Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Mentalidade e doutrina manifestadas

em uma poesia e em uma parada militar

 

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia – 12.6.81 – Sexta-feira

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.



 

 

Nós vamos analisar um texto que é a teoria e prática da vidinha. Temos uma poesia que é em francês, com tais indicações etc., etc. Uma coisa absolutamente documentada. O poema é atribuído a Plantin [Christophe Plantin (1514-1589)], é um poeta francês.

Eu vou pedir para Dom Bertrand ler, depois eu vou comentando (em português) os trechos:

Le bonheur de ce monde

Avoir une maison commode, propre et belle,

Un jardin tapissé d'espaliers odorants,

Des fruits, d'excellent vin, peu de train, peu d'enfants,

Posséder seul sans bruit une femme fidèle,

 

N'avoir dettes, amour, ni procès, ni querelle,

Ni de partage à faire avec ses parents,

Se contenter de peu, n'espérer rien des Grands,

Régler tous ses desseins sur un juste modèle,

 

Vivre avec franchise et sans ambition,

S'adonner sans scrupule à la dévotion,

Dompter ses passions, les rendre obéissantes,

 

Conserver l'esprit libre, et le jugement fort,

Dire son chapelet en cultivant ses entes,

C'est attendre chez soi bien doucement la mort.

 

Eu acho que era difícil, seria difícil uma poesia exprimir mais – esse autor é do século XVI ou XVII, não me lembro bem - exprimir mais aquilo que nós chamamos o ideal da “heresia branca”. Quer dizer, é uma vida na qual está presente uma certa forma de virtude e uma certa forma de piedade - os senhores notarão que ele fala aqui em dominar as suas próprias paixões e ter uma certa fortaleza de espírito para  ver as coisas, ele fala nos deveres de piedade bem cumpridos,  ele fala numa esposa fiel. O tom é de um homem que é fiel à sua própria esposa pelo menos em linhas gerais, e que quer uma vida que, a ver assim diretamente, é inteiramente conforme aos Mandamentos. A ver, grosso modo, é inteiramente conforme aos Mandamentos.

Não se vê, na primeira impressão, nada se vê aqui que seja pecado. Dir-se-ia que todos os mandamentos da lei de Deus estão cumpridos. Eu diria que é verdade, exceto o primeiro.

Porque o que está excluído inteiramente daí é a idéia de quem fez a poesia é um membro da Igreja militante, que está posto na terra para uma prova, que portanto, tem que encontrar na sua vida com tragédias, com coisas duras e difíceis e que é preciso enfrentá-las com generosidade, que não basta a gente viver nessa terra só com ideal de esperar “doucement la mort” e depois ir para o Céu. Mas que a gente deve se empenhar numa causa, deve se empenhar em coisas nobres, deve-se lutar.

Tudo isto está completamente ausente, e é a vidinha medíocre, rasa, de quem em última análise diz o seguinte: “Contanto que eu nesta vida tenha o mínimo de amolação e depois consiga um lugarzinho pequeno no Céu, eu estou arranjado. O que eu não quero é sofrimento. Na terra, virtude com o mínimo de sofrimento; no Céu, um pouquinho de Céu já chega. O que eu quero é chegar até lá e não ter amolação”.

Ou seja, onde é que está aqui a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo? Está completamente ausente.

Essa Cruz, que eu amo tanto, que nós amamos tanto, que em nossas sedes está se tornando tradição ter um cruzeiro por toda a parte. É Jasna Gora, é Êremo de Elias, é Êremo de São Bento, Êremo Presto Sum, por toda a parte.

Tivemos (essa Cruz) na sede da rua Pará, e é a cruz como está nesses lugares: preta, negra como sofrimento perplexo e sem explicação, de braços abertos, imolante, e com o pano, os instrumentos da Paixão para dar a entender que está tudo feito, que foi tudo cumprido. Quer dizer, é essa a Cruz que nós devemos amar.

Essa Cruz está completamente afastada daqui (nessa poesia).

Vale a pena ver com que comunicatividade, como ele marca isso de maneira a gente sentir na poesia – porque a poesia como poesia não está mal feita. O pensamento é muito mal, a poesia não é nenhum pouco um golpe de gênio, mas literariamente tem algum valor - como ele faz saborear todas as gostosurazinhas da vida.

Os senhores vejam aqui :

“Avoir une maison commode, propre et belle”. (ter uma casa) Cômoda, limpa e bela. Os senhores estão vendo bem que a justaposição destes três adjetivos dá a impressão... faz a gente sentir a casa. Mas é uma casa que a gente vê que não é um palácio, não tem nada de grande. É uma casa para nhonhô, onde o nhonhô fica... e por isso o primeiro adjetivo é cômodo. O resto vem depois.

“Un jardin tapissé d’espalier odorans”. «Espalier” era uma palavra francesa que eu ignorava. Eu mandei ver no (Dicionário) Larousse e dá uma explicação curiosa, não sei a que se prende. São renques de árvores plantadas ao longo de um muro grande. Não sei porque que tem que ter “espaliers odorants”. Com árvores odoríferas, alguns renques de árvores.

É preciso dizer que naquele tempo o terreno era muito menos caro do que hoje, porque as cidades eram muito menos povoadas. E ter um jardim grande com alguns renques de árvores era conforto, não era luxo. Então, está tudo aqui no termo de uma vida média. É o nhonhô que sai da casa cômoda e vai rezar seu rosário andando de um lado para outro debaixo das árvores odoríferas, tranqüilo. Sacrifício nenhum, heroísmo nenhum, generosidade nenhuma.

“Des fruits, d’excellent vin, peu de train, peu d’enfants”. Frutas, vinho excelente – é a única coisa em que aparece aqui um superlativo. É na qualidade do vinho. Mas notem que a França é a terra dos grandes vinhos, em que o vinho excelente é (abundante), ainda mais naquele tempo, estava ao alcance da mão de qualquer homem confortável.

Então, excelente, “peu de train”. O que é “peu de train”? “Train” o que é? É trem de vida, não é trem para andar. É uma vida pouco representativa, pouco brilhante, pouco decorativa. É uma vidinha, é a vidoca, é o nhonhô...

« Peu de train, peu d’enfants » – poucas crianças. Naquele tempo não havia limitação de natalidade e esses anticonceptivos não existiam. Era um voto de que Deus lhe desse poucos filhos.

Na Escritura se considera a descendência abundante como uma bênção de Deus. Fulano morreu deixando uma grande descendência. É uma bênção de Deus. Este egoísta aqui quer poucas crianças. Por que? Porque ele quer estar à vontade em casa.

“Posséder seul sans bruit une femme fidèle”. Possuir só, sem barulho, uma mulher fiel. Quer dizer, não quer aparecer aos olhos de ninguém, ele quer estar dentro de sua casinha como a tartaruga está dentro de sua carapaça. Não tem amolação.

Quer dizer, isso, no fundo, é uma mulher que não amole, que não crie caso para ele, que esteja dentro de casa ao serviço dele.

“N’avoir dettes, amour, ni procès, ni querelle”. Não ter dívidas, não ter fassurada, não ter processos (processos judiciais), não ter briga com ninguém. É o “seu-ligação”. Mas também os senhores não veem ele falar em ter muitas visitas nem visitar muita gente. Pouco. Ele quando quiser vai cheirar flores debaixo de suas “espaliers”, o resto ele fica em casa acocorado, se balançando, vendo o tempo passar, o relógio bater tique-taque, esperando a hora das refeições e a hora do sono que são a razão de ser da vida dele. Idealismo nenhum!

“Ni de partage à faire avec ses parents”. Não ter mais inventários para não ter brigas com os parentes. “Partage” aqui é partilha. Está tudo acabado, tudo que ele tinha que herdar ele já herdou, está encaixadinho, direitinho, não tem mais nada.

“Se contenter de peu, n’espérer rien des grands”. Contentar-se com pouca coisa, quer dizer, não ser desses que querem, não, não, aquilo está bem bonzinho. E não esperar nada dos grandes. O que eqüivale a dizer não procurar os grandes: “Os grandes vivam para lá, não quero saber. O Rei, a Rainha, o Ministro, o Conselho de Estado, os duques, vivam para lá. Eu tenho a minha casinhoca, meu patrimoniozinho e ali eu vivo, o resto se arranjem. É o « ideal » dele.

“Régler tous ses desseins sur un juste modèle”. Regular, acertar todos os seus desígnios segundo um modelo justo, quer dizer, na proporção desta vidoca. Não ter aspirações, não ter sonhos. Essa é a definição do homem que não sonha. É a definição do “macro Bios micro Mamon”. Ele quer uma grande vida com um pouquinho de dinheiro, o suficiente para ele se sentir – eu volto a dizer - como a tartaruga debaixo de sua carapaça. Aquilo está bem.

“Vivre avec franchise et sans ambition”. Viver com franqueza. “Franqueza” aqui - é o francês arcaico este - fraqueza aqui quer dizer com uma certa liberdade de gastar, não estar se amolando em contar os tostões. Se poderia dizer talvez, em português desse tempo, uma certa franquia, de um modo um tanto franco, não é? Mas é nesse modelinho, não ter apertos neste modelinho, e também não ambicionar nada: não quero mais do que sou.

“S’adonner sans scrupule à la dévotion”. Entregar-se à devoção, mas sem escrúpulo, porque o escrúpulo atormenta. É uma devoção gostosa, chega diante da imagem (e faz um) annnhh! Annhh!... é isso. Se derrete diante da imagem, vai embora contente dizendo: Bem, tem esse trambolho da morte – é verdade - mas é um susto. Logo depois eu tenho aqui um resseguro no Céu, tem um lugarzinho. A imagem do que eu tive na terra eu terei no Céu, um lugarzinho também, a coisa corre bem.

Eu não sei que purgatório isso dá, hein? E depois, há nisso uma hipocrisia que nós vamos analisar daqui a pouco. Mas vamos antes examinar aqui a coisa.

“Dompter ses passions, les rendre obéissants”. Dominar seus impulsos e torná-los obedientes. Mas está insinuado aqui é que esses tais impulsos a gente tem um certo esforço para dominar, uma vez dominada a vida inteira fica como um cachorro que amansou, mora dentro de casa sem amolar ninguém. E, portanto, a vida espiritual tem no começo umas certas encrencas, depois a gente domina e leva a vida tão gostozinha... na cadeira de balanço, tric-tric, tric-tric, tric-tric... É isso.

“Conservar l’esprit libre et le jugement fort”. O espírito livre aqui quer dizer um espírito desanuviado e que se move com facilidade para analisar as coisas. É um espírito desinibido. E o julgamento forte, quer dizer não se deixar bobear.

É a única vez em que aparece a palavra “forte” nessa coisa: é não ser bobo. Quer dizer, ter um cadeado trancado em tudo e pensar de maneira a dar nisso. Isso é o julgamento forte dele.

“Dire son chapelet en cultivant ses entes”. Rezar seu rosário cultivando seus “entes”. Eu não sei o que vem a ser esses “entes”... Suas plantas, é uma forma arcaica de plantas. Quem traduziu com certeza foi ver no dicionário. É o jardim, tem seus “espaliers”, tem outras coisas, cultivando as suas plantas.

“C’est attendre chez soi bien doucement la morte” (e esperar em casa bem tranquilamente a morte) Bien doucemente la mort... Os senhores estão vendo o que é: em certo momento a morte chega, mas acaba sendo meio dulçurosona também, é morrer com glicerina e acabou-se...

Quer dizer, isto conduz à podridão.

Agora, por que conduz à podridão? Porque contêm uma grande mentira. E a mentira é a seguinte: a Providência Divina não permite que ninguém leve essa vida. E quem quer dar a entender que leva essa vida, este se engana redondamente e engana os outros, porque de vez em quando vem paixões ardentes, vem tentações do demônio fortíssimas e assaltam o indivíduo. E, ou ele batalha fortemente, ou ele vai no arrastão.

E para isso é preciso que ele não seja forte apenas no momento em que ele é tentado, ele precisa ser habitualmente forte, porque a tentação vem como um ladrão: assalta de um momento para outro, em qualquer idade! E até na hora da morte. Porque as tentações na hora da morte muitas vezes são mais terríveis do que a pessoa teve em vida. Então, isto (a ideia expressa nessa poesia) não é verdade.

E depois, a vida apresenta sempre alguns aspectos que preocupam profundamente e que a Providência dispõe para a gente ter aqui uma prova. Então a pessoa está com uma doença, ou a mulher tem uma doença, ou o filho tem uma doença e, ou um vizinho durante a noite fez uma encrenca e fugiu para a casa dele, e ele se viu arrastado num processo, está sendo acusado... Ou, quando não é nada disso e ele vive assim, vive debaixo do desprezo universal.

Porque essa coisa produz o desinteresse, e o indivíduo fica com esta estatura assim (bem pequena) em comparação dos outros, porque gente assim não se olha, nem se percebe que vive ao lado da gente! É uma coisa evidente. São os desapercebidos da vida, os isolados da vida, não são só eles que se isolam, ninguém os quer. E isso produz neles e amargura que os senhores podem imaginar.

* * *

Eu aqui toco no tema que eu ia tratar hoje na reunião: doutrina e mentalidade.

Eu não creio que eu tenha tempo de desenvolver o tema inteiro, mas eu vou ilustrar o tema como posso e tratar dele pelo menos uma certa parte.

A gente pergunta o seguinte: atrás dessa poesia – que os senhores aliás podem levar para casa se quiserem – atrás dessa poesia o que há? Há uma mentalidade?

Os que acham que há uma mentalidade levantem o braço. - A totalidade da sala.

Há uma doutrina? - Timidamente a maior parte...

Que diferença há entre doutrina e mentalidade? O que é doutrina e que é mentalidade?

A pergunta nos importa muito, porque há pessoas nesse mundo de confusão de hoje em dia, que acham que o estudo da mera doutrina forma um homem e não se precisa estudar a mentalidade. E uma pessoa pode ter uma ilusão num sentido contrário, que conhecendo a mentalidade não precisa conhecer a doutrina.

Então, conhecendo as relações entre doutrina e mentalidade a gente percebe bem como uma coisa completa a outra e como se devem ter as duas coisas. E como toda a mentalidade é, sob certo ponto de vista, a encarnação, quer dizer, a redução a sinais sensíveis de uma determinada doutrina.

Qual é a doutrina que está aqui (expressa nessa poesia)?  É a doutrina comum do gozador da vida que fez o cálculo do gozo da vida.

Então: I – A doutrina. Porque há várias doutrinas que convergem aí.

I – Uma doutrina sobre a vida. E a doutrina é essa: as grandes emoções são a desventura da vida, e o homem deve evitar as grandes emoções para gozar a vida. Então, deve preparar para si uma vida calma, em que o correr das horas sem emoção dá a própria felicidade. É uma doutrina sobre a vida e uma doutrina sobre a felicidade, que estão imbricadas ali. A vida existe para ser feliz. Agora, a felicidade consiste em não ter emoções, logo levemos uma vida sem emoções. Acabou-se. Isso é a doutrina.

Qual é a doutrina oposta a isso?

1) A vida existe para amar, louvar e servir a Deus nessa terra e dar-lhe glória por toda eternidade no Céu. É isso.

2) A tal felicidade sem nuvens não são nem as grandes nem as pequenas emoções que dão. A felicidade sem nuvens nesta terra não existe, nem a pessoa bem estruturada deve desejá-la. Porque está nesta terra para a prova e para servir a Deus, e, portanto, deve querer servir a Deus. Na única vida que não é insuportável é servir a Deus, e, portanto, é assim que se deve querer viver.

3) Por causa disso, a pessoa deve ter uma vida que é a vida comum lançada a tudo quanto a Providência permite e dispõe. Será grande emoção, será pequena emoção, será o que for, a pessoa cumpre o seu dever. Tendo cumprido o seu dever, ela viveu. Viver é isso. Está acabado!

Os Senhores estão vendo... Bem.

Há uns gozadores, que são o contrário dessa doutrina, na qual São Luís Grignion reconheceria o gérmen, o elemento mais essencial do que ele chama a mentalidade e a doutrina dos Amigos da Cruz - há alguns que acham, o contrário deste aqui, que a vida é das grandes emoções. Então, precisa ter as grandes aventuras, precisa sair correndo, galopar, imaginar etc., etc. Quando param as grandes emoções o sujeito parou de viver.

Os dois são gozadores. O verdadeiro homem católico, a ele não importa gozar, importa servir! Ele está nos antípodas dos dois. Isto é doutrina.

Agora, o que é mentalidade?

O que eu disse aqui doutrinário a respeito desse papel, aqui está a doutrina, não está enunciada com essa clareza, mas está insinuada em tudo. Mas no que está a mentalidade? Qual é a diferença entre mentalidade e doutrina?

Esse homem tem essa convicção doutrinária, mas tem todo o seu temperamento, toda a sua sensibilidade, todo o seu estilo de vida e todos os seus hábitos ajustados a essa doutrina. De maneira que ele inteiro, faz sentir essa doutrina aos outros. Não é apenas uma explicação verbal, mas ele faz sentir essa doutrina aos outros. Ele inteiro se cerca dos símbolos dessa doutrina e ele faz uma poesia que faz o outro sentir a gostosura do que ele sente.

O que aqui é mentalidade? É o estado de um homem que ajustou toda a sua pessoa à doutrina. Isto é mentalidade.

É todo o sentir dele, todo o modo de ser dele, tudo aquilo que ele faz, todo o ambiente que ele cria, tudo aquilo de que ele se cerca. Ele é um símbolo vivo da doutrina dele. Ele é um colecionador desses símbolos, ele constitui em torno de si um ambiente-símbolo e ele canta depois aquilo que ele simbolizou. Esse homem tem mentalidade.

Agora, o espírito humano para conhecer - vejam bem - para conhecer a verdade inteira ou a virtude inteira, ele não pode deixar de conhecer na doutrina, senão não conheceu nada; mas se ele conhecer só na doutrina ele não conhece inteiramente. Ele precisa conhecer realizada desta maneira, de maneira que a doutrina se torne para ele cognoscível em todos seus aspectos. E é toda a sua pessoa, não apenas o intelecto, que conhece a doutrina, quando ele entra num lugar apresentado assim, feito dessa maneira.

De maneira que a cognição inteira Deus quer que o homem tenha, a mentalidade formada dessa maneira: todo o seu ser recebe a doutrina e os senhores  têm aí a Revelação, e os senhores ainda têm a Igreja que é Mestra da Revelação para garantir que a gente conheça bem a Revelação – mas os senhores têm depois todo o resto que Deus criou que é ambientação para a prática da doutrina, ambientação para  ter horror ao mal.

Isso é propriamente o que forma a mentalidade. Se não, o indivíduo tem uma doutrina, mas a mentalidade formada de outra maneira.

Os senhores me dirão: Mas como pode ser essa contradição? Eu digo: é fácil.

Imaginem que um homem qualquer - esse homem aqui – ele fala em partilha. A gente supõe, portanto, que ele tem bens herdados. Imagine que ele tenha recebido de um trisavô um velho impresso – dos primeiros – com um romance de Cavalaria. Primeira encadernação, primeira coisa impressa com romance de cavalaria. Um bonito livro.

Ele tem aquilo em casa e acha interessante porque a encadernação é bonita, porque a apresentação é bonita. Ele não lê aquilo. Mas ele acha interessante ter sobre uma mesa num salão dele, e coloca ali.

Esse homem tem um neto que nas horas vagas vai brincar em casa do avô e acha o avô supremamente “pau” (cacete, n.d.c.), e começa a ler o romance de cavalaria. O neto pode entusiasmar-se com o romance de cavalaria, mas habituado à casa do avô e habituado à casa do pai formado pelo avô, ele gosta muito de ler o romance de cavalaria na cadeira de balanço, mas ele fazer cavalaria não. Ele tem a doutrina, mas não tem a mentalidade.

Comenta-se... hoje já não é, ao menos pela impressão que eu tenho, já se foi o tempo dos romances policiais. É talvez a época das novelas policiais ainda. Mas os senhores tomem as pessoas que gostam de romance ou novela de televisão policiais, as pessoas têm um modo de ser engraçado: se essa novela passa às 11 da noite, por exemplo, elas trancam antes bem a casa, se sentam na poltrona mais cômoda – conforme o nível da pessoa - põe-se de chinelos e liga a televisão um pouquinho antes da hora para pegar a novela inteira, e acompanha a novela com uma torcida única. Pára o negócio, a pessoa levanta, vai para dentro, toma um copo de água, de qualquer outra coisa, de leite, qualquer coisa, e vai calmo para o quarto dormir pensando “como acabará o caso da moça aflita que eu vi pendurada num fio de eletricidade para cair na rua. Vejamos na próxima semana”. Entra dentro da cama e dorme um sono monumental...

Essa pessoa tem, conhece doutrinariamente que o risco pode ser um ornato da vida, tanto é que ela gosta de ver o risco na vida do outro, mas na vida dela ela não quer, ela não tem aquela mentalidade.

Não sei se está claro o que estou dizendo.

Portanto, conhecer meramente a doutrina é algo, mas é algo que é muito pouco. E no inferno há muita gente que conhece a verdadeira doutrina, mas não teve a mentalidade da doutrina e foi parar no inferno.

Há gente com mentalidade sem doutrina? Os Senhores dirão: Não, isso é impossível. Eu digo: É o contrário.

Há muita gente, todas essas pessoas que têm doutrina e não tem mentalidade têm uma mentalidade de uma outra doutrina. Não sei se está... Vamos tomar o caso da mesma pessoa. Vamos dizer um funcionário aposentado, 65 anos, ou uma funcionária que tenha além disso 3 ou 4 segurinhos de vida e tem uma chacarazinha nos arredores de São Paulo, e uns casinha em São Paulo e... enfim, tudo arranjado, dispensa cheia, armário de remédios perfeito, os remedinhos para manter a saúde perfeita, controle médico cada 3 meses... o que os senhores podem desejar do paraíso securitário.

E que essas pessoas vão assistir a televisão. A doutrina delas é uma: o risco é um ornato da existência. A existência é tão cacete sem risco que eu vou ver o risco dos outros para apimentar minha existência. Mas a mentalidade é aqui do Plantin. Quer dizer, todo o estado de espírito é esta casa com uma novela de televisão ligada dentro.

Não sei se está claro isso ou não. E a pessoa sofre uma contradição interna, que é fonte de mal estar. Essa é a posição.

Mas ninguém há que não tenha uma mentalidade segundo uma certa doutrina. A pessoa é dividida em duas doutrinas diferentes, porque pessoa a-doutrinária não tem.

Os senhores dirão: Não, mas essa pessoa nunca seria capaz de explicitar isto.

Pouco importa. Para a mentalidade, a mentalidade não se incomoda em explicitar, ela gosta de ser. Explicitação já é parte do pensamento, e esse tipo de mentalidade como da pessoa que vive à margem da própria doutrina, a pessoa até prefere não explicitar para não ter encrenca.

Vamos dizer, por exemplo, o rapazinho que eu estou imaginando lendo o Amadis des Gaules, por exemplo, da Idade Média e se regalando em tomar, por exemplo, uma coalhada deliciosa que a avó preparou para ele e depois ele também vai passear debaixo do “espaliers” dizendo: Como o vovô é um colosso, hein! Olha, ninguém amola vovô. E o avô diz: Meu filho, aprenda de seu avô. – Ah! Vida sossegada é isso.

Ele não quer explicitar porque percebe confusamente se ele explicitar, ele tem um choque. Se há uma coisa que ele não quer é que explicitem para ele. É a conivência vergonhosa de um explícito vazio com um implícito envergonhado. Esse é o estado de espírito.

E, Deus que odeia a mentira e odeia que a pessoa feche os olhos para a verdade, inclusive sobretudo para a verdade interior, Deus castiga isso.

Aí vem a vida ordenada pela Providência que dá esbarrões na pessoa para convidar a pessoa para explicitar. Se a pessoa não explicita, não explicita, em determinado momento a Providência a chama. Ou, de repente, a pessoa quebra. Faz uma infância qualquer... “isso eu não devia ter feito, mas fiz, agora não tem remédio”, se desespera.

Eu não quero, não quero levar a coisa a um ponto dramático porque não convém bem aos imponderáveis do ambiente em que eu estou falando, mas já que me aflora no fundo do olhar a figura horrível, por que eu não vou mencionar?

Para não falar do Judas por excelência. Com o Judas por excelência não terá havido um processo assim? Vai afundando meio subconscientemente? Em certo momento rouba um dinheiro da caixa dos Apóstolos, da caixa dos pobres – os Apóstolos! onde está Nosso Senhor não há caixa de ninguém, tudo é dEle - da caixa de Nosso Senhor ele rouba um dinheiro e gasta e depois faz a idéia de repor. Para repor ele rouba mais um pouco para fazer um negocinho e o negocinho deve dar o lucro para repor o que ele roubou e ele poder tomar mais um trago de vinho, mas o negocinho dá errado e ele desanima de pagar, e então começa a ficar com “nó” (ressentimento, aversão sem motivo justo, n.d.c.) porque São Pedro percebe e começa a olhar com má cara para ele, e ele começa a ficar inseguro na presença de Nosso Senhor, e vai daí... Em certo momento, ele planeja a traição. É a maldição da ambigüidade!

Esse homem, se fossem dizer a ele “você nega a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo!” – [ele diria] “Não, perdão, eu tenho um lindo crucifixo dourado em minha casa... Absolutamente não é verdade. E às Sextas-feiras Santas eu estou sempre na minha paróquia com a minha mulher e meus descendentes. Todos, para oscular a Santa Cruz. Até uma mendiga a quem eu dou dinheiro fora diz: Que beleza ver toda sua família aos pés da Cruz! Eu comentei com minha mulher, hein: Aos pés da Cruz... aos pés da Cruz... que bonito”... Está acabado.

Quer dizer, iludindo-se a si próprio. Iludindo, iludindo, iludindo. São as mentalidades que têm princípios que a gente não ousa confessar. Ao mesmo tempo que a gente confessa princípios que a gente não ousa praticar. Aqui está o choque mentalidade x princípio.

Diga meu caro.

(Pergunta: O Sr poderia fazer uma analogia com o moço rico do Evangelho também. Parece se aplica muito bem a toda questão mentalidade doutrina, pelo visto.)

Pois não, perfeitamente.

O moço rico do Evangelho os senhores conhecem perfeitamente o fato. Ele encontrou Nosso Senhor e perguntou o que ele deveria fazer para ser perfeito e Nosso Senhor disse a ele - ele disse que tinha praticado os mandamentos desde sempre. Nosso Senhor olhou para ele e amou-o, o quis bem, e disse: Se queres ser perfeito abandona todas as coisas e segue-me.

A gente vê que ele tinha uma ambigüidade fundamental que era a seguinte: ele queria ser perfeito continuando a ser o que era, ele queria ser ele mesmo visto numa lupa de aumento. Ora, Nosso Senhor pediu a ele que ele fosse diferente do que ele era, que ele seguisse o caminho da prova e da luta, e não o caminho cômodo da riqueza.

Ele era virtuoso dentro das comodidades da riqueza – tem algum mérito, porque a riqueza traz muitas solicitações para o pecado – mas evita as tentações específicas de quem passa pela pobreza ou passa pelas lutas da vida. Nosso Senhor quis que também ele tivesse essas, porque para ser perfeito é preciso ter experimentado várias formas de tentação e não um tipo de tentação só. Ele retirou-se cheio de tristeza.

Agora, o que era? A doutrina que ele tinha era a respeito de um tipo de perfeição que não era de Nosso Senhor, e a mentalidade que ele tinha era uma mentalidade feita de acordo com essa doutrina errada de perfeição que ele tinha. Nosso Senhor lhe enunciou a verdadeira doutrina, foi um choque total de doutrina e personalidade, ele afundou.

Não sei se está clara a coisa.

Bom, meus caros, me pareceu que para realçar essa distinção entre mentalidade e doutrina e nós compreendermos portanto quanto é preciosa uma formação que além de dar a doutrina dá também a mentalidade – que é onde eu quero chegar: é justificar a necessidade de uma formação com ambas as coisas. Mas o mais difícil de justificar é a mentalidade. Porque justificar a doutrina precisa ser um tal louco para dizer que não precisa ter doutrina que eu não vou nem tomar em consideração.

Eu resolvi passar alguns slides e comentá-los rapidamente.

O meu objetivo agora vai ser de fazer ver na mentalidade a doutrina, e depois voltar: posta essa doutrina que espécie de mentalidade gera. E assim, nós vermos umas 3 ou 4 coisas que podem ser interessantes para nossa consideração.

Então, podemos apagar as luzes, com decisão e projetar. Se alguém pudesse virar essa cadeira.

Quem sabe se é melhor primeiro eu dar a doutrina. É melhor eu dar a doutrina, depois...

Bem, já está projetado, vamos lá. Agora deixem.

Os Senhores têm as famosas manobras do Kaiser em Tempelhof (que foi um antigo campo de paradas militares em Berlim, n.d.c.) daquele livro “L’Allemagne moderne” que fez os encantos da minha adolescência.

- Agora está num ponto muito bom, ao menos para quem está nesse meu lugar está magnífico.

Os senhores notarão que quem organizou essa tropa teve em vista dar a impressão de um avanço enorme, numa frente colossal, e portanto, um avanço irresistível. A fila de homens é uma fila imensa. Os senhores estão vendo que ela ocupa todo o campo visual da fotografia e perde-se mais além.

A fotografia é tirada em duas vistas. Primeira com certo recuo e a gente vê uns oficiais muito graduados, talvez o próprio Kaiser ou um general qualquer, que precedem as tropas que vem avançando. E eles estão a cavalo e os soldados estão a pé. O estandarte e a fila enorme de soldados.

Agora, aqui o fotógrafo colocou-se mais perto de uma fila para fotografar o que tem de mais impressionante: é a enorme fila marchando o famoso passo de ganso, mas que não está ou mais alto. O passo de ganso chega mais alto do que isso. Os senhores estão vendo todos sincronicamente pam, pam, pam, pum, aquela fila enorme, disciplinadíssima, que marcha com decisão para a frente.

Decisão só não, alegria. Eles estão andando com alegria. Nota-se saúde, nota-se bem estar, nota-se uma alegria diante da perspectiva de atacar. É o contrário do Plantin, desse poeta francês que nós vimos há pouco. É diametralmente o contrário. A alegria de correr o risco, a alegria de destruir o que deve ser destruído, alegria de promover a glória do próprio país estão aqui simbolizados por vários elementos que concorrem para isso.

Ao fundo, uma floresta verdejante, ou ao menos umas plantações de árvores verdejantes, mas que não são as árvores odoríferas do nosso Plantin, são árvores que parecem estar ali paradas como soldados.

Depois, os senhores estão vendo a fila de soldados, o dólman é escuro mas a calça é branca, o penacho sobre a cabeça, cada um tem um penacho sobre a cabeça é branco, as baionetas no alto dos fuzis reluzem prateadas, o calçado é escuro mas a meia é branca, eles passam numa espécie de glorificação de alegria e a erva parece se encantar de ser pisada por eles. A erva é verdejante, mas ela parece se encantar de ser pisada por eles, ela parece desejosa de holocausto como eles próprios são desejosos de produzir holocausto dos outros.

Se o verbo existisse, se diria que eles são desejosos de “holocaustar” os outros. Então, os senhores têm aqui ligando a isso a força da juventude, da boa nutrição, os senhores tem aí a alegria da ação e da forma mais pontuada de ação que é a alegria da luta, alegria do combate, alegria da aventura.

O que está por detrás disso? Qual é a doutrina que nós sentimos por detrás disso?

Por detrás disso há, viva, a velha tradição germânica da glorificação do heroísmo. Essa glorificação do heroísmo em termos puramente humanos dá no seguinte: que a vida humana existe para ser vivida supremamente em certos instantes, e o resto é preparação. E que, portanto, um homem que vença gloriosamente no combate, ou que no combate é morto, ele naquela luta e naquele choque a sua vitalidade deu todas as suas faíscas e suas centelhas, e ele viveu intensamente. Ele viveu!

Se ele tiver que morrer ingloriamente de uma doença que goteja os dias ao longo dos anos num sanatório, ele não considera que ele viveu. Porque essa destilação suprema da vida que é o embate que o homem dá tudo e o momento “m” da vida, ele não teve.

E então os senhores estão vendo aqui a preparação de tudo para esta hora: eles vão como para uma glorificação, como que para uma festa. É a festa de guerra que está diante deles.

Essa é uma maneira de conceber uma doutrina sobre o modo de conceber a vida humana e no que ela deve ser gasta, que uso o homem deve fazer de suas energias.

Qual é a crítica que um católico faz dessa doutrina?

Alguém dirá: “Não, é falsa”. Eu digo: Sim, é verdade, é falsa. Mas não é inteiramente falsa. Ela tem uma unilateralidade tremenda.

O combate do homem é contra si mesmo e é contra os outros homens, a serviço de Nossa Senhora. Ele combaterá como Nossa Senhora dispuser. E se ele morrer como Santa Terezinha do Menino Jesus numa cama de tuberculosa aos 20 e poucos anos – 24 se não me engano – ele não terá tido talvez esse momento supremo mas esse desgastar a vida gota a gota vale tanto ou mais do que esse momento supremo, se foi vivido com essa intenção. É uma outra questão. Há um heroísmo que é maior ou pode ser maior, e sobretudo, de um valor incomparavelmente maior, se vivido com intenção sobrenatural.

Mas um Cruzado que reflita: “Eu sou moço, a minha vida pode-se ir embora, mas ela foi gasta para libertar o Santo Sepulcro em Jerusalém ou para acabar com essa canalha da Revolução, e se a minha vida for embora um dos modos ordenados de consumi-la é no instante supremo em quem eu me chocar, em que eu destruir e for destruído”, ele terá pensado bem.

Quer dizer, nem tudo, nem tudo é errado nessa doutrina, e por causa disso eu considero que a visão de uma fotografia dessas é uma consideração que, debaixo de certos pontos de vistas, é altamente benfazeja, altamente ordenativa, desde que se saiba fazer essa retificação.

Aqui os senhores têm a doutrina e a mentalidade, ambas com o seguinte errado: essa alegria caminha para o “mito” no pior sentido da palavra e não no sentido bom da palavra. A vida pela vida, sem pensar em Deus, não tem sentido. Gasta de um jeito ou gasta de outro, ela não tem sentido. De onde está ausente a fé nada tem sentido. Como seria magnífico se por detrás disso nós percebêssemos, por exemplo, 5 ou 6 crucíferos levando o Crucifixo, e é a Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo que avança.

Das relações humanas entre si, é outra doutrina que concorre para essa mentalidade. Como a luz está apagada eu não consigo ver se os senhores estão conseguindo acompanhar ou não o que eu disse.

Concorre para a formação dessa mentalidade – os senhores notam, eu creio – uma das euforias deles é serem todos eles um só no fazer tudo ao mesmo tempo. O individualismo latino não está presente.

Há povos que achariam certo gosto em fazer o contrário de todo o mundo... e que teriam “nó” em estar nessa enorme união de gestos etc., etc., e tão ligados uns com os outros. Entretanto, há um princípio verdadeiro que foi enunciado por um autor “fassur” (ou seja, não de boa orientação, n.d.c.), o tal Saint-Exupéry: “Para a gente ser unido não é necessário que esteja perto, basta que olhem para o mesmo ponto no horizonte”.

Esses aqui estão unidos não tanto por estarem pertos, mas porque eles consideram o mesmo ponto, eles estão animados pela mesma concepção da vida e partem com a mesma intenção do holocausto. Lá vai isso prá frente!

Alegria do que se chama o “zusammen seit”, o estar juntos e de ser um só, se sente possantemente aqui. E, também pode ser animadora e retificadora para muita gente...

Como isto é fraco, ralo e poca em comparação com a união sobrenatural dos fiéis no Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo! Mas, por algum lado, como seria maravilhoso que essa união e essa sincronia fossem feitas por amor a Nosso Senhor e Nossa Senhora! Como aí seria uma coisa maravilhosa.

Não é mecânico, a Igreja abomina a mecanicidade para coisas superiores. A mecânica tem sua esfera própria. Não é mecânico; o mal disso é uma certa mecanicidade, mas... que magnificência!

Mas, a glória humana é transitória e frívola. Magnífico tudo isto, não é verdade? Esses soldados perderam a guerra de 14 a 18.

Dirão os senhores: Está bom, o mundo inteiro levantou-se contra eles...

Não é o que eu quero discutir. É que quando chegou a hora de perder, tudo se entregou de uma vez só. Onde é que está aquele sistema de heroísmo que teve a sua melhor personificação, sua melhor representação concreta na resistência dos espanhóis a José Bonaparte?

Eu tenho entusiasmo por aquilo! (A resistência dos espanhóis contra a invasão napoleônica e que era feita) casa por casa, centímetro por centímetro, homem, mulher, criança, velho, tudo! não tendo outra coisa para jogar em cima, jogava pé de cadeira, mas a nação inteira se levanta e quebra o ímpeto napoleônico!

Como a Espanha é católica, diminui-se esse efeito e se glorifica a Rússia (face à investida de Napoleão). Que fez o Czar da Rússia? Fugiu, fugiu, fugiu... Isso qualquer castor faz... Fugir e afundar-se na neve e mandar queimar a cidade onde está o perseguidor, a cabana onde está o perseguidor, isso não é difícil. Foi o que ele fez.

Na Espanha não, foi ali! E não houve quem resistisse. Aquele furor comum de um povo, ah! é de uma magnificência estritamente incomparável! Mas estritamente incomparável!

Comparem uma coisa com a outra. Os senhores dirão: Bom, mas o que o senhor conclui? O estilo alemão de heroísmo é menos alto do que o estilo espanhol?

Não é o que eu quero dizer. O estilo espanhol, naquela ocasião ainda era um estilo católico. Se essa gente (dessa parada na Alemanha) fosse católica a 100% - católicos deveria haver aí pelo meio – mas fossem católicos a 100% e combatessem no espírito católico não havia quem fizesse eles desabarem de uma vez só.

Faltava aí o que ninguém julgaria indispensável: é, na retaguarda, os estandartes, a Sagrada Imagem (de Nossa Senhora), os Crucifixos.

Aí os senhores têm a doutrina, a mentalidade. Esses homens apresentam uma mentalidade cuja doutrina eu tentei explicitar.

Qual é o papel dos homens a cavalo aí?

Tem um papel. A nobreza do mando, o valor do pensamento - no caso o pensamento militar - estão muito bem expressos aí. São cavalos magníficos, esses oficiais estão muito bem vestidos, mas eles de um lado participam do entusiasmo geral, doutro lado não participam. Eles estão desfilando aos poucos, mas envoltos em preocupações e eles estão meio alheios aos que vem atrás, porque eles já sabem o que vem atrás, eles estão com as preocupações do comando. A superioridade do espírito sobre a matéria. A matéria avança, o comando planeja.

Os senhores estão aí percebendo a espiritualidade da alma - princípio, verdade e princípio - como encontra a sua nobreza no fato do homem estar num nível físico maior – ele está montado – e na nobre obediência do cavalo.

O cavalo desse tipo é um dos mais nobres símbolos da obediência. Que lindos cavalos, que magníficos cavalos, como eles são nobilitados em carregarem esses oficiais, e como constituem um todo só. Lá vão na frente, meditando... Eles têm a direção da parada.

Não sei, meus caros, se está claro.

Os senhores dirão: Mas o Senhor não fez “ambientes, costumes”?

Não propriamente, nem fiz transcendência. Eu não remeti para realidades mais altas de caráter sobrenatural. Eu enunciei uma doutrina e confrontei com a mentalidade que está expressa aqui. É vizinho, mas não se confunde (com os “Ambientes e costumes”).


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