Plinio Corrêa de Oliveira

 

Uma reflexão inocente sobre o

Mont Saint Michel

 

 

 

 

 

 

 

6 de outubro de 1979, sábado

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.



 

 

Os senhores já conhecem a coisa, é o Mont Saint Michel. Está tida uma impressão, não é? Olharam, está dada a impressão. É ou não é verdade que qualquer um de nós gostaria por exemplo de ficar algum tempo olhando para isto aqui? É evidente. Por exemplo, se eu estivesse lá, eu gostaria de estar numa cadeira colocada tem exatamente onde eu estou no momento, e ficar aqui uma tarde olhando para isso, não é a tarde inteira pensando só nisso. É ora pensando, ora pensando em coisas que não são o contrário disso a não estar pensando em negócios, por exemplo, ou em politicagem municipal, essas coisas assim - mas com pensamentos elevados que tem com isso certa afinidade. Mas sentindo a presença disso, sentindo o calor dessa presença junto a mim. E ora prestando atenção e analisando. E assim esvoaçando por temas vários que teriam como centro o Mosteiro Saint Michel mais ou menos como poderia estar prestando atenção, em certo minuto a um voo bonito de passarinhos em torno da torre. Então olharia para a torre. Mas a torre seria o ponto de referência para o voo dos passarinhos.

Assim também seria para sim o Mont Saint Minhel, posto ali no meio, ponto de referência para um voo vário do pensamento de alguém que descansa. Mas sempre com um nexo com o Mont Saint Michel. Eu gostaria enormemente.

Este Monte Saint Michel é um conjunto. Agora, o que desse conjunto a gente pode ter um inter-relacionamento - porque é aqui que eu quero chegar - por onde se vê algo de alma? Aqui está a questão. E então se faz a reflexão inocente sobre o Mosteiro Saint Michel.

É até certo pouco, um exercício de transcendência mais lúcido, mais analisado, mais definido do que antes, na base da teoria que eu dei agora à noite. Mas eu tenho aqui os seguintes elementos muito básicos; uma grande planície, constituída por dois elementos, o mar que em certas horas chega até aqui e deixou aqui como um cartão de visita... o mar mas que no momento está longe, e uma praia. Depois eu tenho aqui um morro que, por sua vez se divide em dois aspectos. Uma parte arborizada e uma parte não arborizada, em pedras. Pedregosa.

E sobre o morro eu tenho uma construção. A construção, por sua vez, se divide em dois elementos: ela e o campanário dela. Está acabado. É muito simples. Está feita uma descrição mais do que sumária do Mont Saint Michel.

Está feito o relacionamento dos elementos? Essa é uma outra questão. Vamos estudar que relação tem com o Mosteiro, o mar e o morro.

Os senhores imaginem que aqui houvesse, toda essa praia etc., etc., mas ali não houvesse mar e começasse a cidade de São Paulo. Por aí os senhores percebem o que faz o mar nesse panorama. E se bem que para um espírito desatento ele pareça um fundo de quadro para o qual é preciso não prestar atenção — saber que é o mar que está lá e vê-lo na fímbria do horizonte; não ver uma grande cidade moderna, nem o ron-ron dos ônibus e dos aviões, nem nada disso, os senhores imaginem um aeroporto aqui, a miséria. E o mar como ele se apresenta aqui, notem bem, tudo isso tem o seu papel, meio caprichoso - a palavra... o Mont Saint Michel é francês, eu aplico uma palavra francesa que eu não sei se cada um sabe o que quer dizer – “boudeur”, um pouco fazendo fronda. Ele ora vem, enche até aqui; os senhores veem que está aqui, está preparando para não deixar, preparado para o próprio lamber do mar, ele mesmo foi até uma parede natural no alto da qual nascem as árvores, do contrário ele escangalharia com as árvores. Ele de vez em quando inunda tudo, de vez em quando fica longe, num movimento caprichoso de ondas que vão, que vêm, que se jogam, que lambem a praia para cá, pala lá, mais ou menos como se ele todo estivesse se espreguiçando e olhando belamente o mosteiro, que do alto o olha.

E é um estado de alma. Uma das formas da admiração seria de alguém que morasse em frente ao mosteiro e de manhã acordando, pela janela, enquanto se espreguiça, olha o mosteiro. A admiração comporta esse estado de alma. Podia-se dizer que o mar admira o mosteiro a distâncias diversas e, conforme os seus próprios movimentos, acerca-se dele ou não se acerca. Tem qualquer coisa de humano dentro disso, como os senhores percebem, em que os movimentos do mar são símbolos dos movimentos vários - legitimamente vários - da apetência humana.

Agora os senhores, tem uma planície. Seria mais bonito que o mar tocasse no mosteiro? Nunca deixasse essa ilha de pedra no meio do mosteiro? Não seria mais bonito. Porque a areia tem o seu papel. O mosteiro como que domina, em torno de si, uma periferia. Parece que ele contém o mar à distância no momento. E que ele quer ter diante de si a areia submissa e rasa diante dele. É uma das formas da dominação do homem. Um dos estados da alma do homem.

Bem, o morro. O morro lucra ou não lucra de ser único dentro de uma praia chata e imensa? Evidentemente lucra. É ou não é verdade que se houvesse quinze morretes deste encantados uns nos outros, isto perdia completamente a ... Bem, alguém dirá: “Que altura terá o Mont Saint Michel?” Eu responderia: “A sua pergunta de um cretino!” Ele é único e, então, não precisa ter altura. Como que está cercado de areia de todo o lado, tem todas as alturas. Ele é supremo, ele é supremo. Ele nessa planície não é um anônimo. Ele não precisa ser muito alto para ser muita coisa. Ele é ele. Ele está cercado de coisas rasas de todos os lados e domina só por si. Muito mais do que sua altura, vale sua unicidade.

A quantos movimentos da alma humana corresponde isso, quantas coisas a alma admira quando são únicas e não quando vêm acompanhadas de outras coisas bonitas! Os senhores imaginem por exemplo, uma senhora que se apresenta numa festa com uma joia que é só isto: uma corrente muito fina, de platina por exemplo, e pendurada nessa corrente um brilhante grande e claríssimo, sem montagem nem nada, sobre um vestido de veludo preto, por exemplo. Pode não ser mais bonito do que com cem pedrocas em volta? Pode. Às vezes é mais bonito pedras em volta, mas às vezes é bonito ser único. São estados do “pulchrum” que correspondem a estados da alma humana. Às vezes cada um de nós lucra sendo visto no seu contexto; e às vezes cada um de nós lucra sendo visto enquanto único. É evidente.

E então a gente compreende que por causa desse modo de relacionamento entre almas, se exprime bem aqui onde Deus quis que o homem sentisse na sua alma a forma de verum, bonum, pulchrum que tem na unicidade.

Vamos logo ao supremo voo. Pequena imagem de o por onde Ele é único. Esta é uma rocha firme e alta no meio de areias movidas e praias movediças. Como Ele é eterno e supremo no movediço das coisas que Ele criou!

Não sei se os senhores percebem que no fundo o prazer que nos dá isso é um prazer que tem relação com a situação de Deus. E que se pode aí fazer um ato de adoração a Deus.

Agora, ergue-se o morro, destruamos o mato, perdeu ou não perdeu muito? Por quê? Porque é ou não é agradável ver algo do mosteiro perder-se no mistério dessa mata cerrada, que nós imaginamos fresca, escura, talvez com umas duas ou três fontes correndo e murmurado, nascidas ali no alto e tão cheia de sombra, dir-se-ia que essas linhas altas do prédio são garras que seguram na pedra e que dominam a pedra.

É ou não é interessante ver o edifício enquanto por assim dizer, se desfazendo em sombras e mistério? É ou não é bonito ver o edifício claro altivo, e de uma pedra que rejeita, que resiste e que se explica? É ou não é bonita a alma humana quando ela com franqueza proclama o que é, se exprime e se define? Mas é ou não é bonito quando ela com discrição guarda alguma ... consigo que é exclusivamente dela?

Ter os seus mistérios e ter suas explicações, ter suas proclamações, mas ter também suas intimidades, não formam um jogo de aspectos nobre para a alma humana, é não é humano, não há algo em nós que aprecia nossa própria penumbra que gosta de olhar para isso? Não há algo em nós sedento de proclamar-se, de afirmar-se contra isso, contra o outro, sedento de ser uma fortaleza e uma proclamação que se afirma aqui à luz do sol? Não há em nós ambas essas coisas?

Nós não temos vontade de nos proclamar, mas não temos zonas delicadas de nossa alma que nós confiamos a poucos, e outras que nós sabemos que apenas Deus vê e que nós pressentimos e nem nós conhecemos? Mas que fazem parte de nossa riqueza. Todo homem tem isso. Resultado, a alma humana encontra ou não encontra nessa variedade do Mont Saint Michel uma expressão de si mesma, uma semelhança e uma alegria?

Agora, vamos voar direto para o alto. No Céu nós veremos Deus face a face, diz a Teologia: “totus sed non totaliter”. Nós O veremos no seu vulto inteiro, mas não O veremos na totalidade de cada uma de suas coisas. Infinitamente claro e infinitamente misterioso pelos séculos dos séculos, amem.
Eu acho que está direito. Está direito e é belo. Faz saborear, torna-nos explicito saborear o que é o Mont Saint Michel.

Bem, agora o Mosteiro. A gente não sabe bem se isso é um prédio só ou se é um conglomerado de prédios distintos. Esta é a realidade. Por quê? Porque a gente vê nele algo de fortaleza, vê nele algo de residência e que tem uma igreja, mas sobretudo mais do que a fortaleza, mais do que residência, mais do que igreja, ele é algo. Aqui os senhores têm muito da igreja, e aqui também, os monges cantando, etc., etc. Aqui os senhores podem imaginar uma muralha, os guerreiros resistindo e descendo aqui, passo a passo, explicando os invasores. É evidente.

Agora, aqui os senhores podem imaginar por aqui e alhures magníficas bibliotecas com monges estudando. Os senhores podem imaginar que nessa igreja os monges estão cantando o ofício. Os senhores podem imaginar, então noutro lugar, alguém que está fazendo iluminuras e noutro lugar um que está preparando pedras para fazer um capitel mais bonito numa coluna que ainda não está adequadamente ornada. Mas, ao mesmo tempo, toca uma clarinada e há guerreiros morando aí. E na hora da guerra eles saem à luta para defender os monges.

Como tudo cabe bem aqui! Síntese de oração, de estudo, de recolhimento, de arte e de luta.
Bem, esses edifícios são meio desconexos. Quem construiu isso não pensou muito em fazer um “unum” com isso. Mas sobretudo este bloco parece fazer um outro mundo em relação a este. E aqui é um bloco um pouco afim com este, deste lado, e um pouco afim com este deste lado. De maneira que isto se divide em duas partes: Esta parte aqui e esta parte aqui. “unum”.

Bem, não é bem assim, por exemplo, a alma de um católico? Há para ele espaço para o estudo, há espaço para a oração, para a arte, mas tudo isso nascido da vida sobrenatural, nascido da contemplação, da oração.

Os senhores notem os lugares proeminentes destinado ao culto e à capela. Bem, isso aqui quase que é um limpa-trilho do resto. Agora, há espaços nele para a luta e para a guerra, mas tudo num “unum”. E esse “unum” é a torre que é como que assim um pesa-papeis colocado sobre os papeis diferentes, como quem diz: “o vento não faz esvoaçar nem tira da ordem, fica aqui.”

Mas no alto desse pesa-papeis uma flecha que parece indicar o seguinte: “olha, a síntese, a correlação de tudo isso, uma coisa com a outra, é tão vária e tão grande que se perde nas nuvens, pense em Deus.”

Aqui está nosso exame inocente do Mont Saint Michel. O que é aí a inocência? São as nossas almas enquanto não consideraram essas coisas com apego, não prestaram preguiçosamente atenção numa parte e não na outra, mas procuraram ver o conjunto, mas sobretudo procuraram relacionar esse conjunto com o ser humano. Eu não dei aqui porque não tive tempo, com os anjos no céu e depois com Deus Nosso Senhor.

E eu poderia dizer que isso aí seria no seu conjunto, por exemplo, o símbolo do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, Rainha dos doutores, rainha dos profetas, rainha dos mártires, rainha dos guerreiros, rainha de todos os santos.

Bem, é ou não é verdade que uma consideração assim do Mont Saint Michel, mas, sobretudo de um hábito das almas de serem assim, os senhores conhecem uma porção de gente que diria que é uma fantasia, que é ridículo e que não se deve pensar nisso? A gente deve chegar aqui e ler uma descrição de qual é a qualidade química dessa terra, qual é a distância, qual é a hora em que a maré sobe e desce, qual é a hora em que a gente deve voltar porque o ônibus está com o motor ligado empestando o ambiente com aquelas explosões, o ônibus está ali e está à espera para a gente voltar e ir embora. De maneira tal que, exceto entre nós, talvez no mundo contemporâneo com poucas pessoas poderíamos conversar sobre tudo isso.

Agora, por quê? Porque: “acaba com isso! Isso não é o verdadeiro Mont Saint Michel”. Ora, esta é a verdade sobre o Mont Saint Michel.

E quando tenhamos almas tão equilibradas, tão ordenadas que façam não a meditação que eu fiz, mas a que São João Batista faria, ele de quem Nosso Senhor disse que era como um anjo, homem canonizado em vida por Deus antes de seu próprio martírio — como seria magnífico nós ouvirmos um São João Batista falar disto. E ele que desafiou Herodes como o alto desta torre desafia o mar. Que coisa magnífica!

Aí é tudo inocência. Da inocência de São João Batista nós poderíamos ouvir o que os senhores ouviram da Sabedoria, aí aqueles elogios tomam sentido e ficam uma maravilha.

Meus caros, na terra tudo é assim, eu estou gostando de conversar com os senhores; no escuro, tenho a impressão de que os senhores estão gostando de conversar comigo. Mas nós visitamos tão longamente o Mosteiro de Saint Michel que não vai dar tempo para outro slide. Nós deixamos para outra vez.

E numa outra noite fazemos mais uma meditação da Sabedoria.

Agora vamos rezar.


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