Plinio Corrêa de Oliveira
Rainha Elisabeth II da Inglaterra: ó majestade! ó seriedade! ó amenidade!
11 de outubro de 1975, Sábado, Auditório São Miguel |
|
A D V E R T Ê N C I A Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor. Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
Olhem primeiro um pouco. Fixem bem a atenção.
Eu vou indicar o modo adequado de fixar a atenção, como se fixa a atenção. Os senhores têm nessa fotografia, como em toda fotografia ou quadro em que aparece uma pessoa, os senhores tem dois elementos: a pessoa e o fundo de quadro. Então, os senhores considerem ali a rainha e o fundo de quadro. Os senhores comecem por fazer uma descrição da rainha. A rainha está de pé. Ela está adornada com a coroa. O seu traje se compõe de duas peças, é o manto e o vestido. Além da coroa ela traz aqui uma grande joia, é uma grande condecoração. Outro adorno que ela tem são essas franjas no alto da capa. Os senhores têm então três elementos de adorno: a coroa, as franjas e a joia. Os senhores têm dois elementos de vestiário: a capa e o vestido. A capa é de um verde profundo e forrada, como os senhores estão vendo aqui, de uma cor que eu hesitaria um pouco em qualificar, seria talvez um pouco cor de laranja dado para bege. Os senhores estão vendo que da capa da rainha, para prender, para manter a capa fechada há uma espécie de corrente, e pende também um pingente com uma borla. A rainha deixa ver a ponta do sapato. São sapatos prateados. A rainha está, portanto, quanto a descrever, está completamente descrita. E como eu estava dizendo aos senhores, esse tipo de trabalho deve começar por uma descrição. Agora, a descrição do fundo de quadro. O fundo de quadro nos é apresentado aqui por duas peças, uma em cima de outra, que eu não estou vendo muito bem, não sei se me engano qualificando como uma espécie de fonte interna do hall, em que a água desce daqui para baixo, para um reservatório maior. Não sei se é bem isso ou não. (Aparte: Dr. Plinio, parece que é uma coluna.) Ah, isso é em torno da coluna... a base de uma coluna. Não dá para eu ver aqui, mas admitamos. Aqui os senhores veem uma coluna encastoada na parede. Aqui os senhores veem uma ponta de tapete e um calçamento, um chão de mármore preto e branco. Aqui no fundo eu percebo que há uma mesa com objeto em cima, mas eu não chego a ver bem o que é que é, de maneira que eu não descrevo. Depois de ter feito isto eu devo fazer uma relação entre os dois elementos. A rainha de pé, e com esse traje, dá uma impressão solene. Os objetos que constituem o fundo do quadro então em harmonia com esta impressão solene que a rainha dá. Os senhores estão vendo bem que o calçamento de mármore preto e branco é uma coisa fina, de boa qualidade; aqui os senhores estão vendo uma coisa bem esculpida, bem trabalhada, abundante, que dá a ideia da abastança, até da riqueza, e uma coisa sólida, pesada, que dá ideia do poder; o mesmo deve ser a coluna que eu não estou vendo. Há, portanto, uma ligação entre o que deve ser o fundo de quadro de uma rainha e o traje da rainha. As duas coisas se conjugam perfeitamente bem. Está feita a descrição. Eu pergunto se foi útil fazer a descrição, ou não. Os que acham que foi útil levantem o braço para eu ter ideia... Agora, feita a descrição eu começo então a ver quais são os sentimentos que produz em mim a figura da rainha, que é evidentemente o principal elemento do quadro. A principal impressão que a figura produz em mim é a impressão de que a rainha, sem ser propriamente alta, é como se fosse alta. Quer dizer, ela olha o que ela está vendo, e que eu não sei o que é, ela olha com cordialidade, mas ela olha muito de cima. Não sei se os senhores percebem que o modo dela de olhar é tal que qualquer coisa que se apresenta a ela, apesar da afabilidade dela, da graça feminina que ela tem, apesar disso, ela olha muito de cima. Ela é a rainha. A mesma impressão de que ela me dá pelo olhar, ela me dá pelo porte. É um porte ereto. Não é um porte de quem engoliu uma bengala, ridiculamente esticado. Mas é um porte sobranceiro. É um porte de uma pessoa que não sente o peso do próprio corpo. O próprio do burguês – e não vai nisso o menor desprezo; cada classe tem o seu modo de ser, tem suas obrigações e tem os seus direitos – o burguês tem o direito de ser mais comodista. O conforto é uma vantagem da vida burguesa; da vida aristocrática não é. A rainha não pode andar como uma senhora burguesa que carregou objeto pesado, que está cansada, com a mão um pouco arqueada, com um corpo um pouco assim, a cabeça para frente e a boca aberta. Nesse traje, daria uma caricatura. Pode ser uma senhora muito respeitável, mas não para esse efeito. Nesse traje daria uma caricatura. Os senhores notam que ela está como quem não sente o próprio peso. Como é que se prova isso? Antes de tudo pelo modo pelo qual o pescoço carrega a cabeça. É um pescoço alto, mas os senhores notam que esse pescoço não tem a cabeça pendente. A cabeça está tão natural, que se fosse uma estátua de pedra não nos daria impressão de mais naturalidade em carregar o pescoço nessa posição elevada, nessa posição digna. Para os senhores compreenderem o esforço que isso representa, procurem ficar 5 minutos com o pescoço assim. Procurem analisar como estão os pescoços dos senhores agora... Aqueles dos senhores – eu não estou caçoando, nem estou vendo, no escuro eu não vejo - mas aqueles dos senhores que têm a menor dificuldade de visão que seja estão com o pescoço para frente, para ver se paga o melhor que seja. Os outros, que não tenham esse problema, estão com o pescoço meio assim jogado, aproveitando a penumbra para estar à vontade. Ficaria horrível na posição dela. Notem com que elegância ela carrega a cabeça. Mas com tanta leveza que se diria que ela até dormindo é assim. E com certeza é mesmo, porque teve uma grandíssima educação, e isso passou a ser uma segunda natureza para ela. O que não é para nós porque não tivemos a educação que ela teve. Os senhores notem o busto. Os ombros não estão assim fechados para frente. Ela não está com abdômen para frente. Mas ela está ereta, numa posição digna. O pescoço sai de dentro do tronco como uma árvore majestosa sai do chão, uma palmeira sai do chão. Lá vai para cima. E o corpo todo é um corpo ereto; os ombros abertos, mas sem fazer força. Ficaria horrível um jeito de atleta dentro disso. Corredor de corrida; ou carrega peso leve; qualquer coisa assim. Não, é apenas assim como está. Mas é o natural dela. Ela aprendeu a ter um porte elevado, que faz valer toda altura dela, mas sem aquela aparência de uma pessoa que engoliu uma bengala. Agora, os pés. Os senhores notem que o vestido quando chega em baixo, desta altura para cá, começa um pouquinho a abrir. De maneira que ele aqui é mais largo do que em cima. Os senhores imaginem que não fosse assim, e que fosse na mesma largura até em baixo. Ficaria medonho. Daria impressão de uma linguiça. É ou não é verdade? Bem, é ou não é verdade portanto que para a harmonia do personagem era muito importante que abrisse um pouquinho o vestido? Os senhores dirão: Mas porque que não abre muito? - Porque não estava na moda quando ela tirou esta fotografia. Então ela tem que fazer a coisa o melhor que pode, e de acordo com a moda. Então ela abre um pouco. Mas o que é que ela faz para abrir esse vestido um pouco? Os senhores estão vendo que ela puxa para cá o vestido com a perna, e que por causa disso os pés estão distantes um do outro. O vestido aqui abre mais do que aqui, e é porque ela empurrou; o vestido é costurado para isso, e ela empurrando um pouquinho, ele já toma essa forma. Ela empurrou um pouco. Os senhores notam então a distância que há entre os pés, que é causada pela preocupação de dar a esse vestido essa descida bonita. Agora, de outro lado ela teve um problema que ela teve que resolver. Se ela tirasse esse quadro com os dois pés juntos como um soldado que apresenta continência não ficaria sem graça? Pouco feminino, duro. Não seria uma coisa lamentável? Olhem com que naturalidade ela abriu as pernas, mas não demais nem de menos, no ponto certo. De maneira tal que dá impressão de que ela nem prestou atenção. Não é a ideia que os senhores teriam à primeira vista, que ela nem prestou atenção? E que as pernas dela estão como os senhores puseram as suas pernas aqui, sem nem ver o que é que estão fazendo com a perna? Entretanto vejam como está tudo bem posto, bem pensado. É que uma pessoa que teve uma altíssima educação como ela, talvez a pessoa mais bem educada do mundo. Uma pessoa assim tem naturalmente... faz essas coisas até sem perceber. A cor do vestido, para terminar a análise do vestido. O vestido é branco. Mas é um branco que os senhores notam que é meio prateado. Não chega a ser, ao menos para minha vista não é, um vestido propriamente prateado, mas é um branco que tem qualquer coisa de prateado, qualquer coisa de brilhante. Dá ou não dá uma ideia de pureza? Muito próprio a uma mãe de família ainda jovem. Dir-se-ia que ela ainda há pouco ela foi noiva, de tal maneira essa ideia de pureza está representada aí. Mas a alta qualidade do tecido dá ou não dá a ideia de nobreza? Agora, vejam de outro lado como é um tecido leve, não é um tecido pesadão que a gente tem a impressão de que ela está fazendo um esforço para carregar. É um tecido leve, que convém à fragilidade dela, à idade dela, a tudo mais. Está perfeitamente bem a ela. Eu pergunto se o vestido está bem analisado, ou se algum dos srs. querem me fazer uma pergunta sobre o vestido. Eu pergunto o seguinte: quais os que acham útil a análise levante o braço para eu ter uma ideia... Agora, a capa. Os senhores notarão antes de tudo uma coisa para a qual eu até não tenho uma explicação muito adequada, talvez algum dos senhores tenha. Mas a capa aqui na frente chega só até essa altura, não vai até embaixo. Entretanto, é uma coisa esquisita, aqui chega até embaixo e vai mais além até. Eu não posso compreender como é isso, porque interpretando o quadro eu vejo que esta parte da frente desce até mais embaixo do que a capa. E a capa tem-se a impressão de que ela com a mão, a mão esquerda dela, trouxe uma parte da capa para a frente. Mas eu não saberia bem se é isto. Eu não sei interpretar bem. Quem sabe se alguns dos senhores interpreta melhor do que eu o movimento dessa capa. (Aparte: Parece ser uma cauda.) Não explica, porque do lado de cá vai mais baixo a capa do que do lado de cá. Ao menos para minha vista que desse ponto de vista seja a cauda. A hipótese cauda eu aceito quanto a essa parte dobrada aqui. Isso pode ser uma cauda. Mas a essa parte aqui eu não sei como explicar. (Aparte: Ela está com a capa da Ordem da Jarreteira. De fato, é uma capa muito longa. Agora, o que é curioso que dá impressão de uma cauda, mas está longo demais para aquilo que eu estou acostumado a ver.) Talvez vendo a fotografia se encontre uma explicação. Que isso é um quadro, como os senhores estão vendo, foi muitíssimo bem estudado, e é inteiramente inconcebível que tenha algum erro nesse ponto. Mas vamos deixar de lado a coisa. A capa os senhores estão vendo que é de um veludo chamado veludo de seda. Quer dizer, um veludo cheio de tons e de luz que dão para o prateado. No lugar onde não bate luz no veludo aparece um verde bonito, um verde profundo. De outro lado aparece esse jogo de luz em toda a capa. Dir-se-ia que ela está vestida de luz. O contraste é muito bonito, entre o verde e o branco. É um contraste harmonioso. O branco é muito branco; esse verde é um verde profundo, é um verde escuro, que faria do vestido um vestido triste até, do conjunto do traje dela um triste se o vestido embaixo fosse verde também. Mas exatamente como o vestido é muito branco, e há esse jogo de luz na capa, existe também essas franjas prateadas que combinam com este vestido, depois os brilhantes da coroa, e tudo, tudo isso junto realça o que a capa tem de escuro. Mas a capa por sua vez dá uma seriedade e uma majestade que o traje não teria se ela estivesse só vestida de branco. Convém a uma rainha ser graciosa, ser leve. Quando ela é jovem convém que essa juventude seja posta em realce pelo modo pelo qual ela se veste. Mas, de outro lado, convém à rainha, que é a mais alta dignatária do Estado, que representa a força, o poder da Inglaterra, convém à rainha ter algo de majestoso, algo da sério, algo de elevado. Os senhores veem isso representado na capa. Agora, como sempre acontece, o forro é de uma cor mais viva do que a capa, porque a capa ficaria com uma cor viva demais se ela tivesse esta cor. Ela tinha que ser escura como acabo de dizer. Mas puseram na capa uma cor muito bonita, que vai bem com aqui. É uma cor – como qualificar essa cor, não sei... dourada, gema de ovo – uma cor muito bonita, que combina com esta cor aqui, porque o verde e o amarelo – aí são derivações do verde e do amarelo. O verde e o amarelo combinam bem quando o verde é bonito e o amarelo também. Então os senhores têm esse bonito jogo de cores que dá um certo encanto e uma certa surpresa agradável. Quem vê essa capa tão escura e vê no rebordo dessa capa uma cor tão mais alegre, se sente satisfeito, tem como que uma boa surpresa, como quem abre uma fruta escura e encontra dentro algo de claro e de gostoso para comer. Então os senhores têm aí a descrição da capa. Aqui o vestido fala mais da dama, da mãe da família, da esposa. A capa fala mais da rainha, do chefe de Estado que ela é. Uma palavra sobre a condecoração. Os senhores estão vendo que é uma condecoração em forma de sol, circular. Tem uma parte dentro, vermelha, com a inicial dela, e depois brilhantes com estrias constituídas, eu não me lembro bem se é por esmalte ou por pedra preciosa. Essa condecoração é indispensável para a harmonia do conjunto. Os senhores querem ver a prova disso? Imaginem essa fotografia sem a condecoração, tudo isso verde por aqui. Ficava ou não ficava muito monótono. A condecoração aviva, dá vitalidade, dá beleza nesse sentido, ao traje de rainha. Está descrita a rainha. (Pergunta: O senhor podia analisar a alma da rainha através da fotografia dela?) Daqui a pouquinho. (Pergunta: O senhor podia analisar por esta foto qual o espírito do povo inglês?) Daqui a pouquinho eu posso dar. No que se diferencia por exemplo do povo francês. (Pergunta: As mãos que não aparecem, o senhor teria alguma coisa a dizer? Dá-me impressão que se as mãos aparecessem aí tirariam a beleza do traje. Não sei se é bem isso.) É bem verdade. Não são só as mãos que não aparecem, mas os braços também. Os braços estão apenas insinuados. O senhor percebe aqui algo da linha do braço. Aqui também tem-se uma certa impressão do braço mas não aparece. Ela poderia estar por exemplo com os braços de fora, aparecendo da fora da capa, ou as mãos poderiam estar cruzadas na frente. Por que é que o pintor não fez? É uma coisa curiosa, mas quando o artista é bom, às vezes uma coisa fica mais bonita não parecendo do que aparecendo. Aqui, não é verdade que se percebe perfeitamente como são os braços e as mãos dela sem aparecerem? Porque a gente deduz do vulto geral da figura, a gente percebe como os braços são. E é mais bonito imaginar do que ver. E por causa disso há mais arte em não deixar aparecer os braços do que aparecer. Esse traje é tão majestoso que os braços só poderiam aparecer, e as mãos, se ela estivesse carregando em umas das mãos um cetro e na outra um globo. Fora disso não. Mão abanando aí não vai... Eu queria saber com toda franqueza. Os senhores percebem isso como eu, ou não. Que fica mais bonito assim? Levantem os braços os que acham... (Pergunta: Qual foi a finalidade do artista colocando os pingentes?) Esse pingente eu não ia comentar para não sobrecarregar os senhores com comentários. Mas tem o seguinte: enquanto ela está muito ereta e tenha qualquer coisa de firme – eu não sei se os senhores notam que o pingente cai um pouco molemente. Os franceses diriam de um modo um pouco “negligé”, um pouco assim... que atenua agradavelmente o que a figura tem de muito ereto, e dá a nota feminina que é indispensável, inseparável da classe da rainha. (Pergunta: Esse traje é apropriado para uma rainha inglesa?) É, eu acho apropriado. Não acho o traje ideal, mas um traje apropriado. (Pergunta: O senhor poderia dizer qual o traje ideal?) Aí eu precisaria pensar, nunca em minha vida pensei nisso. Eu acho que quando houver o Reino de Maria, os trajes ideais aparecerão. Mas o traje dela de coroação é muito mais apropriado do que esse: a grande capa, etc. (Pergunta: O vestido dela lembra mais a mãe e a capa lembra mais a rainha. Agora, essa combinação o senhor disse que vai bem, mas o vestido aí no caso não perde um pouco?) Se não diminui um pouco a realeza? Eu concordo com o senhor que tira alguma coisa da majestade. Mas uma rainha não deve apresentar-se sempre no auge da majestade. Ela precisa ter, conforme as circunstâncias, vestidos mais majestosos e vestidos menos majestosos. Os seus súditos devem poder vê-la numa variedade de aspectos e não apenas num aspecto. Então, ela está bem assim. (Pergunta: O senhor vê alguma coisa de não católico aí?) Vejo. Eu acho que apesar... eu sei que alguns dos senhores não vão concordar comigo, vão estranhar etc. porque eu vou atacar uma tendência que se já existe neste vestido, nas coisas modernas ainda é muito mais acentuado: mas não é hábito da alma católica exprimir-se em grandes superfícies tão lisas como essa. Uma alma católica tem demais charme, demais graça, demais vida, demais leveza, de mais riqueza para contentar-se como essas grandes capas lisas. Uma alma católica, poria aí desenhos, ainda que fosse uma flor. (Pergunta: O senhor teria alguma coisa a falar a respeito das dobras da capa?) A capa já é calculada um pouco ampla para fazer essas dobras. Essas dobras... um tecido, é uma dessas coisas curiosa, mas quando o veludo é muito fino quando ele se dobra, faz dobras bonitas; quando é veludo marca subúrbio, de bairro, quando se dobra forma umas dobras ou pesadonas ou bobas, mas umas dobras sem categoria nem gosto. Dir-se-ia que o veludo tem como que a genialidade de sua própria beleza. E aliás, é como a seda, dobra-se em dobras bonitas. Essas dobras indicam uma abundância de veludo, mas indicam também da parte dela uma certa naturalidade de quem não estudou ponto por ponto o que está fazendo. O que indica uma alta categoria. Uma pessoa estando com naturalidade ser tão fina, indica uma alta categoria. Então essas dobras estão na aparência meio jogadas. Mas eu garanto aos senhores que o pintor estudou longamente. (Pergunta: o sr. colocaria algo de categoricamente religioso-católico dentro disso?) Quer dizer, eu gostaria que um artista pusesse. Eu não me sinto com dotes artísticos para inventar alguma coisa para pôr aí, mas eu gostaria que um artista pusesse. Vamos dizer, por exemplo, uma simples flor-de-lis francesa, que sorriso dentro disso! Uma águia bicéfala, austríaca, que sol! Quantas outras coisas a gente poderia evocar aí e não estão. Há um pouco de simplicidade protestante nesse negócio. Agora, tudo isso é descrição. Ainda não é a impressão que a coisa me causa. Agora, eu vou dar a impressão que a coisa me causa. Vejam bem essa impressão como é que eu vou percebê-la. Não é só olhando a coisa, nem olhando a mim, mas é com um olhar que vai da coisa para mim, da coisa para mim. Quer dizer, eu olho a coisa, sinto algo, e procuro ver no meu interior o que é que eu senti, depois olho de novo. Esse é o método. Então eu olho, e a primeira impressão que eu tenho é de agrado e de harmonia. Minha alma exausta e poluída pela vulgaridade moderna, olha uma coisa dessas e sente uma espécie de prazer, de boa surpresa, de bom encontro. Eu tenho vontade de dizer as seguintes coisas: ó nobreza! ó pureza! ó afabilidade! ó distinção! ó virtude! ó harmonia de todas essas coisas mais belas do que cada uma em particular! ó majestade! ó seriedade! ó amenidade! Como tudo isto junto me agrada. Eu estou me encontrando aqui na presença de um conjunto de coisas que me dão um conjunto de impressões sumamente agradáveis. Essa é a impressão que eu tive. Então, impressão de uma série de virtudes morais, de qualidades artísticas, que são coisas afins com virtudes morais também. Depois de um pouco de análise, eu sou levado a dizer “ó protestantismo! ó Revolução!”, e a rejeitar algo de Revolução e de protestantismo que eu noto dentro disso. Esse branco tão liso, tão branco; esse verde tão liso, tão verde. Aí me parece que há qualquer coisa de hirto, de duro que não vai de acordo com alma católica. Mas como isso é um aspecto secundário, feita essa ressalva, a coisa me distrai, me eleva, me descansa, me faz bem. Está feita a análise! Isso está claro ou não? Eu não sei, eu julguei notar um, se se pode ver o escuro e ouvir o silêncio... eu julguei notar uma espécie surpresa como se eu tivesse terminado um pouco bruscamente. [risos] Olhem só... no que terminou bruscamente, hein, minha cara geração-nova? (Pergunta: Como é que o senhor conjuga essa análise que o senhor fez com a análise da fisionomia dela e a vocação que ela tem. Por que se ela fosse católica o que a Providência esperaria dela?) Ela... eu queria antes terminar isto e depois posso tratar disto que o senhor está querendo. Qual a perplexidade? Alguém seria capaz... é verdade que causou um pouco de perplexidade o fim da coisa ou não? Levantem o braço os que acharam... Mas é quase toda a sala! Minha geração-nova é curiosa... (Aparte: Eu achava que era mais lindo do que imaginava.) Ou o senhor esperava que terminasse numa emoção prolongada?... [risos] Desconfio que é isso... Olhe os risos! E terminou assim: “pam!” como quem acende uma luz, ou quem apaga uma luz. É bem isso? Não houve emoção prolongada? Os que acham que é emoção [a causa da surpresa] prolongada levantem o braço. É pelo menos uma muito boa parte da sala, talvez a maioria da sala. (Pergunta: Eu achava que o senhor fosse relacionar com a questão espiritual mais. Então com Nossa Senhora ou coisa do gênero. Então quando chegou aí o senhor terminou a coisa sem...) A esse respeito ou dou ao senhor uma explicação. Eu não estou fazendo uma exposição de tudo quanto é possível pensar sobre isto; eu estou analisando o efeito que o quadro produziu em mim. E, portanto, meu tema é a rainha. Esse é o tema. O quadro produziu em mim esses efeitos: de harmonia etc., etc., que eu acabei de descrever aqui, que são efeitos que conduzem à virtude, que conformam a minha alma católica. Aí já seria uma outra reflexão se eu falasse a respeito de Nossa Senhora, de Deus Nosso Senhor que se espelha nisso etc. seria aí o que nós chamamos de “exercício de transcendência”. Mas já seria ir longe demais. Nós devemos no primeiro momento ficar nisso. (Pergunta: Gostaria de saber como é que o senhor encaixa..., por exemplo, o sr. falou que era ameno... por que não falou que era alegre etc.) Aí, meu caro, o senhor me dá oportunidade de dizer uma coisa que não é fácil dizer, mas é o seguinte: só é capaz de aproveitar inteiramente uns exercícios desses quem tem um vocabulário grande. A minha querida “geração nova” tem um vocabulário pequeno. Eu acho que um bom número dos senhores – não me queiram mal; é um mal da época, eu não estou falando dos senhores que estão dentro desta sala, é toda geração dos senhores – eu tenho impressão que fala mais um tal português básico que é composto de umas 300 ou 400 palavras que servem de coringa para mais ou menos tudo, e não tem o hábito de multiplicar as palavras tanto quanto possível para exprimir tudo quanto querem. Agora, o que é que acaba acontecendo? É que como o pensamento humano é muito cheio de matizes quando a gente quer exprimir um matiz e não encontra uma palavra para exprimir, acaba nem sabendo bem direito que matiz encontrou. E para bem pensar é preciso ter um bom vocabulário. O senhor me dirá: como é que a gente aprende o vocabulário? Eu acho que já contei nesta sala como é que eu aprendi vocabulário. [Não] Eu aprendi o vocabulário da seguinte maneira: quando eu tinha mais ou menos uns 12 anos eu comecei a perceber que as pessoas que viviam em torno de mim tinham uns vocabulários muito desiguais; e que enquanto minha avó, que era a pessoa mais velha da família, tinha um muito bonito vocabulário, com frases bem construídas e com muita naturalidade, sem pedantismo – já na geração dos meus pais era menos, e na minha muito menos. Mas eu recebi que eu tinha um tio, filho dela que tinha um vocabulário ainda mais bonito do que o dela; vocabulário amplo, abundante, escachoante. Nunca ele hesitava diante de uma palavra. Ele encontrava a palavra que queria para dizer tão bem aquilo que ele queria, que eu ficava assim quase meio achatado. Eu dizia: “Quando é que na minha vida eu vou encontrar a palavra certa para a coisa certa como ele encontrou?” Mas então eu fazia o seguinte: quando ele aparecia em casa, eu deixava qualquer coisa e ia vê-lo conversar. Ia vê-lo encontrar os matizes e encontrar as palavras. E depois eu fazia o propósito: que palavras novas eu aprendi aqui? Tais, tais, e tais outras. Está bem, eu essa semana vou empregar essas palavras, custe o que custar, para me lembrar. E daí vem o hábito de um tal ou qual largueza de vocabulário com que eu jogo aqui nessas exposições. E que eu não seria capaz de utilizar se não tivesse isto. Os senhores não têm diante de si,os senhores não tem pessoa mais antiga do que eu, e portanto de uma geração mais culta do que a minha, para falar. Mas à míngua de coisa melhor, os senhores prestem um pouco de atenção nas reuniões que eu faço, e procurem examinar um pouquinho o vocabulário que eu uso na reunião, e depois reproduzirem esse vocabulário na conversa. O que é possível inclusive aos castelhanos, porque a semelhança de línguas é enorme. A grande maioria das palavras portuguesas é traduzível para o castelhano, facilmente. E então se munirem de um vocabulário abundante. São Tomás de Aquino tem uma frase interessante: pensar é distinguir; distinguir é estabelecer as diferenças e as semelhanças que há entre as coisas. Como estabelecer as diferenças e as semelhanças sem um vocabulário?! Pensar sem um grande vocabulário não sai um grande pensamento. Queiram ter, meus caros, um grande vocabulário. Será um dos traços da cultura no Reino de Maria. Bem, está analisada a rainha. Não está feito o exercício de transcendência, está feito apenas o exercício da análise. Depois viria o exercício de transcendência. Seria já uma outra coisa que eu não faço aqui. Eu acho que é preciso fazer muitas análises para depois fazer o exercício de transcendência. O método da análise está claro ou não? O método consiste em última análise em dividir, em decompor o quadro nos seus vários elementos, nos vários elementos que ele tem. Analisar o quadro todo e depois analisá-lo no conjunto. Isso eu não fiz porque está um pouco tarde para os senhores. Era analisar no que é que a rainha ganha tendo como fundo a sala e o que é que a sala ganha estando dentro dela a rainha, porque aí estaria composta completamente a cena. Os senhores não podem imaginar a rainha, por exemplo, vestida assim na esquina do viaduto do Chá com a Praça do Patriarca. É inteiramente impossível. Essa sala sem a rainha não perderia enormemente? Não se diria que a rainha é a pedra preciosa e a sala é apenas o aro de ouro do anel? Que tudo na sala existe para a rainha? É evidente. Aí os senhores têm o método. Meus caros, está claro o método ou não? (Aparte: O senhor ficou de analisar a face.) Essa face é uma face muito estudada, porque uma rainha hoje em dia não tem poderes políticos. A rainha da Inglaterra quase não tem atribuições políticas, ela tem atribuições simbólicas. Ela é um símbolo da grandeza britânica. Da pobre grandeza britânica tão desmantelada hoje. Ela é o símbolo glorioso do passado britânico. E, portanto, ela deve simbolizar esses valores não só no traje, nem principalmente no traje ou no corpo, mas na face. E evidentemente para isso ela aprende o seu papel como uma atriz aprende. E como a vitória da atriz consiste em ser tida, ou em que se pense que ela está com naturalidade quando não está, assim também a vitória da rainha consiste em se ter a impressão que é uma posição inteiramente natural, mas não é. Eu vou provar aos senhores como é que não é. Eu vou analisar a face, mas a fotografia não está tão bem que eu possa analisá-la apontando parte por parte. Depois, é um imponderável. Ou a pessoa pega ou não pega. Não se pode dizer que segundo os rigores da estética, a rainha seja propriamente bonita. Ela é agradável de se ver. Ela não tem nenhum traço feio, nenhum traço mal arranjado. Mas o rosto dela é ligeiramente objetável por alguns lados, ao menos no meu modo de entender. Ela é um pouco bochechuda demais. Ela tem por outro lado um nariz de uma forma interessante mas um pouco irregular demais, que sobretudo não convém para uma rainha. E a boca um pouco grande. Os olhos estão bem. A fronte está bem. O tamanho da cabeça vai bem para o corpo. Debaixo desse ponto de vista eu não tenho especiais objeções a fazer. Agora, ela é sobretudo graciosa. Ela não tem nenhum traço grandão, pesadão, uma nariganga ciclópica, orelhas penduradas, nada disso. Tudo se compõe adequadamente, propriamente... Está tudo bem arranjado, se pudesse dizer isso de um rosto. Agora, a expressão de fisionomia é muito curiosa, porque quando se olha para ela veem-se, ao menos eu julgo ver, algumas expressões ao mesmo tempo. Primeira expressão, é ou não é verdade que ela mete respeito? E que ninguém sai com uma brincadeira nem toma uma liberdade com ela? Parece inteiramente verdade. Mas é ou não é verdade, de outro lado, que a rainha... a gente chama de rainha e acredita logo que é rainha quando vê a fotografia, ainda que não conhecesse a fotografia dela veria que é uma rainha? Ela, entretanto, tem qualquer coisa que sorri. Ela não está ao mesmo tempo muito séria e ligeiramente sorridente? A mim me parece que esses dois estados de alma harmonicamente contraditórios, estão bem representados aí. E que de outro lado a gente vê nela muita correção, quer dizer, uma pessoa que conhece muito as regras segundo as quais deve apresentar-se, analisa muito a apresentação dessas regras em si e nos outros. Não sei se os senhores notam que ela é observadora, e que ela sabe quem ela é e sabe com quem ela está tratando, e com um olhar ela põe a pessoa que está tratando na posição que deve pôr. Quer dizer, ela tem força, ela tem um certo mando, mas é um mando muito gracioso e muito leve. Tudo isso me parece expresso na fisionomia. Ela é muito inteligente? Eu diria: não. É uma inteligência comum. Não é absolutamente uma senhora de uma grande inteligência, uma dama de uma grande inteligência. Ela tem uma inteligência comum muito bem aproveitada, o que as vezes é melhor do que ter uma grande inteligência. O que é que há de inglês nela? Não sei se alguém aqui descende inglês e se sentirá bem interpretado. O próprio da coisa inglesa, e dos povos nórdicos em geral, é a coisa muito bem arranjada. Nada está absolutamente fora do lugar. Está tudo bem direito, no ponto. Ela está arranjada de tal maneira que se diria uma boneca de cera num museu. Não sei se os senhores notam, limpíssima. Impossível estar mais limpa, o rosto mais limpo do que ela está. De outro lado, não há um fio de cabelo dela que não esteja completamente no lugar. E mesmo quando nas dobras do vestido algo parece acaso, é um acaso bem estudado. Mas tudo é a la inglês, planejado e executado com todo cuidado e com toda correção, o que é a nota inglesa. (Pergunta: Isso faz parte da luz primordial que a Inglaterra e que deveria desenvolver-se lá?) Faz. Mas se a Inglaterra tivesse se desenvolvido mais isso não seria tão hirto. Há dentro disso aí qualquer coisa de hirto que é o fruto do protestantismo. Um dos senhores me perguntará: Mas, Dr. Plínio, o senhor espera que nós façamos um exercício tão completo, depois disso, a respeito da carrocinha de padeiro que passa na rua Martinico Prado? Porque o senhor há de concordar que a rainha Elizabeth não passa habitualmente pela rua Martinico Prado, e o senhor quer que nós analisemos não quadros e fotografias de um mundo que não é o nosso, mas que nós analisemos o nosso mundo. Então como fazer? Eu digo: muito simplesmente. É que essa análise que eu fiz é uma análise feita por um homem de 66 anos, com muita experiência da vida, com alguma prática de vocabulário, alguma prática de se exprimir em público, de falar em público, etc., de maneira que dá aos senhores uma ideia de algo que eu na idade dos senhores não saberia realizar. Eu, na idade dos senhores, não saberia fazer esse Santo do Dia que estou fazendo. Se Nossa Senhora me conserva em dia é para ir progredindo. Até Nosso Senhor progrediu durante a vida até à hora da morte, quanto mais a nós míseros mortais. Eu não exijo, portanto, tudo isso dos senhores. Mas houve um momento em que eu comecei começando, em que eu fazia coisa muito insipientes e não perdia a coragem. Haverá isso com os senhores também. Comecem por onde eu comecei, os senhores chegarão aonde eu cheguei. É muito simples. (Pergunta: O senhor podia dar um exemplo por onde o senhor começou?) Eu nunca tive, o senhor sabe que o meu pai é Pernambuco, e que eu tenho do nordestino uma tendência muito grande para falar e para me comunicar. Quando me vem uma impressão, uma ideia, para muitas pessoas que tem outras ancestralidades será legitimo ser de outra maneira, comigo é assim, o senhor está perguntando o meu respeito eu tenho de falar de mim, não tem por onde escapar. Mas a muitas pessoas que quando sentem a uma coisa mais ou menos profunda tendem a calar-se para pensar naquilo. Eu tenho, e creio que os nordestinos são assim – deve haver aqui muito filho de nordestino ou neto de nordestino deve estar cheio por aí, um até está sorrindo para mim enquanto eu falo, para nós não, para nós que temos sangue nordestino o verdadeiro é começar logo a falar, e falando a ideia se concretiza e depois a gente analisa a ideia. Daí o fluxo de palavras do nordestino. Não sei se os senhores notaram, mas eu não tive dúvida nenhuma quanto a uma palavra para escolher. A palavra sai. Todo nordestino é assim. E eu tinha assim 14, 15, 16 anos, eu tenho muito má memória, não sou capaz de localizar no tempo essas coisas, eu tinha impressões muito forte que as coisas me davam. As vezes era uma pessoa fazendo um gesto. As vezes era... Eu estou me lembrando aqui de uma coisa de menino que eu vou dizer rapidamente, não sei até que ponto os senhores poderão pegar. Mas a gente, naquele tempo ia se a Santos tomando um trem. Aliás, eu devo dizer aos senhores, quem não foi para Santos de trem nem viu o que é paisagem feia nem viu o que é paisagem bonita. Porque a ida até o alto da serra é a coisa mais rasa, mais boba, e mais barba de bode que se pode imaginar. Quando se chega ao lado da serra e se começa a descer, no trem, que é muito mais bonito do que na estrada; eu vou indicar aos senhores como os senhores deveriam fazer essa passeio um dia, se me lembrarem. No trem, quando se começa a descer desce-se através de montanhas escarpadas, íngreme em que nunca um pé humano pousou; a vegetação exuberante, pés de manacás colossais, montes que parecem desafiar os céus e das quais cai cascatas prateadas que abrem caminho numa vegetação verde escura, lembrando um pouquinho até o traje da rainha. De vez enquanto umas pedras trágicas, graníticas, lambidas, que a gente vê que é da água da chuva; e logo junto a vegetação brasileira enorme, que tenta encobrir e não pode. E assim vão aquelas mudanças até chegar embaixo. Quando chega em baixo, para quem gosta imensamente de mar como eu, a sensação da proximidade do mar. A gente já sente, passa da montanha, a montanha é um mundo e o mar é outro mundo, passa da montanha para o mar e já vem um calor um pouco unido e o cheirinho do mar, que faz a gente pressentir areia, as ondas e tudo mais. Os senhores veem que entusiasmo eu tenho pelo mar. É uma coisa simplesmente fabulosa! E eu em menino descia com muita frequência a Santos porque a minha família passava um mês, dois meses assim em Santos, e eu ia nos fins de semana, depois às vezes passava 15 dias lá. Mas todo fim de semana eu ia para ver minha mãe. Eram três alegrias. A maior delas era vê-la, isso eu garanto aos senhores. Ficava acima do mar, da montanha. Olhar para dentro dos olhos dela e me sentir visto por ela, acolhido por ela; era o objetivo de viagem. O resto era acessório. Mas enfim, correndo um pouco, deixando isso de lado, eu passo às impressões. Havia um vagão chamado vagão pullman que era o vagão de luxo. Esse vagão de luxo era arranjado com um luxo mesmo. Hoje o luxo está morrendo. O luxo é uma coisa excelente demais para não estar morrendo hoje... Tudo quanto é excelente está morrendo. Nós estamos numa época em que morrem os pássaros e se multiplicam as taturanas e as mariposas... Naquela época não era assim. O vagão era de luxo e ia gente vestida com luxo, porque ir para praia não era se pôr nu. Naquele tempo era pôr trajes, corretos, elegantes, adequados. Ia gente muitas vezes da mais alta sociedade de São Paulo enchendo aquele vagão. E eu me lembro, em certo momento, eu estava dentro do vagão degustando o ambiente de luxo do vagão, quando eu vejo passar aquele panorama muito pobre, muito poca do trajeto, e eu senti a diferença como se eu estivesse numa bolha de esplendores terrenos que abrisse caminho no meio das securas e da desolação de uma terra rasa e abandonada, mas habitada, em cujo subsolo reinava as minhocas e as formigas; uma coisa rejeitável. E eu pensei: que dois ambientes diversos! Só isso. Mais adiante eu passo por meio da brutalidade magnífica tropical das florestas e dos montes e olho para dentro do vagão; entalhes de madrepérolas formando flores e laçarotes na ... do vagão; vidros desenhados com uma espécie, não sei o que é que é, formavam também flores e objetos decorativos; couros magníficos nas cadeiras; pregos dourados, tapetes; gente agradável, conversando amenamente junto a árvores e despenhadeiros estupendos. E eu pensava: que dissonância entre isto que está aqui, tépido, de uma temperatura agradável, em que o corpo se expande, e através da janela se expande a alma. Então a alma vendo coisas grandiosas. Que equilíbrio agradável! Que coisa boa! Isso é uma das inúmeras recordações. Era uma bolha de bem estar, de luxo, de categoria atravessando um mundo de suntuosa selvageria. É um contraste que eu lhes garanto que é agradável. Não é só agradável, mas forma a alma para o bem. Eu não sei se os senhores percebem que a alma depois de ter degustado coisas dessas fica mais elevada, não quer estar falando de coisas, não sei, palavras que às vezes eu ouço, como “gozação” e outros “monstros” desse gênero. Tudo isso fica de lado, é monstruoso. Então me veio ao espírito o seguinte: como eu gostaria de comentar isso com alguém? Depois me veio ao espírito: mas eu não sei comentar porque não sei dizer; estou com a cabeça cheia disso, mas não sei dizer. E provavelmente nesse vagão todo mundo está na mesma condição. (Aparte inaudível) Eu acho que todo mundo tem facilidade de falar desde que tenha o que dizer. Até eu vou dizer mais, é uma tristeza a gente ter uma facilidade de falar sem ter o que dizer, porque diz bobagem, começa a conversar coisas ocas. Tenham o que dizer que os senhores saberão o que falar. E a gente tem o que dizer é, por exemplo, quando pensa coisas assim. (Pergunta inaudível) É bem verdade. E é um bom modo de fazer o estudo é examinar não a pessoa na grandeza temporal, mas uma outra pessoa na sua grandeza espiritual. Não sei se os senhores se lembram de uma fotografia de Santa Teresa de Jesus que algum tempo atrás eu mandei projetar aqui. Seria interessante uma ocasião projetar junto, lado a lado, a Rainha Elizabeth II e Santa Teresa de Jesus. Santa Teresa no fausto super-regio de uma alma incomparável e a pobrezinha da rainha Elizabeth II. Mas eu vou mais longe. Não é só o contra-revolucionário autêntico que é mais do que a rainha Elizabeth II, qualquer católico, apostólico, romano digno desse nome é mais do que a rainha Elizabeth II. Por quê? Porque ele é filho verdadeiro da Igreja verdadeira, e glória maior na terra não há! Eu fui batizado na igreja de Santa Cecília. E uma vez ou outra eu vou à [essa ] igreja para agradecer a Nossa Senhora o fato de eu ter sido batizado em pequeno e ter-me tornado membro da Igreja Católica, Apostólica, Romana, porque gloria maior na terra não há. |