Plinio Corrêa de Oliveira

 

Depressão: como evitar a rampa

que conduz para ela

 

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 14 de setembro de 1974, sábado

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

 

Os Srs. imaginem um jovem da idade dos Srs. que está planejando uma viagem. Uma viagem como a vão fazer daqui algumas semanas – ou mais ou menos isso – os Srs X e Y. Quer dizer, uma viagem para a Europa.

Imaginem os Srs. que os Srs. amanhã, por exemplo, eu digo: "Olha, eu quero lhes fazer uma comunicação. Tal empresa assim colocou vinte aviões à disposição da TFP, e eu quero levar todos os mais moços para a Europa. Os Srs. obtenham autorizações das respectivas famílias, não extorquam de nenhum modo essa autorização, mas pelo contrário, obtenham-na como ela deve ser obtida. Os Srs. vão fazer uma viagem para a Europa. Os Srs. vão ver o Louvre. Os Srs. vão ver Versailles. Os Srs. vão ver o Trianon. Os Srs. vão ver a Sainte Chapelle. Os Srs. vão ver Notre-Dame. Os Srs. vão ver os castelos da Loire. Os Srs. vão ver os castelos do Reno. Os Srs. vão à Veneza. Os Srs. passarão pela Espanha e visitarão o Escorial. Os Srs. vão ver a Torre de Belém. E depois os Srs. voltarão para o Brasil."

Anunciando isso deste modo, eu imagino que as coisas poderiam se passar no espírito do interessado da seguinte maneira: um grande entusiasmo e, subconscientemente, uma idéia seguinte: "Puxa! Uma viagem dessas é preciso gozar. E para gozar, gozar dentro da lei de Deus. Para gozar bem, é preciso aumentar a expectativa e imaginar uma viagem super fabulosa, e torcer para que a viagem seja assim. De maneira que, desde já, a gente vai gozando a viagem. Vamos imaginando a minha chegada. O que eu vou sentir em tal ocasião, em tal momento, em tal outro. Não, vai ser de outro jeito, e doutro jeito, e doutro jeito etc."

Até fazer uma porção de auges emocionais, a propósito desse ou daquele aspecto da viagem. E já começa com tudo: é chegada em Paris. E a entrada no avião aqui. É a despedida prestigiosa dos membros da família diante do filho que vai viajar. É o avião cheio de militantes, todos gritando: "Por Maria! Tradição, Família, Propriedade!" E entrando cantando dentro do avião. É a descida no aeroporto lá, em que cantamos o "Queremos Deus", e saímos de estandartes desfilando, todos etc. Homem, mil coisas a gente pode imaginar! Um conto de fadas.

* O que é a “torcida”?

E começa então aquilo que nós chamamos - eu estou filmando em câmara lenta – nós temos aqui então, no primeiro lance, aquilo que se poderia chamar o “embombamento”.

 

Os senhores - não sei se usam a expressão ainda hoje – “empinar o papagaio” [ou “soltar pipa”, conforme a região do Brasil]. Fazer o papagaio subir, até o alto... soltar aquela corda. Uma tal técnica que eu nunca aprendi no meu tempo de menino, mas que eu via que os meus coetâneos sabiam muito bem, acho que os Srs. também souberam muito bem fazer... o papagaio da imaginação subir, subir, subir. Dar corda para ele a mais não poder. Isso é a primeira fase.

Altamente emocionante, porque imaginamos emoções. Mas quando a gente imagina as emoções mais fabulosas, na hora a gente espera uma emoção ainda muito maior, e que fique... que "caia de costas de emoção". Quando a emoção chega a seu auge, o prazer da viagem chega a seu auge. De maneira que a gente planeja uma porção de emoções: emoção, emoção, emoção.

Depois, começa a segunda fase. A gente vai para o aeroporto e começa a realizar-se o sonho vivo. Então começa a segunda fase. A gente pensa: "Bem, agora será que tal coisa vai acontecer como eu pensei? Será que tal outra coisa vai acontecer como eu pensei?" Começa o que se chama “torcida”.

A torcida é uma sensação, um estado de espírito em que a pessoa sente a ansiedade meio feita do deleite e meio feita do receio de que o deleite não se realize. É uma coisa portanto bipolar. Feita de um grande contentamento de um lado e de um grande temor do outro lado, que faz com que a pessoa fique com os nervos super tensos, super aguçados para ver se a coisa acontece ou não acontece.

E quando acontece, a gente logo pensa: "Quero mais. Quero mais uma coisa que emocione mais". Quando não acontece, a gente diz: "Ih, a coisa deu errada. Eu preciso dar um jeito, eu preciso compensar de outro modo. Preciso fazer outra coisa para preencher aquela sensação que eu não tive, para remediar aquilo de outro modo"... E começa então, junto com a torcida, uma espécie de esforço para inalar aquela sensação como a gente imaginou.

* A torcida traz o sofrimento

Depois, aquela imaginação toda começa a fazer a gente sofrer. Porque a gente se cansa disso. Mas esse próprio sofrimento da torcida acaba tendo o seu gostinho. E a pessoa acha a torcida gostosinha. Aquele medo, aquela ansiedade. Depois deu certo, fica satisfeito. Às vezes não deu, fica prostrado. Naquela prostração mesmo dá uma baixa. Aquela baixa mesma, a pessoa acha um certo gostinho na baixa, e não tem muita vontade de sair da baixa. Cultiva a baixa pela baixa.

"Oh, como eu estou triste. Estou aborrecido, quero uma pastilha de qualquer coisa, um comprimido – não se diz mais pastilha – de qualquer coisa. Eu quero não sei que história, e não consigo dormir e tal e coisa". E sempre pensando naquilo: "Como é que podia ter sido, por que é que não foi? Eu que tive culpa ou foi o “fassur” [maldoso, miserável, n.d.c.] do fulano que teve culpa? Porque na hora exata em que eu ia olhar para tal coisa, ele pôs a cabeçona dele na minha frente e eu não pude ver... ou ele sem querer me pisou no pé, e passou o meu pé doendo o tempo inteiro, ele que teve culpa." Qualquer coisa. A culpa sempre é dos outros naturalmente, muito raras vezes é da gente.

Então vem uma espécie de misto de sofrimento e um certo gostinho do sofrimento, um certo gostinho da ansiedade. E depois a baixa e uma espécie de gosto da baixa. A gente vai falar com alguém que está em baixa: "Não, mas você veja, tal coisa não é razoável. Não se deve pensar assim, deve-se pensar de outra maneira. Tal coisa você se console de tal outro modo". Sobretudo quando o consolo é muito sensato, da “nó” [antipatia, azedume, birra, n.d.c.].

Imaginem que um, por exemplo, por culpa do outro..., ficou com o pé machucado. Então vai haver excursão fabulosa para tal lugar e ele não pode ir, porque fica no hotel. Então cai na baixa, porque é uma torcida que não se realiza. Então a gente diz para ele: "Não, mas olhe aqui: você se regale, você está aqui, é uma tarde agradável. O quarto do hotel é muito bonito. Você abre a janela, você vê um panorama bonito. Manda vir um bom lanche, e um livro e você se consola". Não consola. O sumo da frustração é ainda se consolar. Mais vale a pena ficar “nodoso” [birrento] e deprimido o tempo inteiro, do que aceitar uma consolação mais poca, de uma diversão mais poca, quando se a gente estava imaginando uma super diversão, uma coisa que a gente gostaria muito.

Então o melhor é ficar na baixa e cultivar a baixa, até os outros chegarem. Quando os outros chegam alegres, dá mais baixa. Afinal a baixa chega a um tal ponto, que o sujeito resolve sair de dentro da baixa. Mas há, portanto, uma espécie de ponto critico do tal prazer, do tal gostinho da baixa. A pessoa fica meio atraída pela baixa e meio querendo sair da baixa. Mas enquanto a baixa não atormenta demais, enquanto há uma espécie de proporção entre a baixa e o prazer que ela dá, o indivíduo prefere ficar na baixa e cultiva a baixa. Até afinal de contas escapar da baixa porque está fazendo sofrer demais.

* A torcida, o otimismo e o cultivo da baixa

Isso que se poderia dar com uma viagem à Europa, dá-se mais modestamente com os fatos da vida cotidiana, desde que um jovem tenha o hábito de torcer. Então pode se dar com tudo. Por exemplo, mais modestamente, como uma reunião de sábado. "É auditório novo, de São Miguel, e eu agora quero me sentar bem, para me resgatar de tantas noites que eu passei em pé na [no auditório da sede da TFP dedicada a] São Milas. Então, auditório aberto durante o dia nos Buissonnets [outra sede da TFP na Rua Dr. Martinico Prado, 246, dedicada à Santa Teresinha do Menino Jesus e que tinha o nome da casa onde ela e sua família moravam em Lisieux] entra meu jovem, olha um pouco e diz: "Onde seria a cadeira ideal para eu ficar aqui durante a reunião de sábado?" Pensa: "É tal cadeira assim, na primeira fila, porque não tem ninguém do meu lado. Depois, vendo assim, etc. Quer saber de uma coisa? É uma dessas cadeiras assim, de preferência esta".

Então, plano: "No sábado estarei ali para pegar essa cadeira." Naturalmente pode acontecer alguma encrenquinha, por menor que seja. Chega atrasado e em vez de pegar uma cadeira ali, pega uma das cadeiras lá atrás, ou fica em pé. Então, baixa. Se alguém disser: "Console-se, porque afinal de contas o Dr. Plínio resolveu fazer uma reunião mais curta e você vai ficar pouco tempo de pé", ou qualquer coisa assim... não quer. "Eu agora que entrei na baixa, quero cultivar a minha baixa, e quero ficar estertorando a baixa durante algum tempo, porque essa baixa para mim tem uma certa atração."

Bem, assim em mil outros fatos da vida cotidiana poder-se-ia dar assim. Eu imagino que ocasião dessas seja exame. Torcida. Quanto menos – é uma coisa que na lei dos exames nunca escapa, nunca falha - quanto menos o indivíduo estuda, mais ele é otimista. Faz parte... (risos). Os senhores sabem porque estão rindo. Faz parte da regra geral. Até aquele que não sabe se ele é otimista porque estuda pouco, ou se estuda pouco porque é otimista. Mas as duas coisas vão idealmente juntas.

Então, vai ele prazenteiro: "Sabe de uma coisa que vai acontecer? Eu ouvi falar de um colega que caiu aquela matéria única que ele sabia. Ora, eu também só sei uma. Logo, provavelmente vai me acontecer o que aconteceu com ele". E como aquela matéria ele otimisticamente imagina que sabe, ele entra na sala prazenteiro. Cai outra matéria: super baixa. "Que culpa tenho eu de não ter tido sorte? Eu sou um infeliz, perseguido pelas circunstâncias"...

A pessoa fica durante algum tempo nessa baixa. "E também tal coisa me aconteceu, e também tal outra..." Começa a lembrar uma porção de pseudo-azares que teve. Cultiva a baixa. Acha aquela baixa gostosinha, até chegar o ponto crítico que o indivíduo não agüenta mais. Então ele resolve “pôr a viola no saco” e se pôr contente de novo. Então se reintegra no bom senso e continua.

Os senhores conhecem gente com quem as coisas se passem assim? Os senhores que conhecem outros – não a si mesmos – com quem as coisas se passem assim levantem o braço para ter uma idéia...

Eu olhei para o auditório um pouco superficialmente, de propósito, para não dar a impressão que estou procurando a cara de fulano ou de sicrano para saber quem é. Mas olhando meio superficialmente eu tive a impressão que foi a unanimidade. Talvez não tenha sido, mas se não foi, está muito perto da unanimidade.

* Uma análise da torcida

Esta disposição de alma, ela merece uma análise. A pergunta que se tem a respeito dessa disposição de alma é a seguinte: como é que isto existe? Porque que isto é uma coisa que é o contrário do bom senso, é fora de dúvida. Então a gente pergunta como é que isso existe. Como é que uma coisa pode ser assim.

Os senhores notem que é toda uma sala, com rapazes cuja idade variam – se não estou enganado – entre 23, 24, anos ate 16 anos ou talvez um pouco menos, 15 anos. Portanto numa faixa de idade bem diversa, pertencentes a bairros diversos de São Paulo, a cidades diversas e alguns até a países diversos. Entretanto, eu descrevo o fenômeno, todos acertam o passo: é isso.

Agora, eu procuro, antes de tudo, a causa disto: como é que isso se pode ter formado. E tenho a impressão de que isso deve ter nascido, em parte pelo menos – há outras circunstâncias que concorreram para isto, mas isto deve ter nascido pelos menos em parte das revistas para crianças que circulam por aí. Porque uma ou outra vez me tem sido dado folhear uma revista assim. E eu tenho tido sempre a impressão de que o que se passa, o caso que é apresentado no drama, é sempre o caso de uma pessoa –sempre não, está exagerado – é com freqüência o caso de uma pessoa que passa por uma aventura do outro mundo. Vai para uma coisa que ela julgaria deliciosa, mas acontece um super desastre. Um super desastre, ela sofre horrivelmente. E depois a coisa se conserta. Mas o conserto, o termo final, não é o que mais impressiona. O que mais impressiona é o período atormentado e cheio de aventuras e complicado, em que a pessoa sente um certo gosto no sofrimento da aventura. Quer dizer, sente um certo gosto em atormentar-se a si próprio.

Eu pergunto se é verdade que as revistas infantis criam um estado de espírito tendente a isso. Os que viram ou leram em revistas infantis no seu tempo de menino coisas assim, desse gênero, queiram levantar o braço. Agora eu vi com atenção, é praticamente a unanimidade da sala.

* O que caracteriza o estado de espírito da torcida?

Esta concepção apresentada pelas revistas infantis, provavelmente deve ser corroborada pelos contos de televisão. Deve haver – eu não tenho o menor dado para isso, mas é normal que haja – narrações de televisão, programas para crianças e para adultos que tenham coisas dessas. E que ainda fixam mais a pessoa nessa idéia, nesse estado de espírito. De maneira que os Srs. estão vendo que é um estado de espírito fabricado, que é um estado de espírito produzido.

O que é que caracteriza esse estado de espírito? O que caracteriza é o seguinte: a normalidade da vida real não é essa. A boa realidade da vida normal causa muito menos sensações, causa muito menos impressões. Não é normal que a pessoa esteja fabricando para si sensações, porque a vida cotidiana conduzida razoavelmente não justifica sensações assim.

Vamos dizer por exemplo, o sentar-se numa cadeira boa no auditório de São Miguel. É uma coisa que é compreensível, que é razoável. Mas se não acontecer, não é um tormento. Os Srs. mesmos passaram não sei quanto tempo tendo a paciência de me ouvir, muitas vezes do lado de fora do auditório, “pendurados” naquelas janelas. E eu ficava com pena de alguns mais baixos que eu percebia que ficavam na ponta dos pés, para ver só assim com os olhos. Quem durante tanto tempo agüentou isso, evidentemente pode agora ficar de pé aí de lado.

Os senhores estão vendo que está cheio de rapazes que estão em pé – aliás eu devo avisar que estão sendo providenciadas cadeiras para os senhores poderem se sentar – bem, estão de pé e não vão morrer por causa disto. Então não há razão para formar essa torcida para pegar a cadeira. Porque onde não há uma grande delícia, nem há um grande horror _ não é uma tão grande delícia estar sentado em vez de estar em pé; não é tão horror estar em pé em vez de estar sentado –– não cabe uma grande torcida. E o fabricar esse embombamento é sair da realidade, é sair da verdade, é faltar com o bom senso, é simplesmente afastar-se da sabedoria da qual Nossa Senhora é o modelo.

* Toda torcida é uma frustração

O mesmo é até com uma viagem à Europa. Uma viagem à Europa não é uma viagem ao paraíso terrestre. Há uma ingenuidade em conceber uma viagem à Europa assim. A Europa é habitada por gente concebida no pecado original. E, portanto, gente que carrega todas as contingências, todas as limitações, todos os defeitos que nós carregamos. Ainda mais, gente trabalhada pela Revolução, e que debaixo de certo ponto de vista, teve mais culpa pela Revolução do que nós. Há coisas muito bonitas do passado. Mas são coisas que a gente vê, gosta muito, mas não produzem esses frêmitos assim. São coisas que quando a gente analisa, acha bonitas.

Eu sublinharia se fosse escrito, se eu estivesse escrevendo em vez de falar, estas palavras quando se analisa, eu sublinharia cinco vezes com tinta vermelha. Quando se analisa, a gente gosta. Mas não é de chegar e perder a voz e perder a fala e ficar nesses êxtases. Porque nada no mundo tem uma beleza tal que justifique estes êxtases.

Este mundo não é o Céu. A doutrina católica nos ensina que isto é uma terra de exílio, onde todas as coisas têm uma beleza maior ou menor, mas limitada, e que não satisfazem inteiramente o homem. A única coisa que satisfaz inteiramente o homem é o Céu. Nesta terra não há satisfação completa.

Resultado: não há motivo para a gente se pôr nesses êxtases e, por essa forma, criar uma expectativa que depois não vai ser realizada. Dá sempre em frustração. Todas essas coisas dão sempre em frustração. O fim de toda torcida é uma frustração. Por quê? Porque o que começa numa mentira tem que acabar numa desilusão.

Imaginem os senhores que eu quisesse imaginar que esta tábua que está aqui é uma pedra mármore maravilhosa, daqueles mármores que só se vêm na Itália, todo cheio de veios com cores cambiantes etc. Eu olho para aqui e encontro de repente uma tábua, tem que dar numa frustração. Toda mentira dá numa frustração. Imaginar que essas coisas são maravilhosas assim, é uma mentira.

Resultado: encontra a realidade, dá frustração. Forçosamente. E nós fazemos para nós uma fábrica de frustração. Escangalha com os nervos. As pessoas ficam nervosas antes da hora. Não há hora para ficar nervoso, a pessoa envelhece antes da hora.

Os Srs. têm razão de recear de envelhecerem antes da hora. Não terem a velhice serena e florida de Carlos Magno, que depois de toda espécie de batalhas, era chamado pelos seus súditos "o imperador da barba branca e florida". Moisés, quando estava velho, ele tinha uma vista perfeita e via todas as coisas. Naquele tempo não havia óculos, mas ele via as coisas como um jovem as pode ver. De outro lado, ele tinha todos os dentes em perfeito estado, numa época em que não havia odontologia, nem gabinetes dentários. Era um homem, um varão na força de sua idade, tendo passado por tudo quanto passou.

É uma velhice serena, uma velhice de varão. É diferente de certo tipo de velhice, que os Srs. vêem na rua, uma coisinha... Lembra uma descrição de Virgílio: "Animula vagula blándula - almazinha vaga e branda”, trotinando pelas ruas. Pobre detrito humano. Às vezes terá sido o infortúnio, às vezes terá sido a doença, e merece todo o respeito. Quantas vezes terá sido a torcida? Quantas vezes terá sido um apegar-se demais às coisas que depois dá em frustração? Quer dizer, é uma coisa que arruína.

* Qual o estado de alma que devemos ter?

Isso se tornou mais freqüente nas gerações dos Srs., do que na geração dos que hoje são velhos. Mas incomparavelmente mais freqüente. Se um moço como os Srs. sofresse pela causa da Igreja aquilo que sofre pela torcida, seria um santo!

Se quiserem eu posso repetir a frase. Quem quiser levante o braço.

Eu digo o seguinte: pela torcida os Srs. já calcularam quantas torcidas e frustrações fizeram os Srs. sofrer? Os Srs. imaginem que esse sofrimento fosse computável em quilos. Se os Srs. tivessem sofrido todos esses quilos pela Igreja, lutando por Ela e não torcendo, os senhores já teriam prestado tais serviços que seriam heróis, seriam santos! Quer dizer, mais os Srs. sofrem pela torcida do que pela causa à qual os senhores consagraram a sua vida. Não sei se está claro esse pensamento – se alguém quiser pode me perguntar qualquer coisa.

Acontece, portanto, que os Srs. devem combater essa torcida com toda a veemência, com toda a força, serem pessoas não torcedoras. Os senhores dirão: "Mas Dr. Plínio, nós vamos ser homens lorpas, moles... inúteis, sem fibra, como um pneumático furado fica assim, aquela coisa ali. É isso que o Sr. reclama, que o Sr. deseja para a formação dos escravos de Maria, guerreiros e monges?"

Eu quero almas de heróis. Mas o herói não é torcedor. A torcida vem do medo. Do medo da coisa não dar certo, e o herói não tem medo. Quer dizer, o que é preciso é um estado de alma inteiramente diferente.

Como é esse estado de alma? Nada de estar imaginando as coisas. Reflexão, raciocínio. Eu vou fazer tal coisa, por exemplo, eu vou assistir uma reunião no Auditório de São Miguel. Eu gozo a reunião não gozando a cadeira, mas tirando proveito da conferência. Então eu vou preparar o meu espírito pela oração, por um pequeno repouso; eu vou preparar o meu espírito para prestar atenção na reunião. Eu vou durante a reunião prestar atenção sobre se eu estou prestando atenção. Porque quando começar com sonhos, eu pego a minha imaginação e reconduzo ao ponto em que deve. E continuo a prestar atenção na reunião. E aí eu terei aproveitado.

Eu não sairei embombado, mas eu sairei satisfeito. Eu terei assistido uma conferência lógica, razoável, que eu imagino clara, e que é toda feita para aproximar os Srs. de Nossa Senhora. Então a pessoa sai com a consciência tranqüila e com os nervos em ordem. Está em paz para sair à rua, para rezar, para ir se deitar e ter uma boa noite. O cansaço legítimo da conferência, da atenção, preparou um bom sono. A pessoa acorda bem disposta. Isto é o normal.

* Meta a ser atingida: eliminação da torcida

Assim também, viagens. Vamos dizer que se desse essa lendária viagem à Europa. Como é que uma pessoa razoável se prepara para viajar à Europa? Nunca é com uma torcida. É com uma oração e uma leitura.

Oração: "Minha Mãe, fazei com que eu, nesta viagem, veja e ame tudo quanto me aproxima de Vós. Não veja, ou vendo, deteste tudo quanto me afasta de Vós. Fazei com que esta viagem seja um meio para a minha santificação, pelo cultivo cristão do meu espírito, que me una a Vós".

Depois, leitura. Eu vou a tais lugares, vou a tais monumentos. Vou ler num guia bem feito a história desses lugares, desses monumentos. Vou ler a crítica do lugar, para ver os artistas o que dizem e, chegando lá, eu vou ver se isso é verdade. Assim a gente viaja. Volta com a cabeça com recordações para a vida inteira. Com sabedoria para a vida inteira. Volta-se enriquecido, engrandecido de uma viagem. Não é com a torcida. A torcida destrói tudo.

Nós devemos, portanto, caminhar lentamente para a destruição da torcida, para a eliminação da torcida. Para dar pessoas assim razoáveis, calmas, criteriosas, vivendo muito mais da reflexão do que do torce-torce, torce-torce, torce-torce. Elimina a torcida. A reflexão, a meditação, o ato de vontade firme, são a nossa vida.

Os senhores dirão: "Mas Dr. Plínio, eu não vou achar a vida muito cinzenta depois disto, e muito sem graça?"

Os Srs. tomem, não sei – me perdoem, mas já que os Srs. me têm na sua frente - tomem-me a mim. Eu não sou nem um pouco torcedor, mas nem um pouco. Os Srs. não podem dizer que eu ache a vida sem graça. Graças a Deus os Srs. nunca me viram na baixa. Olhe que razões, heim... enormes! Nunca me viram na baixa, nunca os Srs. ouviram dizer o seguinte: "Dr. Plínio hoje não está atendendo porque está deprimido". Nunca. Não há. Nunca os Srs. me viram fazer uma reunião para os Srs. como quem acha cacete estar fazendo a reunião. Eu sempre estou animado na reunião que faço. Estou interessado em tratar com o meu auditório. Tenho interesse pelo meu auditório, empenho. Qualquer coisa que eu estou fazendo, eu estou fazendo satisfeito. Estou fazendo alegre. Ainda que eu esteja sofrendo, porque eu sei que eu estou servindo a Nossa Senhora. Nisso está a alegria de minha alma. Está acabado.

Não é melhor habitar dentro de minha pele, do que habitar dentro da pele de um torcedor? Os Srs. não vêem por aí quanto a torcida lhes tira? Os Srs. têm certeza que, chegando aos meus 65 anos, os Srs. têm a mesma disposição para viver, a mesma continuidade no trabalho, a mesma alegria que Nossa Senhora me dá? Acho que tem razão para duvidar. Quer dizer, aí os Srs. veem bem como a vida sem torcida é uma vida eminentemente habitável, uma vida eminentemente conveniente, uma vida que aproxima de Nossa Senhora.

* A torcida e a ação do demônio

Agora vem a questão de gostar da dor. Gostar desse sofrimento da torcida. É próprio do homem gostar do sofrimento? Não. A natureza humana tem horror ao sofrimento. O normal do homem é detestar o sofrimento. Então, como é que se explica que tantos homens, ou que haja um certo número de homens hoje em dia, tantos homens gostem do sofrimento? Um homem pode aceitar o sofrimento por uma causa superior. Mas aceita não gostando. Se ele gostasse não tinha nenhum mérito.

Vamos dizer, São Francisco de Assis. Ele se flagelava, ele levava uma vida com jejuns terríveis. Ele tinha mérito porque é ruim, é desagradável se flagelar, é desagradável jejuar. Se fosse agradável não tinha mérito nenhum.

Mas há uma certa categoria de gente que por uma deterioração, por uma deformação, gosta do sofrimento. É um vício moral chamado masoquismo. Provavelmente os senhores já ouviram falar desse vício. É gente que se atormenta e às vezes até paga outros para darem neles, é uma tara. Paga outros para darem neles, porque gostam de apanhar, gostam de ouvir desaforos etc. Então tem gente que está ganhando, dá surras, diz descomposturas, mete pontapés. Quando o sujeito está bem surrado, ele sai aliviado de lá. É uma forma de degenerescência. Essa degenerescência existe.

É meio parecido com o masoquismo o fato do torcedor tomar gosto no amargo da torcida, no amargo da frustração e da decepção. E é também isto uma degenerescência. É uma coisa que não deve ser. E acontece que, como todas as degenerescências, há nelas e também nesta, uma presença especial do demônio. O demônio atua especialmente nas degenerescências. De maneira tal que, a pessoa que tem uma tendência assim, pode suspeitar que haja, que está objeto não só de uma deformação pessoal que precisa corrigir, mas de uma ação do demônio. O próprio do demônio consiste em provocar a degenerescência, em acentuar a degenerescência quando ela existe. E eu acho que nesse gostinho do torcedor pelo tormento da torcida, nesse gostinho entra uma tentação do demônio especial. E quem entra nesse jogo de torcer e sofrer a pressão da torcida, e gostar, esse se entrega, sem perceber – mas eu agora estou abrindo os olhos e podem já perceber – se entrega à uma ação especial do demônio, a uma ação preternatural especial.

Por que é que o demônio é assim? Os Srs. já devem saber que o demônio está no inferno por ordem de Deus, e que se ele quisesse ele não poderia sair, porque Deus proíbe. Mas que ainda que Deus permitisse, ele não iria ver a Deus, por ódio e por encontrar uma espécie de falso gosto no estar se refocilando no seu próprio tormento.

Se os Srs. forem imaginar uma “festa” no inferno - bem, a “festa” tem que ter não sei quantas aspas de cada lado - a festa é assim: é uma pancadaria recíproca, feita de tormentos espirituais mútuos horríveis, e físicos, quando se tratar de pessoas que estão com o próprio corpo dentro do inferno. O fogo do inferno que queima as almas, o fogo do inferno atormentará as almas especialmente, todos se dizem horrores, se brutalizam, sai um caos, uma desordem. Os Srs. podem imaginar pencas de demônios pendurados uns nos outros e se torturando. Uivos dilacerantes e eternos. Isto aí é uma “festa” do inferno.

Dentro disto, o demônio tem aquilo que São Tomás de Aquino chama gaudium phantasticum. Não é fantástico no sentido corrente da palavra portuguesa. Quer dizer, uma coisa que é tão esplêndida como não sei. Não é isto. Mas é fantástico no sentido latino da palavra, é irreal como um fantasma. É um gaudium que não é gáudio. Que é feito de tristeza, mas que enche a eternidade do demônio no inferno. É assim esse tormento do torcedor na terra, já é algo do gaudium fantasticum. E assim é uma coisa que é, debaixo de todos os pontos de vista, reprovável.

* Dois sublimes modelos da não-torcida

Quem ficou com horror daquelas cenas de ontem deve portanto preparar-se para ter um especial horror a esse gaudium interno péssimo, que as revistas em quadrinhos, as historietas da televisão, o ambiente podem ter criado na alma dos Srs. E devem pedir a Nessa Senhora com empenho muito especial, que tire esse defeito. Deve começar a combater esse defeito. E se os Srs. tiverem interesse pela matéria, na próxima reunião, se Deus quiser, eu posso mostrar como se combate esse defeito. Não quero tratar agora porque já tratei de muito assunto e produz um engorgitamento de matérias excessiva. Depois, os senhores estão com o pé no estribo do ônibus para partir (para irem à cidade de Aparecida do Norte, n.d.c.), é normal que a reunião termine um pouco mais cedo.

Mas eu não queria ter deixado de tratar isto com os senhores à vista dos quadros que os senhores viram ontem.

Os senhores devem então pedir a Nossa Senhora – eu lhes proporia que já votem a isso esta peregrinação (à Aparecida do Norte). Quer dizer, que façam essa peregrinação para pedir a Nossa Senhora que transforme no espírito dos Srs. estas minhas palavras em luz, em algo que atue dentro dos Srs. e que leve os Srs. a detestarem essa desordem, imaginando a serenidade, a tranqüilidade, a força dEsta que é a Mãe de toda sabedoria, o modelo de toda a sabedoria e que não tinha torcida nenhuma.

Os Srs. querem ver a prova da não torcida? Um episódio culminante da vida de Nossa Senhora: a Anunciação. É um episódio culminante da História do mundo. Se se pode dizer que Deus tem história, é um episódio luminosíssimo da História de Deus. É o momento que o Verbo vai se encarnar. Aparece o Anjo e saúda Nossa Senhora: "Ave Maria, cheia de graça", etc. Ela o que é que faz? Ela se embomba? Nem de longe! Cogitabat qualis erat ista salutatio. Ela cogitava qual era essa saudação: análise. Quando o Anjo disse a Ela do que se tratava, aceitação sereníssima, cheia de amor, mas quão sem embombamento! "Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a Tua palavra". E o Verbo se encarnou e habitou entre nós. Pronto, acabou, não tem mais nada.

Os Srs. querem ver outro modelo de não-torcida? A narração da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo em qualquer dos quatro Evangelistas. Não tem uma palavra destinada a comover. Não tem uma palavra destinada a arrancar pranto. As lágrimas mais nobres que os homens têm vertido sobre a terra são a propósito da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. E quando Clóvis e os dele - Clóvis, rei da França - ouvia contar da Paixão, eles levantavam as lanças e diziam: "Por que é que nós não estávamos lá nessa hora?"

* Qual a virtude oposta à torcida?

Os cruzados fizeram tudo aquilo para libertar o Santo Sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tudo entusiasmo, nada imaginação, nada fábulas, nada mentira, nada vão, nada torcida, nada desse gostinho péssimo da baixa, do gostinho péssimo da frustração, que vai tomando conta do mundo contemporâneo e prepara eventualmente a ação do demônio.

É ou não é verdade que torcida e obediência são coisas antitéticas, opostas? E que se nós quisermos levar uma vida de obediência temos que levar uma vida sem torcida? Então, o pórtico da "Confraternitas Laicalis" é um desejo ardente de não torcida, para poder obedecer.

Os Srs. já viram algum exército em que os soldados têm tanta torcida, que o capitão não pode mandar "meia volta, volver!" por que eles querem virar do outro lado?

Então, meus caros, os Srs. estão vendo o que é que os Srs. devem pedir a Nossa Senhora.

Qual é a virtude oposta à torcida? É a temperança. Porque a torcida é um destempero. Pedirem a Nossa Senhora a temperança, fonte da lucidez, fonte da firmeza de vontade, fonte de todas as ordens interiores e condição da obediência. Ela foi o modelo da temperança. Peçamos a Ela essa temperança que é a temperança dos heróis.

Eu - se os Srs. me lembrarem - na próxima vez projeto para os Srs. algumas iluminuras medievais, para mostrar aos Srs. como era a temperança medieval, como é que a gente deve ser etc. Ao lado talvez de projetar de novo aquelas figuras horrendas de ontem à noite, para a gente medir bem a diferença entre uma coisa e outra. E assim ir adquirindo o gosto da temperança.

Talvez fosse conveniente fazer um estudo, um adestramento especial desta reunião porque me parece uma reunião eminentemente preparatória para os bons propósitos das “Itaqueras” serem consolidados.

Meus caros, vão sob as vistas de Nossa Senhora para junto do manto de Nossa Senhora (à Aparecida). Que Ela os acompanhe e rezem por mim. A reunião está terminada. Não sei se alguém quer me perguntar alguma coisa. Não havendo, está terminada a reunião.

Eu tenho aqui um bilhete do Sr. Manomi me avisando, me lembrando que amanhã é o dia de Nossa Senhora das Dores. Nossa Senhora das Dores é Nossa Senhora da suma temperança. Eu acho que não há, não houve na História ato de temperança maior do que o seguinte:

Todos os prazeres que a pessoa pode ter não são comparáveis a ver diretamente a Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas tanto maior é esse gáudio quanto melhor a pessoa vê Nosso Senhor Jesus Cristo. Quer dizer, O vê na Sua humanidade santíssima, O vê na Sua santidade portanto, O vê na Sua divindade. Ora, nunca ninguém viu, nem vê, nem verá a Nosso Senhor Jesus Cristo como Nossa Senhora viu. De maneira que Ela tinha ao vê-Lo um deleite que era inexprimível, e do qual nós não podemos ter nenhuma idéia. Ela tinha um amor a Ele, e um desejo da conservação da vida dEle, como nós não podemos ter nenhuma idéia.

Os Srs. tomem qualquer mãe digna desse nome, a idéia de que o seu filho pode morrer a deixa simplesmente dilacerada. E às vezes é um filho comum, às vezes até um mau filho. A mãe, entretanto, se dilacera com a idéia de que ele possa morrer. Quanto mais Nossa Senhora, que ao pé da letra adorava o Filho dEla, porque Ele merecia adoração, é Deus. São Luís Grignion de Montfort disse que Nossa Senhora ama cada um de nós como todas as mães juntas não amariam a seu filho único. Quanto mais Ela amará, amou e ama a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Está bem, chegou um determinado momento em que o Padre Eterno pediu a Nossa Senhora o consentimento para a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Disse a Ela o seguinte: se Vós não quiserdes, Ele não morrerá, mas Ele morre para minha glória e para a salvação do gênero humano. Eu quero o vosso consentimento. E Ela era convidada, assim, por Deus a dizer “sim” para a maior dor que a gente possa imaginar, para o maior desapego que a gente possa imaginar. Ela disse “sim”! Essa é Nossa Senhora das Dores.

Então, façamos essa caminhada em louvor desse ato de temperança dEla, para que Ela estenda essa temperança à nossa alma. Nós teremos feito uma esplêndida peregrinação!

E assim está terminada a reunião.


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