Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Papa Pascoal II:

a penitência mais agradável a Deus

 

 

 

Santo do Dia, 18 de janeiro de 1977

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


Qual é a linguagem de um Papa que deseja realmente defender a Santa Igreja de Seus inimigos, e que deles não tem medo? Até os efeitos do Concílio Vaticano II se espalharem a ponto de que o Papa Paulo VI chegar a afirmar que "a fumaça de Satanás" havia penetrado dentro da Igreja Católica, era comum e corrente se encontrar documentos do Magistério pontifício, de Santos, de teólogos, em termos consoantes aos empregados pelo Papa Pascoal II (1099-1118) em carta dirigida a Roberto II, Conde de Flandres. Este Pontífice, em tal missiva, nos apresenta aspectos mais amplos da noção de penitência e de Cruzado, conforme focaliza o Prof. Plinio neste "Santo do Dia". O Conferencista sugere adaptações, para os presentes dias, das palavras de Pascoal II àquele valoroso Conde de Flandres.

 

Eu vou dar aos senhores, [uma ficha extraída] de Montalembert, “Les Moines d’Occident” (Os Monges do Ocidente), uma nota sobre Robert II, conde de Flandres, auxiliar da Santa Sé.

“Um grande auxiliar da Santa Sé floresceu nas províncias belgas, no tempo da luta entre Gregório VII e Henrique IV. Era Roberto II”.

Os senhores se lembram que nessa altura estava empenhado o Papa São Gregório VII, que é uma das mais altas figuras da Contra–Revolução em todos os tempos. E creio eu, com exceção de São Pedro, que não comporta comparação, como Apóstolo que conheceu pessoalmente a Nosso Senhor, eu sei de figura do papado que mais me empolgue e no qual mais eu veja brilhar as características do papa ideal, do que São Gregório VII. Eu estou graduando bem minhas palavras. Há uma recomendação da Igreja que a gente não se faça comparação entre santo e santo. Não estou, portanto, dizendo que São Gregório VII foi maior para do que São Pio V ou São Pio X. Estou dizendo que eu, na minha ótica, debaixo do meu ponto de vista, não vejo outro no qual refuljam tanto as características do papa ideal. O que importa na ressalva que, debaixo de outros pontos de vista etc., isso talvez não seja  assim.

Os senhores se lembram – eu digo isso para os mais moços que talvez não tenham isso presente no momento que lhes falo  –  que no tempo de São Gregório VII havia uma contenda entre o Sacro Império Romano Alemão e a Santa Sé a respeito da nomeação dos Bispos. Quer dizer, se os Bispos podiam ser nomeados pelo Imperador, ou pela santa Sé. No caso do imperador nomear, a Santa Sé daria apenas uma confirmação.

Essa questão era particularmente candente no que diz respeito a certas dioceses existentes no Sacro Império, em que a condição de Bispo diocesano trazia automaticamente consigo também a de senhor feudal, portanto, temporal, da diocese; em que o Bispo acumulava, exercia ao mesmo tempo, o duplo poder espiritual e temporal. Dando a oportunidade a que os imperadores dissessem que enquanto titulares de um poder temporal, esses Bispos ficavam na dependência deles, imperadores, portanto, a nomeação era deles, imperadores.

São Gregório VII sustentou energicamente a tese, que é a tese católica verdadeira, que a nomeação do Bispo, por ter ele poder espiritual, depende exclusivamente do papa. O papa pode ouvir sugestões, pode receber indicações ou propostas do poder temporal, mas é ele quem decide.

Isso determinou um entrechoque muito grande entre Henrique IV, imperador e São Gregório VII, o papa.

E havia uma tese revolucionária, no fundo: é que Henrique IV sustentando que o  imperador tinha direito de nomear bispos, sustentava que a Igreja estava abaixo do Estado. E no fundo acabava dando em laicismo, porque a Igreja que está abaixo do Estado, que está sujeita ao Estado, é uma Igreja que não é reconhecida oficialmente como verdadeira. Sendo oficialmente reconhecida como verdadeira, ela tem que estar necessariamente acima do Estado. Os senhores estão compreendendo que há uma posição revolucionária implicada na contenda. E que o contra–revolucionário era São Gregório VII que saiu, aliás, brilhantemente vitorioso.

Então, estamos dizendo que um auxiliar de São Gregório VII, auxiliar, portanto, do sucessor de São Pedro que, naquele momento, além de sucessor de São Pedro era um insigne batalhador contra–revolucionário, esse auxiliar era Roberto II, Conde de Flandres.

“Esse nobre havia perseguido a Igreja. Mas tendo partido para a Cruzada para expiar suas faltas, distinguiu-se entre os combates por sua constância e sabedoria. Realizou proezas tão notáveis, que os sarracenos o tomavam por São Jorge, patrono da Cavalaria, que eles ouviam sempre invocado pelos cristãos”.

Isso é um elogio magnífico, não é? Ele avança e os sarracenos pensam que é o próprio São Jorge que avança. Não conheço elogio mais magnífico do que este!

“Voltando da cruzada, o conde declarou-se campeão da liberdade da Igreja contra os cismáticos e qualquer intruso”.

O Imperador, portanto.

“O papa Pascoal II felicitou Roberto por seu zelo: “Bendito seja o senhor, diz o Pontifício em carta ao nobre, de que após a volta de Jerusalém, da Síria, marchais para a celeste Jerusalém pelas obras de uma verdadeira cavalaria; porque é próprio a um verdadeiro cavaleiro perseguir vigorosamente os inimigos da fé e de seu rei”.

Os srs. vejam o magnifico ensinamento que está dado aqui. Como isso é diferente da "heresia branca" e da “laranjada” que vemos por toda a parte. “É próprio do verdadeiro cavaleiro perseguir e perseguir vigorosamente os inimigos da fé e de seu rei”. Quer dizer, o perseguidor dos inimigos da fé é o cavaleiro perfeito, é o varão perfeito, o filho perfeito da Igreja Católica. Essa é linguagem de um papa que quer de fato combater os inimigos da Igreja, que não tem medo deles e espera prostrá-los.

“Depois, exortando o Conde a agir contra o clero excomungado de Liège, com a mesma energia com que usara com o clero de Cambrai, mas sobretudo a perseguir por toda a parte e com as forças os chefes dos heréticos, o pontífice concluída: “Não poderá oferecer a Deus um sacrifício mais agradável do que combater aqueles que se erguem contra Deus, que se esforça por arrebatar a coroa da Igreja, que ergue no lugar santo o ídolo da simonia e que deve ser expulso da Igreja pelos servidores de Deus, pelos santos Apóstolos e seus Vigários. Nós vos ordenamos isso, a todos vós, cavaleiros, para remissão de vossos pecados e para que chegueis, com esses trabalhos e triunfos, à celeste Jerusalém”.

A frase é belíssima, vou reler para comentar alguns aspectos dela:

“Não poderás oferecer a Deus um sacrifício mais agradável do que combater aquele que se ergue contra Deus...”

Aí os srs. estão vendo o que é a ideia do sacrifício, e o que agrada a Deus. A frase do papa é taxativa: sacrifício mais agradável do que combater aquele que se ergue contra Deus, não há. Deus não aceita nenhum sacrifício como mais agradável do que este. Do que se deduz, a fortiori, que contra os ateus por excelência, que são os comunistas, o modelo mais perfeito, mais acabado, mais descarado de ateu que tenha aparecido ao longo dos séculos, que não pode haver coisa mais agradável a Deus do que combater os comunistas. Em nossa época, concretamente, esse ensinamento dá nisso. É claro que se aplicaria também a outros ateus de nossa época. Mas sobretudo ao ateu por excelência, que é o ateu materialista e comunista.

E se, portanto, alguém está na dúvida de saber que ato agradável a Deus pode praticar, e qual seria o mais agradável a Deus, aí tem o papa Pascoal II que responde: combata os ateus, combata os comunistas, aqueles que se erguem contra Deus. Quer dizer, um homem que tem pecados a expiar, que tem perdão a Deus a pedir pelas ações más que fez, que quer obter esse perdão, que combata o comunismo.

E daí vem um ressaibo de frustração e de "heresia branca" que se tem quando se vê certos devocionários, que recomendam coisas magníficas, por exemplo, o sujeito pecou: vá a pé a tal lugar assim. É ótimo ir a pé a tal lugar assim... Ou então: reze tal coisa... É esplêndido. Mas por que o devocionário não coloca junto: faça uma ação qualquer contra o ateísmo, hoje. Ou, durante 15 dias consecutivos, discuta com 15 ateus. Quer o perdão de seus pecados? Faça isso. Procure 15 ateus.

Mais ainda. Nem é necessário isso: fale com 15 pessoas para confirmá-los numa posição contrária ao ateísmo. Já vale. Arranque terreno ao ateísmo. Já é alguma coisa. Ou então: dê um donativo a favor daqueles que combatem o ateísmo. Ou então: elogie aqueles a quem os ateus perseguem.

Eu agora, quando vinha para cá, ia saindo de casa, passou um automóvel e gritou: “Fascistas!” Tive uma vaga impressão, não sei se tenho razão, que havia várias pessoas no automóvel. Se uma pessoa que tivesse dentro do carro protestasse e dissesse: “eu protesto, eles não são fascistas! Que prova você tem que eles são fascistas?” Essa pessoa faria uma ação muito mais agradável a Deus do que uma oração mole. Uma oração bem feita, isso compete a Deus sondar até que ponto agrada a Ele mais uma coisa ou outra, mas o que diz o papa é o seguinte: que em todo caso, nenhuma é mais agradável do que esta. Então, ali, ali dentro, discutir e passar uma meia hora discutido com aquele tipo ali dentro. É uma ação altamente agradável a Deus, combater os adversários de Deus.

Isso devemos tomar também para nós. Devemos aceitar para nós  e aceitar com garbo, com valentia: é combater de peito aberto os inimigos da Igreja.

E  os inimigos da Igreja, evidentemente, não são só os ateus, mas todos aqueles que de algum modo se levantam contra a Igreja, sobretudo quando fazem a obra da Revolução, que é a obra anticatólica por excelência. Portanto, combater a opinião revolucionária de um católico, ainda que não seja diretamente uma opinião comunista, já é uma grande coisa, já é uma ação altamente agradável a Deus. Assim devem ser vistos esses ensinamentos.

“... “Não poderá oferecer a Deus um sacrifício mais agradável do que combater aqueles que se erguem contra Deus, que se esforça por arrebatar a coroa da Igreja, que ergue no lugar santo o ídolo da simonia”.

“Ídolo da simonia” era o ídolo da venda dos cargos eclesiásticos. Está bem. Realmente é um pecado muito ruim, vender um cargo eclesiástico. Por exemplo, um bispo vender um cargo de pároco. É um pecado grave. Mas ele nomear um padre comunista é uma coisa pior do que vender um cargo de padre para quem não é comunista. Então, combater um bispo que faz isso, ou falar contra os maus bispos que nomeiam padres comunistas é uma coisa excelente.

Os senhores estão vendo a vantagem de ações dessas para a Igreja.

“...e deve ser expulso da Igreja pelos servidores de Deus, pelos apóstolos e pelos vigários”.

Quer dizer, essa gente precisa de ser expulsa da Igreja. O progressista, que é comunista velado, o terceira-força etc., precisam ser expulsos. Se não expulsos, precisam ser desacreditados, precisam ver a sua influência eliminada, precisam se ver contrariados de frente. O mundo chia e geme de falta de gente que faça isso com coragem. É claro que as bênçãos de Deus virão em abundância para aqueles que o façam.

“Nós vos ordenamos a isso, a todos vós cavaleiros, para a remissão de vossos pecados”.

É uma ordem magnífica, portanto, dada pelo Papa a todos os cavaleiros. Quer dizer, façam isso...

Os senhores veem aparecer aqui uma noção interessante do cavaleiro: o cavaleiro não é apenas  – de acordo com o que está aqui – apenas aquele que luta fisicamente contra o adversário da Igreja, mas é aquele que empenha também seu prestígio, sua influência, sua inteligência, faz uso de seus meios de ação civis e pacíficos para combater a favor da Igreja. A obra da Igreja militante, que não é sempre uma obra militar – é também às vezes uma obra militar, as Cruzadas são uma prova disso, mas que não é sempre uma obra militar – a obra da Igreja militante é colocada toda ela como obra da Cavalaria, o que nos mostra a nós como podemos e nos devemos sentir verdadeiros cavaleiros na nossa luta pela Igreja Católica e pela Civilização Cristã, na luta contra-revolucionária.

“... para remissão de vossos pecados...”

Quer dizer, para obter o perdão da pena dos nossos pecados: é o que se deve fazer.

“... e para que chegueis, com esses trabalhos e triunfos, à Jerusalém celeste”.

Para entrar no Céu, recomendação: combater os soldados do inferno. O que há mais lógico do que isso?

Aí a gente pode compreender, então, a fisionomia moral de Roberto de Flandres.

Os srs. imaginem um homem com o espírito cheio disso, que vai para as cruzadas para expiar os seus pecados – porque ele tinha andado mal em algumas coisas – e que luta com tanta fé, de tal maneira por amor de Deus, não para aparecer, não para ser aplaudido, nem por um ódio pessoal contra aqueles que ele está ferindo, mas porque aqueles são inimigos de Deus, e ele é inimigo dos inimigos de Deus; inimigo dos inimigos de Nossa Senhora. Então, ele combate tão magnificamente, com tanta alma, e por isso com tanta eficácia, tanta força, que os maometanos, que veem os católicos invocarem São Jorge, e que com certeza viram figuras de São Jorge saltando sobre o dragão, os maometanos olham para ele e pensam que é o tal São Jorge de que ouviram falar.

Querem uma coisa mais bonita do que um epitáfio assim: “Foi tomado por São Jorge, pelos inimigos da Igreja”!

Há um lindo epitáfio de Dom João d’Austria, que aliás, é um comentário de São Pio V sobre ele  –   eu vi esse epitáfio no Escorial, na sepultura dele: “Fuit homo missus a Deo cujus nomen erat Johanem –  Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João”. Está bem, eu acho que debaixo de um certo ponto de vista esse epitáfio é ainda mais glorioso.

Dom João d´Áustria venceu, é verdade, ele foi mandado por Deus e venceu.

Mas de tal maneira realizar o modelo ideal da cavalaria que o inimigo, olhando para ele, pensa que ele é o cavaleiro ideal; de tal maneira identificar-se com o tipo de santidade próprio de sua vocação, que olhando-se para ele tem-se a impressão de uma personificação da vocação, na sua mais alta expressão, na sua expressão hagiográfica mais magnífica, eu tenho impressão de que elogio maior não há.

Os srs. dirão: “mas não é mais bonito ser mandado por Deus?” Eu digo: mas esse homem não é mandado por Deus? Esse homem, cuja vocação é tal que quando ele a realiza inteira, parece um santo descido do Céu? Esse não é um homem mandado por Deus? Poucas coisas a mim me empolgariam tanto quanto se Nossa Senhora me desse a felicidade em minha vida de ver um verdadeiro ultramontano lutar e lutar tão magnificamente contra os adversários da Igreja, que eu pudesse dizer: parece São Jorge! Ou melhor, ou melhor, ou melhor, que eu pudesse dizer: parece Elias profeta!...

Peçamos à piedosa alma de Roberto de Flandres, à Pascoal II, ao incomparável São Gregório VII, cujos pés osculamos em espírito de cada vez que mencionamos o nome - peçamos sobretudo à Nossa Senhora, a medianeira de todas as graças que nos faça vir quanto antes o “Grand Retour”, esmagada a fumaça de satanás. De maneira que sejamos outros como que Elias dentro desse mundo tão cheio de como que Anticristos.

E com isso está terminado o Santo do Dia.


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