Plinio Corrêa de Oliveira
Harmonia entre as classes sociais e Revolução Francesa
Santo do Dia, 10 de agosto de 1974 |
|
A D V E R T Ê N C I A Gravação de conferência (trechos), não tendo sido revista pelo autor. Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
|
|
Ilustração: Madame Elisabeth, irmã mais nova do Rei Luís XVI da França, visita pobres da região de Versailles, a quem lhes distribui gêneros alimentícios (pintura de Richard Fleury, Museu Nacional dos Castelos de Versailles e de Trianon) * * *
O historiador G. Lenotre (1857-1935) compôs
vários contos natalinos, cujo enredo se desenvolve nos dias da Revolução
Francesa, descrevendo situações e personagens daquela época. Entre eles “Mathiote”,
o limpa-chaminés que numa noite de Natal ajudou o Conde de
Plessis-Morambert a fugir da prisão. * * * Eu viro a página e entro no conto da Revolução Francesa. Creio até que nossa reunião vai terminar antes da hora e o conto não leva tanto tempo assim. E resumindo, a gente se entende. * Lenotre, embora fosse historiador, mostrou-se tão brilhante enquanto literato que foi aceito na Academia Francesa de Letras A que propósito o conto? Por quê não conto um fato autêntico, mas conto um conto? De onde foi tirado esse conto? Esse conto foi tirado de um livro muito pitoresco do G. Lenotre, que é o historiador mais saboroso da Revolução Francesa. Esse Lenotre era um historiador, ia procurar os fatos nos arquivos e montava narrações históricas, mas com tal talento literário, quer na exposição oral, quer na exposição escrita, que entrou para o mais alto cenáculo literário do mundo, que é a Academia Francesa de Letras, enquanto literato, apesar de ser um historiador. O quê é para um homem uma glória, quando ele recebe a mais alta láurea pelo que ele tem de secundário. Isso é uma espécie de requinte na glória. Quer dizer, aquilo que é o acessório..., ele recebe um prêmio mundial. Os srs. compreendem que glória isso representa. Ele era um homem de mediana fortuna e de uma família de burguesia média, meio antiga da França. Uma situação social potável, mas que não lhe dava de nenhum modo acesso aos círculos da alta nobreza e da alta finança, que levavam uma vida muito mais brilhante do que a dele. Mas ele era convidado por toda parte, e todo mundo ficava espreitando quando é que ele resolvia contar um fato, porque todo mundo ficava suspenso dos lábios dele. Ele as vezes era meio resmungão, meio gordão ── parece que dotado de um apetite excelente, prova a mais de inteligência... ── e afinal os convidados combinavam uns com outros e mandavam as vezes uma velha duquesa, às vezes uma mocinha graciosa dizer a ele: “M. Lenotre, racontez-nous quelque chose” [Sr. Lenotre, conte-nos alguma coisa]. Então, era o melhor. Melhor que a champanhe, que o caviar, era a hora em que o Lenotre contava um conto. * A sociedade francesa no período "entre les deux Guerres" tinha profundo interesse pela História ── Exemplo: "L'Université des Annales" Aliás, os senhores não têm muito idéia do que era a vida social na França, sobretudo antes dessa II Guerra Mundial. Era uma coisa tão diferente dos costumes americanos que, de passagem, e já que nos sobra um pouco de tempo, não há inconveniente em contar. Por exemplo, conferência sobre História. Os srs. anunciam aqui conferência sobre História, um pinguinho de gente, se é que for, não é? Quando tiver muita propaganda vai um pinguinho de gente. Havia na França uma instituição chamada L'Université des Annales. Ela organizava conferências assim: convidava os melhores conferencistas da França para fazerem conferências sobre personagens históricos. O conferencista falava com um palco atrás e um lugar para orquestra embaixo. Enquanto ele falava, iam passando atores da Opera de Paris, ou da Comédie Française, com trajes do tempo que ele narrava, e representando os personagens de que ele estava falando. Passavam pela cena, faziam uma reverência e saíam. De maneira que eram grandes artistas vestidos com roupas tiradas de museus. E de vez em quando, a orquestra tocava, ou um solista cantava uma música daquele tempo. Os srs. compreendem... isso é História. De outro lado, quando havia recepções, cocktails etc. não era essa chupança de suco de tomate, de álcool que há por aqui. Isso era secundário. Eram grandes declamadores, grandes atores, grandes intelectuais que davam um número, ou dois ou três, de alta cultura, para todo mundo ouvir. E recebiam como presente, na hora, joias. De maneira que era um nível e um brilho de coisas que é bom que, pelo menos, se saiba que existiu, para que a cabeça da gente tome um andar a mais. É sempre vantagem, abre os horizontes. * Justificação da importância dos contos ao lado da historiografia oficial Esse era o Lenotre e ele publicou muitos trabalhos sobre a Revolução Francesa e publicou também esse livro de contos. A gente poderia perguntar que contos são esses e que valor têm esses contos. Não era melhor um fato histórico? Quando se dá um acontecimento muito importante como a Revolução Francesa, ao lado dos fatos que deixam recordação nos arquivos, existem fatos que não deixaram traços nos arquivos, mas que se contam de boca em boca, e que ficam célebres. E esses fatos um literato pode registrar, pode conservar para a História. Foi o que fez Lenotre. Quando é que um fato desses fica célebre? Quando se propaga entre muitos. Quando se propaga entre muitos? Quando muitos vêem no fato algo de típico sobre a Revolução. Quer dizer, muitos que viveram a Revolução, que participaram dela, ouvindo o fato guardam e contam adiante, porque acharam que era típico, era característico. É uma espécie de depoimento geral sobre o ambiente da Revolução. Os srs. dirão: "Dr. Plinio, cuidado! Quem conta um conto, aumenta um ponto. Será que esses fatos não têm inverdades?" Aí está o mais saboroso. É que os fatos passam de boca em boca e vão sendo modelados, porque cada um coloca algo de um pouco mais característico. E fica uma contribuição anônima de muitos sobre como eles viram a Revolução Francesa. Quer dizer, o fato fica uma espécie de depoimento coletivo, de como eles sentiram a Revolução, embora o fato tenha, às vezes, um núcleo verdadeiro só e toda a periferia do fato é uma periferia historicamente discutível. Mas há o ambiente dos acontecimentos. É mais ou menos como a respeito dos fatos semi-mitológicos da Grécia antiga: se conhece o ambiente da Grécia antiga, embora aqueles fatos semi-mitológicos sejam muitos, falsos e outros, discutíveis. Quer dizer, é a mitologia da Revolução Francesa. * "O Conde e o Menino": um conto de Natal que reproduz a mitologia da Revolução Francesa Aqui então os srs. vão ver um conto que nos reproduz a mitologia da Revolução Francesa. Eu falei do Lenotre... como estou longe do Lenotre, mas enfim, vamos repetir o que ele contou. O conto – eu não me lembro mais em que ordem ele põe – mas poderia ser apresentado dessa maneira: os senhores imaginem a Conciergerie, a prisão lúgubre onde eram detidos todos os nobres que eram processados e mandados para a cadeia. Imaginem nas vésperas da noite de Natal do ano de 1792 ── vamos dizer ── na Conciergerie, um conde francês preso. Preso por ser conde, preso por ser nobre, preso por ser de uma família que prestou grandes serviços no tempo das Cruzadas, nas lutas contra os adversários, por representar um elemento que se destacava dos outros por sua cultura, por sua elegância, por sua distinção. Preso. Preso e condenado à morte, esperando na manhã seguinte a cena de todos os dias. A Conciergerie ficava cheia de presos e todas as manhãs vinha uma carretinha em que cabiam dez, doze, quinze, às vezes vinham duas ou três carretinhas ── naturalmente naquele tempo de tração animal, puxadas a cavalo ou a burro, e um homem descia e todos os prisioneiros de juntavam. Era lida a lista dos que tinham que morrer naquela manhã. Eram quinze, vinte, trinta. E eles iam para a morte; os outros ficavam para o dia seguinte. Assim, três, quatro meses em que o indivíduo tinha um pouco de respiração depois que partia a carretinha; à medida que ia entardecendo ele sentia que era talvez o crepúsculo de sua via que ia chegando - e acordava agoniado, quando conseguia dormir ── para esperar para ver se não ia morrer. Essa guerra de nervos. Os srs. imaginem esse conde pensando, sozinho, olhando pelas grades de sua masmorra, e se relembrando de fatos passados. O Natal está chegando, o Natal que era para ele, na sua mansão de Paris, o Natal de tal ou tal modo assim. Esse conde, em concreto, era viúvo, possuía apenas um filho, este filho era menino. Ele preparava todas as noites de Natal para o menino uma ceiazinha e acordava o menino quando chegava meia-noite. O menino era despertado e encontrava perto da lareira, brilhantemente acesa, uma pequena árvore de Natal, e encontrava coisas para comer e depois via nos sapatos que estavam colocados próximos à lareira, via nos sapatos os presentes que São Nicolau, o Papai Noel teria trazido para ele. O menino acreditava em Papai Noel. O menino era órfão de mãe e o conde procurava ser, para com esse menino, o mais afetuoso possível, para substituir a mãe que tinha morrido. Numa noite de Natal, o conde esperando sozinho fazer a hora para acordar o filho, quando de repente ele ouve, da lareira ainda não acesa, uma barulheira e cai de dentro uma criança. * A descrição da cena do menino pobre caindo pela chaminé no salão nobre do conde Cai de dentro uma criança, era o meninote que ele tinha pago para fazer a limpeza, desobstruir de fuligem a chaminé, para que as chamas pudessem subir bonitas. Era um menino pobre, era noite de Natal e ele tinha mandado dar para qualquer menino da rua, por meio dos empregados, a incumbência de subir pelo teto - era uma profissão - e de limpar a chaminé. Faltavam ainda algumas horas, o menino estava limpando a chaminé e caiu. Caiu todo sujo de fuligem, um desastre. Ele vê aquele menino cair, se ergue espantado, menino do povo e encontra diante de si aquela sala bonita e encontra aquele homem sozinho. Os srs. podem imaginar a cena: sapatos de verniz com salto vermelho como usavam os nobres; fivelas de prata, ou ouro, com brilhantes, com pedras preciosas, meia de seda até o joelho, vestido todo de seda, cabeleira branca empoada, contando as horas, e que se espanta quando cai aquela criança. Ele vê a criança levantar-se e percebe que primeira reação da criança foi um olhar de fome, danado, e de vontade louca de comer as coisas que estavam na mesa, destinadas ao outro menino. Ele fica com pena do menino, mas não pode dar aquilo porque estava destinado ao filho dele; não vai desfalcar a festa do filho dele. Mas como teve pena, ajuda a criança a remover aquele lixo, manda a criança se lavar, o menino vem despedir-se e agradecer e ele dá para o menino um presente de Natal. Era um presente régio: uma moeda de ouro chamada luiz, porque tinha a efígie do rei Luiz. Havia luíses do tempo de Luiz XV e de Luiz XVI. Mas que dava para comprar uma comedoria... seria mais ou menos como uma libra esterlina de hoje, que dava para uma festa de Natal régia. O menino se retira muito agradecido, mas nos anos seguintes, quando se aproxima a festa de Natal, o menino vai de novo à casa pedir para limpar a chaminé. O conde, naturalmente, acha graça na cosa, e resolve dar cada Natal a mesma moeda de ouro para o menino. E, naturalmente, forma-se entre o menino e o conde uma espécie de benevolência, de simpatia. O conde começa durante o ano a ajudar o menino, a família do menino, etc; se os senhores quiserem, forma-se uma relação semi-feudal, de vassalagem, de simpatia e proteção entre o conde e o menino. O menino fica mocinho como o filho do conde fica mocinho também. Arrebenta a Revolução Francesa e o conde é perseguido, é preso, o filho dele foge de casa, a casa fica abandonada. São vésperas de Natal da Revolução Francesa e enquanto o conde está na prisão lembrando dessas e de outras cenas familiares, o filho do conde, pobre, vagueia pelo bairro onde antigamente fora sua mansão. De noite ele encontra o menino. E como ele tinha ficado amigo do menino, param e o menino pergunta como está o conde. * O filho do conde, o limpador de chaminés e um luiz de ouro ── Você não sabe? Meu pai foi preso. ── Mas como? Então, o conde foi preso? Como você pode dizer isso? E o filho do conde conta para o menino que os nobres estavam sendo presos. Paris era uma cidade enorme e parte da população nem acompanhava bem o que acontecia com a Revolução. E o rapaz disse para o limpador de chaminés: ── Este ano, meu caro, não tem luís de ouro, nem para você, nem para mim. O limpador de chaminé diz o seguinte: ── Mas como não tem luís de ouro... Não tem nada? ── Não tem. Eu só tenho aqui um maço de moedas, mas esse maço de moedas é para eu subsistir e para arranjar um jeito de libertar meu pai. Mas não sei como libertar meu pai. O limpador de chaminé diz a ele: onde está seu pai. – Na Conciergerie, assim, assim. - Se você me de o maço de moedas para libertar seu pai, o senhor confia em mim em que eu de fato liberto? - Tome as moedas. * Por uma lareira da prisão, o limpa-chaminés encontra um jeito de chegar até a cela do conde e põem em prática o plano da fuga Dia de Natal na Conciergerie. O conde está olhando, essas e outras cenas lhe vêm de novo ao espírito; há uma lareira miserável, raquítica, acesa. E os senhores estão vendo o resto: o menino arranja um jeito de descer, não se queima com as miseráveis brasas que estão ali vegetando, aparece para o conde, muito surpreso. E aparece vestido como um limpador de chaminés, com um pacote nos braços. O conde: ── Você aqui? Entrado por aqui? ── Não temos um minuto a perder. O senhor execute o plano que eu vou lhe propor, e nós nos saímos bem. Eu venho trazendo uma roupa toda suja, de limpador de chaminés para o senhor também. E o conde faz o que nunca imaginou na vida. Mete-se na roupa do limpador de chaminé. O mocinho pega aquela fuligem, arranja a cara dele, e diz: ── Agora, nós vamos sair pela portaria, dizendo que somos os limpadores de chaminé que já fizeram o serviço e agora vamos sair. É a hora em que troca um guarda pelo outro e o guarda que entra não sabe quem entrou para limpar a chaminé e não controla quem vai sair. Se sairmos agora, existe uma possibilidade de nós dois escaparmos. Senão, ficamos presos aqui e eu arrisco minha vida com a sua. Não adianta nem perder tempo me agradecendo. Agora é preciso sair. O conde entende a situação e saem os dois, vão até à portaria. Na portaria, o rapaz apresenta-se ao porteiro, o porteiro dormitando, diz: o quê é isto aqui? O rapaz faz um sinal ao conde, pisca e diz: ── Vá andando. E diz para o porteiro: ── Nós somos limpadores de chaminés.... ── Chama aquele lá que vai andando... ── Não, eu sou o limpador e eu queria dizer ao senhor que aquele meu colega já vai andando, eu queria dizer a você ── na Revolução só se tratava de você ── o seguinte: eu tenho aqui um pacote de moedas, que é um pacote que mandam para seu chefe. Agora, não sei bem o que faço: se ele e eu esperamos seu chefe acordar, ou se nós saímos e deixamos as moedas para você guardar. Neste momento, a coisa ficou entre a vida e a morte. O homem pensou consigo e disse o seguinte: ── Não, pode deixar aqui que eu entrego e vocês vão andando. Porque ele, a partir desse momento era interessado que os dois saíssem para não contar nada para o chefe. Os dois saem devagar, entram pela Paris deserta e vão até próximo à casa do conde, onde tinha encontro com o filho do conde. Ali se encontram, tomam os cavalos e fogem. E os três estavam salvos da fúria republicana. Esse é o conto que representa um Natal contra-revolucionário dentro da Paris revolucionária. * A relação entre o conde e o limpador de chaminés ilustra o embricamento, cheio de benquerença, das classes sociais antes de 1789 - O dever dos grandes junto aos pequenos, segundo São Tomás O que esse conto representa? Ele dá uma versão real ── e tão diferente da versão revolucionária ── das relações entre as classes sociais antes da Revolução Francesa. É a imagem inteiramente oposta que esses livrinhos que falsificam a história apresentam por aí. A imagem que se teria normalmente de um conde em cuja chaminé cai um menino, era [a de que ele afastasse o menino e dissesse:] ── “vai me sujar a cara, pára aí dentro. Além de me estragar a chaminé, ainda essa! Você vai é apanhar! Manda chamar um homem com um chicote e diz: ── Embrulha esse sujeito num pano para não me sujar a casa, chega lá fora, dá umas chicotadas nele e [com] um pontapé [ponha-o] na rua. Ainda bem que você fica vendo que você não tem nada dessa comida que está aí para meu filho. Vagabundo! Plebeu! Essa comida é para nobre e não para plebeu. Vai embora! Essa é a imagem que esses livrinhos de história insinuariam a respeito desse episódio. Agora os srs. veem a realidade inteiramente diferente. A harmonia, afabilidade, boa relação entre as classes sociais, baseadas num princípio profundamente católico, que é o seguinte: deve haver uma hierarquia de classes sociais; mas essa hierarquia não pode ser levada tão longe, que aquele que está em cima negue a elevada condição de homem ao que está debaixo e, sobretudo, a elevada condição de batizado e que é membro do Corpo Místico de Cristo. Portanto, deve tratar o outro com bondade, com afabilidade, protegê-lo, ajudá-lo nas suas necessidades, e até além de suas necessidades. Então, o cumprimento desse dever por parte dos que estão de cima traz um dever da parte dos que estão debaixo: é o dever da gratidão. Quando aquele que foi benfeitor está em apuros, eles retribuem. E aí está o vínculo que reúne as classes sociais diversas numa unidade. Esse pequeno episódio ilustra uma realidade histórica e dá um exemplo concreto de um princípio profundo da doutrina católica. Como a desigualdade das classes sociais pode ser aproveitada como elemento para a união dos homens e não como fonte para a desunião dos homens. São Tomás de Aquino diz formalmente que há nobres e plebeus, grandes e pequenos, ricos e pobres, inteligentes e menos inteligentes, para o benefício não só dos que são mais, mas também dos que são menos; porque aquele que é menos, recebendo um benefício daquele que é mais, vê naquele que é mais como que uma imagem de Deus e pode amar melhor a Deus. Aqui os srs. estão vendo nesse menino como ele viu, na bondade do conde, uma imagem da bondade de Deus; e como depois ele se dedica ao conde num ato que tem qualquer coisa de dedicação ao próprio Deus. Os senhores estão vendo ilustrado num modo fácil de guardar, de um modo atraente, de um modo interessante, ilustrado um princípio doutrinário profundo. Isso sugere aos senhores um método de apostolado. Quando quiserem falar na tese das desigualdades sociais harmônicas, etc, em vez de darem a pura teoria que é, muitas vezes, fatigante, os senhores tenham um fato concreto interessante. E esse fato concreto contado, depois se presta a uma interpretação. A interpretação é muito mais leve do que a pura teoria. Além do que, diziam os antigos, que as palavras persuadem e os exemplos arrastam; e o fato concreto, assim narrado, é um exemplo, uma testagem da vida antiga, do antigo teor de relações nas sociedades hierárquicas, que pode bem facilitar as relações entre os homens ainda hoje em dia e que nos dão a idéia do que é a verdadeira doutrina católica. * O paternalismo, tão odiado pela democracia-cristã, é um reflexo do próprio Padre Eterno, segundo a concepção católica - A TFP é paternalista Isso não quer dizer que, pela doutrina católica, exista necessariamente uma aristocracia. Quer dizer, que a aristocracia é, também ela, conforme à doutrina católica. Na própria Idade Média houve Estados sem aristocracia. As cidades livres da Alemanha, por exemplo, eram cidades burguesas. Mas eram cidades nas quais havia, como em toda sociedade bem organizada, os grandes e os pequenos, em que o teor de relações entre grandes e pequenos era esse. Quando ouvirem os democrata-cristãos falarem contra o paternalismo, os senhores compreenderão melhor contra o que eles blasfemam. A relação paternalista é a relação do grande com o pequeno como se o grande fosse pai do pequeno. E é contra isso que eles são. Eles são contra a própria perfeição do universo. Deus é infinito e é Pai nosso, que somos finitos, e quer que entre nós os maiores sejam pais dos menores. É esse o grande princípio. Nós somos paternalistas, mesmo! E quando eles nos acusam de sermos paternalistas, nós devemos responder que: essa acusação, para nós, é uma glória; e que vocês tenham chegado a usar a palavra paternalismo para fazer dela uma injúria, denuncia quem são eles. Vocês nos qualificam e se qualificam. Isso é o que os senhores devem responder. |