta gente está se divertindo e amanhã vai estar trabalhando. Eles vão estar trabalhando para que? Para arranjar dinheiro e para ter mais diversões destas. Eles querem ficar mais ricos, ou gastar mais no próximo Domingo nesta praça, ou se não é isto, mudar para outra cidade mais rica. E nesta cidade mais rica levar uma vida parecida com esta, mas maior do que esta, mais agradável do que esta.

Então, durante a semana, vão trabalhar como uns touros. A gente vai ver estes mesmos homens que a gente que agora vê andando pela praça, despreocupados, com a cara... cumprimentando, falando, amanhã estão de sobrancelho [carregado]... Aquelas mesmas senhoras que estão também olhando amenas e se distraindo, amanhã uma está cuidando de uma coisa, outra está tirando dinheiro do banco, outra está correndo para o emprego, outra não sei o que... uma outra passando um pito num filho ou numa filha que não há meio da gente por nos trilhos... enfim... todos estão no corre-corre, na compressão, na batalha da vida diária.

O que é que sai do outro lado da batalha? Sai isto, ou alguma coisa parecida com isto, embora talvez maior ou melhor do que isto, de um tamanho maior do que isto, mas é isto em ponto grande. Eles, sem falar isto claro, sentem que o caminho para eles não é ter mais disto, ter mais sorvetes, automóveis melhores, ter música mais animada, ter fandango mais intenso, que não é isto. É uma coisa diferente. Algo de suas almas pede outra coisa.

Em certo momento, silêncio entre eles, mas silêncio em que eles se entendem. De repente um encontra uma palavra e diz: “Cacete, não?”

E o outro, em pequeno silêncio, responde: “É, não é? Para que, não é?”

Todos se entendem: “É...”

Um outro diz: “Pois é, se tudo pudesse ser diferente...”

Alguns dizem: “Oh! diferente!... É verdade, diferente.”

Notem que nós estamos há séculos atrás, e que nas praças não há ainda o ruído dos automóveis... mas há os cânticos populares... há o barulho das carroças puxadas pelos cavalos, ou dos cavaleiros que passam montando garbosamente os seus cavalos. Passam, olham para aquilo tudo: “É... que coisa eu vou fazer?”

De repente do fundo das trevas, das sombras, da parte inabitada – no momento inabitada da cidade – da parte sem animação, há uma escolta que vem. Eles prestam atenção. Na meia claridade das luzes que há, na rua paralela à praça, eles veem algumas figuras que passam a cavalo, magníficas. Cavalos pretos, cavalos brancos, cavalos alazões, figuras de guerreiros com penachos, eles olham interessados para aquilo. E uma certa esperança da mudança desejada de algo de diferente passa pela alma deles. “Como é? O que é que é aquilo?”

Eles, ao invés de irem correndo rumo à praça iluminada do prazer, eles vão rumo à rua que está na penumbra, iluminada só pelo luar, e onde o luar ilumina, por sua vez, as armaduras dos guerreiros. Eles não vão à busca do prazer, vão no rumo oposto, afundam-se nas trevas, e vão à procura de outra forma de luz.  É o heroísmo que luz para eles; é a glória que luz para eles. São espadas como estas espadas cujo brilho eles veem e que os deslumbram.

Eles se aproximam e perguntam: “O que é? Quem vós sois?” Alguns são estrangeiros, não entendem. Outros são nacionais e respondem sorrindo: “Nós somos cruzados”. “Cruzados? O senhor não quer nos explicar o que são Cruzados?”

Um muito jovem ainda, quase da idade deles, salta do cavalo. Desce e pondo a mão sobre um deles, diz: “Meu caro, eu vou explicar. O Santo Sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo foi violado pelos sarracenos. O lugar entre todos sagrado da Terra, em que Deus humanado entregou sua vida para nos remir, este lugar em vez de ser objeto da veneração e do culto da única Igreja verdadeira, Católica, Apostólica e Romana, está entregue, às mãos e aos pés dos sequazes de Maomé, que ali proíbem o culto, conspurcam o nome de cristão, perseguem os católicos que ali moram, estabelecem a desolação e o terror. Nós o que vamos fazer?”

Um dos jovenzinhos pergunta: “Mas o que é, o que vão fazer? Diga!” Ele pega na espada e diz: “Combater”! Os outros cavaleiros percebem o diálogo, sacam a espada e bradam: “combater por Nosso Senhor Jesus Cristo, e pela Igreja Católica, combater!”

Dos jovens, um diz: “Mas nós podemos fazer-vos algo?”

Eles dizem: “Sim. Nós paramos um pouco aqui, nessa nossa cavalgata sem fim, não porque estamos exaustos, porque nós o estamos, mas nós somos livres, dotados de inteligências e vontade, sabemos vencer o nosso cansaço, mas estas montarias que estão aqui, elas precisam beber. A nossa sede não nos detém, mas a sede vulgar, da natureza animal detém estes bichos. Eles precisam beber água. Conduzam-nos à fonte e ali nós dessedentaremos nossos cavalos e continuaremos nossa caminhada. Onde é a fonte?”

O rapaz entusiasmado diz: “Mas é perto, nós mesmos vamos levar”. Chegam até a fonte. Todos descem, alguns tiram o arnês, outros começam acertar a armadura. Um dos rapazes vai em casa e traz depressa um pouco de comida para eles. Um outro rapaz tem na estrebaria de sua casa própria um pouco de feno, dá para os cavalos e os cavalos bebem na fonte. E, entre si, os jovens se olham.

Quando os cavaleiros acabaram de se preparar, de alimentar-se um pouco, de se dessedentar um pouco, no silêncio da noite, lá longe, as luzes da praça dos prazeres estão se apagando. E ali, pelo contrário, as luzes nas almas deles estão mais acesas. Eles pensam: “Ah! Que coisa!”

Na hora de ir embora, o cruzado mais jovem diz para eles:

-- “Mas como é? E vós? Vós ficais?

Eles dizem: “Mas como? Nós podemos vos acompanhar? Não temos nem sequer cavalos! Nós não sabemos...

-- “Não, eu não vos peço um ato irrefletido. Pensai...

-- “Mas onde encontrar-vos? Vós ides para longe... daqui a pouco vós estais longe e não nos encontraremos mais...”

-- “Marcai em vossos calendários. Daqui a tantos dias é festa de São Tal e neste dia deve passar por esta cidade, devem passar a esta hora da noite, de novo, deve passar outra cavalgata de outros cruzados. Estejais prontos. E eu vos deixo aqui uma carta que escrevo. Levai-a a tal cidade aqui perto. Eles já virão com armas, se vós quiserdes”.

Os cavaleiros se afastam, ouvem-se os cavalos que andam, alegres dentro da noite, a lua brilha mais do que nunca. E eles afundam na estrada de fora da cidade, cheia de luar em que eles avançam dentro do ideal.

Os rapazes ficam. Eles se olham, alguns sentam-se à beirada do poço, outros ficam em pé. Eles se olham maravilhados. E dizem: “E então?”

Começam a falar, longamente. É tarde da noite e eles ainda estão comentando. Estão entusiasmados. Todos? Não. Eles são uns dez. Quase todos. Uns dois, uns três, menos... Enquanto a conversa vai fervendo, começam a dar sinal de sono. Depois, começam a se calar. E depois no fim, quando quase todos resolveram que eles vão preencher a carta, ir na cidade próxima para avisar que tragam armaduras para eles, que eles também querem começar os exercícios, e querem partir para a Cruzada, alguns dizem: “Será prudente? Valerá a pena?”

Os outros dizem:

-- “Mas o que é isto? Você, o que está querendo?

-- “O que estou querendo? Estou pensando no meu futuro. Eu estou pensando que eu aqui posso fazer carreira, que eu posso levar uma vida agradável... Eu fico meio farto daquilo, como você estava há pouco, mas vocês já pensaram o que é o voltar das Cruzadas com um braço a menos, ou com uma perna a menos, ou com um olho a menos, voltar da Cruzada, morto? O cadáver trazido para ser levado par o jazigo da família? A Missa de sétimo dia... A família toda que chora! Ohhhh! isto eu não quero!”

Os outros dizem:

-- “Pois olha, eu quero!”

Esta conversa se realiza à noite, na fonte, a água caindo... A lua brilhando, o silêncio da cidade que começa a dormir. Sobre a fonte, na parte onde as águas se dividem, há uma imagem de Nossa Senhora. Também ela brilha sob o luar. E um diz: “Vamos pedir à Nossa Senhora, para nos ajudar a ver qual é o melhor caminho. Eu não tenho dúvida. É o caminho do sacrifício. Mas vocês que tem dúvida, rezem conosco e vamos ver”.

Nossa Senhora sorri. Eles rezam. Naquele tempo se rezava ainda em latim: Salve Regina Mater misericórdia, vita, dulcedo et spes nostra salve...”

Terminado, uns dos que iam se inclinando para o caminho dos prazeres diz:

-- “Não, é mais sério, é mais nobre, Nossa Senhora me pede, eu vou ser cruzado também”.

Dois outros dizem:

-- “Não! Nós vamos ficar. Nós achamos mais garantido o que está aqui”.

Os que partem dizem:

-- “Está bem, então vamos fazer uma combinação: quando nós voltarmos, nós vamos ver a quem é que Nossa Senhora atendeu mesmo.”

-- “Mas vocês vão voltar quando?”

-- “Os cruzados calculam que Jerusalém vai ser tomada dentro de quatro anos. E aí nós voltamos”.

Quatro anos... Quatro anos em que a cidade não tem mais notícia daqueles que foram. Quatro anos em que tudo sumiu. As famílias piedosas rezam, e se enlevam. “Meu filho é um cruzado! Quem sabe se é um mártir, sepultado nas areias do deserto oriental. Que beleza, a alma dele está vendo Deus no mais alto dos céus. Quem sabe se eu posso dirigir-me ao meu filho dizendo: São Tal, reza por tua mãe”.

Outras, pelo contrário dizem: “Ali está o meu filho. Abriu uma casa de comercio, engordou, contente, já fez uma viagem pelos arredores, já tem uma filial noutra cidade, está rico. Olhem que chapelão ele usa e que roupa grande. E olhem que carro bonito ele tem para andar. Ele senta no carro, enche o carro. O carro toca e o cocheiro pergunta: para onde quereis que eu vá, meu amo?

-- “Para a casa que eu mandei construir para mim nos arredores da cidade”.

O outro formou-se e é doutor graduado. Na Idade Média, os doutores andam de borla e capelo, com aquelas roupas, pelo meio da cidade. Passa e o pai diz: “Olha o meu filho, um poço de ciência! (risos). Quando ele fala, ele diz a última palavra”. Passa o burgomestre, o prefeito, perto do “poço de ciência”... diz o burgomestre:

-- “Mestre, eu quero vos fazer uma consulta”.

Ele responde: -- “Aqui na rua eu não consigo me concentrar bem”.

-- “Onde, Mestre, então, devo vos procurar?”

-- “Vá à minha casa às tantas horas. Se entre dois tratados de Aristóteles eu tiver tempo, eu vos atenderei”.

-- “Oh! muito obrigado”.

O pai diz: “Qual, poço é poço!”  Encantado! Encantado!

Um dia... os quatro anos estão se completando, já houve festa na paróquia da cidade, já veio o bispo para comemorar a queda de Jerusalém, a alegria dos heróis que etc., etc.

Em certo momento toca, ao longe, uma trombeta. E as crianças que andam pelo burgo correndo, vem às casas: -- “Mamãe, papai, são os guerreiros que chegam! Ouvi o olifante que toca. Olhai para as plumas deles, para as armaduras, para os cavalos!”

Chegam, atravessam a cidade e param. Os nossos quatro guerreiros descem. Descem revestidos de glória. Eles têm agora brasões dados pelo rei, lembrando os feitos de armas deles. Foram dos primeiros a galgar a cidade, um outro foi a primeiro a entrar no Santo Sepulcro, um outro conseguiu abrir tal porta que os mouros mantinham fechada. E daí para a frente, eles estão cobertos de glória. Vão e as famílias vem correndo festejá-los. Convidam os outros cruzados. Há banquete na cidade. O burgomestre ordena festejos públicos e as notabilidades aparecem para recebê-los.

Aparece o “Doutor Poço de Ciência”; aparece, também o ricaço. E aparecem os guerreiros. Saúdam-se, o Poço de Ciência e o ricaço pensavam intimidar. Eles agora os doutores. Mas diante daquela glória, daquela rutilação... cútis atormentada pelo sol, olhos chamuscando, espáduas de gigante, passo firme. O Poço de Ciência se sente reduzido a livro... E o comerciante, a saco de mercadoria...

“Mas como? Como pode ser isto?”

O comerciante ia convidá-los para uma festa lauta. Está percebendo que os leitões gordíssimos que ele tinha mandado preparar e estão já girando nas brochas, vão ficar com ar esquisito. E que os vinhos com açúcar e canela que ele tinha mandado temperar, também não vão cair no gôto daqueles heróis. Ele pensa e pergunta ao Poço de Ciência:

-- “O que fazer? Preparastes um bonito discurso?”

Diz o outro:

-- “Eu estava pensando em citar alguma coisa do livro de César sobre as guerras da... Mas eu percebo que eles não vão gostar”.

O povo entusiasmadíssimo com os heróis. As casas são pequenas, e o recebimento se dá na praça pública. Eles se sentam em grupo e perguntam para um, para outro: “são muitos guerreiros? Não só os quatro – contem-nos isso, contém-nos aquilo, contem-nos de tal rei, contém-nos de Godofredo de Bouillon, de Urbano II”!

A cidade vive com uma alegria que nunca a praça dos prazeres teve. Em certo momento todos sentem que aquilo não pode durar, tem que acabar, que chegou a hora do adeus. Os nossos quatro guerreiros se levantam e dizem:

-- “Nós temos que continuar”.

-- “Mas como? Vocês não voltaram para morar? Estão preparados quartos para vocês, nas suas casas, tão bons... Você se lembra daquela cama macia em que você dormia? Está à sua espera... E você o que quer? Não é isso que você quer? Não é isso que você veio pegar aqui?”

-- “Ah! Não! Quem compreendeu o que é sacrificar-se por Nossa Senhora, pela Santa Igreja Católica, para a Civilização Cristã, este não cabe mais nem nestes moldes, nem nestes modelos. A dimensão dele é o campo de batalha; o entusiasmo dele é o da luta; ele quer outras coisas e outras coisas. Não sabeis? Nós estamos engajados numa Ordem de Cavalaria. Daqui para a frente, daqui para a frente, daqui para a frente... vamos combater, combater, combater, pelos vales e pelos montes, pelos coles e pelas colinas, nós queremos por toda a parte tornar glorioso o nome de Jesus Cristo, efetivo o Reino de Maria”.

Se recompõe o glorioso esquadrão. Tocam o olifante e dizem:

-- “Vamos à Matriz, vamos rezar. E de lá nós vamos juntos começar a nossa cavalgata. Nós nos separamos aos pés do Santíssimo Sacramento, e da Imagem de Nossa Senhora”.

Lá vai toda população. Na hora da despedida o Poço de Ciência e o mercador bem sucedido, lá estão. Um dos cavaleiros, aquele que foi armado pessoalmente por Godofredo de Bouillon, esse diz aos dois:

-- “Lembram-se? Éramos oito; seis foram e depois ficaram. Os dois mais felizes não estão aqui. Morreram e estão no Céu. Agora, meus caros eu vos proponho uma coisa: deixemos que nosso esquadrão marche para a frente. Deixemos para traz a população da cidade. Nós vamos nós, andando um pouco pela estrada e conversando sozinhos. E vamos continuar aquela conversa que deixamos interrompida, quando nós partimos para o serviço desinteressado e heróico da causa Católica. Tu partiste para a riqueza e tu partiste para a ciência. Todos nós encontramos o que procurávamos. Inclusive aqueles – eles baixam a cabeça numa atitude de respeito e reverência – que encontraram na morte o prêmio de suas vidas. Encontraram o que esperavam. Todos nós. Vamos conversar um pouco sobre o que é que valiam as nossas esperanças, o que valem as vossas esperanças o que valem as nossas e vamos terminar aquela conversa de há quatro anos atrás?”

Os dois: -- “Vamos... É... não tem dúvida”, diz o comerciante, mas vamos devagar, porque neste seu passão de... apressado, não há quem ande. Eu ando mais devagar, você sabe, eu tenho carruagem, quase não ando”.

O outro: -- “Ah! mas eu tenho percorrido tantas extensões! Enfim, andemos devagar”.

Diz o cientista:

-- “Você, por onde quer fundamentar o seu raciocínio? Em algum argumento de Cícero ou de Platão?”

-- “Não! No bom senso e na Fé!”

Começam a andar. Nos primeiros passos, quando eles se sentem sós, o comerciante e o Poço de Ciências dizem:

-- “Vocês sabem? Não adianta nem conversar. O mundo correu nestes quatro anos. Nós tomamos uma direção e não queremos mudar. Vocês tomaram outra direção e não querem mudar. Vocês conhecem a direção que nós tomamos, não a querem. Nós conhecemos a direção que vocês tomaram e nós não queremos. Por que conversar? Tudo entre nós está conversado. Não vamos estar caminhando por esta estrada que conduz ao desencontro.”

Os cruzados pararam e disseram:

-- “É verdade, mas com uma diferença. É que nós partimos na alegria, com a consciência tranquila e alegre. Vocês, daqui por diante, nunca mais vão ter coragem de se encontrar sozinhos. Nem de se olharem um dentro dos olhos do outro. Nós rezaremos para que vós fiqueis iguais a nós, vós sabereis que se rezardes para que nós fiquemos iguais a vós, será uma blasfêmia. Adeus. Que Deus tenha pena de vós”.

Montam. E de longe eles ouvem o sussurro dos dois entre si.

-- “Que Deus os proteja!”

E acabou nossa história.

O caminho daquele tem vergonha e que tem remorso é certamente pior. O caminho do que parte para o sacrifício, na glória, no amor dos seus ideais, é certamente o melhor.

Meus caros, estes cavaleiros estão diante de vós. Toda esta história eu a fabriquei. E eu a fabriquei vendo-os entrarem aqui e vendo a reação de vossas almas, no modo deles desfilarem e cantarem. É bem evidente que não se trata para o nosso país, que está na mais profunda paz, de convidar-vos para uma luta militar. Trata-se de convidar-vos para uma luta de ideal. Para uma luta de vida inteira, que pode dar nos grandes combates da vida. Para uma vida combatente, a serviço da Fé. O que de melhor?

Se vós me disserdes: “eu invejo o poço de ciência”; e o outro disser: “eu invejo o mercador”, eu digo: “Meu jovem, tenho pena de ti. Mas para ti, ainda é tempo. Vamos rezar!...”

(Aplausos - brado)


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