Plinio Corrêa de Oliveira

 

Nosso Senhor não foi um "progressista"

"Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas"

 

 

 

 

Conferência de abertura da XXVI SEFAC [Semana Especializada para a Formação Anticomunista], 15 de janeiro de 1976

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

Creio que seria conveniente começar os dias de estudo que os Srs. irão fazer, dando resposta a uma pergunta fundamental que se põe diante de cada curso de estudos. É a questão seguinte: no conjunto dos problemas modernos com os quais os senhores terão que se defrontar nos nossos dias, na situação dentro da qual vão viver, na jovem idade que têm, qual é a importância concreta das questões que aqui vão estudar aqui? Que relação tem essas questões com o mundo de hoje com o qual estão em contato?

Parece-me que a colocação dessa questão pede uma resposta um pouco pormenorizada, um tanto extensa, para que fique devidamente esclarecida. Uma vez colocados - e bem colocados - os pontos fundamentais da temática, será bastante fácil aos senhores se darem conta de que não há, absolutamente, temática mais importante no mundo moderno, que este tema de que se vão ocupar nesses dias.

Qual é o fundo de todos os problemas que hoje se estudam?

Os senhores podem notar que há hoje em dia uma grande desorganização, uma luta de luta de nações contra nações, uma grande luta de classes sociais de umas contra as outras, de interesses econômicos, culturais etc., e sob todos os pontos de vista, o entrechoque é a grande caraterística do mundo contemporâneo. Se os senhores abrem um jornal, de qualquer país que seja, seja dos Estados Unidos, Argentina, Bolívia, Chile ou qualquer outro lugar o que se observa é o entrechoque, é a luta.

 Qual é a causa profunda dessa luta?

É, evidentemente, um desacordo de interesses. Porém, mais além do desacordo de interesse, há o desacordo das idéias. Porque desacordo de interesses sempre os houve entre os homens. Porém quando os homens têm as mesmas idéias, encontram uma maneira de resolver seu desacordo de interesses. Porém, quando além do desacordo de interesses não estão também de acordo com a idéias que têm, então o entrechoque é completo. Então uma situação, que se não é uma situação de guerra, também não se pode mais chamar uma situação de paz; essa é a situação que está no mundo contemporâneo.

Ora, nos ensina a História - ensinou-nos isso especialmente o Pontífice Leão XIIII houve um tempo em que não se pode dizer que havia a paz total, a paz absoluta; mas sobre as grandes questões fundamentais, os homens estavam de acordo entre si. Portanto, pelo menos na Europa, havia um essencial consenso, uma essencial mútua compreensão, embora houvesse, às vezes, guerras de parte a parte. E essa época foi a parte áurea da Idade Média, da qual Leão XIII disse, numa de suas Encíclicas, que foi o auge da civilização cristã.

Quando os Srs. observam bem o curso da História, nota-se um fato que pode responder à seguinte pergunta: se, por exemplo, no século XIII – no juízo de Leão XIII, que foi um grande Papa, muito inteligente, célebre por sua cultura, sua erudição, foi considerado um dos grandes intelectuais de sua época – se no juízo deste papa na Idade Média houve este auge da civilização cristã, por que decaiu? Por onde não continuou a civilização cristã? Por que não subiu cada vez mais? Por que não continuou o acordo das pessoas? Por que em vez de chegamos ao extremo da luta em que estamos, não se chegou a um extremo de ordem, de concórdia, de paz?

A essa pergunta se dá a resposta que os senhores em linhas gerais já conhecem: houve uma decadência da Igreja; houve uma decadência da civilização cristã; e por causa dessa decadência religiosa veio então a decadência lenta da civilização; por causa da decadência da civilização, estamos na situação em que nos encontramos hoje em dia.

Isso que estou dizendo, do ponto de vista histórico, facilmente se poderia provar de maneira histórica. É verdade que depois da Idade Média o mundo continuou a crescer, a se desenvolver debaixo de vários pontos de vista. Mas é verdade também que quanto mais o mundo se desenvolvia, mais graves se tornavam seus problemas, e que esse desenvolvimento era de superfície. Como pode acontecer com um jovem. Um jovem pode ficar muito doente, mas pode continuar a crescer. E enquanto cresce, a enfermidade cresce com ele. No fim de algum tempo, se a enfermidade não é bem combatida, o jovem morre mais velho do que nunca, porque estava mais doente do nunca.

Isso aconteceu no mundo contemporâneo. A sociedade contemporânea ficou cada vez mais doente, e cada vez mais rica, mais poderosa, mais técnica, mais organizada; e acabou por desaparecer, por ruir no entrechoque que vemos hoje em dia. Isso se poderia facilmente, com uma exposição histórica, que os Srs. terão nestes dias de estudo que farão em Amparo, se poderia facilmente demonstrar.

Porém o mal das demonstrações históricas é que são muito compridas, pedem muito tempo, porque é preciso tomar os vários fatos históricos e analisá-los detidamente. E é natural que isso pede tempo.

Então, eu prefiro dar à mesma afirmação que é a afirmação de que a causa da crise contemporânea é uma causa religiosa, e que o mundo contemporâneo não encontrará solução senão no momento em que resolva sua crise religiosa, para essa afirmação, que é doutrinária, para a qual a História dá uma base excelente, se pode também dar uma demonstração teórica. E a vantagem da demonstração teórica é que ela é menos longa, menos comprida, pede menos tempo, e é mais concludente. Então, passarei a dar a demonstração teórica.

Essa demonstração é válida para os católicos. Eu  falo aqui para um ambiente de católicos, apostólicos, romanos, que admitem a Igreja Católica como sendo verdadeira. Se falasse a protestantes, teria que tomar outras posições preliminares para minha demonstração. Mas uma vez que os senhores são católicos, posso tomar, como primeiro ponto da demonstração, a verdade, a veracidade da doutrina católica e depois desenvolver o raciocínio que vem daí.

Então começo por perguntar aos senhores qual é a razão pela qual existem os Dez Mandamentos da Lei de Deus, que são os elementos fundamentais da moral católica, da moral cristã. Qual a razão pela qual Deus proibiu ao homem de praticar as ações que estão postas nos Dez Mandamentos. Qual a razão pela qual Deus deu ao homem o grande preceito positivo e obrigatório do 1º Mandamento, que é “Amarás ao Senhor teu Deus, com todo o coração, com toda a tua alma etc.” Qual a razão disso?

Santo Tomás de Aquino desenvolve muito bem, e com a perfeição que é própria a ele, desenvolve muito bem, e a razão é a seguinte: Deus é o autor do universo; como do autor do universo, é autor da natureza; e como autor da natureza, é autor das leis que regem a natureza. Toda a natureza é regida por leis. Essas leis foram instituídas por Deus, no momento mesmo em que Ele criou o universo.

Há a natureza dos seres sem vida; há a natureza dos seres com vida, mas sem alma espiritual; há a natureza dos seres com vida e com alma espiritual. O conjunto desses três tipos de seres constitui o universo; e a natureza desse conjunto de seres se rege por certas leis.

Algumas são leis gerais, que são comuns a todas as criaturas animadas ou inanimadas, racionais ou irracionais. Há também leis que são específicas da criatura racional; essas leis correspondem à natureza de cada ser, e é porque correspondem à natureza de cada ser, que Deus codificou essas leis nos Dez Mandamentos, para que o homem as conheçam; para que o homem conheça as leis  fundamentais que deve observar no universo, para conduzir-se segundo a ordem, e para glorificar a Deus e obter do universo todas as vantagens que Deus quis, quando criou o universo, que o homem obtivesse utilizando retamente o universo.

Então, se nos perguntamos qual é a razão pela qual o homem deve amar a Deus sobre todas as coisas, a resposta é: está na natureza de quem é Deus, e de quem é o homem; como Deus é um Ser infinito, perfeitíssimo, modelo, fonte e essência de toda a santidade, o homem que é um ser criado, é feito para adorar um ser tão perfeito, e para tornar-se semelhante a esse Ser. E isso se diz mandando ao homem que ame a Deus; se o ama, se parece com Ele; se parece com Ele, faz sua vontade. Então, é da causa da natureza de quem é Deus, e da natureza de quem é homem, que o homem deve amar a Deus.

Por que o homem não deve tomar em vão o Santo Nome de Deus? O Nome de Deus é um símbolo da Pessoa de Deus, como nossos nomes são símbolos de nossas pessoas. Ninguém pode ficar satisfeito se alguém menciona seu nome de maneira injuriosa, porque seu nome é o símbolo da pessoa. Se injuriam a meu nome, injuriam a mim mesmo. Está na natureza das coisas que o nome simbolize a pessoa, que o Nome de Deus simbolize a Deus. Então, quem injuria ou diz em vão o Nome de Deus, esse comete um pecado porque procedeu contra a natureza de Deus, que tem direito à nossa veneração. A natureza de Deus é um nome, é um símbolo, e como símbolo de Deus deve ser respeitado, não pode ser tomar em vão.

E assim eu poderia percorrer todos os outros Mandamentos e mostraria que cada um desses Mandamentos não é senão a determinação da ordem natural, sob um ponto de vista.

Por exemplo, não é lícito matar. Por que não é lícito a um homem matar outro homem? Porque, pela natureza das coisas, o homem é dono de si, mas ninguém é dono de outro homem. Cada homem é dono de si mesmo. Se cada homem é dono de si mesmo, um homem não pode tirar a vida de outro que não quer, que é dono de si; seria como um roubo gravíssimo. É contra a natureza de um homem que ele seja morto por outro.

“Não roubarás; Não cobiçarás os bens alheios”. Por quê? Porque o homem tem o direito de ser proprietário. Está na natureza do homem que ele seja dono de si. Se ele é dono de seu próprio corpo e trabalha e com esse trabalho produz algo, ele é dono daquilo que seu trabalho produziu. Então, a propriedade é uma consequência natural da natureza, intrínseca à natureza. E se alguém rouba o produto do trabalho de outro, violou a natureza.

Quer dizer, se os senhores analisam os Dez Mandamentos da Lei de Deus, encontrarão que esses Dez Mandamentos são o código mais perfeito e mais sublime da ordem natural instituída por Deus.

Ora, acontece que se os senhores imaginam um país onde todos cumprem os Dez Mandamentos, os senhores podem concluir, sem dificuldade, que é um país perfeito. Eu emprego aqui um argumento que foi dado por Santo Agostinho, o grande bispo de Hipona e Doutor da Igreja.

Os srs. imaginem uma escola onde o diretor e os professores cumprem perfeitamente os Dez Mandamentos, onde os alunos cumprem perfeitamente os Dez Mandamentos; o ensino dessa escola é o melhor possível. [E isto] Porque o diretor e os professores, para justificar a renda que os pais lhes dão, pagando pelo seu trabalho, se empenharão em dar as melhores aulas que possam. E como os alunos também cumprem os Mandamentos, estudarão o máximo que possam. Então, essa escola há de ser tão boa como seja sua natureza. Se os professores forem muito inteligentes e os alunos também, será uma grande escola. Se os professores forem medíocres e os alunos também, não será uma escola medíocre, mas ainda uma escola boa. Porque quando os medíocres aproveitam seu talento, o resultado é bom e não medíocre.

Então, os srs. veem como numa escola que o principal dela não é ter bons edifícios, nem ter bom material didático, nem ter ar refrigerado para os dias de calor como o de hoje, mas o principal de uma escola é que os diretores e professores sejam bons católicos e praticantes, e que os alunos o sejam também. Quando o são, as outras coisas acabarão por se organizar. Quando não o são, ninguém aproveita a ninguém, e a coisa termina por um desastre.

Dou um exemplo: quantas escolas há, pelo mundo afora, que são muito boas, com excelentes construções, com material didático de primeira qualidade, com esplêndida biblioteca; vai-se ver o que os alunos sabem, é quase nada. Por quê? Porque seu interesse é divertir-se, lhes interessa o esporte, interessa-lhes a imoralidade, e não lhes interessa o estudo. Têm tudo, exceto a moralidade, e por causa disso nada lhes é útil. Se os srs. imaginam uma escola pequena, com todos muitos bons, é proveitosa; porque há nela moralidade; a moralidade católica, que é a condição de todas as coisas.

O exemplo que lhes dou da escola, eu poderia multiplicar ao infinito. Poderia falar de uma plantação, ou uma grande criação de gado. Se numa plantação ou uma criação de gados o proprietário e os empregados são verdadeiramente bons católicos, acaba resultando que o que a terra pode dar de bom, ela dá; o que ela pode dar para alimentar o gado, ela dá. Se não são bons católicos, em algum tempo a terra produzirá algum efeito. Depois, com a decadência moral, começarão a lutar uns contra os outros; no fim, surgem as divisões, com as divisões as greves, com as greves, as crises, a má compreensão, e com a má compreensão decadência da plantação ou da criação de gado.

Eu não disponho de muito tempo, mas os senhores podem fazer a experiência: imaginem um país onde todos são católicos, qualquer que seja sua forma de governo - monarquia como a de São Luís, no século XIII; república, como a do Equador, no tempo de Garcia Moreno, se o chefe desse Estado é um verdadeiro católico (o foi São Luís, o foi Garcia Moreno), se o povo é verdadeiramente católico, esse país progride. Mas se não é verdadeiramente católico, decai.

Isso tem uma razão. A razão é que o verdadeiro católico conhece as leis fundamentais da natureza, que são as leis dos Dez Mandamentos da Lei de Deus. Os outros não as conhecem. Não pode ser observante da lei quem não a conhece. O resultado é a decadência.

Alguém me dirá: mas os protestantes conhecem os Dez Mandamentos da lei de Deus. Então, como se explica que haja tantas crises nos países protestantes?

É fácil responder: eles a interpretam mal. Por exemplo, admitindo o divórcio. O IX Mandamento diz que é proibido ter cobiça da mulher do próximo. Os protestantes o interpretam admitindo o divórcio, que é o casamento com a mulher do próximo, ou casamento da mulher com o marido da próxima. Quer dizer, isso provoca a destruição da família.

Então, não basta conhecer os Dez Mandamentos; mas é necessário conhecê-los bem. E para conhecê-los bem, é preciso ter uma autoridade infalível que os interprete bem e os ensine bem.

E a única Igreja, que em termos práticos e exequíveis, ensina a infalibilidade, é a Igreja Católica, Apostólica, Romana. De onde os senhores tiram a consequência: os Dez Mandamentos da Lei de Deus seriam inúteis para a humanidade se não fosse a Igreja Católica, Apostólica, Romana. Somente nas mãos da Igreja é que esses Mandamentos são utilizáveis.

Tomem, por exemplo, os gregos cismáticos. Eles admitem também a infalibilidade, como os católicos; mas não admitem a infalibilidade do Papa; somente a infalibilidade de todos os bispos da terra, reunidos. Como se pode fazer, cada ano, uma reunião plenária de todos os bispos da terra? Impossível. O resultado é que o exercício dessa infalibilidade é tão difícil, segundo o sistema deles, que desde o momento que se separaram de Roma nunca fizeram um Concílio geral infalível. Sua história prova a impossibilidade da estrutura que eles criaram. Enquanto a Igreja realizou tantos concílios e com tantos resultados, ele jamais se reuniram num concílio plenário, que eles pretendessem ser infalível. Essa é a situação deles.

Então, mostro aos senhores a rota de meus pensamentos:

* a ordem natural é a condição de toda ordem;

* a ordem natural só se conhece nos Mandamentos;

* os Mandamentos só são cognoscíveis se são bem interpretados;

* a boa interpretação supõe a infalibilidade;

* porém a infalibilidade praticável só se encontra na Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, infalível na reunião de seus Bispos com o Papa, mas também infalível na pessoa sagrada do Papa. Esta tem as condições de ensinar infalivelmente, e de orientar os homens na direção do conhecimento dos Dez Mandamentos.

Mas será somente isso? Se uma pessoa lê os Dez Mandamentos, é fácil considerá-los sublimes, e tenha o desejo de praticá-los. Quando chega o momento de praticar os Dez Mandamentos, aí está a dificuldade. Porque todos somos homens e sabemos como é difícil praticar os Dez Mandamentos, quanto isso é complicado!

Ora, de que maneira pode um homem ter forças para praticar os Dez Mandamentos? Hoje, entre os filhos das trevas, corre a ideia de que a moral católica é tão difícil, tão austera, que não é praticável pelo homem. Qual é a resposta que a Igreja dá a essa objeção? Por exemplo, a pureza, a castidade. É verdade que a castidade é uma virtude muito difícil de praticar, é evidente. Só um tonto pode afirmar que essa virtude é fácil de praticar. Como se pode exigir de um homem que pratique a castidade?

A Igreja tem a resposta para isso, e uma resposta admirável:

1) Deus não pode mandar o impossível, primeiro ponto.

2) Ora, segundo ponto, para a natureza humana, a prática prolongada e completa dos Dez Mandamentos, é impossível. Estritamente impossível. Por mais virtuoso que seja alguém, não consegue a prática prolongada dos Dez Mandamentos.

3) Como Deus manda praticar os Dez Mandamentos, e o homem não tem forças para isso, a conclusão é claríssima: Deus dá ao homem forças para isso; dá força sobrenatural para isto, quer dizer, uma força criada por Ele, de uma natureza superior à natureza do próprio homem, e que dá ao homem a força, a resolução necessária, por exemplo para ser puro, para ser casto.

Então, o homem puro, a mulher pura são, segundo a doutrina católica, um milagre. Um milagre frequente, que está ao alcance, à disposição de todos os que querem utilizar a graça que Deus lhes dá. Porém um milagre no sentido especial da palavra, já que não é possível praticar a castidade durável e completa, sem a graça de Deus. Essa graça de Deus a dá a todos. É preciso pedi-la, mas pedindo se obtém.

Essa graça, se obtendo, qualquer pessoa de boa vontade e que tenha espírito de sacrifício, pessoa séria e consequente com suas resoluções, pode praticar a castidade. Essa é a doutrina da Igreja.

E a experiência o prova. Onde não há Igreja Católica não há, por exemplo, celibato dos padres. Entre os protestantes, não há celibato dos padres; como entre os gregos cismáticos, quando se separaram da Igreja, uma das primeiras coisas que fizeram foi abolir o celibato dos padres. Na Igreja Católica, há. E houve tempo em que esse celibato era efetivo, autêntico, em que a grande maioria, senão a totalidade dos padres era efetivamente casto. As freiras também. E quantas e quantas pessoas, entre os seculares, leigos, eram puras também. Aos milhares.

Por quê? Não porque o homem tenha forças para isso, mas porque a graça de Deus, sobrenatural, vem do Céu e baixa sobre o homem e dá ao homem a possibilidade de fazer essa coisa extraordinária, maravilhosa, a maior das maravilhas do universo. A maior das maravilhas do universo não é um arranha-céu, não é uma usina atômica; é um homem, é uma mulher que pratica os Dez Mandamentos da Lei de Deus; é superior a todo universo, é um grande dom de Deus, uma obra prima de Deus. Essa obra prima, nós a veremos agora, é a condição da civilização.

O que é civilização?

Não vou entrar aqui em definição da palavra civilização. Mas, de modo muito sumário, se pode dizer que o civilizado é o contrário do bárbaro, e que todas as ações que caracterizam o bárbaro são opostas às do civilizado. Portanto, tudo o que caracteriza o civilizado é o contrário do bárbaro. Se a barbárie é o estado de maior humilhação em que se pode encontrar a humanidade, é natural que o estado de maior glória é a civilização.

O que é o homem civilizado?

O auge da civilização é que seja um bom católico. Se é bom católico, terá levado em si a civilização ao seu auge, porque terá as virtudes morais que o bárbaro não tem, e que são próprias do cristão; com as virtudes, ele terá o proveito de suas qualidades naturais e com o proveito de suas qualidades naturais, ele chegará à condição de civilizado perfeito.

Os senhores me dirão que houve povos no passado com uma civilização muito grande, e que não eram católicos. Por exemplo, os gregos tiveram uma grande civilização e não eram católicos.

Eu direi: é bem verdade que os gregos eram civilizados? Sob certos aspectos, é indiscutível; tiveram uma grande civilização. Porém tiveram algumas coisas que são o contrário da civilização, que são barbárie, e que caracterizaram esses homens que fizeram obras de arte e obras filosóficas tão admiráveis. Por exemplo, a escravidão. A maior parte da população grega e romana, a grande maioria, era constituída de escravos. Eles entediam a escravidão como o direito de um homem sobre outro, levado até o ponto de um homem poder matar impunemente a seu escravo, poder torturá-lo impunemente, como se faz com um animal; isso não tinha consequências legais. Era lícito.

Eu pergunto:  é civilização que um homem possa construir belos edifícios, mas ter um grande número de escravos e sujeitá-los a essa maneira de tratar? Isso os srs. reputam uma civilização? Então, pode-se dizer que a Grécia antiga teve uma mescla de barbárie com civilização. Mas civilização inteira, não. Isso podemos dizer de todas as civilizações antigas, nas quais encontramos coisas monstruosas.

Para falar dos próprios gregos: os deuses gregos da mitologia clássica, tão elegante, tão literários, tão esculturais, tão bem concebidos para ser pinturas com eles; mas não eram a única religião dos gregos. Eles tinham também outras religiões, entre as quais - é chocante dizê-lo nesse recinto, mas é a verdade - os cultos fálicos. Que era um culto fálico? Era um culto que os gregos tributavam oficialmente ao órgão sexual do homem; eles faziam estátuas imensas com o órgão sexual masculino e faziam procissões, em Atenas, em honra desse órgão.

Se os bárbaros o fizessem, diríamos que era natural porque eram bárbaros. Mas eram os grandes gregos que o faziam!...

E se fôssemos falar dos romanos, quantas coisas teríamos que contar! Quer dizer, não era uma civilização sob todos os aspectos. Se eles fossem católicos verdadeiros, teriam tido uma civilização completa; sua arte teria sido ainda mais esplêndida e muitos aspectos horríveis de sua estrutura social, política, de seus costumes, teria sido diferente, radicalmente diversa. Então teriam sido plenamente civilizados.

Então, chegamos à esta consequência: (eu estou reduzindo muito para que os srs. tenham uma visão de introdução) na medida em que a humanidade conhece e obedece ao Nosso Salvador e Redentor, Nosso Senhor Jesus Cristo, nessa medida ela encontra sua civilização, sua ordem, sua glória e sua paz. Na medida em que se afasta de Nosso Senhor Jesus Cristo, de sua Igreja, ela vai se afundando lentamente na desordem e chega à sua última ruína.

Se isso é verdade - e aqui está a grande verdade fundamental sobre a qual está construída a TFP – se o que eu acabo de dizer é verdade, tudo o que diz a TFP é fácil de demonstrar; se o que acabo de dizer aos senhores não é verdade, então quase nada do que diz a TFP se pode demonstrar. Se essa verdade fundamental é uma verdade fundamental, então a consequência é: a causa da crise contemporânea é uma causa religiosa.

Se os homens voltarem à verdadeira religião, tudo terminará por se acertar bem; se os homens não voltarem à verdadeira religião, se os que estão afastados da verdadeira religião não se converterem a ela, então nada pode chegar a uma boa solução. Podem se fazer leis, regulamentos, fazer estruturas como a ONU: veremos somente desastres, conflitos, incompreensões, fraudes e selvajaria.

E a prova do que digo é a tendência evidente do mundo moderno para a barbárie. Sabemos que uma das correntes filosóficas mais prestigiosas do mundo moderno, contemporâneo, se chama estruturalismo. Um dos filósofos mais celebres do mundo contemporâneo, Lévi-Strauss [1908-2009], é o filosofo do estruturalismo. Não há nada mais moderno, em matéria de filosofia, do que ser estruturalista.

Que quer o estruturalismo?

Ele sustenta oficialmente em seus livros, que a época de ouro do homem foi o paleolítico, no começo da pré-histórica. Não é sequer o neolítico, mas o paleolítico. É preciso voltar ao paleolítico. Isso é o auge da modernidade: voltar ao paleolítico, quer dizer, voltar à barbárie. O mundo moderno produz a barbárie, porque ele é bárbaro em sua raiz; sua raiz é a incredulidade, é a impiedade. Nós vemos que a solução está na Igreja.

Meus caros, numa época normal, eu terminaria essa exposição aqui, neste ponto: sejamos, portanto, bons católicos. Como na época em que vivemos não se pode ser assim, levanta-se então outra questão: o que é ser bom católico?

Nós vemos a Igreja Católica dividida pelo menos em duas grandes correntes: a progressista e a tradicionalista. E as concepções dessas correntes são opostas diametralmente uma da outra. É um choque completo. E não é possível que as duas tenham razão. Porque não é possível que duas correntes, afirmando cada uma o contrário da outra, tenham ambas razão. É preciso que uma tenha razão e que outra não tenha, ou que nenhuma das duas tenha razão.

Então, eu formulo a pergunta: qual a corrente que tem razão dentro da Igreja Católica, e qual o reflexo, sobre o mundo contemporâneo, dessa divisão da Igreja Católica?

Não sei se a questão que estou colocando está bem clara. Esta é a pergunta culminante nessa parte da exposição.

A isso devo dar a seguinte resposta, também fácil de compreender: o que é progressismo? Como os progressistas definem o progressismo?

Minha pergunta não é a seguinte: como um tradicionalista como eu defino o progressismo? Nesse caso, por partidarismo, eu poderia dar uma definição errada de progressismo. Não é essa a pergunto que eu ponho. Como é que os progressistas definem o progressismo. É uma outra questão.

Eles se intitulam progressistas por causa do ponto essencial que, por definição, dão a si mesmos. Eles dizem que a humanidade está em contínua transformação, e como ela está em contínua transformação, a religião tem que estar continuamente adaptada à humanidade; portanto, a religião tem que estar também em contínua transformação.

Como essa transformação contínua da humanidade se chama progresso, a religião deve ser progressista, quer dizer, deve adaptar-se ao mundo, deve tomar a mentalidade do mundo, deve refletir o mundo, para atrair o mundo.

Isso é o contrário do tradicionalista.

O tradicionalista diz que se a religião ensina a verdade, como a verdade é somente uma e não muda nunca, a doutrina católica não pode mudar jamais. Se a lei de Deus diz “é proibido matar”, isso tem que continuar proibido até o fim do mundo, porque é um preceito de Deus que reflete a natureza, a qual não pode, em seus dados fundamentais, mudar nunca.

Então, por uma tradição, por um ensinamento vivo, por uma tradição, nós nos relacionamos com o mais antigo passado e queremos manter não as coisas acidentais, mas no fundamental queremos manter o presente e o futuro na rota do passado. Isso se chama tradição.

Então, somos tradicionalistas porque sustentamos que há verdades, que há princípios que não mudam jamais, porque há elementos da natureza que também não mudam nunca; e tinha razão Nosso Senhor Jesus Cristo quando dizia que o Céu e a terra passarão, mas que suas palavras não mudariam. Quando dizia que veio à esta terra não para alterar a Lei, no menor ponto que fosse, mas para completá-la. Quer dizer, Ele era tradicionalista. Ele mantinha a tradição e a completava com seu ensinamento.

Os progressistas não são assim. Querem que as coisas mudem.

Na raiz dessa diferença de posição há uma diferença de conceito sobre a missão da Igreja. Para nós, tradicionalistas, a Igreja é a regra fixa à qual o mundo tem que se ajustar; para os progressistas, o mundo é a regra variável à qual tem que se ajustar a Igreja. E aqui está o choque completo.

Porém, onde está Deus?

Deus que é eterno, imutável, que ensinou, que se revelou a Moisés, que deu os Dez Mandamentos, que Se encarnou na Pessoa humana e divina de Nosso Senhor Jesus Cristo, e que deu todos os ensinamentos do Evangelho; esses ensinamentos podem, talvez, serem mudados pelo homem? O homem tem direito, tem capacidade, tem poder para corrigir, segundo sua fantasia e seu capricho o que Deus fez? Qual é a pessoa que não compreende que a religião que coloque a pessoa cima de Deus, e com a capacidade de corrigir a Deus, não é uma religião, mas uma anti-religião? O contrário da religião? Isso é tão evidente, que não mais perderei o tempo dessa conferência fazendo essa demonstração.

Então, vamos a um ponto adiante.

Se isso é assim, a grande batalha contemporânea não é somente - e eu acrescento -, não é principalmente a batalha dos católicos contra os comunistas, ou contra os não católicos; há que combater, dentro da Igreja Católica, aos falsos irmãos, aos falsos católicos, para expulsá-los da Igreja, fazendo com que sejam detestados pela Igreja, e que Ela os expulse; e que se não se convertem, Ela os lance fora de si.

Essa purificação interior da Igreja é o ponto de partida para tudo o resto.

Com uma Igreja, em grande parte extraviada, não se pode dar um rumo verdadeiro ao mundo; porque o extraviado não dá rumo verdadeiro a ninguém. O Evangelho tem a parábola do cego que conduz a outro cego; os dois caem no abismo. Assim também o progressista que conduz a outros progressistas, são cegos; querem corrigir a Deus, não querem se deixar guiar por Deus. Então, cairão no abismo.

Então, há que lançar fora da Igreja essa gente; é preciso contestar-lhes o direito de se dizerem católicos; é preciso fazer com que o mundo compreenda que são falsos católicos, e que os verdadeiros católicos são os que mantêm a tradição. Entre outros, os membros da TFP.

Então, o grande centro da batalha contemporânea, da imensa batalha entre a verdade e o erro, entre o bem e o mal que se desenvolve por todas as partes, o centro dessa grande batalha é no próprio coração da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, a batalha entre os tradicionalistas e os progressistas.

Isso não quer dizer que a TFP se contente só em combater os progressistas. Os senhores sabem bem quanto a TFP combate os comunistas, os divorcistas etc., mas nosso principal inimigo, quer dizer, os que mais nos odeiam, e que temos obrigação principal de derrotar, esses são os progressistas. Nosso alvo principal são os progressistas; e nós, sem dúvida, somos o alvo principal deles. Nós o sabemos pela experiência em nossa própria carne.

Quer dizer, a TFP é como uma trombeta pequena, mas poderosa; a trombeta deles é imensa, mas tem pouca sonoridade.

Tomemos nossa trombeta e a toquemos com toda força, em honra de Nossa Senhora, para que os senhores, que são mais jovens, o saibam fazer, o queiram fazer e o façam com todo o amor necessário para que essa trombeta tenha o som magnífico que deve ter. Para isso se realiza essa Semana de Estudos.

Que a Virgem Santíssima, em cuja honra se faz essa Semana de Estudos, que Ela os abençoe e os faça tirar todo o proveito dela.

É o que teria a lhes dizer.

[Aplausos]


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