Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comunicação de alma de Nossa Senhora com o Anjo São Gabriel

A grande festa da Anunciação

 

 

 

Auditório São Miguel, Santo do Dia, 23 de março de 1979

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

 

Eu não sei bem se eu conseguirei me tornar claro nesta primeira parte de nossa reunião, que é propriamente um Santo do Dia, sobretudo eu não sei se conseguirei me tornar claro a respeito de um fato natural de observação corrente e sob o qual a atenção materialista dos homens de nossos dias se torna cada vez menos aberta.

E é o seguinte: uma pessoa pode ter uma presença muito agradável, pode ter um timbre de voz muito agradável, pode ter um jogo de fisionomia muito agradável, pode dizer coisas muito interessantes, muito expressivas. Tudo isso são dons que a Providência pode dar a alguém de que alguém pode servir-se conforme o caso, ou para fazer um grande bem, ou para fazer um grande mal. Mas, para além de todos esses dons há um outro dom mais interessante e que não se confunde propriamente com isso.

Uma pessoa pode ter um timbre de voz muito agradável, mas a gente conversando com ela não sente nela a alma dela. Olhem que o timbre de voz até pode ser uma espécie de ressonância do que seja a alma de alguém — não necessariamente, mas pode ser — mas pode dizer mesmo assim; ouça uma pessoa com timbre de voz muito agradável, mas não se sente a alma. Isso principalmente se nota nos cantores. Há cantores que tem um timbre de voz muito agradável, cantam com muita correção de acordo com a partitura. Mas não sente a alma do cantor no que ele canta. E o resultado é que o público, do ponto de vista meramente sonoro tem uma impressão agradável, mas não vibra com o cantor. Ele não comunicou a sua alma.

A mesma coisa pode ser com o orador. Um orador pode ter um timbre de voz esplêndido, mas se ele é desses homens cuja alma mora num fundo pantanoso e longínquo da personalidade dele — a pessoa trata com ele, ouve-o, mas tem a impressão de que ele está dando um recado do qual ele está desinteressado. E não há contato humano, não há comércio humano verdadeiro.

O olhar: não há coisa que fale mais da alma de um homem do que olhar dele. Bem, é verdade que um homem pode ter lindos olhos, mas é verdade também que isso não quer dizer que ele tenha um lindo olhar. Um lindo olhar é uma forma de olhar que pode até ter olhos feios. A pessoa pode ter olhos feios, mas ter um lindo olhar. É uma forma de olhar através da qual uma beleza de alma se comunica. E uma outra pessoa pode ter olhos muito bonitos, mas a alma está longe daquilo. Então do ponto de vista da pura luminosidade do olhar, do desenho, da cor etc., etc. aquilo pode ser bonito, mas não tem a verdadeira beleza de uma comunicação da alma.

Há, pelo contrário, pessoas que não tem uma grande voz, não tem uma grande estampa, não tem nada do que eu acabo de falar. Mas a alma delas de algum modo se comunica, e o que elas dizem tem verve, tem graça, tem interesse, o furor delas faz estremecer os outros, a simpatia delas derrete os outros; quando elas se interessam pelo que elas dizem os outros são levados a se interessar também, ainda que elas digam coisas desinteressantes, mas o modo delas dedilharem o assunto já o assunto começa a tomar interesse. São pessoas que têm a alma mais à flor da pele e uma alma que se comunica e que os outros sentem.

        A comunicação de almas é um dos dons mais preciosos que uma pessoa pode ter. E uma das coisas que se deve lamentar na gente ou em outrem, conforme o caso, é que a gente ou outrem seja desse tipo de gente inteiramente glacial e sem expressão. Quando, no fundo, tem que ter uma alma que sente qualquer coisa. Por mais que a alma sinta, os olhos, a ponta do nariz, os lábios, o queixo, as orelhas, tudo parece dizer “eu não sinto nada”. Eu conheço várias pessoas assim! A vida é essa...

Bem, isso tudo pra nós chegarmos... e eu vejo pelas expressões fisionômicas que o fato é ultra conhecido e os srs. apesar das enormes distâncias das gerações observam isso entre si muitíssimo também.

Bom, eu vejo, portanto, que eu sinto de explicar mais para dizer o seguinte: se é verdade então que o maior atrativo que a pessoa pode ter, no contato com outra criatura, é o de ver a alma dessa criatura. Um contato de alma a alma onde a gente também sinta que se exprimiu no que tem do fundo e foi entendido, de que houve um acordo, se isto é verdade, então é verdade também que o contato entre os puros espíritos deve ser muito mais interessante do que o contato de homem a homem. Porque as nossas faces revelam a alma, é verdade, mas em certa medida revelam, mas em certa medida velam. E há insipidezes, sem-gracices, há coisas desse gênero que pelo contrário até não só não nos deixam exprimir o que temos, mas às vezes exprimem o contrário do que nós queríamos exprimir, do que nós queríamos dizer.

Saint Simon [duque Louis de Rouvroy de Saint-Simon, 1675-1755, escritor francês], por exemplo, fala de não sei que personagem na obra dele [Memórias] - oito volumes cada um mais fabuloso do que o outro! -, bem, ele fala ao longo da obra dele de um personagem, que eu não lembro quem é, que era um personagem que tinha uma cara comum, “plutôt” [mais bem] agradável de se olhar. Mas que tinha um cacoete por onde ele de vez em quando ele se “démontait le visage – ele desmontava o rosto” e formava uma cara horrorosa e depois voltava ao natural.

Bem, sendo, pelo que ele conta desse homem, que ele não era nem inteiramente autêntico quando ele estava com a cara normal, nem com a cara horrorosa. Mas ele era um terceiro em relação aos ritmos nervosos do rosto. Era um rosto exageradamente plácido, depois exageradamente dramático e agressivo, sendo que ele estava por detrás e era um terceiro provavelmente em relação ao que se passava.

 Bem, então o rosto vela e revela a personalidade. E por causa disso, nós só vemos a alma de um outro assim de esguelha, de cá, de lá e de acolá. Nós não a vemos como se víssemos diretamente. Ora, o interessante seria o comunicar-se entre almas que se conhecessem, porque a palavra “ver” nem é a palavra adequada para o caso, se conhecessem sem a necessidade do olhar, do ouvir etc., se conhecessem e se sentissem e entrassem em harmonia. Entrassem em mútua compreensão, em simpatia. Isto é que seria o auge do interessante no convício.

Por que seria o auge? Porque um pouco que nos aconteça isso nós achamos tão interessante, imagine isso entre espíritos como isso seria interessante!

Acontece, porém... os senhores me dirão o que isso tem a ver com o Santo do Dia. Nós já chegaremos lá. Acontece, e eu até lhes direi depois o método a que isso obedece. Estou ensaiando o método.

Bem, acontece, entretanto, que nesse contato entre a alma e homem vivo, e, portanto, posto o seu corpo, se é tão agradável um homem discernir assim um outro e se entenderem, para um homem vivo não pode haver nada de mais agradável do que conhecer um puro espírito.

Sobretudo, se esse puro espírito é um espírito angélico – um demônio nunca! – é um espírito angélico que se comunica com toda a sua pureza, toda a sua limpidez, toda a sua grandeza, sua majestade, sua força, com a ação de presença tal que os místicos que tem visto Anjos, às vezes ficam dois ou três dias sem poderem participar da vida normal. De tal maneira eles ficam impressionados pela presença de um Anjo, e às vezes são os Anjos de menor categoria, de menor porte, mas eles viram um.

E algo dessa noção o homem tem quando ele chama as coisas de “angélico”. Tal coisa angélica, tal outra coisa angélica, um ouviu uma música de Anjos, fulana sobretudo tem uma cara de Anjo... A ideia do contato com os Anjos, a gente vê que o homem tem vontade de ter para ter este contato espiritual, que ele tem tão imperfeitamente de criatura a criatura. Para ter esse contato espiritual ele tem um gáudio com isso, uma coisa extraordinária.

Um Anjo é uma obra-prima de Deus. E evidentemente, se a pessoa está em condições de apreciar esse Anjo, a pessoa tem um gáudio santificante e intenso quando lhe é dado apreciar esse Anjo.

Por que isso? Porque toda obra-prima apresenta-se objetivamente. Aprecia quem é capaz.

Num museu podemos, por exemplo um quadro do Ginsburg. Eu me lembro desse nosso Museu de Artes em São Paulo aqui, tem um quadro dele: “Uma dama Azul”. É uma inglesa de meia idade, com uma cara passavelmente felina e vestida de azul. É tão interessante o quadro e a mulher tem tanta personalidade e o autor soube pôr isso tão bem. E eu me lembro quando visitei, há muitos anos atrás, o museu, eu fiquei encantado e tive vontade de mandar vir um banquinho e ficar sentado olhando para o quadro. E eventualmente ditar um artigo sobre o quadro, mas na presença do quadro. E poderia ser, por exemplo, “Conversando com a dama azul”... E contando o que eu ia percebendo nela e as impressões que eu ia tendo. De tal maneira achei o quadro interessante e bem pintado!

Mas, uma vez assisti uma conferência feita por aqui por um brasileiro que mora no Vaticano, que é um dos maiores especialistas desse campo, Régis de Campos, que foi a respeito dos quadros da capela Sistina e outras coisas e tal. Foi uma conferência tão esplendida que Dr. Paulo, Dr. Fernando, talvez Dr. José Fernando. Dr. Adolpho, a velha Pará [os membros do “grupo da Rua Pará”, os mais veteranos da TFP] estávamos juntos para assistir. Nunca nos esquecemos desse conferencista. E uma vez ou outra, a propósito de algum tema do MNF, ainda hoje passa uma alusão minha ao Dr. Adolpho, e reciprocamente, a respeito de como esse homem interpretou bem esse quadro. Um grande artista, um artista com a vida inteira feita, um crítico de arte – ele não é artista, um crítico de artes, um restaurador de coisas artísticas – com comentário soberbo porque ele ainda viu mais do que qualquer um de nós do lado puramente estético das coisas, não psicológicas, mas do lado puramente estético das coisas das coisas. A obra-prima entrega mais de si mesma àquele que é capaz de olhar melhor.

Então os senhores podem imaginar o mais perfeito dos quadros que seja concebível, analisado pela mais perfeita das criaturas e os senhores podem imaginar o que é este encontro de artes. Uma criatura perfeitamente psicológica e conhecendo a natureza humana como todos os homens até hoje somados nunca conheceram e nem conhecerão até o fim do mundo. Sendo capaz portanto, de conhecer e de apreciar um espírito que se lhe comunique de um modo como ninguém, como nenhuma criatura humana é capaz, como os próprios Anjos não são capazes de apreciar.

Os senhores imaginem que diante dessa criatura se ponha o quadro de um Anjo. Mas, não o quadro de um Anjo, mas, um Anjo. Não um Anjo, mas um Arcanjo. O Arcanjo São Gabriel aparecendo a Nossa Senhora. Os senhores podem imaginar o encontro. Arcanjo São Gabriel, o mensageiro de Deus. Aquele que leva as mais altas, mais esplêndidas e melhores mensagens de Deus. O que tem, portanto, o dom que está na mensagem, de comunicar de modo esplêndido o que Deus quer dizer, e que cada palavra que ele diz, tem como que uma ressonância da palavra divina. E ele mesmo vela e revela o próprio Deus de quem ele é mensageiro.

Os senhores imaginem Nossa Senhora que está na sua casa em Nazaré, à qual de repente aparece esse Arcanjo. Um dos sete dos mais altos espíritos que estão sempre na presença de Deus e que é mandado a Ela. Aparece e faz a Ela uma profunda saudação. Que saudação cheia de charme, de nobreza, de elegância, de distinção. Ao mesmo tempo de uma majestade inimaginável porque ele é puro espírito e Ela não é senão uma criatura humana. Mas de um respeito indizível porque Ela é Rainha dele. Ela não sabe, mas ele sabe que Ela é a Rainha dele. Então ele presta a Ela uma homenagem que é a mais bela homenagem que até então tinha sido prestada na terra. E, creio eu, nenhuma outra será prestada igual a não ser a que Nosso Senhor Jesus Cristo terá prestado à Sua Mãe.

Bem, Ela vai e recebe aquela homenagem, mas ao mesmo tempo Ela se entusiasma porque ela entende o Anjo até o fundo, e percebe Deus através do Anjo perfeitamente. E se entre nós, um contato de alma a alma, nossas pobres almas, encardidas, envilecidas, de nossa natureza concebida do pecado original, nos dão tanto gosto um contato de alma a alma, o que foi o contato de alma a alma de Nossa Senhora com esse Arcanjo? O gáudio dEla e o gáudio do Anjo. O gáudio do Anjo contemplando e vendo Aquela que era-lhe inferior porque criatura humana, mas aquele espírito ligado à carne incomparavelmente mais alto do que o dele.

Poderia se dizer, falando “humano modo” que ele transpôs todos os espaços que vão de Deus até a cidadezinha da Judéia, que transpôs esse espaço, curioso de conhecer de perto a Nossa Senhora.

E então é nessa atmosfera que os senhores devem imaginar a narração do Evangelho que eu dou aqui agora que porque estamos na antevéspera do dia 25 de março que é Anunciação de Nossa Senhora. E que é a festa dos escravos de Maria, é por definição a festa dos escravos de Maria.

Então me pareceu que seria interessante ler aqui com os senhores e imaginar a cena como o próprio Espírito Santo a narra. Porque tudo isso é ditado pelo Divino Espírito Santo. Apenas um trecho da cena para nós tomarmos da festa que a Igreja vai celebrar.

Então é o seguinte:

“No sexto mês da gestação de Santa Isabel – que esperava São João Batista – foi enviado por Deus o Anjo Gabriel a uma cidade da Galileia chamada Nazaré”.

“...a uma cidade da Galileia chamada Nazaré” é um modo de se falar das cidades desconhecidas. Se eu for falar – eu vou dar exemplos contemporâneos, portanto vou baixar de nível de modo horroroso – mas eu não falarei de (...) dizendo “a uma cidade de São Paulo chamada...”. [Tal cidade] qualquer um sabe que é em São Paulo, mas uma cidade chamada Nazaré é um lugarzinho, a gente precisa dizer... [é na Galileia].

É claro, é um ninho de rato.

“...a uma cidade chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão que se chamava José...”.

Quer dizer, um individuozinho dentro da cidadezinha. Agora, fulgura como raio sem estrondo, o que sai logo depois:

“...da casa de Davi”.

A mais alta dinastia que houve, há e haverá; não sei se já não desapareceu essa dinastia.

“E o nome da virgem era Maria.”

Aí é como um sol que aparece! Uma Virgem também desconhecida, mas o nome dela era Maria. Quantas Marias depois houve na história e haverá também depois do fim do mundo... é uma glória com nenhum nome de rainha tem, nem de nada tem nem se compara com nada!

“O nome da virgem era Maria.”

Esta simplicidade da narração tem qualquer coisa de grandioso por onde é ou não é verdade que nós julgamos entrever o Espírito Santo na narração? Eu falava exatamente desse contato de alma. É ou não é verdade que nós como que sentimos o Espírito Santo quando ouvimos essa narração tão simples de coisas propriamente esplendorosas...!

 

“E entrando o Anjo onde Ela estava...”

Uma coisa, portanto, fantástica! O Anjo que nessa cidade escolhe o quarto dela, o pátio da casa dela, onde Ela estava e entra ali. Quer dizer, a entrada de um Anjo... A gente acha tão grande coisa a entrada de um rei! Os senhores sabem que até a Revolução Francesa os reis faziam entradas na cidade, sobretudo quando era a primeira entrada depois da coroação, uma entrada solene com participação de milhares de pessoas e grande gala etc. era a entrada. O Anjo entrou...

“E entrando o Anjo onde ela estava disse-lhe: Deus Te salve, cheia de graça. O Senhor é contigo e bendita és tu entre as mulheres”.

Mas, precisa ver o seguinte: que cada palavra que ele disse, ele dizia como fala um Anjo e quando ele pronunciava a palavra “Deus”, todo amor a Deus que ele tinha, queimava nele e resplandecia. Evidente!

Depois quando ele dizia, depois do “Deus”, “te salve” e se dirigia a Ela, a gente vê que era toda a reverência dele para com Ela como quem falava “Deus te salve”. Esse “te” a alma enorme dele, colossal, inimaginável, terníssima, intimíssima, majestosíssima resplandecia diante de Nossa Senhora e Ela se sentia como que assumida pelo Anjo quando ele dizia “tu” para Ela.

Naquele tempo não se dizia “vós”, não havia esse tratamento, havia só o “tu”.

Então, “Deus te salve”, e quando ele diz “Deus te salve” ele A saudou porque o “salve” é isto, é saudar, em latim é uma saudação.

“Ó cheia de graça...”

O maior elogio que se pode fazer a alguém! Nela só havia graça, não havia outra coisa. E por isso Deus A saudava. E a reverência dele quando ele falava, porque se nós imaginássemos em latim, ficaria mais bonito, ele não falou latim, mas ficaria mais bonito. “Gratia plena”, “de graças cheia”, fica muito mais bonito do que “cheia de graça”.

Então a palavra “graça” nos como que lábios de um Anjo, tem uma beleza... todo esplendor da graça de Deus floresce quando ele diz “graça” e “plena” dá uma ideia de plenitude que nos faz dar a ideia que até o leito do mar é vazio em comparação com aquela plenitude: “gratia plena”, “ó tu que és cheia de graça”.

Bem, esse “cheia de graça”, propriamente não quer dizer, a meu ver, somente que Ela seja cheia de graça, quer dizer que nEla não haja só senão graça. Mas quer dizer mais: é que todas as graças criadas para os homens estão nEla, e que daí se transbordaria para os outros. E isso é uma riqueza, é uma majestade incomparável!

Bem, então “bendita és tu entre as mulheres”. Ele, portanto, deu uma benção a Ela, disse “tu és bendita entre as mulheres”, quer dizer, Deus, entre todas as mulheres que houve, há e haverá, te prefere a Ti.

Os senhores compreendem que na hora do “bendita” desceu sobre Ela a benção de Deus. E seria uma benção... nós não podemos nem imaginar. Os senhores querem ter uma ideia? Imaginem que essa imagem aqui atrás de mim, agora movesse os braços e nos abençoasse. Os senhores todos se prostrariam de joelhos e não teriam o que dizer. Porque uma imagem de madeira se moveu sob o impulso de Deus. Agora, vocês imaginem um que se move sob o impulso de Deus... O que é isto?

Depois cada palavra do Anjo é à maneira de uma música única como nunca ninguém tocou e nem tocará. E era a obra-prima dele em todos os séculos era dizer isso. De maneira que era o auge da mensagem, o mensageiríssimo comunicava a super mensagem.

Os senhores podem imaginar a cena. Eu acredito que enquanto ele fazia isso, o quarto de Nossa Senhora foi se enchendo de Anjos, de Anjos e de Anjos... E que todos cantavam e jubilavam sem fim, sem que ninguém ouvisse, mas Ela soubesse.

Aqui nós temos a cena da Anunciação. Agora, a reação curiosa:

“E Ela, tendo ouvido essas coisas, turvou-se com suas palavras e discorria pensativa: que saudação seria esta.”

A narração continua a ter uma simplicidade evangélica fantástica! Eu não conheço, não sei dizer, se esse Anjo falou a Ela apenas comunicando-se como uma alma ou se tomou um corpo como fez o Arcanjo Rafael com Tobias, para falar a Ela de um modo sensível. Mas de fato, Ela não se espantou com o fato do Anjo estar lá. Ou ao menos não foi o maior espanto dEla. Ela não se espantou com o fato de Ela ter um contato com um ser tão extraordinário. Era tão ordenada que, dentro desta cena cheia de impressões, Ela foi ao ponto. “Ela cogitava o que queria dizer essa revelação”. Ela prestava atenção no sentido das palavras para entender o que Deus mandava dizer a Ela. Quer dizer, Ela raciocinava. Não perdeu a distância psíquica, não perdeu a cabeça, não se tomou de frenesi, certamente sentiu até o fundo a cena, mas sobretudo cogitava: “o que quererá dizer isso?”

E como Ela não entendia, Ela ficou perplexa. O que a gente nota pela palavra do Anjo que veio logo depois. Ele disse:

“Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus”.

Quer dizer, Ela com certeza sentiu-se pequena diante do Anjo. E então o Anjo para A colocar à vontade, disse a Ela quem Ela era. “Achaste graça diante de Deus” e “não me temas”, é o modo de dizer: “Tu és maior do que eu”.

“Eis que conceberás e no teu ventre darás a luz a um filho e por-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo”.

Os senhores podem imaginar a majestade com que ele tomou...? Primeiro quando ele disse o nome de “Jesus”, e depois quando ele disse “será grande e será chamado Filho do Altíssimo”. Isso dito por um de nós não é nada! Mas dito por um Anjo, como aparece a grandeza! “Filho do Altíssimo”. Superior a qualquer coisa...!

“Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi”

Quer dizer, era a dinastia deposta, decaída, São José carpinteiro, entretanto o Filho dEla vai ter o trono de Davi. Ela sabia bem que era uma coisa simbólica, que esse trono era um trono da realeza espiritual de Nosso Senhor.

“E reinará eternamente na casa de Jacó e o seu reino não terá fim”.

Imaginem tudo isso dito por um Anjo, e a grande conhecedora dos Anjos apreciando a mensagem...

“Maria disse ao Anjo: como se fará isto, pois eu não conheço varão?”

Os senhores estão vendo o espírito dEla como está no âmago do assunto e todas as impressões colaterais não dizem nada diante da grande pergunta. Não é uma objeção, é uma pergunta. Ela diz: mas como será isto se eu tenho voto de virgindade?

“E respondendo o Anjo disse-lhe: o Espírito Santo descerá sobre Ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.”

E nessa hora o Espírito Santo desceu nela e cobriu-a com a sombra e ela concebeu. Uma coisa lindíssima!

“E por isso mesmo o santo que há de nascer de Ti, será chamado Filho de Deus. Eis que também Isabel, tua parente, concebeu um filho na sua velhice. E este é o sexto do mês daquela que se diz estéril. Então Maria disse: eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra. E o Anjo afastou-se dela”.

Foi no momento, mais precisamente no momento em que Ela disse: “eis escrava do Senhor”, ali Ela concebeu. O Espírito Santo foi ali que baixou sobre Ela e ela concebeu. E o homem-Deus começou a viver nEla, lúcido e inteiramente, desde o primeiro instante do ser, e Ela começou a adorá-Lo...

Os senhores dirão: mas por que o Anjo não ficou ali adorando? Não era preciso. Onde tem adoração de Nossa Senhora... a perfeição está feita.

Bom, meus caros, está feito um comentário sobre a Anunciação.

Qual é o sentido do comentário? O sentido do comentário é fazer-nos tomar o gosto pela cena para melhor compreendermos a cena. E a melhor adorarmos a Deus, a Nosso Senhor Jesus Cristo, portanto. A melhor praticarmos o culto de hiperdulia a Nossa Senhora, tendo tomado a degustação da cena, tendo sentido, por assim dizer, a cena.

E para sentirmos melhor a cena, foi-nos dada, antes uma série de sensações tão, tão diferentes e um pouquinho parecidas do contato de alma a alma como é, para depois sentirmos o contato de Nossa Senhora com o Anjo, máxime com o Anjo que lhe vinha dizer aquelas coisas.

Depois disso começa outro contato de alma a alma: é de Nossa Senhora com Nosso Senhor no claustro dEla. Aí “hic taceat omnis língua”, aqui nós fazemos como São Gabriel, afastamo-nos também, porque fica no mistério.

É apenas por assim dizer o seguinte: como Nossa Senhora era concebida sem pecado original, nenhuma operação o corpo dEla fazia sem que Ela soubesse e quisesse. E as operações que nosso corpo faz, e não temos nenhuma ideia, por exemplo em todos nós aqui, os corações - bem ou mal - estão bombeando sangue pelo corpo, se não morríamos.

Bem, mas não temos a menor ideia disso, o coração vai fazendo sem que queiramos e sobretudo parará de fazer sem que queiramos. Não é como a pessoa concebida sem pecado original que pára quando manda e quando não manda não pára. Vai normal.

Nossa Senhora conhecia, portanto, tudo que se passava nEla, e por um fenômeno misteriosíssimo, complexíssimo da geração, cada vez que o corpo dEla fornecia ao corpo sacratíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo um certo elemento para se constituir, era porque Ela queria. E Ela, por assim dizer, foi arquiteta do Filho Ela. Não sei se eu me exprimi adequadamente.

Mas como a concessão de cada elemento para o corpo dEle, além do lado propriamente fisiológico, tinha um aspecto simbólico, os senhores imaginem, por exemplo, Ela dando o contributo materno necessário para formar os divinos olhos dEle. Os olhos perto dos quais nenhum olhar é olhar, e nenhum olho é olho. Porque olhos são aqueles! O resto o que é?... O olhar... o olhar que converteu São Pedro. O olhar que no meio da sangueira, olhou para Nossa Senhora da última vez. Isto é olhar! O resto... pobres de nós! Que subúrbio, que bairro miserável, que charneca!...

Bem, cada vez que Ela contribuía, então, para a formação dos olhos dEle, Ela queria aqueles olhos com aquele olhar. E Ela previa tudo aquilo que o olhar faria de bem até o fim do mundo e, inclusive quando Ele vier gladífero no fim do mundo para punir.

Quer dizer, então, aí começa um convívio de alma dela com a alma humana dEle, hipostaticamente unido à Santíssima Trindade, e portanto com a Santíssima Trindade, um convívio... Mas aí já é outro convívio de almas que se falará, talvez, noutro dia e de outro modo.

Aqui nos fica a ideia apenas do Anjo que vai embora e da Encarnação que se opera quando o Anjo vai embora. E depois Nossa Senhora, a divina escultora do Seu próprio Filho e a divina plasmadora do seu próprio Filho. Na ordem da carne, do símbolo e do amor. E do conhecimento e de tudo mais.

E aí os senhores têm a ideia de que grande festa a Igreja celebrará depois de amanhã [dia 25].

Com isso o nosso Santo do Dia está concluído.


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