Plinio Corrêa de Oliveira

 

Quando um país tem “sonhos” (ideais), ou tem “sono” ou “pesadelos”

 

 

 

 

 

 

 

Reunião de 16 de maio de 1981, sábado

  Bookmark and Share

 

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

Diz a notícia:

“A França gozou de estabilidade e prosperidade, durante a V República. Esta estabilidade e esta prosperidade parecem não apelar mais à imaginação dos que são os seus beneficiários”.

Em última análise então isto é uma explicação da derrota do Giscard d’Estaing [Presidente francês desde maio de 1974 até maio de 1981, n.d.c.]. A França está estável, está próspera, por que estão descontentes? É porque houve um fenômeno de caráter psicológico. A imaginação não trabalha mais a respeito da prosperidade e como então - o que vem depois é isto - como a imaginação não está despertada pelo que vai atrás da prosperidade - ela está nauseada de prosperidade, se dirá daqui a pouco - a prosperidade já não é a alavanca motriz da política.

Então, é uma concepção da história política dos povos, atrás da imaginação como máquina propulsora. Nós temos que ver daqui a pouco, com cuidado, o que é a imaginação. E dá para resolver problemas, questões, que foram postas por vários dos senhores etc., a partir desse ponto. 

* A verdadeira França é a França que sonha – Há momentos na História dos povos em que o sono do comodista e venal toma a dianteira sobre o sonho do idealista e vice-versa 

Continua:

“A França, dizia Malraux, a França verdadeira, é só a França que sonha”.

Isto para a França é obviamente verdadeiro. A França que não sonha não é nada, é um arrabalde, é um subúrbio, é nada da França. A verdadeira França é a França que sonha! A França se poderia dizer que é um poder helicoidal que vai pelo ar carregando asas e que é o sonho. O resto não é nada. É carga, é mercadoria.

“Se com Giscard o sonho seria trocado pelo sono da prosperidade...”

E aqui está muito bem posta a distinção entre o sonho - até do homem que está de estômago vazio - e o sono da prosperidade. Há horas em que o sono toma dianteira sobre o sonho na história dos povos. E há horas em que o sonho toma a dianteira sobre o sono. Não sei se está claro isto?

Bem, então, com Mitterrand, segundo o articulista:

“... a França começa de novo a sonhar. Oxalá, não seja um pesadelo”.

Então, a idéia do [articulista Gilles] Lapouge é que a França não se incomoda com o espantalho da miséria, ou ao menos grandes setores da França não se incomodam com o espantalho da miséria. Eles estão sonhando e atravessam a miséria. A França que tinha sono e dormia está nauseada do sono; ela agora quer sonhos. E ainda que venha uma hora em que não lhe deem de comer, ela quer sonhar. Eu acho que isto é um conceito que pode comodamente presidir a inúmeras concepções nossas sobre um mundo de outras coisas. Acho fundamental.

Bem, daqui a pouco direi o que é “sonhar”. Voltemos ao ponto:

“A estatização por toda a parte redunda em penúria. E a participação do Partido Comunista no governo, como tem sido em Portugal, será fator de desestabilização”.

Portanto, coisas que o homem com sono não quer: penúria e insegurança. 

* A Revolução quer fazer crer que o sonho saiu de dentro da Fé e é agora privilégio da esquerda. Nós somos uma das objeções frontais deles: a TFP se define como um sonho que se realizou

A Revolução quer fazer crer que o sonho saiu de dentro da Fé e é agora privilégio da esquerda. Nós somos uma das objeções frontais deles\: a TFP se define como um sonho que se realizou"

“Com certeza a sociedade francesa defrontando-se com a realidade reagirá. Afinal, a França, até agora, foi o país social e economicamente mais estável da Europa”.

Ele espera que os franceses do sono despertem e reajam a favor da França securitária e farta. E os franceses de esquerda têm o fogo dos franceses que sonham. Ora, a falsa-direita apagou o sonho. A falsa-direita não sonha. Nós podemos dar o testemunho disto. Há alguns sonhadores que se refugiam nela, e aos quais ela arranca o sonho com a maturidade.

Mas a falsa-direita não sonha. Uma das objeções mais frontais deles conosco é que nós sonhamos. A TFP se define como um sonho. Ela é um sonho que se realizou, pelas bênçãos da Rainha de todos os sonhos santos e bons. Mas essa é a TFP.

Os senhores compreendem bem que eles pretendem que o sonho tenha saído de dentro da Fé na França e tenha se deslocado para a esquerda. Eu estarei claro? Não estarei? Não sei se medem bem como isto é absolutamente capital para nós.

“Uma aliança com os comunistas, desestabilizaria a França, a Europa e o front ocidental. É preciso confiar no senso de [responsabilidade?] de Mitterrand e na lucidez de sua inteligência...”

* A História é, na alma dos homens, um movimento pendular entre o sono e o sonho

Bom, o resto não interessa.

Esta distinção é a distinção fundamental; encontrei nela uma feliz ocasião para comentar com os senhores toda a espécie de coisas que estavam à espera de um aeroporto para aterrissar. E que aterrissam nesta pista.

Quer dizer, são coisas que estavam no ar para serem ditas e que aterrissam nesta pista: a distinção entre o sonho e o sono. E a tese de que a história é, na alma dos homens, um movimento pendular entre o sono e o sonho.

* A Revolução visa expulsar da Igreja este aspecto da santidade que é a capacidade de sonhar o bem. O que é sonhar? 

O que eu quero dizer [é que existem] duas tendências da alma. E do lado do sono milita o “heresia-branca”, que é a peste que deu na Igreja visando expulsar da Igreja este aspecto da santidade que é a capacidade de sonhar.

Bem, e aí, quantas coisas haveria para dizer a respeito da própria Igreja no caso.

...o movimento Beatle e todas essas coisas são o sonho do mal. A ecologia tão sonhadora por alguns de seus lados é ainda o sonho do mal. É uma série de sonhos que querem numa humanidade que tem os que dormem e que tem os que sonham; há uma família de almas que é a falsa-direita; há os que ingurgitam sonhos.

Há os que sonham, há os que ingurgitam falsos sonhos e há os que sonham o bem. Os dos falsos sonhos, esses sonham essas coisas.

Quais são os que sonham o bem? Como é sonhar o bem? O que é sonhar? Quem sabe se a reunião pode começar por aí.

Parece uma longa volta, mas eu dou um acréscimo indispensável para acompanhar inteiramente o que é o sonho e para definir bem o que é o bom sonho e o que ele tem de diferente do sonho sensual, do sonho megalótico [orgulhoso, n.d.c.], de toda a espécie de sonhos do demônio, dos sonhos que eu tanto tenho censurado, como os “sonhos de olhos abertos” [devaneios egoísticos, desprovidos de qualquer base na realidade, n.d.c.].

O que é o verdadeiro sonho? Como seria o espírito do homem no Paraíso, e como seria ali o sonho? O que é o sonho no Paraíso? Que papel teria ele na opinião pública, sem a qual este sonho não pode ser concebido? 

* A opinião pública é formada pela destilação do “sensus fidelium” pelas camadas da sociedade e que, no seu píncaro, produz as obras-primas à imagem e semelhança de Deus 

A opinião pública, meus caros, não é opinião da massa. Eu sei que na linguagem comum se diz: “A opinião pública está achando isso” - eu muitas vezes digo: “A opinião pública está achando isso, está achando aquilo”. Mas eu não pretendo dizer, falar de opinião pública em termos de opinião da massa.

Eu falo de opinião pública em termos do que seria a opinião conjunta de um povo. Ou seja, a evaporação do sensus fidelium em matéria de fé, e do senso católico, portanto, também, do bom senso do povinho da Cristandade na sociedade temporal. Uma coisa vai acompanhada pela outra.

O homem do povo que tem sensus fidelium quando trata das coisas comuns, trata-as com senso católico, e portanto, com bom senso. Uma coisa é inseparável da outra. Com esse bom senso batizado que é, por alguns aspectos, o senso católico, é isto mais a destilação que isto tem quando passa pelas várias camadas da sociedade.

De maneira tal que chega à última destilação na sociedade temporal quando chega aos píncaros mais intelectualizados da sociedade. Então, não “intalactas”, porque o “intalacta” é um homem cortado do senso comum e do sensus fidelium, e voando no vácuo, mas é um prolongamento vivo deste sensus geral que estuda e intelectualiza aquilo de que ele participa.

Bem, é então isto; depois é também a melhor categoria dos artistas, dos literatos, e a melhor categoria sobretudo daqueles que mais ou menos subconscientemente produzem a melhor obra-prima que há na Humanidade. A melhor obra prima da Humanidade é aquilo que obtém a melhor imagem e semelhança de Deus. É o homem formar outro homem, ou seja a educação ou a formação, ou seja, os píncaros da sociedade.

A alta, mais alta raffinement social, isto tudo junto, forma uma convergência, forma um vitral multicolor em que aquilo que o sensus fidelium pensou, se filtra na plenitude de suas cores e de sua harmonia e tudo mais. E dá uma imagem que é a imagem e semelhança de Deus de uma humanidade numa determinada época. 

* A alma do sensus fidelis é a Igreja santa e hierárquica - A sociedade, dentro da ordem temporal, caminha para a destilação do sensus fidelis como a trajetória da vida humana 

Agora, como é que se sucedem as várias épocas nisto do que eu estou dando? Isto não é parado, isto anda sempre, porque tudo quanto é vivo anda. Eu de propósito não falei aqui da Igreja, porque estou considerando a sociedade só temporal. É claro que a alma disto é a Igreja.

E para que o sensus fidelium exista é preciso ter uma Igreja santa, com uma hierarquia santa, portanto um clero santo, um povo que obedeça a essa hierarquia e a este clero como obedecer se deve em toda a linha. É claro, isto é um pressuposto. Eu teria que começar, para ser inteiramente lógico, por recitar o Credo, para pegar pelos princípios tudo quanto eu estou dizendo. Eu estou resumindo, eu tomo só a sociedade temporal.

Agora, como é que se dá o caminhar de uma sociedade nessa direção? A sociedade, um povo tem uma trajetória comum parecida com a de um homem. O homem tem sua infância, com suas inocências, com os seus esplendores. Depois tem o período da adolescência, com as incógnitas que nascem, com os aprofundamentos que se estabelecem, os maravilhamentos diante dos novos horizontes que aparecem, mais profundos, mais nutritivos, mais possantes.

O homem, é verdade, não se nutre mais do nobilíssimo leite materno, mas ele descobre os alimentos; e até o vinho e o trigo que servirão para a transubstanciação. A robustez vai entrando nele e ele vai produzindo de si.

Bem, depois ele tem um certo ponto ápice, onde ele tem a sensação de ter julgado tudo, porque ele inteiro julgou. É uma confusão, ele inteiro deve empenhar-se numa função de julgamento. Do que é o bem e o que é o mal, a verdade e o erro... Quando ele inteiro julgou, ele tem a sensação que a História chegou à sua maturidade. É uma ilusão de ótica, mas respeitável e justa.

Se ele soma a idade, ele caminha para a Sabedoria Eterna através da velhice. E quando ele morre, os seus lábios expirantes dão o ósculo da sabedoria que deixa a Terra e oscula a Sabedoria Eterna. É o fim. É assim o caminhar do homem. E assim é o caminhar também de um povo.

E o povo nasce na história - como nasceram os romanos, como nasceram os germanos e tantos outros povos - nasce na história em determinado momento. É misterioso como a germinação de uma semente, como o nascimento de um homem: é um mistério... De repente aparece delimitado dos parentes mais próximos - e às vezes até já de punhal contra ele - um povo; que nasceu de outro ou de outros.

Mas em certo momento ele diz: “Eu não sou as minhas raízes, eu sou eu mesmo”. E a partir deste momento, ele começa a sua caminhada, de maturação em maturação, de verdade em verdade, de bem em bem, de pulchrum em pulchrum, para aquilo que ele foi chamado por Deus a exprimir e a realizar dentro da História.

Se todos os povos nesta terra, não digo no Paraíso, andassem bem e fizessem isto, quando tivesse terminado o mundo, a história seria uma partitura grandiosa, cantada pela natureza humana em louvor de Deus.

E Deus baixaria, não para castigar, mas para premiar os músicos que tocaram esta partitura. Ressuscitá-los-ia e os levaria para o Céu. Quer dizer, isso seria o curso reto da História.

* O que é o sonho? É algo sugerido pelo mais fundo da realidade, que está em todos nós em função de uma missão histórica e que todos temos uma tendência profunda a realizar 

O que é que é o sonho? Cada povo tem o seu sonho. O que é que é o sonho? É uma coisa sugerida pelo mais fundo da realidade, que está em todos, em função de uma missão histórica dada a todos e que todos têm uma tendência profunda a realizar.

Então, nisto, ora mais claramente uns, ora menos claramente outros; ora uns levando outros, ora outros deixando-se levar pelos primeiros, [todos] caminham juntos rumo à esta missão. Um exemplo lindíssimo, são as navegações portuguesas. Em certo momento estala na cabeça daquela nação pequena, ou por outra, daquela pequena nação, estala na cabeça deles que eles têm que conquistar o mundo.

Têm que descobrir o mundo! E é o sonho. Portugal começa a navegar, navegar, navegar, descobre aqui, descobre lá, descobre lá. Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque fazem as coisas mais inverossímeis e conseguem o que queriam fazer. Os castelos ruem diante dos passos deles. Eles estão sonhando! Isto é sonho no sentido verdadeiro da palavra. Eu não sei se estou sendo claro? Isto é sonho no sentido verdadeiro da palavra.

E Nossa Senhora abençoa estes sonhos. A gente diria que quando uma nação, ou uma alma estão no pleno “essor”, no pleno surto do sonho, tudo sorri para eles, tudo são bênçãos, tudo são graças. 

* Quando uma nação pára de sonhar, tudo se complica - Portugal e Espanha: se mais tivessem sonhado, mais longe teriam ido 

Meus caros, Nosso Senhor Jesus Cristo, no seu primeiro ano de vida pública, mais do que nada ou ninguém, faz pensar nisto. Dir-se-ia que o mundo vai se converter: que beleza!...

Quando uma nação pára de sonhar, tudo se lhe complica. Meu querido Portugal, cuja bandeira eu osculo quando eu digo o que eu vou dizer, não conseguiu sequer conservar Angola e Moçambique, nem Goa, nem nada. Camões já geme, porque Portugal já não sonhava mais. O Lusíadas foi um brado laico, para ver se acordava um povo cuja Fé dormia e só poderia ser acordado por outríssima voz que não havia. Em Fátima, Nossa Senhora apareceu em Portugal. Que relação tem isto com este sonho? Arrepia a gente pensar. Bem, mas é um fato concreto.

Eu acho que o mesmo poderia se dizer da Espanha, ponto por ponto, inclusive com a Contra-Reforma que a Espanha e a Companhia [de Jesus] levaram tão longe e tão menos longe do que deveriam. Se mais tivessem sonhado, mais longe teriam ido.

Carlos V não sonhou, ele dirigiu um império de sonho com a alma de um homem que não sonha. Nós sonhamos com ele, mas ele não sonhava consigo. Desventura: ele era um homem que não acreditava no próprio sonho. Oh, tragédia! Oh, tragédia! Mas é a pura realidade. O Sacro-Império foi um sonho. E o homem que acreditou no seu sonho e realizou o seu sonho, os senhores já sabem quem é. É aquele a cuja direita estamos: é Carlos Magno.

Bem, daí se poderia ir indefinidamente, para frente.

As nações orientais tiveram sonhos? Eu já ouvi dizer, e pode-se dizer porque é verdade, que tiveram luxo para nababos. Mas há alguma coisa que faz daquele luxo oriental algo em que a alma do povo todo esteve empenhada. O tapete persa do nababo é para nababo. Mas não foi o nababo que imaginou o tapete persa, nem o desenho, nem as cores, nem a arte de fabricar.

Felizes os modestos artesões que nas margens do Cáspio - sei lá do que, já me contaram esta história - fazem esses tapetes e vendem. Eles sonham em fazer tapetes, eles são muito mais felizes do que quem usa os tapetes. Eles são nababos do sonho.

Bem, se o homem se pusesse a sonhar muito, protegido pela graça de Deus, um homem... um chinesinho, se ele se pudesse a sonhar muito, pagão, portanto, mas protegido pela graça, ele se ouvisse uma festa de Natal, ouvisse uma narração do Natal ou da Ressurreição de Nosso Senhor, ou da Paixão, ou lhe contassem a história de Nosso Senhor, a Anunciação e tudo o mais, ele se poria de joelhos e quase desmaiaria e diria: “Eu nunca ousaria sonhar tanto!”

Porque aquilo é a realidade, mais real do que qualquer outra realidade, infinitamente mais real do que esse gládio, do que essa imagem, ou do que esse copo d’água, mas que transcende toda espécie de sonhos. O píncaro da realidade está acima de qualquer sonho. Esta é a grande atmosfera de sonho que prepara a alma para a Fé. E que depois da alma com Fé receber isto, a alma voa dentro da Fé para a santidade: é o desejo dos absolutos, a procura do absoluto, é não ser cego de Deus, é isto, é aquilo.

Os senhores se lembram do martírio de São Vicente, aquilo era um homem que tinha revelações. Quanto mais a revelação vale mais do que o sonho! O sonho é um produto do espírito abençoado. A revelação é uma intervenção de Deus no espírito abençoado.

(Aquele exemplo que o senhor deu, de Clóvis entrando na Catedral de Reims.)

É isto, Clóvis entrando na Catedral de Reims e que disse Saint Remy: “Pai, isto não é o céu?”. Era evidente que ele sabia que não era o céu, mas ele sonhou com o céu quando ele viu isto. Todas as catedrais não visam isto? O vitral é feito para dar ao homem como que a ilusão de que ele abriu um buraco na pedra e está vendo Deus. Como quê, como quê.

Eu creio que os senhores veem bem como isto marca um tipo de alma. E os senhores podem aqui ver que, se isto é tão lindo nesta terra que se fica até desconcertado, se fica sem ter o que dizer, os senhores imaginem o que é que seria isto no Paraíso.

O que é que era no Paraíso a opinião de todos? Era a participação de todos na realização desta aspiração comum para Deus, mas nesta terra, visando o eterno. E realizando do melhor modo possível aqui a imagem e semelhança de Deus para aqui conhecer o melhor possível a Deus, receber as graças dEle, prestar-Lhe culto, receber as visitas dEle, conversar com Ele quando baixasse à tarde, na brisa; e assim, de contato em contato com Deus, contatos sobrenaturais, visíveis, aparentes, místicos, eventuais de toda ordem.

Contatos naturais, túmidos de graças e de auxílio sobrenatural nas proporções em que caiba. O gênero humano em cada passo ia destilando mais famílias, mais nações, mais regiões, mais belezas, mais arquitetonias, mais esplendores, se quiserem, caminhando de ogiva em ogiva, de vitral em vitral, e de órgão em órgão, até um ponto que não se sabe até imaginar-se. É este andar com sonho com o seguir contínuo da Igreja para uma santidade sempre maior, sempre maior até o Reino de Maria e a glorificação final. Isso teria sido a opinião pública do Paraíso.

Bem, o que é o contrário da opinião pública? É uma dissonância disto. Algo que tende ao contrário disto.

* Tudo quanto cai no utopismo perde o sabor de realidade 

Bom, eu preciso aqui pôr um ponto. E eu vejo bem que nesse ponto entesto de frente com uma coisa sensível para tudo quanto é gnose, mas que é assim o que eu vou dizer agora. É sensível mesmo. É o seguinte:

Nós não devemos fazer a abstração, neste Paraíso, da prova. Se nós fizermos abstração da prova, e da necessidade dessa prova para o homem ter que lutar e justificar na luta aquilo que recebeu e receberá; justificar! para merecer,  [caso contrário] nós caímos numa espécie de utopismo.

E tudo quanto cai no utopismo perde o sabor de realidade. Nós não devemos imaginar um lugar onde não havia prova; a serpente penetrou no Paraíso. Assim como os Anjos no Céu - não foram tentados, porque não havia demônios para tentá-los - mas eles foram provados. Eu presumo, não sei, que uns tentaram os outros a partir do primeiro. Psst! um raio! Assim também os homens no Paraíso estavam sujeitos à prova.

Como é que seria a prova? Eu não possuo dados. Eu não tive tempo de estudar a matéria e dou tudo isto que eu estou dando aqui, desde o começo da reunião até o fim, e per omnia saecula saeculorum, sob o juízo da Igreja.

Quer dizer o que a teologia disser é o que é verdade; no que eu não tenha reproduzido o que a teologia disse, é um erro no qual eu dou um pontapé de antemão. Mas para conversarmos, como que conversa sabendo que faz hipóteses, e faz hipóteses para amar mais a autoridade e não para se subtrair à ação magisterial dela.

* A opinião pública, na sua essência, é a Revolução e a Contra-Revolução 

O que é opinião pública? Em sua essência, é Revolução e Contra-Revolução, não há outra. O resto são episódios transitórios, secundários da opinião pública. A história dos homens é esta.

Nosso Senhor Jesus Cristo se encarnou, habitou entre nós, redimiu o gênero humano. Ele nasceu de Maria Virgem, encarnou... redimiu o gênero humano e fundou a Sua Igreja. Agora, é a luta! Em torno disto se dá todo o resto. E o resto não é viver.

E todos os sonhos são roubos que satanás faz da capacidade do homem de elevar-se, não para algo de elevado, mas para aquilo que tem verdadeira elevação que é Deus Nosso Senhor, como a Igreja verdadeira nos ensina que Ele é - desviar isto para elucubrações às vezes belas, às vezes boas, às vezes verdadeiras - filosofia grega: muito de verdadeiro, belo, bom, estamos fartos de saber, está bom. Mas, no total, caminhando para a mesma fossa comum. Muito mais os homens em que ela extingue o sonho e muito pior os homens em que ela ateia o fogo do pesadelo.

* A França de hoje procura imitar o que os outros países já não são. Mas o monopólio dela é este sonho que põe o mundo a sonhar 

Começa por uma visão lúbrica e acaba no que os senhores sabem no quê. É este festival funéreo que os senhores estão assistindo aqui. Com padres em delírio, freiras em prostituição, a Igreja maquiada de torpeza e todo este Estado que se decompõe, este suicídio de tudo, esta autodemolição de todos os lados, e tudo o quanto mais os senhores possam querer.

A França de hoje “y comprise” [inclusive] e na frente. Porque exatamente, a França tem este dom propulsor. Não lhe foi dado o reinado político, ela quer ter o reinado político. Mas na realidade o reino dela foi este reino de opinião pública. Esse sonho que põe o mundo a sonhar, e que ajuda as forças do sonho no mundo inteiro. Aí está a França. E é o porquê ela está na medula da História. Outros povos têm seus sonhos.

A França não tem o monopólio do sonho, ela é a nota dominante. Se os senhores quiserem, ela é o círculo central da rosácea. A rosácea não se reduz ao seu círculo central. Como ao lado - era o que eu comentava no MNF - ao lado da França, ultraequilibrada, as sublimes unilateralidades da Espanha são magníficas e equilibradas.

Eu vou dizer mais, a gente quando está na França, de repente atravessa a fronteira e percebe aquele panorama feito de extravagâncias sublimes, “Ahhh! Ohhh, ohhh, Eu vi um sonho lindo, vi todas as coisas segundo a sua medida, mas eu estava à espera de um outro sonho mais belo: é o desmedido”. A França fechada sobre si, como uma flor que não fecha a sua corola, mas é assim... digamos uma tulipa.

A Áustria que se abre como uma rosa em plena expansão, dilata seus perfumes, domina o jardim. Enquanto a França não tem necessidade, ela só pensa em si. Ah!... alívio também. Se eu fosse falar da bela Itália, se eu fosse percorrer toda a Europa, nosso Portugal, quanta coisa eu teria para dizer!

A Rússia, quanta coisa haveria para dizer! Os cavaleiros da Ordem Teutônica realizando uma cavalgata de quimera pelos gelos das estepes para dominar, para dominar, para dominar... Quanta coisa, quanta coisa! Só não caberia o socialismo sueco. Isso é certo. E outras coisas do gênero.

Bem, aqui está um pouco indicado, em termos de raciocínio, em termos não, com a estrutura de um raciocínio, e na maior parte do tempo na linguagem de um sonho, está indicada alguma coisa que nos deve ajudar a ser nós mesmos.

* O sonho que cada um deve ter: sua própria santificação, conforme ensina a Santa Igreja Católica 

Cabe um exame de consciência. A TFP é um sonho. Dentro da TFP, até que ponto nós somos como aqueles que não acreditam no sonho que são?

Como é fácil criticar Carlos V, nós não estamos no caso de Carlos V? Cada um de nós não é um sonho? Até que ponto nós acreditamos no sonho que nós somos? Qual é esse sonho? Pro santificatione nostra, a verdadeira inteligência disto é ser santo como a Igreja manda, mas para ser santo como a Igreja manda, é preciso ter amor de Deus, é preciso ter Fé. E a Fé e o amor de Deus vivem e vicejam com todo o ambiente próprio nas almas que são assim.

E aí os senhores entendem bem o convite contínuo da TFP para onde sopra.

Os senhores podem fazer cada um a sua própria história, talvez um livreto: “O que eu fiz de meu sonho”, terminado com um capítulo final: “O que farei”. Se pode dividir em: o que eu devo reparar; o que eu posso refazer; no que eu devo crescer além de minhas catástrofes para ser maior do que eu teria sido e alcançar o A+A. Maior como um sonho, para cima, para cima, para cima!

Com isto, meus caros, está terminada demasiadamente tarde a reunião de hoje. Os senhores é que são os timoneiros da reunião, não sou eu.

Eu tinha uma série de perguntas aqui, muito boas. Respondi umas e não outras, na medida em que os senhores foram me guiando. Eu quero que se guarde isto, para eu ver o que é que eu respondi ou não respondi, reestruturar e terminar na reunião que vem. Eu julgo ter atendido em parte o que queriam.


Bookmark and Share