Plinio Corrêa de Oliveira

 

Por que há burgueses favoráveis ao comunismo,

apesar das desgraças que esse regime acarreta sobretudo para eles?

Análise da década de 1970

 

 

 

Auditório São Miguel, 5 de janeiro de 1980

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.



 

 

 

Dom Luís, Dom Bertrand, caros participantes da SEFAC [Semana Especializada para a Formação Anticomunista] do cone Sul, caros cooperadores da TFP de outros lugares:

(...) Chegando, portanto, à senectude septuagenária; chegando, portanto, ao longo percurso de vida próprio a um século que cobriu 7 décadas de sua própria existência, mas ao terminar essas décadas e ao aureolar a sua fronte com o octogésimo aniversário, ele cai e ele morre. E a gente vai examinar porque cai e porque morre e se verifica que ele cai e morre por razões que correspondem a um fim inglório e uma existência inglória. E tudo se cifra na palavra inglória.

Este século, pela minha própria idade, 71 anos, o vi quase que decorrer inteiro. Nasci em 1908, estou em 1980. Os senhores compreendem a longa trajetória que isso representa, e embora nos primeiros anos de minha vida, como todo mundo, eu não tivesse senão uma noção muito vaga dos problemas e das questões sócio-econômicas, políticas e intelectuais do século em que estava, eu me lembro ainda do primeiro vislumbre desses problemas que tive diante de meus olhos, e que foi um contraste entre a tradição e o século XX.

Esse século XX do qual a década de 70 foi a quintessência, do qual a década de 70 foi o ponto em que todas as suas caraterísticas se concentram do melhor modo; e eu sou me reporto à idade que eu tinha quando estive em Paris; em menino, naquela época mais ou menos 4 anos, e estava brincando, no meu quarto. E ouvi, de repente, um clarim de cavalaria, magnífico, que tocava. Fui correndo para a janela e vejo desfilar diante de mim um batalhão de couraceiros, com um aspeto do qual vós não tenhais talvez uma ideia. Recebi da TFP francesa, como presente de aniversário, neste ano exatamente, um conjunto de couraceiros exatamente iguais aos que vi naquele tempo, com uma mimosa e bem francesa lembrança dessa minha primeira estadia na França.

Eu vejo passar homens a cavalo, cavalos limpíssimos, muito bem ajaezados, em ordem, o clarim que tocava, eles com couraças rutilantes, com elmos de metal com crina ou preta ou vermelha, conforme o caso. Desfilavam e eu estarrecido diante da janela, encantado com aquilo que estava vendo.

 

[Avisam Dr. Plinio que o auditório pode não estar entendo o português]

Noto que hay acá muchos hispanos-americanos que, quizás no estean comprendendo lo que yo hablaba. Yo hablaba, bien entendido, portugués, uds, hispanos, tienen la impresión que yo voy continuar a hablar português, pero en verdad voy cambiar un poquito e voy castellanizar lo que yo digo.

[O anotador vai traduzindo e escrevendo em português]

Foi para mim uma surpresa uma vez quando estive na Argentina andando de coche com um amigo que falava castelhano, eu falava castelhano-português e notei que ele tinha grande dificuldade não pequena para acompanhar o que eu dizia. Então, comecei a mudar o que eu falava e “castelhanizar” como estou fazendo no momento. Depois de mais ou menos meia hora de conversa, eu perguntei a ele: Você compreende melhor o que falo agora? Ele respondeu: Sim, sim, seu português é claríssimo.

[risos]

E eu imaginava que falava castelhano, mas para os ouvidos dele eu me dei conta que falava português muy claro... ou seja, eu inaugurava um dialeto que não existia, um dialeto tipicamente TFP, eu falava portulhano. Foi minha primeira conversação dessa mescla de português com castelhano, tão em voga na TFP. Então, vou portulhanizar para me fazer mais compreendido pelos meus jovens amigos hispano-americanos que não entendem o português.

Eu contava, então, que estava em Paris quando vi passar um esquadrão de couraceiros magnificamente vestidos, com a couraça rutilante, o elmo rutilante também, tocavam as trombetas e passava majestosa a cavalaria de antes da primeira guerra mundial. E eu me encontrava encantadíssimo com o que via, era pequeno, tinha 4 anos, eu estava na ponto dos pés e era todo “olhos” para vê-los.

E uma pessoa, que era muito mais velha do que eu, teria mais ou menos 40 anos, estava próxima de mim e olhava a minha admiração e os couraceiros. Eu perguntei: O que é isto? E ela respondeu: São couraceiros, coisa sem importância. Eu fiquei espantado: Como então uma coisa bonita, tão heroica era sem importância? O que tem importância para este homem? Foi meu primeiro choque com a mentalidade do século XX, que dizer, o que falava de beleza, o que falava de heroísmo, o que falava de grandes horizontes não tinha importância para aquele homem prático. O que tinha importância para ele era, antes de todo de tudo sua longa vinda; e a teve longa; seu dinheiro, não o muito; sua saúda e a teve muitíssima. Com um pouco de dinheiro, longa vida e saúde ele tinha tudo o que ele queria na terra. Era seu ideal.

E minha incompreensão nesse primeiro choque foi total. Então, se viver é viver muito e não viver bem; se viver é ter saúde como a quer ter um animal e não um homem, e só para a vida vegetativa, então não contem comigo, porque para isso eu não quero viver. Eu quero viver para ter alma, quero viver para refletir, quero viver para ter ideais e não somente para comer, beber e dormir.

 Muitos anos depois eu compreendi melhor a raiz pagã que tinha a atitude dessa pessoa que desprezava meus magníficos couraceiros. Eu era então professor de História da Civilização na Faculdade de Direito e preparava um curso quando li na história de Babilônia, o caso de uma rainha que ganhou muitas batalhas – não foi a Semíramis, foi uma outra – e que quando se sentiu mal de saúde mandou preparar para si mesma uma sepultura sobre uma das portas mais importantes da cidade; e na sepultura, mandou escrever: “Enquanto vivas, coma, beba e divirta-se, porque depois desta vida não há nem prazer, nem dor; está tudo acabado”.

E eu pensei: Esta pagã que viveu, talvez, dois mil anos antes de Cristo, tinha a mentalidade daquele homem que desprezava os couraceiros, quer dizer, é uma mentalidade velha, de muitos mil anos, é sempre a mesma mentalidade, é a mentalidade do pagão para o qual o sentir, o ter delícias, o ter as alegrias efêmeras e transitórias, é viver. E para o qual a reflexão, a cogitação das coisas mais altas que estão além desta vida, e que dão significado a esta vida, e para as quais verdadeiramente se vive, isso não é viver. Há um choque.

Há homens que vivem somente para aquilo que se sente, que se percebe materialmente, em que se goza materialmente. Mas há outros homens que são de outra raça espiritual, – para usar a expressão de São Luís de Grignion de Montfort, – que compreende que tudo quanto há nesta terra não é senão o reflexo de uma muito mais alta realidade; que todos os estados de espírito do homem, quando são estados de espírito virtuosos, são reflexos de uma outra virtude muito mais do que humana, que não habita nesta Terra, mas habita muito mais alto, que é uma virtude absoluta, uma sabedoria absoluta, um poder eterno, que é o próprio Deus. E que todas as coisas da terra não têm sentido senão como imagens ou semelhanças de Deus; e que viver nesta Terra é preparar-se para o Céu, buscando em cada coisa concreta o que tem imagem e semelhança com Deus.

Então, as impressões efêmeras, as sensações, a agitação, o prazer, tem um papel de importância pequena na vida. A reflexão, esta tem grande importância; o ideal, este é o sentido da vida. O homem verdadeiramente feliz não é o homem de prazer, é o homem de reflexão.

E esta ideia encontrou uma expressão muito boa quando eu li, alguns anos depois, a frase de um célebre poeta francês, Paul Claudel, que disse: “A juventude não foi feita para o prazer, mas para o heroísmo”. E eu pensei: Essa é a explicação da juventude na ordem natural das coisas. A juventude existe para o heroísmo e não para o prazer, porque toda a vida humana existe para o heroísmo e não para o prazer. Em todas as idades da vida temos que ser heróis e não viver para o prazer. E essa é a grande verdade que o século XX recusou.

Para lhe dar um pouco a ideia, uma imagem do que possa ser a síntese do século XX, os srs. poderiam imaginar um encontro especial que se desse no Egito, perto das pirâmides em pleno deserto egípcio. Imaginem um coche moderno, magnífico, concebido por um homem de prazer. Então, concebido para que esse homem percorresse o deserto, sem incômodos próprios do deserto, sem a poeira, sem o calor excessivo, sem o sol. Imaginem que esse homem houvesse feito o automóvel ideal.

Então, um automóvel não só capaz de correr muito rapidamente, mas também com acomodações magníficas para as pessoas que nele viajem. Imaginem uma cabine tão grande para os passageiros que nela coubessem dois sofás tão grandes que pudessem servir como leitos, mas também uma pequena geladeira, para conservar coisas frescas, bebidas etc.; rayban nas janelas; música sonora discreta tocada por um toca-discos especial, ouvindo um fundo musical para a paisagem; ventilação refrigerada e todas as coisas agradáveis que possam imaginar. Então um automóvel muito veloz, mas também muito grande, e que fosse quase um pequeno palácio ambulante.

O homem coloca esse automóvel no deserto e começa a andar. Está com uns amigos, eles riem, conversam, discutem, se enfaram, se divertem sucessivamente numa viagem longa.

E num sentido oposto, vem de longe uma caravana com beduínos. Cavalgam em camelos, com a marcha ondulatória dos camelos, lentamente, sem pressa. Nada tem nada do que há no automóvel. Tem somente os trajes brancos, nos quais o branco rechaça a luz e lhe dá um pouco de frescor; tem o traje característico do beduíno, um pouco de comida, algumas tâmaras secas para levarem no caminho; água em quantidade moderada e não tem nada mais do que isso. E caminham, e caminham, no sol.

É um contraste entre dois estilos de vida, fantástico, em que todas as superioridade parecem estar do lado das pessoas que estão no automóvel. Eles são os civilizados. Os beduínos tem um estilo de vida que é o mesmo há séculos; os outros, pelo contrário, tem um estilo e vida super evoluído, tem todos os progressos; tem inclusive uma televisão no automóvel, e rádio, e as últimas notícias que acontecem no mundo.

Mas o beduíno passa e olha o automóvel como se olhasse um camelo, e não tem a menor inveja dos que andam no automóvel. Os que estão no automóvel, pelo contrário, olham os beduínos e riem: “pobres coitados, pobres infelizes, não são nada!”

Mas no fundo há um pouco de inveja: “se eu pudesse sair desse automóvel e montar num camelo! Se eu pudesse ser um beduíno, eu me sentiria mais completo. Eu não sou nada. Quem sou eu? Um homem como milhares de outros. Eu me perco na poeira humana das grandes cidades. Eu não sinto minha personalidade, eu não sinto meus instintos, não sinto minhas paixões, não sinto nada em mim. Sou um anônimo a meus olhos, como aqui meus companheiros. Se eu fosse beduíno, eu seria capaz de sentir a beleza da lua, o esplendor dos areais, o gosto do sol forte e a luta contra o sol forte, as distâncias e as delícias dos oásis. Eu teria uma vida muito mais colorida, muito mais cheia de realidades, do que viver nessa irrealidade artificial desse ambiente em que estou”.

Então, alguns gostariam de parar e oferecer aos beduínos: “Gostariam de trocar um pouco? Vocês entram em nossa câmara de delícias e nós montamos em seus camelos e andamos um pouco. Contanto que vocês nos emprestem também seus trajes e nós lhes damos os nossos. Porque para montar em camelos é preciso estar vestido como os beduínos e é preciso representar o papel de beduíno durante algum tempo”.

 Imaginem os senhores que todos sintam isso, mas não têm coragem de dizer isso uns para outros. Porque tem medo, cada um, de que se dissesse isso, todos os outros ririam. Então, por medo da burla de todos, nenhum tem coragem de dizer algo que todos pensam.

Em certo momento, surpresa! O automóvel pára e os passageiros percebem que a altura do coche diminui um pouco. Surpresa geral, “que pode ser isso”? Os beduínos param também. Os beduínos olham o automóvel com uma pequena curiosidade despectiva: “É natural, esse automóvel é mecânico, não é como nossos camelos que são fortes e vivos e que atravessam todos os desertos. Isso é uma coisa mecânica que pode quebrar de momento para outro. Nossos camelos, não, não morrem de uma hora para outra, mas tem uma resistência fantástica. É explicável que isso se tenha quebrado, vejamos o que dizem os que estão aí dentro”.

Eles abrem as portas e olha o automóvel. Como pode ser que as areias velhas, do velho deserto, as areias moles e movediças que os ventos empurram para todos os lados, como pode ser que essas areias tenham vencido o automóvel magnífico, fabricado talvez em Nova York, ou fabricado na melhor fábrica de automóveis dos Estados Unidos ou da Alemanha? Como pode ser isso?”

Imaginem que seja uma Mercedes, dos mais cômodos e das mais magníficas da técnica alemã das mais refinadas. “Esse automóvel pára e é o deserto onde andavam os faraós, onde caminham os canelos, que venceu o automóvel? Como pode o passado de dois mil anos vencer o progresso de hoje, no que tem de mais rápido e de mais brilhante?”

É uma pergunta que todas fazem. Descem do carro e vão olhar. E constatam que aconteceu uma coisa muito simples: os pneumáticos se esvaziaram e o ar sumiu dos pneus, os pneus estão colados sobre a areia e não andam.

Então vem a pergunta: Como se esvaziaram os pneumáticos?

É um fim de viagem humilhante; porque se pelo menos o automóvel se quebrasse porque tivesse encontrado uma elevação muito grande de areia, e se tivesse afundado na areia; se pelo menos uma peça se houvesse quebrado, mas uma peça – imagine-se uma Rolls Royce, uma peça de bronze quebrou-se. É uma tragédia que uma peça de bronze se quebre, mas um bronze que se quebra tem uma quebra nobre como a do bronze, tem alguma dignidade; é uma coisa que se pode contar: “Tive uma surpresa, meu automóvel era todo de peças de bronze, mas o bronze em sua nobreza não resistiu resistido ao sol que veio sobre ele e se fundiu. Óooo, em que situação estávamos, era trágico”.

Não. Foram as partes moles do automóvel que se [quebraram]; é a borracha do pneumático. Pior que a borracha, é a parte mais mole ainda, é o ar que estava preso no pneumático e fugiu. E porque o ar fugiu o automóvel magnífico está parado. Então a parte mais vil, mais banal daquela embarcação magnífica para a areia e não para o mares, esta parte exatamente faltou. E porque essa parte faltou, o resto não tem mais significação. Porque não se pode ficar nas delícias de uma pequena casa ambulante, se a casa não é ambulante. Porque acaba a eletricidade, acaba a comida, acaba tudo e é preciso sair. Então, a casa perdeu sua significação e o jeito é estudar qual é a causa do que ocorreu e ver como sair do deserto.

Qual é a causa? Há um ou dos dois técnicos de automóvel no conjunto de pessoas que entendem de automóvel. Um deles diz: Parece-me que a razão é porque o carro está tão carregado de delícias, há rádio, televisão, gelo, confortos etc., etc., que ficou pesado demais; e o peso das delícias obrigou a esvaziar os pneumáticos. Nem sequer o ar quis servir a uma coisa tão pesada como esta. Em contato com as areias do deserto, o ar se tornou quente, a borracha se tornou muito cheia, o peso não diminuiu, veio o atrito; e enquanto o carro rodava, das quatro rodas o ar fugiu. E o ar trazido talvez pela bomba de florestas poéticas e frescas do norte da Europa, fugiu no ar quente do deserto. E o automóvel, ao peso de suas delícias, não pôde caminhar.

Então, qual é a solução? Os homens se aproximam muito amavelmente dos beduínos, aos quais olhavam há pouco com desprezo e com gargalhadas, e com ajuda de algum intérprete, fazendo pequenos sorrisos e cumprimentos amáveis, lhes dizem:

“Senhores beduínos, antes de tudo queremos dizer que impressão encantadora os senhores nos dão; temos para com os senhores a maior simpatia e maior consideração”.

Os beduínos os olham...

“Mas os senhores vêem que nosso carro quebrou e temos que voltar ao Cairo. Os senhores permitiriam que andássemos na parte de trás dos vossos camelos, agarrados nos senhores? O camelo pode transportar dois. Os senhores não consentiriam em pôr mais um aí atrás?”

Em português se diria: na garupa.

Os beduínos, homens práticos, fazem duas objeções:

Primeira: “Sim, mas não queremos passar fome, temos um pequeno excedente de tâmaras, se os senhores se contentam para 24 horas de viagem com 5 tâmaras para cada um, e nos permitem comer tâmaras à vontade, é umas cláusulas do acordo”.

[Eles] tem medo de que os beduínos se encolerizem e os deixem no areal. Então, com um sorriso amarelo, lhes dizem: “claro, senhores beduínos, é de justiça, as tâmaras são de vocês, já é muito que vocês nos dêem 5 tâmaras para comer.

E os beduínos dizem: “Sim, sim, mas há outra coisa: Água, não. Temos pouca água. Se encontrarmos um oásis no caminho, os senhores e nós beberemos água. Se não encontrarmos os senhores terão que se arranjar como possam, porque a água é insuficiente para nós”.

Maior dificuldade, mas não podem molestar os beduínos: “Senhores beduínos, é natural, a água é dos senhores. Dê-nos somente um lugar na garupa e estaremos muito contentes”.

-- “Nós temos tâmaras, água e camelos, os senhores tem dinheiro. Nós queremos seu dinheiro todo, senão não faremos o transporte”.

A necessidade tem leis terríveis, leis inexoráveis: “Senhoras beduínos, aqui está nosso dinheiro”.

-- “Sim, sim, está bem”.

E colocam o dinheiro no fundo dos bolsos onde está a comida, tâmaras, um pouco de dinheiro deles mesmos, e junto com coisas velhas e sujas colocam ali o dinheiro. E dizem: “Saltem aqui atrás e vamos”.

Então, muito humilhados, depois de dez horas de uma viagem terrível, voltam ao Cairo os homens que a cidade vira passar no magnífico automóvel que causara inveja a todos. Ele vem humilhados, cansados, com fome, com sede, e quando param diante do hotel onde estavam hospedados, ainda dizem aos beduínos: “Muitíssimo obrigado”.

E os beduínos dizem aos camelos “yooooo” e os camelos partem.

Está contada uma história. Os homens do automóvel entram nas delícias do hotel moderno e os beduínos seguem sua vida. Foi um episódio no deserto.

Esse episódio tem semelhanças com a história do século XX.

Verdadeiramente, há dois tipos de homens: há os homens que vivem para as delícias e que são os homens caraterísticos do século XX. Esses homens fabricaram uma civilização tão cheia de delícias, porém tão pesada, que essa civilização não suportou seu próprio peso. E propriamente, o mundo de hoje está como os 4 pneumáticos vazios e não pode caminhar, por que? Porque é a magnífica civilização do consumo, é a magnífica civilização do progresso; esse progresso é tão amplo, é tão grande, tão complicado, que o homem não aguenta o peso do progresso nas costas e se põe a sonhar com outros estilos de vida, com outros estilos caminhar, com outros estilos de lutar.

Isso explica o aparecimento, em nossa época de uma escola de pensamento que é original e era tida como até há pouco como uma das coisas mais modernas que há, e que é uma escola de pensamento contrária à civilização. E um movimento que é também contrário à civilização.

Quer dizer, a fadiga excessiva da civilização, o peso excessivo da civilização faz com que os homens queiram fugir da civilização. Como se dá isso? Qual é essa escola de pensamento? Qual é o drama do mundo moderno? Vou falar disso depois desta introdução.

Os senhores devem ter ouvido falar de um filósofo muito famoso, na década de 60 mas principalmente nos primeiros cinco anos da década de 70, Levy-Strauss, judeu, que fundou uma escola chamada estruturalista. Essa escola tem como caraterística de pensamento o seguinte: o homem, para viver, tem que viver fazendo aquilo que lhe pareça agradável. Ora, a civilização a cada momento impõe ao homem uma coisa desagradável; dá-lhe uma delícia, mas lhe impõe uma coisa desagradável. Então, a civilização construiu sobre o homem um castelo antagônico de coisas desagradáveis e coisas agradáveis. E a felicidade inteira da vida, sem coisas desagradáveis, a civilização não conseguiu realizar.

Ora, só é civilização e que dá ao homem a felicidade inteira. Então, temos que perguntar se o castelo das coisas agradáveis construídas para o homem tem um valor maior do que o cárcere das coisas desagradáveis.

E lhes dou uma comparação: Aqui estava muito quente. Somos muitos nesta sala, e para que possam me ouvir bem, temos aqui um alto falante, um refrigerador, um gravador que registra minhas palavras para que alguém que tem o mau gosto de querer ouvi-las mais uma vez, possa ouvir mais uma vez; esta conferência que eu estou fazendo vai ser, talvez, enviada aos Estados Unidos, ao Canadá, à Argentina, ao Uruguai, Espanha etc.

Tudo muito cômodo e muito fácil e, portanto, à primeira vista, muito agradável. Progressos da civilização. Mas ouçamos a objeção: A civilização criou condições tais que os senhores puderam fazer para São Paulo uma viagem rápida e voltarão rapidamente também. Há aqui nesta sala pessoas das mais variadas partes do Brasil e de vários países da América do Sul; há também pessoas da Europa. Com isso há aqui muita gente e é o grande número de pessoas que está aqui que tornou necessário lugar o ar refrigerado que é uma situação artificial criada por outra situação artificial que é a viagem.

Quando eu falo para muitos que vão ouvir minha voz, mas não ver minha figura. Ora, o normal é que se veja o conferencista e não se ouça somente sua voz. Se eu lhes fizer esta conferência num quarto escuro teria para os srs. desatrativos ainda maiores, porque ver o conferencista é uma necessidade. E os outros que não estão aqui ouvirão esta conferência como cegos, não podem ouvir o conferencista, nem sentir o auditório, condições de vida artificiais também.

Aqui os senhores têm um pouco de refrigeração; quando saírem, sentirão o calor que está lá fora. Se não houvesse refrigeração, não seria melhor? Se não houvesse aviões tão rápidos, haveria nesta sala poucas pessoas, que nos conheceriam diretamente, com as que poderíamos manter uma conversa direta, pessoal, íntima de velhos amigos que se vissem e dissessem coisa muito antigas e muito novas, numa convivência muito humana; eu não conheço muitos dos senhores, muitos dos senhores não me conhecem, entre os senhores muitos não se conhecem [uns aos outros], fazemos aqui uma conferência de semi-desconhecidos que estão estabelecendo os primeiros contatos. Se nesta sala houvesse pouca gente, não seria necessário o ar artificial, teríamos o ar natural, e quanto saíssemos lá fora não teríamos a sensação de choque de calor, mas estaríamos na temperatura ambiente, com uma certa naturalidade.

É verdade que não teríamos gelados, [sorvetes?] mas seríamos como os beduínos, habituados a caminhar no calor sem necessidade de gelados.

E então vem a grande pergunta e a grande objeção – eu não estou de acordo com a pergunta, estou expondo aos senhores o problema e uma doutrina que não são minhas, mas as coloco. A grande pergunta é esta: a civilização moderna, a civilização principalmente dos anos 70, é verdade que resolve um número espantoso de problemas; mas a pergunta é: desses problemas, quantos foram criados por ela mesma?

E ela não é uma máquina de criar os problemas que resolve, e resolver os problemas que cria? E uma vida mais natural, uma vida menos técnica, uma vida menos artificial não seria uma vida mais própria ao homem? Não estamos no pleno domínio da artificialidade? Para o conforto do homem, para o bem estar do homem, a pergunta é: civilização, sim ou não? Técnica, sim ou não?

Não sei se exponho bem e se os srs. sentem na pele essa situação que trato de expor.

Imaginem os senhores uma pequena cidade: vinte mil habitantes. Nela todos se conhecem, cada um sabe quem é o outro; cada um tem uma situação, uma posição; todos tem uma certa simpatia recíproca; todos tem uma vida que é uma vida de contato humano. Numa cidade como São Paulo, doze milhões de habitantes. Eu aqui sou conhecido pelos senhores porque sabem que é o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira que vai lhes falar e está falando; mas se eu saio na rua desta cidade na qual nasci e vivi, imediatamente depois de transposta a porta desta sede, eu sou desconhecido. E todos os senhores são desconhecidos.

Quer dizer, a rua é o domínio do anonimato. É natural o homem ser um anônimo? Não é natural o homem viver entre seus conhecidos? Na amenidade e na suavidade do trato dos antigos dias? E assim haveria mil problema para se colocar.

Por exemplo, a limpeza. Uma grande cidade produz uma grande sujeira. É natural. E a iluminação das coisas sujas é um problema para a cidade grande, uma coisa terrível! Então, os senhores tem, por exemplo São Paulo, que é percorrido um rio histórico, chamado Tietê. É um nome indígena. Mil fatos da história de São Paulo estão relacionados com esse rio. Mas a cidade cresceu e transformou rio esse histórico e ancho, num rio de esgoto. E todo o esgoto da cidade é despejada nesse rio, que perdeu, por causa disso, toda sua conotação literária, toda sua história. A cidade grande não sabe o que fazer do rio.

Agora, olhemos a história do rio. O rio passa por São Paulo e penetra pelo interior do Estado, com todas as sujeiras que tem, e percorre uma extensão imensa. É um rio muito grande. E sem nada de artificial, por efeito da gravidade e jogo da natureza, o rio em alguns quilômetros deixa todo o esgoto no fundo e a água se torna tão límpida que uma cidade a cento e tantos quilômetros de São Paulo [nela] se pode nadar e beber nas águas do rio. Quer dizer, o que a técnica não chega a fazer, a natureza o faz sem ruídos, sem organização, sem botões de pressão e descompressão, sem fábricas imensas, nada. Lentamente, discretamente, distintamente, as águas se limpam e continuam seu curso.

Os homens fizeram algo, a natureza corrigiu aos homens, mas com que superioridade, com que dignidade e com que eficácia. Alguém que caia aqui no Tietê, é como se caísse em veneno; alguém que caia mais além, [cai] na água que ele pode beber. É a mesma água que passou por aqui, purificada pela natureza que Deus instituiu.

Ó, o natural! Ó, o espontâneo! Ó, o que foi posto por Deus e que os homens tantas vezes deformam!

Então, veio à mente dessa escola que o progresso é todo ele uma quimera dos homens e que a vida deveria ser uma vida completamente diversa, e então eles chegam a essa radicalidade inimaginável de afirmar que a verdadeira maneira de viver dos homens era dos homens pré-históricos e que toda a história foi uma marcha rumo à artificialidade; que o verdadeiro é a tribo selvagem. E que os homens que viveram na época paleolítica superior, da pedra lascada e não da pedra polida, esses tinham o verdadeiro estilo de vida.

Quer dizer, pensadores tidos como moderníssimos, cujos livros se venderam nas livrarias mais modernas, como a escola de pensamento mais ousada, se transformaram nos detratores do progresso do século XX e nos adoradores de uma ordem de coisas que está nas origens da história da humanidade.

Os senhores me dirão. “É uma escola de extravagantes, de loucos. Para essa escola não se deve dar ouvidos. É uma minoria muito pequena que, por esnobismo, tomou essa importância. Sua importância vem de sua extravagância, porque o homem do século XX gosta de extravagância. Mas ela não pode fazer sucesso, não pode ter muitos adeptos”.

E eu digo que a grande maioria do século XX está fundada nesse pensamento, embora por vezes não perceba.

Qual é prova disso? É a atitude do homem do século XX, do homem do Ocidente, e mais especialmente do burguês do Ocidente, não do proletário, mas do burguês, viciado nas delícias. A atitude do burguês face ao comunismo é inteiramente característica neste sentido. O burguês sabe e sabe perfeitamente que o comunismo oferece um teor de vida muitíssimo mais pobre do que se tem no Ocidente. É possível que Dom Bertrand tenha mostrado aos senhores uma coleção de pratos, garfos, facas, guardanapos do segundo hotel de Moscou. Portanto, um hotel de luxo. Nos hotéis mais pobres de São Paulo, do Rio, de Buenos Aires, de Santiago, de Montevidéu não se tem artigo tão miserável como aquilo.

Para lhes dar uma ideia de pobreza extrema do comunismo, basta que lhes diga o seguinte: os comunistas estão começando a construir, em algumas cidades, arranha-céus. Mas para economizar os encanamentos, a água não sobe aos quartos. Só existe no térreo. E todas as pessoas que têm necessidade de água, para banhar-se, lavar as mãos, o rosto, para todas as necessidades físicas, tem que descer, a pé, porque não há elevadores, oito, dez andares para utilizar no térreo as instalações que lá se encontram, e depois subir de novo.

Essa é a miséria do comunismo e isso os burgueses o sabem. Eles sabem principalmente que se o comunismo vier, eles, burgueses serão reduzidas ao estado operário; perderão as fortunas que adoram, o conforto que querem tanto e serão reduzidos a zero. Porém, a resistência burguesa contra o comunismo diminui a olhos vistos. E os anos 70, que se encerram agora, foram os anos de capitulação e de fuga mais vergonhosa da burguesia face ao comunismo.

Quer dizer, em todos os países do Ocidente, a burguesia deixou de ser uma força viva e ativa contra o comunismo, e começou a considerar a possibilidade da implantação do comunismo como uma coisa que não é desejável, mas no total não é uma tragédia. E por causa disso começou a ser anti anticomunista; e também por causa disso, os senhores sabem, nos bairros onde há menos simpatia com relação à TFP, são nos bairros dos altos burgueses.

O que isso quer dizer? Como explicar que estes homens estejam dispostos a deixar suas casas confortáveis, suas fortunas que acumularam e sua vida deliciosa, e se resignem a tal ponto a serem comunistas? Nas últimas eleições de São Paulo um candidato comunista obteve quase maioria dos votos no bairro mais rico de São Paulo. Como explicar uma coisa dessas?

É evidentemente, porque há na alma do homem do nosso século uma contradição: ele gosta muitíssimo do progresso, ele gosta muitíssimo de luxo, ele gosta muitíssimo do dinheiro. Mas ele está farto do progresso, farto do luxo, farto do dinheiro. Então, para não lutar, permite que essas coisas lhe caiam das mãos.

E uma senhora da alta sociedade de São Paulo, me disse há um ano atrás que suas amigas estavam tão indiferentes ante a perspectiva do comunismo que, se se implantar o comunismo em São Paulo – elas todas muito ricas – a única coisa que haveria era dar a essas senhoras o endereço do lugar onde teriam que fazer trabalhos manuais. Elas tomariam o ônibus, iriam lá e começariam a fazer trabalhos manuais.

Então, os senhores tem o drama da sociedade do Ocidente. O homem é muito gozador, é tão gozador que se revolta contra uma lei que Deus pôs na natureza. E a lei é que todo gozo legítimo custa alguma coisa ao homem, e que há que sofrer para obter esse gozo, e é necessário sofrer para manter nesse gozo; e que o prazer verdadeiro é inseparável do sofrimento.

O homem do século XX sonha com uma vida sem nenhum sofrimento, só feita de prazer. Então, hesita. A civilização lhe dá prazeres, mas exige um certo sofrimento, um esforço. Pelo contrário, a vida selvagem não exige esforços – pelo menos na aparência – e dá alguns prazeres. E eles quereriam somar as duas coisas, que não são somáveis, e ter uma forma de selvageria imaginária, gostosa, fácil e sem esforço.

Por exemplo, os senhores estão sentados aqui; se fossem selvagens, não estariam sentados; não teriam sequer capacidade de assistir uma conferência. Começariam a andar de um lado para o outro, a gritar, a cantar, a beber, alguns a dormir etc., porque o selvagem faz o que quer. Mas o selvagem não tem a conferência. Fica com a cabeça limitada. E os prazeres que essa conferência não dá, mas os prazeres das conferências agradáveis e bem feitas, o selvagem é incapaz de fruir.

Eu conversei com missionários que me contavam a vida do selvagem. Ele conversava com um selvagem e passa uma abelha voando. O selvagem interrompe a conversa e pega a abelha com a mão. Imediatamente arranca as asas da abelha e a come crua.

O missionário me disse que teve necessidade de um grande esforço para não deixar de exprimir sua repugnância diante do fato. É a última coisa ouvir o estalo do besouro na boca... com os dentes discutíveis de um selvagem que não vai ao dentista, e com o mau hálito de uma pessoa que nunca usa dentifrícios nem escova de dentes... é terrível.

O índio explicou: nós temos que tomar a comida quando passa. Passou o besouro, é comível, nós pegamos e comemos porque não sabemos quando passará um outro. É lógico! Essa é a vida do selvagem.

Mas o homem civilizado não quer ouvir isso, quer imaginar um estado selvagem irreal com as delícias da civilização. E com isso ele tem uma mentalidade que não é adaptável a nada, nem à civilização e nem sequer ao estado de selvageria. Se ele fosse selvagem venderia sua alma para ser civilizado; como é civilizado, farto da civilização, permite que esta se derrube e que os comunistas lhe arranquem a civilização da mão.

Porque ele chegou a um estado de deterioração, onde qualquer situação é impraticável, inaceitável para ele. Quer dizer, ele está fora da ordem posta por Deus. Ele não pode viver a vida que Deus deu aos homens nesta terra. Quer dizer: Seu desejo imoderado de prazer o tornou incapaz de prazer; o tornou incapaz da modesta felicidade dos selvagens ou da boa felicidade dos civilizados, porque só quer prazer e não quer outra coisa senão prazer.

Então, essa civilização lhe é pesada; ele não aguenta o peso da civilização, como os pneumáticos do automóvel delicioso não aguentaram o peso das delícias que havia no automóvel. E aí os senhores tem algo que exprime um pouco da mentalidade do homem civilizado.

Qual é a mentalidade do homem que virá? Qual é a mentalidade do homem do século XX? Para compreender bem isso não temos que olhar para o século XX; temos que começar por olhar a mentalidade que está se fazendo hoje em dia. E qual é essa mentalidade?

A mentalidade é a seguinte: ahorita, ahorita, o mundo está no perigo de guerra universal, e todos os homens que tem um mínimo de cultura para abrir um jornal e ler notícias, percebe que por causa do petróleo do Irã e das nações do Golfo Pérsico, a guerra mundial pode arrebentar de um momento para o outro. Esta é a realidade que todos tem diante dos olhos.

O que pode significar a guerra mundial? O Papa João Paulo II fez há dias uma declaração sobre isso. Ele fez um sermão, uma homilia durante uma Missa que celebrou no dia da paz, 1º de Janeiro – festa de Circuncisão de Nosso Senhor – e deu as estatísticas impressionantes (lembrem-se que o Vaticano é sempre muito bem informado): citando informações recebidas de cientistas, o Papa afirmou que somente duzentos das mais de cinquenta mil bombas nucleares existentes atualmente no mundo, seriam suficientes para destruir a maior parte das cidades importantes.

Quer dizer, há 50 mil bombas, das quais duzentas destruíram a maior parte das cidades importantes do mundo. Se a guerra prossegue e se detonam as 50 mil bombas, o que resta do mundo?

Os srs. veem, portanto, que a guerra pode ser uma hecatombe pior do que o Dilúvio, e que enquanto o homem construía suas delícias, construiu sua condenação e sua destruição. E que o trabalho do progresso foi simultaneamente um trabalho técnico fabuloso para fazer grandes cidades e um trabalho técnico fabuloso para destruir as grandes cidades que fazia.

E, os mesmos homens do século XX que construíram os arranha-céus construíram as bombas; construíram o sim e o não, o preto e o branco, e estamos na hora em que o “não” pode desabar-se, pode agredir o “sim” e destruir tudo de um momento para outro.

O Papa continua:

“Não é só isso. A guerra nuclear causará terríveis reduções de recursos de alimentação porque os resíduos radioativos serão levados pelo vento sobre as terras que se cultivam e podem provocar alterações tais, nas plantas, que as plantas sejam inúteis para a alimentação do homem. Então os poucos homens que cheguem a não serem mortos, terão dificuldade de viver, por causa da deterioração da natureza e das plantas. Pior ainda. A atmosfera terá, ademais, ozono de maneira que o homem estará exposto a perigos terríveis, todavia desconhecidos, como por exemplo as perigosas mutações genéticas, o homem pode começar a gerar monstros. Ele acrescentou: É urgente que os povos mantenham abertos os olhos diante desse perigo”.

 

Isso que o Papa disse com essa palavra, todos mais ou menos o sabem, e todos mais ou menos têm medo disso. E nessa perspectiva, pelo menos no Brasil, que é o país onde vivo e conheço diretamente, eu creio notar que começa a se estabelecer um estado de espírito contraditório terrível: as pessoas que não tinham a reação necessária contra o comunismo, porque estavam dispostas a abandonar suas riquezas, porque estão fartas de riqueza, não estão fartas de viver, e querem viver custe o que custar.

Então diante do perigo da morte têm um medo que não tinham diante do perigo comunista. Tinham antigamente; não tem mais diante do perigo comunista. Então, por causa disso, as pessoas começam a sentir uma fatalidade, como a guerra se não explodir agora, pode explodir de um momento para outra em qualquer lugar da terra por outra razão, mas a guerra mais cedo ou mais tarde é inevitável, e que o futuro deles é a bomba atômica, e que o fim de sua vida regalada é o afundamento dessa vida regalada. Não como o selvagem, mas como as pobres vítimas das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, no Japão no fim da Segunda Guerra Mundial. Os que não morreram por uma desintegração instantânea e terrível, transformados em pó no primeiro choque, sobrevieram, mas com moléstias como a pele que sai toda, e o corpo fica em carne viva, caem os dentes, os olhos, a boca fica torta, os membros tortos, câncer em quantidade, dores terríveis. É essa a vida de uma boa parte dos que sobrevivem.

E os que não ficaram doentes existem para cuidar dos doentes e tudo se transforma numa enfermaria. É o fim do século que começou com um brilho do qual falarei daqui a tempo.

 Então, as pessoas – é compreensível – que se habitaram a vida inteira a gozar, gozar, gozar, vendo repentinamente esse fim trágico que se põe diante delas, teriam uma conclusão, mas estão tão endurecidos que essa solução nem sequer lhes ocorre: seria de rezar. Pedirem à Virgem, à Mãe da Misericórdia, que os salve dessa situação. Deus pode tudo, e se Maria Santíssima lhe pede algo, Ele o faz certamente. Maria Santíssima é chamada a onipotência suplicante, dizem certos teólogos, ou seja, Aquela que pode tudo por suas súplicas. Ela não é onipotente por sua natureza, mas sua oração pode tudo.

Os teólogos dizem que o que todos os Anjos e santos no Céu pedissem sem Maria Santíssima, não o obteriam, mas o que Maria Santíssima pedir sozinha, sem os anjos e santos, Ela o obtém. De tal maneira Ela é amada por Deus.

Então, pedir à Virgem: Minha Mãe, salva-me, salva aos que quero, salva a minha querida TFP, ou minhas queridas TFPs. Seria tão legítimo pedir isso! Mas prestem atenção, ninguém pede o auxílio de Deus. Ao mesmo tempo, todos olham a morte com um começo de ódio, de cólera, como se a morte fosse uma fatalidade indignante, que não se pode aceitar; contra a qual é preciso morrer, mas morrer de pé e com indignação. Esta é a véspera da blasfêmia. Porque essa revolta no fundo é contra Deus; eles não pedem a Deus, quando poderiam salvar-se pedindo; eles se revoltam contra Deus no momento em que Deus lhes deixa ver o castigo e, entretanto, não os sujeita ainda ao castigo, para que se salvem. Se eles rezassem agora, poderiam evitar a guerra. Deus lhes deixa ver o perigo para que evitem a guerra, para que peçam, para que regenerem seus costumes, para que voltem à prática dos Mandamentos, para que se façam bons católicos, as portas de salvação, inclusive terrena, estão abertos para eles. Mas eles não querem; preferem sua imoralidade, preferem seus prazeres, preferem ser mortos no prazer, do que começar a levar uma vida dura, difícil, católica, apostólica e romana.

Esta é a mentalidade louca do homem do ano de 1980, do homem que transpôs a década de 70 e entrou na década de 80.

Mais ainda. A loucura chega ao inacreditável. Os homens sabem que os grandes responsáveis por essa situação são os comunistas. Certamente não são os Estados Unidos que estão se conduzindo por um pacifismo espantoso. Então quem é o responsável? É o comunismo. Se o comunistas afundassem, Pérsia, Afeganistão etc., seriam uma abelhinhas e não abelhões que os Estados Unidos esmagariam com toda facilidade. Então, os culpados são os comunistas.

Os senhores observem os comentários da imprensa, de rádio, vejam o que dizem as pessoas, eles sabem que o comunismo está ao ponto de declarar a guerra, eles se revoltam contra Deus, mas não se revoltam contra o comunismo. Se revoltam contra Aquele que lhes oferece a salvação, que é Deus Nosso Senhor, e não se revoltam contra aquele que os perde, e que provoca a guerra, que é o comunismo.

Essa é a contradição espantosa desses homens que estão cegos. E a Escritura diz que “o amor do prazer faz com que o homem fique cego”. Eles estão cegos, incapazes de ver a terrível realidade em que estão. Então, eles afundam no ódio e no dilúvio dos castigos.

Em 1917, a Virgem aparece e diz: A Rússia espalhará seus erros por toda parte. Muitas nações desaparecerão etc., etc., e os ameaça com um castigo universal se continuam nas vias da imoralidade. Em 1979, no último ano de década de 70, na cidade que é capital da filha primogênita da Igreja, que é a França, em Paris, nas margens do Sena, se estabelece um balneário para as pessoas dos dois sexos que queiram tomar banho nuas. E o nudismo, na Europa inteira, toma proporções alarmantes; em toda a América. Quer dizer, o auge da imoralidade.

E vem, com a imoralidade, o castigo. Os homens, em vez de ouvir a Virgem, amá-la e modificar seu procedimento, não. Esses homens continuam, vem o castigo e morrem blasfemando. É essa a direção para onde estão caminhando os fatos e esta é o mundo para o qual os senhores devem abrir os olhos, porque é o mundo no qual tem que viver. Sobretudo os senhores muito jovens, não tenham ilusão. O que eu digo é evidente. Basta dar uma atenção superficial e se vê isso.

 Esse é então o homem de amanhã, o homem mau de amanhã.

Como será o homem do século XX? Será este? Então valerá pena que haja um século XX e não seria melhor que viesse o fim do mundo? Para vir um século XX blasfemátorio, não é melhor que Deus encerre a história e faça o fim do mundo?

A resposta é a seguinte: para que haja um século XX que seja o que a Virgem disse em Fátima - Ela disse que, por fim, Seu Imaculado Coração triunfará - para que a Virgem tenha esse triunfo, é preciso que haja homens que sejam inteiramente o contrário desse homem punido; quer dizer, sejam inocentes, enquanto os outros são culpados; e eles tenham a mentalidade oposta à mentalidade dos anos 70, à mentalidade do século XX.

Como seria essa mentalidade? Qual é a maneira por onde eu posso representar aos senhores essa mentalidade?

Seria muito extenso eu falar disso, sobretudo porque há coisas que se podem desenhar em linhas gerais e não nos detalhes. Por exemplo, todos nós admiramos os mártires das primeiras eras do Cristianismo. Mas no tempo dos mártires ele não podiam prever os Cruzados como seriam; porque os mártires morriam sem possibilidade de lutar. Eram heróis na defesa passiva, vem depois o heroísmo na carga de Cavalaria, na luta contra os mouros. Uma outra forma de heroísmo nasceu no seio fecundo da Igreja Católica.

E vieram depois outras formas de esplendor moral, católico, ao longo dos séculos. Então, nós o que teremos que fazer? Os senhores vivem no tempo da guerra psicológica revolucionária. Se explicará aos senhores, durante a SEFAC, que nós estamos em guerra; que a guerra não é de armas – a guerra de armas poderá sobrevir de um momento a noutro – mas a guerra é de inteligência contra inteligência; e que o erro, que é o comunismo, procura conquistar alma por alma, e que os bons católicos procuram defender alma por alma e reconquistar alma por alma.

É um choque de mentalidades, é um choque de habilidades, é um cheque de argumentação, é um choque de organizações. Há, portanto, duas formas: a força do bem e a força do mal, mas os senhores são, no momento, sobretudo os Cruzados dessa luta de mentalidades. Os senhores devem ter a mentalidade oposta à deles. E como é a mentalidade oposta à deles?

É uma mentalidade que quer o ideal mais do que qualquer coisa; que vive e está disposto a qualquer sacrifício, contanto que possa conhecer, amar e servir seu ideal, e lutar por seu ideal; e que está disposta a levar a vida mais dura, contando que veja seu ideal vitorioso. E esse ideal tem um nome: é Nosso Senhor Jesus Cristo. Não é um ideal abstrato, que se perde nas nuvens, mas se personifica. A pessoa humana de Nosso Senhor Jesus Cristo é a figura desse ideal. E não é só a figura, mas a realidade desse ideal.

Ser como Cristo foi; seguir os exemplos que Cristo nos deu; fazer o que Cristo fez. Isto é o ideal; ter uma civilização cristã, uma Igreja autenticamente católica, este é o ideal.

Mas Cristo teve muitos aspectos; em sua vida, nós O vimos perdoando, nós O vimos chorando junto à sepultura de Lázaro, nós O vimos suando sangue no Horto das Oliveiras, nós O vimos morrendo, clamando com grande voz: Eli, Eli, lama sabactani, Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste? Nós o vimos em todas as situações. Em todos os episódios da história da Igreja, o católico tem que ser como Ele. Nós O vimos também pegando um açoite e expulsando os comerciantes do Tempo. E nós O vimos também dizendo as coisas mais duras aos fariseus.

Nossa época é uma época em que temos que imitar Nosso Senhor Jesus Cristo sobretudo quando Ele tem o açoite na mão. Temos que a Nosso Senhor Jesus Cristo sobretudo quando Ele dizia todas as verdades mais duras aos fariseus. E para dizer-lhes bem qual é o perfil moral do homem católico no século XX, temos que pensar não tanto em Nosso Senhor Jesus Cristo como está na narração de sua vida terrena no Evangelho, mas como o previu São João no Apocalipse.

São João prevê um momento de castigo e de maldições na Terra, um momento de destruição que é o fim do mundo, em que ele vê a segunda vinda de Cristo, que ele chama Cristo Gladífero; um cavaleiro magnífico montado sobre um cavalo branco e que vem armado de tal maneira que na boca tem uma espada e que vem para lutar.

Esse é o cristão gladífero, o católico gladífero que vem para a luta, para dizer “não” ao comunismo, para dizer “não” aos moles, para dizer “não” aos sofistas, aos mentirosos, para lhes lançar no rosto todos os seus erros com energia e com lealdade, sem temor e enfrentando qualquer perigo e até a morte se for necessário contanto que Cristo Gladífero vença. Esta é a figura do católico.

Diz a Escritura: “Christianus alter Christus, o cristão é um outro Cristo”, tal deve ser nossa semelhança com Nosso Senhor Jesus Cristo. Nosso Senhor Jesus Cristo virá, Ele mesmo, só para o fim do mundo. Nada leva a pensar que estejamos no fim do mundo. Mas estamos diante de uma tragédia que é uma prefigura do fim do mundo, algo que nos dá a ideia de como será o fim do mundo. O Cristo Gladífero não virá pessoalmente, mas Nosso Senhor Jesus Cristo espera de nós que sejamos todos juntos um “cristo gladífero”, a abrir as paredes, a destruir as dificuldades com o gládio da língua e, se necessário fosse, em legítima defesa, com outros gládios, para fazer vencer a boa causa.

E é por isso que estamos aqui reunidos aos pés de Maria Santíssima, da Virgem de Fátima, desta Imagem milagrosa da qual lhes contaram por certo a história, ou lhes contarão. Esta imagem chorou em Nova Orléans por causa da situação do mundo. Eu creio que se esta Imagem pudesse dar uma manifestação diante de todos nós reunidos, Ele daria um sorriso, porque Ela veria os cavaleiros que vão lutar contra a causa de suas lágrimas, vão lutar contra os responsáveis por suas lágrimas, para defendê-la e para fazê-la Rainha da terra como ela é Rainha do céu.

Esta é a Cruzada do século XX. Vós sois chamado para esta Cruzada; sede esses gladíferos e sereis verdadeiramente bem-aventurados.

É o que eu tinha para dizer aos senhores e assim está terminada a conferência.

Nota: Consulte também o texto da Reunião Nobres que se entregavam à Revolução Francesa. As “hipnoses” das utopias revolucionárias.


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