Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

São Raimundo de Penaforte

Harmonia da alma católica e seus reflexos na sociedade

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia, sábado, 26 de outubro de 1974

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


Neste Santo do Dia, Dr. Plinio explica como uma Civilização, no seu conjunto, pode ser intensamente católica. E apresenta - a título exemplificativo - biografia de São Raimundo de Penaforte, que irradia luzes mesmo para os presentes dias.

Além disso, o Conferencista ressalta o gosto que proporciona a reflexão e a análise daquilo que observamos à luz da Fé e da doutrina católica de sempre. Para ler uma conferência em que ele dá conselhos sobre como explicitar, clique em Explicitar: significado e importância para a vida intelectual – Como fazer? Exemplo de explicitação.

 

[...] Não é um Santo do Dia comum; é um Santo do Dia um pouco dado à conferência, porque se trata da vida muito ilustrativa de um santo, São Raimundo de Penaforte. Eu preciso antes explicar aos senhores debaixo de que ponto de vista eu quero analisar essa biografia, para depois entrar na exposição da biografia propriamente dita.

É provável, é possível que pelo espírito dos senhores muitas vezes tenha passado, à maneira de tentação, a seguinte questão: é muito difícil a pessoa permanecer em estado de graça; se é muito difícil, não se pode esperar de uma população inteira que faça coisas muito difíceis. Logo, é muito pouco provável que uma população inteira permaneça em estado de graça. Ora, a civilização católica é uma civilização que só é concebível com as pessoas em estado de graça. Logo, a civilização católica não é possível.

E toda essa construção que nós temos no espírito, toda essa ideia de uma civilização católica, olhada a vida quotidiana, pode parecer uma construção no ar, pode parecer uma utopia; uma coisa com a qual a gente pensa, a gente sonha, mas cuja efetiva realidade não está bem clara diante de nossos olhos.

É possível que essa ideia passe como uma sombra e que os senhores afastem a ideia. Eu vou fazer um Santo no Dia com a intenção de ajudar os senhores a compreenderem como é que se deve enxotar essa sombra, e que a civilização católica é perfeitamente viável.

Isso suporia uma grande tese, suporia um curso de História da Idade Média. Mas através da vida de São Raimundo de Penaforte se pode, entretanto, adquirir uma convicção a esse respeito. Como, por exemplo, para conhecer o auditório, o normal é abrir as portas; mas pelo buraco da fechadura já se pode ver muita coisa a respeito do auditório. Assim também através da biografia de um grande homem, de um santo, de um personagem característico de uma época, se podem perceber muitas coisas a respeito da época, se pode compreender como certos ideais são viáveis.

Em tese, não é verdade que seja muito difícil estar em estado de graça: é impossível. Isso não devemos perder de vista nem um pouco. Pela doutrina católica, o estado de graça é impossível de um homem manter. O homem, com suas próprias forças, não mantém o estado de graça. Isso é até dogma da doutrina católica. Esse dogma se anuncia da seguinte maneira: sem a graça de Deus, o homem não pode praticar de um modo durável todos os Mandamentos. Ele pode, por exemplo, passar um dia, dois dias, praticando todos os Mandamentos. Mas duravelmente não pode. Pode passar a vida praticando alguns Mandamentos. Mas todos, não pode. A menos que ele tenha a graça de Deus. Esse é o 1º ponto.

O 2º ponto é esse: essa graça de Deus é dada a todos. Não há quem não receba essa graça, desde que cumpra a obrigação de rezar. Porque quem não reza, não recebe essa graça. Quem reza, recebe essa graça. Mas todos recebem graça para rezar. De maneira que todo mundo tem a possibilidade de se manter em estado de graça. E o estado de graça é tanto mais fácil de manter quanto maior o número das pessoas que o mantém. O que também é uma coisa evidente. De maneira que aumentando o número de pessoas que estão em estado de graça, ele vai ficando mais fácil de manter. E ele é muito fácil numa cidade que vive toda no estado de graça, do que numa cidade que vive num estado de desgraça.

De maneira que, pelo contrário, quanto mais aumenta a população verdadeiramente católica numa cidade – não digo “católica” de borra nem de ninharia –,  tanto mais é fácil manter o estado de graça. E então, é mais fácil uma cidade inteira em estado de graça do que 20 almas em estado de graça numa cidade que não está em estado de graça. De onde se conclui que é fácil manter uma cidade em estado de graça.

Não sei se o raciocínio está claro ou quereriam que eu me exprima melhor...

Como se pode saber se uma civilização, se um país, se uma cidade tem a maior parte de seus habitantes em estado de graça? É uma outra pergunta que se poderia fazer!

O estado de graça é um estado interior, um estado interno da alma. A pessoa pode esconder que está em estado de pecado mortal, e pode criar a ilusão de que está em estado de graça. Como é que olhando para uma pessoa posso saber se ela está em estado de graça? Como é que alguém vendo uma cidade pode dizer “a maior parte dos habitantes dessa cidade está em estado de graça”? Existe para isso um teste?

Os senhores dirão “não existe”. Não existe porque se depende de cada um, cada um mente como quer. Como ninguém gosta de dizer, diante de alguém que faça um inquérito: “você está em estado de pecado mortal? - Estou...”  depois não tem obrigação de dizer, porque a gente tem obrigação de dizer para o confessor, para quem orienta nossa consciência, e mais nada. O resultado é que, em tese, parece que a gente não pode saber se as pessoas estão em estado de graça. Ora, também isso não é verdade.

Essas são dificuldades que parecem rochedos, sem solução. Entretanto, de outro lado, são dificuldades que se resolvem com piparotes. Como é que se resolve essa dificuldade? Os srs. não acham que esta dificuldade não tem saída? Os srs. vão ver como ela se resolve facilmente.

Há um teste que indica bem se o grosso de uma cidade está em estado de graça. É o seguinte: se numa cidade o grosso dos habitantes não está em estado de graça, eles formam uma espécie de cone virado para baixo. Há alguns que são ruins porque não estão em estado de graça – a definição do homem ruim é que não está em estado de graça. Se está em estado de pecado mortal, ficou ruim. Entrou para o estado de graça de novo, ficou bom. Não há outra definição.

Então, há os que estão em estado de pecado mortal simplesmente, mas abaixo destes há alguns que tem apego grande ao pecado mortal no qual estão.

Depois, mais abaixo, há alguns que antipatizam com os que estão em estado de graça.

E, bem mais baixo - o fundo do cone - há os que tem ódio dos que estão em estado de graça.

Mas há uma coisa curiosa: que todos os que são ruins tem uma espécie de conaturalidade entre si, uma espécie de afinidade entre si. De maneira que constituem facilmente uma frente contra o bom. E o resultado é que na cidade onde há muita gente que não está em estado de graça, os bons são impopulares. Pelo contrário, numa cidade onde muita gente está em estado de graça, os bons são populares.

Nas épocas em que os santos são objeto de entusiasmo geral, se pode dizer que o grosso da população vive na graça de Deus. Na época em que os santos não são objeto da simpatia geral, é a prova que o grosso da população vive fora da graça de Deus. De maneira que pelo modo pelo qual uma época trata um santo, nós podemos saber como a época trata a Deus, ou seja, como é que o grosso dos habitantes está em face de Deus.

Para resumir, o santo é uma imagem de Deus. Quem odeia Deus, odeia a imagem. Quem odeia a imagem, odeia a Deus. Uma pessoa que diga “eu me implico com essa imagem de Nossa Senhora de Fátima”, de fato implica com Nossa Senhora de Fátima. Uma pessoa que [odeia] Nossa Senhora de Fátima, não pode gostar de ver a imagem nesse realce, reverenciada pela presença de duas velas aqui na frente dela. É forçoso.

Então, quanto nós estudamos a história dos santos, que formam um longo cortejo de luz, de sangue, de lágrimas ao longo na História podemos ir vendo como a História tratou esses santos. Se a História os tratou bem, eram épocas em que a maior parte dos homens estavam em estado de graça. Se a história os tratou mal, nós sabemos: ali não estavam. Então, há um meio de sabermos se uma época está ou não em estado de graça. E sabendo se uma época está em estado de graça, podemos ver como é possível fazer uma civilização católica, como é possível, pela prova dos fatos, que milhões de pessoas vivam em estado de graça.

Bem, nós vamos ver aqui em São Raimundo de Penaforte, qual foi a vida dele. Os srs. se lembrem que Nosso Senhor disse que Ele veio à terra para trazer o fogo e que Ele queria que ardesse; que Ele veio à terra para trazer a espada, e que Ele queria que cortasse; que Ele veio separar o esposo da esposa, o pai da mãe, o irmão do irmão, a sogra da nora etc., o que quer dizer que Nosso Senhor ia dividir as pessoas.

Quando o profeta Simeão O recebeu no Tempo, ele O chamou de “luz para a revelação dos povos - lumen ad revelationem gentium” e acrescentou que “Ele era pedra de escândalo”, quer dizer, pedra de divisão; como uma pedra no meio duas águas de um rio, que divide as águas, assim era Ele no meio do curso da história do gênero humano, dividindo os homens, “ut revelantur multis cordis cogitationibus - para que as cogitações de muitas almas fossem reveladas”.

Por que? Porque o santo é obrigado a atacar o mal. Ele é obrigado a dizer as verdades a respeito do mal. Se o número de maus for grande, eles pulam em cima do santo. Se pelo contrário, o número de bons for muito grande, eles ficam satisfeitos. Se os maus não forem muito maus, eles também amam o santo: “repreende o justo, e ele te amará”, diz a Escritura. E o “justo” quer dizer o varão bom. Quer dizer também o pobre pecador, em estado de pecado mortal, mas que ama a repreensão, quer dizer, que está para se converter, que está para se emendar. Também quer dizer isso.

Um santo como São Raimundo de Penaforte não podia deixar de dividir, portanto, muito os homens. Como foi a divisão? Do lado dele isso; contra ele, isso. Resultado: está feito o balanço de uma época. Nesse espírito vamos ver então a biografia dele. 

“Terceiro Geral de sua Ordem – Ordem de São Domingos – São Raimundo de Penaforte nasceu na Catalunha (Espanha), no castelo de Penaforte, de pais ricos e nobres, descendentes da família real de Aragão”.

Portanto, de uma alta nobreza. Isso foi no século XV.  

“Percorreu com tão grande brilho o curso de seus primeiros estudos, como jovem, que com 20 anos foi encarregado e ensinar, na sua cidade natal, a filosofia”. 

É um sucesso extraordinário, porque os estudos eram muito apertados, e filosofia era uma matéria que despertava uma atenção enorme, apaixonava, porque aquela era uma gente de elevação de alma, que tinha espírito metafísico. Aos vinte anos lecionar filosofia, seria - naquele tempo - o auge do prestígio intelectual e o auge do jovem moderno, do jovem que estava na ordem do dia, que dirigia uma atividade que os outros admiravam. Esta era a posição dele.

Os srs. precisam considerara aqui, para compreenderem que carreira isso significa, que há uma diferença entre o europeu e o brasileiro, o sul–americano em geral. O sul–americano é muito mais precoce do que o europeu, mas depois também envelhece mais depressa. Os senhores encontram na Europa gente que só deixa de ser meninão com 30 anos. Os senhores encontram velhos de oitenta e tantos anos, trabalhando. Aqui, com 15 anos, já se encontra muito hominho feito; e encontram também com 50 anos muito sujeito decrépito. Quer dizer, a faixa da vida e a faixa da produtividade é outra. Então, os srs. podem imaginar tudo quanto há de precoce num rapaz de vinte anos que já é professor de filosofia. Filosofia é matéria universitária, não é matéria secundária. Era um professor universitário de 20 anos. 

“A formação de sua mentalidade o preocupava muito mais do que aquela de sua mera inteligência. Daí o zelo que tinha em inspirar uma sólida piedade a todos os seus discípulos”.

Então, os srs. podem imaginar o quadro: a Universidade, com o misto de vivacidade um pouco turbulenta e de solenidade das universidades medievais, uma alta cátedra, um jovem ainda não religioso, ainda não seminarista, um leigo que leciona filosofia com admiração para todo mundo, para alunos todos mais velhos do que ele. Mas, ao mesmo tempo que leciona filosofia, procura dar uma formação espiritual, mais preocupado em que eles tenham uma mentalidade certa e, portanto, uma verdadeira formação espiritual, do que preocupado em que eles sejam bons filósofos.

Isso, hoje em dia, como seria? Dava raiva, dava inveja, dava protesto: “esse homem que está se metendo em nossa vida!” e uma porção de coisas assim. Naquele tempo dava o resultado que estamos vendo. Os srs. vão ver o rio de glórias que esse homem trouxe atrás de si. 

“O tempo que ele podia subtrair às suas ocupações, ele empregava em socorrer os infelizes e eliminar as discórdias na cidade”.

Isso pode parecer aos senhores um pouco “nhonhô”: um homem que sai, vai acariciar um doente e depois: “Ah! vocês brigaram? Venham cá, eu vou pôr em paz” etc. Mas todos os santos fizeram isso. E Nosso Senhor Jesus Cristo fez isso também. Ele se interessou pelos doentes, a ponto de curá-los; Ele apaziguou as discórdias; foi o “Príncipe da paz”. Como se explica isso?

Em si, essa é uma das obras da Igreja, e na Idade Média especialmente necessária. Por que razão necessária? É que na Idade Média os homens descendiam ainda meio proximamente dos bárbaros e a agressividade de uns contra os outros era muito grande. Era preciso estar continuamente tentando reconciliar uns com os outros, para ir aos poucos pacificando o temperamento daquela gente exageradamente agressiva.

Os pobres. A compaixão com os pobres é inviscerada na alma do católico. Mas naquele tempo era muito mais necessária. Porque não havia “Hospitais das Clínicas” e obras assim estavam apenas começando a se formar; eram muito menos numerosas do que hoje. Se não fosse atender os pobres em casa, não teriam solução. Então, era uma coisa necessária para a sobrevivência dessa gente. Não sei se não passariam melhor do que em certos hospitais modernos… Isso é outra coisa para considerar, em cuja análise eu não entro aqui.

Os srs. imaginar a alegria de um pobre, velho, chagado, estendido num catre, quando vê entrar para conversar com ele um rapaz que está na flor de sua idade, que é um dos rapazes mais célebres da cidade, e que se senta na beira do catre, dá uma prosa com ele, que conta alguma coisa, dá um bom conselho e deixa um auxílio. É uma esmola para a alma ainda mais do que para o corpo, mas a alma precisa mais de esmola do que o corpo. Os senhores podem imaginar a edificação que isso trazia. 

“Resolvido a fazer um curso de Direito Civil e Canônico, aos 30 anos deixou sua pátria e foi para Bolonha, na Itália, para as célebres lições dos célebres professores daquela cidade”. 

Bolonha era um dos maiores centros de estudo de Direito Civil e Canônico que havia na Europa daquele tempo.

“Em muito pouco tempo, ele se tornou doutor”. 

Os srs. sabem que se torna doutor não era fazer esses examinhos de hoje. Era tese como para professor. Sala com todos os catedráticos presentes, alunos presentes também, tudo em traje de gala, o indivíduo no centro da sala, interrogado. E ele só ficava doutor depois de ter feito todo o curso, numa pós-graduação. Uma coisa puxadíssima. Em pouco tempo se tornou doutor de Direito... Notem que já era professor de filosofia. Matérias diversas. Vejam como ele voava de matéria em matéria. Daqui a pouco vou fazer um comentário aos srs. a respeito disso...

[risos]

Não é o que os srs. pensam... Não seria até descabido - como os srs. bem riram - mas não é do que eu ia tratar. Eu tenho por intenção não transformar os Santos do Dia numa cilada, de maneira que alguém assista o Santo do Dia meio apreensivo, como quem diz “que paulada vou levar agora?”... 

“E a primeira Cátedra de Direito Canônico lhe foi atribuída com aclamação de toda a universidade”.  

Quer dizer, ele ficou logo catedrático, e a primeira cátedra, a mais importante, de Direito Canônico. Naquele tempo o Direito Canônico, que são as leis internas da Igreja, gozava de mais prestígio do que o Direito Civil, porque tudo quanto dizia respeito à Igreja gozava de mais prestígio do que o que diz respeito à mera vida temporal.

“O Senado de Bolonha, com a secreta intenção de reter na universidade um jovem tão eminente, desejou dar a ele retribuição com o dinheiro público”. 

Quer dizer, uma verba especial. 

“Mas, apesar disso, nada adiantou. Ele foi chamado para a Espanha, por ordem do Papa Honório III, para ser professor do jovem rei Tiago I, de Aragão”. 

Os srs. estão vendo que esse jovem voa, portanto, de honra em honra. Os srs. imaginem que alguém desse para um jovem hoje, um jovem muito inteligente, o seguinte conselho: “Você quer fazer um carreirão? Você vai estudar filosofia. Estudando filosofia, se você for ao mesmo tempo muito piedoso, você brilhará, toda a Faculdade gostará de você”. [Diriam]: “Esse homem está louco!”

Bem, “depois você vai ser professor de Direito Canônico, entre numa Faculdade de Direito, que por causa de suas qualidades espirituais e morais você será em pouco tempo catedrático. E será aclamado por todos os alunos, porque você alia a uma grande inteligência, uma fé profunda...” [Pensariam]: “Esse aí, tranca no hospício!”

Terceiro capítulo: “a cidade vai querer pagar a você uma verba especial para retê-lo. E quarto: você não vai poder ficar, porque o Papa encantado com sua virtude, seu ultramontanismo, vai mandá-lo ser preceptor do filho da rainha da Inglaterra”. [Diriam]: “bom, com este aqui, não vale a pena nem continuar a conversar, está completamente fora da época”.

Os senhores veem a virtude e o talento a quantas coisas conduziam naquele tempo. Os senhores veem quantas portas barram hoje. Como havia virtude naquele tempo para a virtude ser tão estimada! Quanto há vício hoje para o vício ser tão estimado.

Há mais. Vamos fazer um teste: pela cabeça de quantos dos senhores passou a seguinte reflexão: em última análise, um rapaz inteligente assim em nossa época, muito dificilmente ficaria ultramontano, porque seriam tais as seduções e tal a bajulação, que ele se perderia.

Aqueles para quem passou essa ideia, levantem o braço. É talvez a forte maioria da sala.

É bem verdade. As épocas muito ruins perdem os seus chefes naturais, porque os desviam, os adulam e os levam para o mal. Exigem deles que sejam ruins como condição para fazerem carreira, os subornam.

Exatamente nessa época os senhores veem o contrário. É quase carreira ser bom. De maneira que a ambição e a virtude andavam juntas. Vejam como facilita a virtude quando ela anda junto com a ambição, e como ela depois pode dar uma sapecada na ambição e brilhar sozinha. Quer dizer, como é mais fácil o caminho do Céu. 

“Tendo recebido um Canonicato...” 

Que era um modo de ganhar dinheiro naquele tempo. 

“...e pouco depois a qualidade de Arcediago na igreja de Barcelona...” 

Então, ficou padre. 

“...tornou-se o modelo dos sacerdotes do Senhor. A festa da Anunciação era então naquele tempo muito negligenciada nas igrejas da Espanha. Pelas piedosas insistências dele, conseguiu do Bispo de Barcelona que se celebrasse essa grande festa com Ofício solene e uma parte do dinheiro que ganhou destinava exatamente a isso”. 

Esse era o ambiente da Igreja naquele tempo – [tão diferente do] ambiente da igreja em nosso tempo. Aí os senhores estão vendo a diferença entre as épocas. Os srs. vão ver em que auge vai desfechar. 

“São Raimundo de Penaforte conheceu São Domingos de Gusmán, fundador dos dominicanos, e se tornou testemunha das grandes virtudes de São Domingos. Ele via toda a vida angélica dos primeiros dominicanos em Barcelona. Ele pediu o hábito e o recebeu em abril de 1222”. 

Era no século XIII e não XV, como eu dizia há pouco. 

“Seu exemplo atraiu para a Ordem muitos grandes personagens”. 

Os srs. imaginem a gente dizer para alguém o seguinte: “Vamos fundar a TFP em tal lugar, que o exemplo das virtudes da TFP vai atrair muitas pessoas importantes do lugar para a TFP...” Isso é um delírio, não é verdade, é o contrário: pessoas muito importantes, com exceções, formam a “saparia”, e a “saparia” vai combater a TFP.

Aqui não, o que seria o correspondente à “saparia” de nossos dias, se encanta. É verdade que nós não temos as virtudes dos primeiros dominicanos. Isto é bem verdade. Mas um pouquinho de virtude temos. Poderíamos atrair mais. Por que não atraímos? A época é má; [lá] a época era boa. Os srs. veem as pessoas importantes que querem abandonar tudo para serem simples frades. Basta São Raimundo entrar, que outros entram atrás. 

“Ele estava nos seu 47º ano de idade...” 

Ele entrou então, com 47 anos na Ordem, e já célebre. 

“...e jamais se tinha visto um homem mais obediente do que ele, um homem mais ardoroso em praticar a Regra e em praticar todas as virtudes do frade. Ele tinha pedido uma severa penitência, a fim de expiar, dizia ele, as vãs complacências que tinha tido quando ensinava”. 

Quer dizer, ele alegava que tinha tido alguma vaidade quando ensinava. Então pedia para ser tratado com rijeza.

“Então, ordenaram a ele, como penitência, que ele compusesse um livro dificílimo, sobre os casos de consciência mais difíceis, que costumavam aparecer para os confessores, na Espanha”. 

É muito difícil isso. É um dos trabalhos mais difíceis. Chama-se casuística moral. 

“Esse trabalho foi elogiado pelo Papa Clemente VIII, como sendo igualmente útil aos penitentes e aos confessores, e foi o primeiro trabalho do gênero existente na Igreja Católica”. 

Quer dizer, ele criou um gênero completamente novo. 

“Em 1229, o Papa Gregório IX enviou para a Espanha o Cardeal Sabido, para exortar os príncipes da região a continuar valentemente a luta contra os mouros”. 

Era a guerra da Reconquista, para a expulsão dos mouros da Península Ibérica. 

“O Cardeal, que conhecia já São Raimundo, o tomou para seu primeiro assistente. Então começou a pregação de São Raimundo para a guerra e para a Cruzada”. 

Vejam o bonito esse contraste: é um santo de uma bondade angélica, que se senta junto ao catre de um doente e cuida do doente com suma suavidade. Este santo, convocado para mover a guerra contra os infiéis, se torna uma tocha ardente, estimulando todo mundo a pegar as armas e lutar.

Esse é um ponto a respeito do qual eu jamais insistirei suficientemente com os senhores, como com todos os membros da TFP: engana-se quem pensa que as virtudes suaves são o contrário das virtudes guerreiras. Ou que as virtudes guerreiras são o contrário das virtudes suaves. Nenhuma virtude é o contrário de outra virtude. O contrário da virtude é o vício, é o pecado. Um ato de virtude não é contrário a outro ato de virtude. Pode ser muito diferente. O contrário não é.

Assim, os srs. veem que a pessoa verdadeiramente guerreira por amor de Deus, e não por megalice (orgulho) e nem por ódio, essa pessoa pode dar um guarda–doentes extraordinário! E um homem verdadeiramente caridoso, e não por sentimentalismo e por compaixão tonta, esse homem pode dar um guerreiro extraordinário.

Quer dizer, quando a gente ouve falar de um santo que foi muito bom para com os doentes, curou os pequeninos, o verdadeiro é a gente pensar “que grande guerreiro!” Quando a gente ouve falar de um santo que lutou e que matou 15 hereges de uma só vez numa guerra de religião, a gente deve pensar: “Que esplêndido enfermeiro deveria dar!”

Assim é que se pega a verdadeira harmonia da alma católica. Sem isso não se pega. A alma católica é feita dessas riquezas, dessa fabulosa diversidade de todas as virtudes. Essa é a grandeza da alma católica. Então, os srs. estão vendo São Raimundo, homem de inteligência, homem de estudo, ao mesmo tempo homem de ação, que passa a ser agora homem de luta. E os srs. vão ver a luta dele como vai se desenvolver.

Para pregar a Cruzada, o que ele escolhe? O que os senhores achariam interessante para pregar a Cruzada hoje em dia? Um avião, não é? Para ir depressa a todos os lugares, baixar e pregar a Cruzada. Também uma dessas cartas de crédito, para terem lugar fácil em todo hotel para poderem pousar e não terem problema de alojamento. Talvez um alto falante, e estava feita a campanha...

Está bem, a técnica dele é completamente diferente. Para dar aos homens a vontade de lutar, era preciso dar a vontade de sacrificar-se, porque a luta séria é um sacrifício. Para dar a vontade de sacrificar-se era preciso ele provar que ele se sacrificava. Sabem qual foi o resultado? Caminhar o tempo inteiro a pé, de um lugar para outro. Distâncias enormes, com um bordão e descalço; e entrar nas cidades como um simples frade, cansado, suado, imolado e sacrificado, voltando-se para os outros e dizendo: “agora eu vos digo: combatei! Eu não combato com minhas mãos, porque sou um clérigo, e um clérigo de Jesus Cristo não derrama sangue. Mas os lábios do clérigo de Jesus Cristo convidam a que vós derrameis o sangue. Ide agora, e lutai!” As pessoas tomavam a sério e iam.

Os senhores se ponham na pele de alguém do público. Os senhores vão ser convidados para uma Cruzada. Vem à toda disparada um automóvel, breca. Desce um padrezinho alegre, sobe aqui: “Meus caros, estou vindo depressa de Jundiaí, vou para Santos. Rapidamente, ide, matai e morrei, sus”, etc., etc. Vai embora, toma o automóvel e segue...

Imaginem agora parecer um homem de mais de 50 anos, célebre; chega cansado, com a cara de quem meditou profundamente pelo caminho, os pés descalços, pisaram todos os obstáculos da estrada e diz: “Eu venho vos estimular para o sacrifício, eu venho vos estimular para a luta porque sem isso o católico não é verdadeiro católico”. E começa a falar do fundo dos cansaços e das meditações dele...

Percebem como tudo é diferente? Eu estou apresentando um quadro tão diferente do que os srs. veem que quase não podia ser mais diferente. Mas é o quadro que nossas almas apetecem de ver. E é por isso que a respeito desse santo eu quis fazer uma conferência; porque bem comentada a vida dele, se tiram aprofundamentos excelentes da matéria. 

“O santo ia continuamente com o Cardeal Sabino. Mas ele ia na frente, de um ou dois dias, anunciando a chegada do Cardeal e pregava a indulgência da Cruzada”. 

Era uma indulgência especial que a Santa Sé dava para os que lutavam contra os mouros. Imaginem se alguém fosse pedir a Paulo VI uma indulgência especial para quem lutasse contra o comunismo... Seria a coisa mais normal do mundo! Mas como a coisa é diferente! 

“Depois ele ouvia as confissões, e com isso dispunha as almas para a chegada do cardeal, que encontrava os espíritos dóceis aos mínimos desejos do Vigário de Jesus Cristo”.

Era o desejo que se fizesse a Cruzada. 

“Na sua volta, o Legado não deixou de confessar com o Papa a respeito dos méritos de Raimundo de Penaforte. O Papa, impressionado com o relato, mandou vir Raimundo a Roma, e lhe pediu para ser Capelão dele, penitenciário e confessor dele, Papa”. 

Não é inimaginável? 

“O homem de Deus impunha como penitência ao Papa de despachar, com caridade, e imediatamente, a causa dos pobres que não tinham protetor. O Papa pediu então ao santo que o ajudasse a despachar”. 

Roma era muito pequena. As viagens eram muito difíceis. O número de peregrinos que iam a Roma era muito menor. E, sobretudo, a complicação diplomática era muito menor do que em nossos dias. Um papa tinha muito mais tempo livre. Então, o que o papa tinha de melhor a fazer no tempo livro era dar a todo mundo o exemplo das virtudes. Vem aí então essa recomendação: não atenda só aos poderosos, atenda também aos humildes e trabalhe intensamente. Esse é a penitência que dou a Vossa Santidade. 

“O Arcebispado de Tarragona veio a vagar pela morte de Sparraglio(?), Metropolitano da Coroa de Aragão. Era a principal diocese da Coroa de Aragão. O Soberano Pontífice conferiu o arcebispado a Raimundo de Penaforte, com ordem de aceitar. Mas Raimundo ficou gravemente doente. Gregório IX, temendo que ele morresse, dispensou-o então de aceitar essa arquidiocese, que Raimundo não queria aceitar. Mas deu-lhe um encargo: ele mesmo propusesse outro para o lugar. Então, ele propôs e foi dispensado.

“Apesar disso, extenuado com tanto trabalho, São Raimundo ficou doente, num estado que inspirou sérias preocupações. Os médicos o aconselharam a voltar para a Espanha. Voltando ao seu convento de Barcelona, ele voltou à observância de todos os pontos da Regra.

“A pedido de vários Bispos, ele compôs cerimonial para ser observado quando um Bispo visitava as igrejas e fez um tratado a respeito da conduta que deveriam ter os comerciantes para não roubarem o público”. 

Esse tratado teria muita saída hoje?... Um severo tratado, pondo bem os pingos em cima dos “iis” exatos... teria muitos entusiastas? Os srs. conhecem muitos entusiastas possíveis desse tratado?... 

“E especificando os casos em que os comerciantes tinham que fazer restituição”. 

Esse é um ponto dolorido em matéria de dinheiro. É que quem comente um pecado, pede perdão, está absolvido. Mas quem se apropria do dinheiro de outro, só está absolvido sob a condição de restituir o que roubou. Senão, não está absolvido. E se um comerciante não tem a consciência tranquila, ele não pode receber a absolvição se ele não vir o que roubou, o que cobrou demais, e restituir. Então, isso é um ponto duríssimo, porque se trata de abandonar as riquezas. São Raimundo de Penaforte “descangicou” toda a questão, colocando, portanto, esse ponto delicado em toda a evidência. Dava para ser odiado. Pelo contrário, ele era vez mais estimado. Os srs. veem a boa intenção desse comércio. 

“Todos os dias, salvo domingo, ele não tomava senão uma ligeira refeição à noite, e disciplinas...” 

Quer dizer, se flagelava. 

“...intensamente. Nosso Senhor lhe tinha dado, como familiar, um de seus Anjos, que conversava com ele”. 

O que dizer depois de uma coisa dessas?... 

“Um pouco antes do sino do convento tocar para as matinas, o Anjo o acordava e o convidava para fazer oração. Um dos mais brilhantes raios de sua glória foi ter tomado parte na instituição da Ordem de Nossa Senhora das Mercês, para a Redenção dos Cativos, fundada pelo rei Tiago I de Aragão, graças a uma revelação do alto, feita simultaneamente, na mesma noite, a esse monarca, a São Raimundo de Penaforte e a São Pedro Nolasco, santo gentil-homem francês, que também fora preceptor do rei”. 

Os senhores têm aqui uma coisa que merece uma explicação. Uma das dificuldades muito grande para a pessoa ser cruzado, era exatamente a questão dos cativos. Os mouros aprisionavam na batalha muitos católicos. Mas acontece que esses católicos prisioneiros eram transformados em escravos; e iam viver em lugares onde não havia padre, a vida inteira. E ali as “fassuras” (mulheres de má vida) maometanas tentavam os católicos para o pecado.

De maneira que se um católico consentisse num mau olhar, ou num mau pensamento, como não tinha padre até o fim da vida, ele não tinha certeza se tinha se arrependido ou não, por medo do inferno ou por amor de Deus. Se o arrependimento fosse só por medo do pecado, ele não ia para o Céu se não tivesse absolvição. De maneira que havia um grande risco de cair no inferno por ser cruzado. De onde, as almas mais católicas, ao mesmo tempo queriam muito ser cruzados, para liquidar com os mouros, mas eram as que mais temiam de ficar cruzados, porque temiam de perder a alma.

O resultado é que para que os melhores católicos fossem cruzados, era preciso resgatar os cativos. Quer dizer, era preciso arranjar dinheiro e pagar aos mouros, comprando a eles os escravos brancos que eles tinham feito na batalha. E muitas vezes os padres ficavam escravos para poderem dar a absolvição para os outros escravos brancos. E resgatavam um, que voltava para o meio dos católicos.

Era, portanto, heroico da parte de um padre porque dava a absolvição para os outros, mas não tinha quem absolvesse a ele próprio. Era, portanto, heroico. Foi fundada uma Ordem religiosa para redenção dos cativos, evitando que inúmeras almas se perdessem, em primeiro lugar, mas estimulando muitas cruzadas, em segundo lugar.

Então, esse rei teve esse sonho; na mesma noite teve esse sonho São Raimundo de Penaforte, e teve o sonho também São Pedro Nolasco. Então, se tratou da fundação da Ordem. 

“O rei, acompanhado de toda a Corte, e dos magistrados...” 

Quer dizer, da Prefeitura de Barcelona. 

“...foi para a Igreja Catedral, chamada da Santa Cruz de Jerusalém; o bispo Bérenger oficiou pontificalmente. São Raimundo subiu na cátedra e protestou diante de todo o povo de Deus, que tinha sido milagrosamente revelado a ele, ao rei e a são Pedro Nolasco, a vontade sobre a Ordem. Por ocasião do Ofertório, o rei e São Raimundo apresentaram o novo fundador, São Pedro Nolasco, ao Bispo, que o revestiu do hábito da Ordem. Pedro Nolasco, por sua vez, recebeu 13 fidalgos na Ordem”. 

Os srs. vejam o lindo estímulo. 

“Terminada a Missa, o príncipe conduziu São Pedro Nolasco e seus frades para seu próprio palácio, numa parte que ele tinha reservado para ser mosteiro”. 

Vejam que coisa linda! Imaginem fundar uma Ordem Religiosa para resgatar as pessoas de trás da Cortina de Ferro. Mas quem resgata, fica atrás da Cortina de Ferro. Então, os srs. devem imaginar o Presidente “X” com todo o gabinete norte-americano ir à catedral de São Patrício, e 13 milhardários se oferecerem para serem os 13 primeiros...

Delírio… delírio!... É o que se passava nesse tempo. Os srs. estão vendo como se amava a virtude. Como, portanto, as almas eram outras, e como, portanto, havia estado de graça. Porque não é possível nada disso sem muitíssima gente em estado de graça.

Imaginem a linda cena: 13 fidalgos – moços dos mais importantes da cidade – que deixam tudo para irem ser escravos. Isso é que é que é verdadeiramente dedicação. Eu pergunto aos senhores: o que é mais heroísmo: combater contra os mouros com a espada na mão, ou ser mercedário, pertencer à essa Ordem? Os srs. vejam que magnífico exemplo de heroísmo. 

“São Raimundo empregou, então, o resto de sua vida a propagar e a favorecer a Ordem religiosa de São Pedro Nolasco”. 

Não a dele, mas a do outro. Os srs. já viram alguma vez um beneditino fazer propaganda para aumentar o número de jesuítas? Ou um franciscano fazer propaganda para aumentar o número de redentoristas? São grandezas de alma que foram se amesquinhando, infelizmente. Mas a Igreja é assim. Ela não olha para estas pequenas coisas. Ela quer o progresso da causa católica.

Vem então descrevendo aqui todos os benefícios que a Ordem fez: milhares de cativos soltos, milhares de pessoas que se metiam nas Cruzadas, atos de heroísmo, de abnegação extraordinários etc.

E agora vem, talvez, o aspecto mais bonito – e com isso estamos chegando ao fim da ficha da vida de São Raimundo de Penaforte.

Esses homens eram homens bons; no meio deles de vez em quando estalava o pecado, porque eram homens. Depois vinha a penitência. O número de penitências na Idade Média, e as penitências que os padres davam, eram extraordinárias. Por exemplo, ir a pé a Compostela. O homem morava em Estocolmo... Isso era por que? Por que ele tinha consentido num pecado contra a pureza. Ia por aí a coisa. Os senhores vão ver um fato lamentável e o que seguiu desse fato. 

“Numa viagem à ilha de Maiorca, nas Baleares, Tiago I fez-se acompanhar pelo bem-aventurado. Esquecendo um momento o respeito que tinha pelo bem-aventurado, ele fez embarcar clandestinamente, no mesmo navio, uma “fassura”. 

Mas uma mulher pública, “lo que se dice”. Mas na embarcação onde ia São Raimundo de Penaforte, pensa-se o que se pensasse, não podia ir uma “fassura”. Qual foi a reação do santo? O rei andou mal pondo essa “fassura” escondida. 

“Na ilha de Maiorca, São Raimundo, avisado do fato, fez pressão junto ao soberano para mandar embora a “fassura”. O soberano prometeu, mas não realizou a promessa. O santo, descontente, pediu para voltar para Barcelona. O rei lhe negou a licença e proibiu secretamente, sob pena de morte, a todos os marinheiros de permitirem que ele saísse do porto da iha de Maioria. O bem-aventurado...” 

Aqui vem o prêmio da intransigência – ele não queria fazer parte da viagem onde tinha uma “fassura”; estava preso. Estava, portanto, pouco mais ou menos – que diferença! mas enfim, digamos – como pode estar um santo atrás da Cortina de Ferro em nossos dias. Numa ilha, como pode uma pessoa fugir? Em qualquer porto que lhe dessem embarque era morto por ordem do rei. O que ele fez? Se saiu como um homem que conversa continuamente com um Anjo... 

“O santo se apoderou do manto de seu companheiro...” 

Os religiosos andam sempre de dois a dois. 

“...chegou até a ponta de um pequeno promontório...” 

Deserto, porque não tinha porto. 

“...e disse: ‘o rei da terra nos fecha a passagem, o Rei do Céu suprirá’. Com essas palavras, estendeu seu manto sobre as ondas, tomou seu bordão, fez o sinal da cruz e pisou solidamente sobre o manto. Pediu a seu companheiro que o seguisse, fazendo a mesma coisa. Mas esse não teve coragem, e ficou”. 

São os homens pequenos. 

“O santo suspendeu a metade do manto para servir de vela e prendeu o bordão para servir de mastro. Um vento favorável o levou em pleno mar, enquanto os marinheiros que estavam por ali se olhavam com cara de pasmos. Seis horas depois ele estava à vista de Barcelona, tendo percorrido 53 léguas marítimas”. 

Quer dizer, uma velocidade extraordinária. Eu acho esse quadro encantador. Acho que foi a mais maravilhosa viagem que se fez na história, depois da viagem de Nosso Senhor no lago de Tiberíades. Não pode haver coisa mais bonita do que o mar agitado, convulso e aquele barquinho do santo, deslizando. Na história náutica não se realizou uma coisa tão bonita! Era o prêmio da intransigência. Intransigência feroz: “com a fassura, eu não fico! Deus fará um milagre para mim, mas eu com a fassura não fico! Vamos embora”.

Para que comentários?... Eu até pergunto se é possível comentar. Isso são os homens de verdadeira fé, os homens cuja fé movem montanhas. Os srs. podem imaginar que lindo, na solidão do mar, os Anjos todos contemplando São Raimundo de Penaforte singrando... Eu, se fosse pintor, faria esse quadro. 

“Ele desembarcou no porto, se revestiu de seu manto, seco como se tivesse saído do armário, e tomando seu bordão dirigiu-se imediatamente para o convento”.  

Com toda a naturalidade...

“As portas do convento estavam fechadas, mas ele as atravessou e apareceu de repente no meio de seus irmãos, aos pés do Prior, ajoelhado, para pedir uma benção”. 

Não comentar!... 

“O rei, informado do que se tinha passado, caiu em si mesmo, e daí por diante seguiu mais fielmente as diretrizes do santo.

“São Raimundo soube por revelação de Deus que desejava empregar suas orações na conversão dos infiéis, dos mouros e judeus dos quais a Espanha e a África ainda estavam infetadas. Ele estabeleceu imediatamente curso de hebreu e árabe em Túnis e na Múrcia para dar aos religiosos da sua Ordem a faculdade de falar com fruto a uns e outros”. 

Era um problema porque os católicos iam vencendo os mouros, mas os mouros ficavam morando no lugar. O que se fazia dessa gente? Era preciso convertê-los, sob pena da Espanha ficar uma nação de religião mista. Como se deveu a conversão dos mouros? Deveu-se às pregações de São Raimundo de Penaforte.

Se tivéssemos um verdadeiro santo que fosse agora aos pontos de jazidas de petróleo e convertesse ali os árabes, os maometanos, que maravilha seria! Onde está o santo? Vão pedir para o Sínodo para indicar... 

“Em 1256, já conseguia escrever ele mesmo ao seu Geral que dez mil maometanos tinham recebido o batismo. Como a classe dos sábios maometanos era muito orgulhosa, não queria se render, ele mandou pedir para um teólogo dominicano escrever uma refutação dos erros maometanos. Esse teólogo se chamava Tomás de Aquino… (risos) São Tomás de Aquino escreveu então um dos livros mais famosos dele: Suma contra gentiles...” 

Que é um tratado para todos pregadores saberem refutar os sábios maometanos, com muitas conversões, então, entre os sábios maometanos. 

“São Raimundo chegou a ser extremamente velho”. 

Dentro dessa vida ocupadíssima. 

“Sem nenhuma outra doença do que sua grande idade, São Raimundo dormiu suavemente nos braços do senhor no dia 6 de janeiro – dia da Epifania – de 1275”.  

Lindo dia! É o dia em que Deus foi revelado a todos os povos, ao mundo pagão. Nesse dia ele morreu, ele que tinha tanto trabalhado pela conversão dos pagãos.

“Nos seus últimos momentos, os reis de Castela e Aragão o visitaram com sua Corte, e tiveram por alegria receber a sua última bênção”. 

Aí os srs. tem um quadro bem medieval: os srs. devem imaginar os reis, como andavam os reis de então, com um diadema de ouro na cabeça, com aqueles emblemas da realeza, com cetro na mão, com grande manto, com lacaios carregando, com toda a Corte; dois reis e duas cortes; ajoelhados junto ao catre de um pobre frade, que não tinha nada, que dependia da vontade de um outro, que estava moribundo, para receberem a última bênção. Dois reis ajoelhados, um frade que morre, uma alma que sobe ao céu. Era a última viagem de São Raimundo de Penaforte. Estava encerrada a vida de um grande santo e de um grande homem.

Os senhores veem, meus caros como essa época tinha que ter sido uma época em que o estado de graça era geral. E veem por aí como a civilização cristã é realizável. Veem por aí que trabalhando para o Reino de Maria os srs. não vão atrás de uma quimera, nem de uma fantasia. Vão atrás de uma promessa.

Qual é essa promessa? É a promessa de Nossa Senhora de Fátima, quando Ela disse: “por fim, meu Imaculado Coração triunfará”.

O que é o Coração de Maria? É um órgão do corpo Imaculado de Maria, mas que simboliza a mentalidade de Nossa Senhora. Essa é a doutrina católica. E quando Ela diz que o Coração dela triunfará, quer dizer que a mentalidade dEla triunfará. Triunfará do que? Do comunismo, que é o grande adversário que Ela mesmo prediz que vai devastar toda a terra, produzindo o desaparecimento de nações, fazendo sofrer o Papa etc.

Então, os srs. terão o triunfo dessa mentalidade. Essa é a promessa que temos para depois da “Bagarre”. Quer dizer, uma época, em que muito mais do que na nossa, os santos vão dirigir a humanidade. Nossa Senhora governará através dos seus santos; porque eles vão influenciar os reis, vão influenciar os papas, vão influenciar os grandes e pequenos dessa terra e vão levar todos a Nossa Senhora. Aqui está a visão do Reino de Maria.

Tudo isso para dar alento aos senhores e começarem a nova semana certos de que não vão atrás de uma quimera, mas de uma maravilhosa promessa.

Um último e pequeno comentário: como vale a pena a gente meditar! Essa ficha, se a gente lesse ba-ba-ba-ba, sem nenhum comentário, dava uma dessas (conferências) de dormir em pé. Evidente! Mas, aprofundada, que horizontes esplêndidos dá! É o hábito de refletir.

Peçamos então a Nossa Senhora que Ela nos dê o hábito de refletir, que Ela nos dê o gosto de refletir e refletir sobre as coisas dEla, para termos a mentalidade dEla. É o que nós, no encerramento, devemos pedir ao Imaculado Coração de Maria.

 


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