Plinio Corrêa de Oliveira
A gentileza contra-revolucionária Respeitar os outros e respeitar a si mesmo
Reunião Extra, 15 de junho de 1974, Sábado |
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A D V E R T Ê N C I A Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor. Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
Em geral, se convencionou a idéia de que a gentileza é uma forma de amabilidade que torna a pessoa atraente, que atrai os outros. Então, segundo os padrões correntes, seria pessoa gentil, a pessoa sempre muito amável, pessoa risonha, muito disposta a fazer favores, fazer pequenas atenções e com isso muito capaz de atrair os outros. Não sei se é esse o conceito corrente de gentileza que os srs. conhecem. Se os srs. conhecem esse conceito, tenham a bondade de levantar o braço, eu quero ver os vocabulários como mudam de época para época. Então, não mudaram tanto assim... Agora, na realidade, eu acho que se nós fossemos cuidar de gentileza apenas neste sentido restrito, nós estaríamos jogando mal, porque a arte de atrair os outros não consiste apenas em sorrir, não consiste apenas em fazer pequenos favores. É muito mais complexa a arte de atrair os outros. E para essa arte de atrair não há uma palavra própria, então a chamam de gentileza. Mas o que se chama hoje de gentileza é apenas uma parte do conjunto dessas coisas que é a arte de atrair. Então, vamos tratar de ver qual é a arte de atrair os outros. Em geral, a gente atrai os outros porque tem algo para dar para os outros. Daí não escapa. Quando não tem algo para dar, a gente não atrai. Naturalmente, as pessoas muito ricas atraem porque têm dinheiro e proporcionam prazeres, proporcionam prestigio para os outros; as pessoas muito inteligentes atraem – quando atraem, porque hoje a pessoa muito inteligente nem sempre atraem – quando encontra outros que querem participar dessa inteligência por meio da conversa, querem apresentar alguma coisa; as pessoas muito divertidas atraem porque fazem dar risada. Mas como os srs. estão percebendo por todos esses exemplos, as pessoas atraem porque dão algo. Atrair por essas razões não é muito difícil. Uma pessoa que tenha dinheiro e encontrar alguém que gaste com ela, é a coisa mais fácil que pode haver no mundo. É só ter um bonito automóvel, por exemplo, encostar o automóvel na porta do colégio na saída e dizer: “olhe, quem for do bairro, entre... fulano, você que mora um pouco longe, eu deixo a você...” ele vem correndo. A gente forma um amigo. Propriamente a gente compra um amigo. Amigo à venda, não é difícil encontrar; difícil é que ele seja amigo, o que é uma coisa diferente. Porque um amigo venal, que espécie de amigo é? Com muita inteligência, também não é difícil atrair. Desde que o sujeito seja muito inteligente e saiba aproveitar a inteligência, ele abre a boca e tem alguns que querem ouvir o que ele diz. O palhaço engraçado sempre encontra uma súcia de palhaços que vão atrás dele, porque diz a Escritura que o número dos estultos é infinito. E portanto o número daqueles que gostam de passar a vida dando risada, é infinito também. Agora, que espécie de gente a gente atrai por meio da gargalhada? Por meio da piada?... A pessoa que não tem como recurso senão uma inteligência, uma educação, uma capacidade comuns, ou um pouco maiores do que comuns, um pouco menores do que comuns – os srs. sabem que comum envolve graus diferentes - e que entretanto sabe atrair os outros. Como é que isso se faz? Como se faz esse trabalho de saber atrair os outros? A gente deve dar a idéia – mas deve ser uma verdade, não deve ser um bluff, uma tapeação que a gente faz para os outros – mas a gente deve dar ao mesmo tempo aos outros algumas impressões. A primeira impressão é que a pessoa se preza a si própria. O que é a pessoa prezar-se a si própria? Não é a pessoa ser mega, não é a pessoa querer ser mais do que é, imaginar mais do que é. Mas quando a pessoa é alguma coisa, saber que é aquilo que é. E no modo de se apresentar, de tratar os outros, os outros sentirem que a pessoa quando trata, sente aquilo que é, quer dizer, tem consciência daquilo que é. O que um dos srs. pode sentir que é? Os srs. – ao menos que me consta, não há entre os srs. nenhum ricaço, não há nenhum magnata, não há nenhum aristocrata descendente do mais puro sangue da aristocracia européia, ao menos não me avisaram até agora. Se avisarem eu dobro a língua e mudo de atitude. Mas até agora não me avisaram. Os srs. o que são? São rapazes de famílias dignas, de famílias que estão subindo, que estão se fazendo pelo seu esforço, de famílias que, portanto, transmitiram para os srs. uma certa educação, que absolutamente não é a educação de qualquer um que anda pela rua. Por outro lado, os srs. são rapazes que estão trabalhando, que estão estudando, que aspiram a uma situação definida, a uma situação digna dentro da sociedade. Não são gentis-homens, não são príncipes, não são nababos, eu não percebi ainda que houvesse um gênio entre os srs. Isto é secundário. É alguma coisa, mas é secundário. Muito mais importante do que isto é que os srs. são batizados, são católicos, apostólicos, romanos, que foram chamados por Nossa Senhora para uma vocação muito alta, muito nobre. E que isto tudo deve refletir-se nos srs. por uma espécie de respeito que os srs. têm para consigo mesmos. No que é que o respeito que a gente tem para consigo diferencia da megalice (orgulho)? Uma vez o André Maurois contava uma história do rei Jorge V da Inglaterra; o avô da atual rainha Elisabeth, foi rei no tempo de Hitler, em que o Hitler governava a Alemanha. Então, contava o seguinte: que toda noite, o rei da Inglaterra e a rainha, quando não tinha solenidades de corte etc., eles jantavam na intimidade e depois iam para uma saleta que era a biblioteca do rei. E que aí o secretário do rei tocava a vitrola para ele. Ainda era do tempo da vitrola com aquela alavanca. O secretário ia colocando os discos de acordo com um programa determinado e quando chegava uma certa hora, parece que 10 horas da noite, infalivelmente, com aquela pontualidade britânica, o rei vendo jornais, olhando qualquer coisa e a rainha fazendo um trabalho de mão qualquer. Quando chegava as 10 horas em ponto, os dois se levantavam e a vitrola tocava o God save the King – Deus salve o rei, que é o hino nacional britânico. O rei se levantava e se punha em atitude de continência; a rainha punha-se em atitude de oração. Quando terminava, os dois diziam boa noite para o secretário e iam para o quarto. Então, comentava o André Maurois o seguinte: que o rei tomando esta atitude, fazia no fundo um ato de humildade, porque ele respeitava em si uma dignidade que estava posta nela e que não era idêntica com a pessoa dele. Era algo de nobre, de elevado, uma tradição, um princípio que ele representava e diante do qual ele tomava uma atitude de respeito. Ele respeitava a sua própria condição de rei. Então ele faz uma comparação com Hitler. Hitler era o mega (orgulhoso), e que não respeitava princípio nenhum. Ele respeitava a própria influência que ele exercia sobre os outros, o mando que ele exercia sobre os outros, o terror que ele exercia sobre os outros. Ele dizia: eu sou eu, eu mando nos outros. A atitude de Jorge V era outra: há um princípio, que é o princípio da realeza, da origem divina do poder – seja ela da realeza ou não, mas de origem divina de todo o poder. De onde, desse princípio, que no momento pousa em mim, mas que não é idêntico comigo, eu mesmo devo tomar uma atitude de respeito. E por causa disso, ele então tomava esta atitude na hora do hino, como durante a vida inteira. Ele era um rei que se respeitava. Não era um mega. Ele era um homem que tomava uma atitude de respeito diante de um princípio que havia nele. A mesma coisa se deve dizer de um padre. Um padre deve respeitar-se porque ele deve respeitar o sacerdócio que há nele. O sacerdócio é um poder divino que Nosso Senhor Jesus Cristo conferiu a ele, que é uma participação do sacerdócio pleno que existe nos bispos. O sacerdote tem o poder de operar a transubstanciação, de conferir certos sacramentos. Por causa disso o sacerdote deve respeitar-se a si próprio. Não por se considerar um grande homem, mas por algo de sagrado que há nele, que foi posto por Deus. Nós temos dois títulos para nós nos considerarmos sagrados, neste sentido. Primeiro, o batismo. O batismo faz de nós o povo de Nosso Senhor Jesus Cristo, aqueles que participam da vida da graça, que são membros do Corpo místico de Cristo. São Paulo dizia – e Nosso Senhor disse isso várias vezes em outros termos – que Nosso Senhor Jesus Cristo é a Cabeça e nós somos o corpo. De tal maneira nós somos unidos a Nosso Senhor Jesus Cristo. E por esta forma nós devemos respeitar muito em nós a nossa condição de batizados. Por outro lado, nós temos uma vocação. Nós fomos chamados para sermos contra-revolucionários, os cavaleiros de Nossa Senhora no século XX. É evidente que esta é uma altíssima vocação, porque nós defendemos a causa católica numa situação de grande tensão, de grande pressão, de um grande sacrifício. É uma prova de afeto Nossa Senhora nos ter chamado para isso. Então nós devemos ter isto o dia inteiro em vista. E respeitarmos a nós mesmos como o rei da Inglaterra se respeitava a si próprio, ou como um padre se respeita a si mesmo. Tudo tem seu grau: nós não somos o rei da Inglaterra, também não somos um padre. Mas eu quero dizer, à maneira de. Desta forma nós devemos o dia inteiro ter uma atitude de respeito para conosco mesmos. No que se traduz essa atitude de respeito? Não é de querer bancar mais do que os outros, mas é evitar toda vulgaridade, evitar toda coisa que seja rasa, que seja banal, que seja trivial. Sobretudo, naturalmente, nem preciso dizer isso aos srs., que seja imoral. Quer dizer, a pessoa compreender que para ela, que tem uma vocação especial, que foi chamada de um modo especial, não é tudo que convém. Mas que ela deve, em face das coisas, tomar uma atitude de certa distância, de compostura, de dignidade. Portanto, sempre maneiras corteses, nunca brincadeiras de dar um tapa nas costas de um: “fulano, como vai...”, ou de entrar numa sala de aula fazendo brincadeira e dando gargalhada, ou de contar piada, ou de fazer careta, ou de nada disso. Mas sempre uma atitude composta, uma atitude digna, uma atitude não de quem está se comparando com os outros, mas de quem está olhando para a dignidade que Deu pôs em si. E dizer: eu me respeito não porque os outros me respeitam, mas eu me respeito porque Deus me respeita. Deus Nosso Senhor que é infinito, chamou-me para ser dele dessa maneira, eu devo me respeitar a mim mesmo. Isso supõe, meus caros, uma vigilância assídua. Mas isso torna a pessoa sumamente atraente. Ao menos, atrai aqueles que nós queremos atrair. Por que? Os srs. imaginem que entram num lugar e os srs. encontram uma porção de gente comum, banal etc. De repente encontram um rapaz que tem uma atitude distinta, uma posição composta e um trato que é um trato elevado. Nunca emprega, por exemplo, uma palavra de gíria. As palavras de gíria, do meu tempo para os srs. devem ter variado enormemente. Eu não digo palavras imorais – isto está fora do jogo – mas de gíria. No meu tempo dizia-se uma porção de palavras que devem ter morrido: fregi, baita, cutuba... não sei quanta coisa assim. Não sei se alguma delas ainda vive hoje... em 50 anos muitas coisas dessas morrem. Mas hoje deve haver uma série de outras palavras assim. Evitar essas palavras, nunca dize-las. Os srs. imaginem um rapaz assim: a gente nota nele uma coisa de diferente dos outros e uma coisa discretamente mais elevada. É como se tivesse dentro de si algo que a gente não decifra à primeira vista, que dá uma certa curiosidade de conhecer. Os que têm senso de observação, os que têm uma certa capacidade da análise, vão procurar aquele. Vão ver o que é. Ele tem alguma coisa para dar. O que ele dá? Ele dá a sua superioridade, ele dá sua distinção, sua sacralidade. As pessoas que tratam com ele sentem que participam de algum modo da elevação que ele tem, da distinção que ele tem. Que não é uma distinção pretensiosa, como quem quer esmagar os outros, mas pelo contrário: é uma distinção generosa, que eleva os outros com quem trata, dignifica os outros com quem trata. Para isto me seja dado dizer de passagem: conviria muito os srs. prestarem atenção nas aulas de português. E procurarem ter um português que seja pelos menos um pouco melhor do que esse portuguesinho comum, de 200 palavras que se costuma falar aqui: me dá aquela panela, eu quero um relógio, que horas são... essas coisas assim. Mas aprender... a nossa língua – isso os srs. vão conseguir apenas aos poucos – a nossa língua é uma língua riquíssima em palavras. Aprender e usar palavras que não são as palavras inteiramente chãs, com que se exprime o primeiro homem que está andando pela rua. Palavras que todo mundo entenda, mas que são palavras de uma certa elevação. Estão um pouco acima do que todo mundo diz. Eu me lembro que quando era pequeno, eu tinha muito empenho nisso. Eu tinha um tio que conversava muito bem, tinha um vocabulário elevado, nobre, distinto. Quando eu estava perto dele, eu estudava o modo de ele se exprimir e aprender as palavras que ele usava. Mas com cuidado de não usar as palavras que na minha geração tivessem caído fora de uso. Porque nada mais ridículo que uma pessoa empregar na conversa uma palavra que caiu fora de uso. Não só na conversa, mas em sermão, em conferência, em tudo. Empregar palavras fora de uso é perfeitamente ridículo. Mas empregar palavras que todo mundo entenda, mas que não são vulgares. Os srs. veem, eu estou falando com os srs. aqui. Estou falando – e os srs. percebem – com muita intimidade. Mas os srs. hão de notar que na construção da minha frase, no vocabulário que estou usando, não entra um linguajar de todo mundo, de todos os dias. É um linguajar que eu imagino que os srs. estejam entendendo, todos. Mas um linguajar escolhido. Não há uma palavra que não seja escolhida; não há uma construção de frase que eu não esteja modelando, à medida que vá falando, de maneira que a construção tenha um certo agrado, tenha uma certa beleza. Não é de um literato. Eu não sou um literato. Mas é o que eu posso dar à construção da frase. Não é uma construção de frase comum. Eu tenho certeza que os srs. gostam disso. E que se eu começasse a usar um português: me dá aquela coisa... etc., em conferências, que os srs. ficariam desapontados. Os srs. dirão: “mas há o perigo de eu ficar muito posto de lado e de eu não chamar a atenção de ninguém”. É o contrário: quando a gente se põe numa posição discreta, a gente sabe pôr-se numa posição de quem se respeita a si próprio, quando a gente fala – não fala em qualquer ocasião, mas fala quando tem uma coisa que vale a pena falar. Nenhum homem fala pela simples vontade de falar. Os srs. conhecem a diferença que há no português entre “falar” e “dizer”? Quem conhece quereria me explicar qual é essa diferença? Quem gostaria de me pôr a distinção? A gente pode dizer algo sem falar nada? Por exemplo, pode-se dizer algo pelo olhar? Pode-se dizer algo pelo gesto? Pode-se dizer algo pelo silêncio? – Pode-se falar sem dizer nada?... Pode. Quando uma pessoa diz uma coisa inteiramente banal, por exemplo, fala, fala, fala e diz coisas que não aproveitaram ninguém, quando a pessoa sai cabe este comentário: ele fala muito e não diz nada. Não cabe esse comentário? Então, todos os srs. sabem da diferença entre falar e dizer. Qual é a diferença? Dizer é comunicar um pensamento, um movimento de alma que tem certo peso; falar é abrir a boca e dizer qualquer palavra, mas que não tem peso nenhum. Está clara a distinção? Por aí acontece que a gente pode dizer alguma coisa pelo olhar. Por exemplo, o mais sublime dos olhares de que nos fala a história é o olhar de Nosso Senhor para São Pedro. Ele não disse nada, Ele passou – São Pedro acabava de negar – Nosso Senhor olhou para ele e foi embora. Diz a Escritura que São Pedro saiu do lugar “et flevit amare”, chorou amargamente. Chorou até o fim dos seus dias: foi um só olhar. O Evangelho não nos conta qual foi o último olhar de Nosso Senhor para Nossa Senhora. E de Nossa Senhora para Nosso Senhor. Não nos conta isso. Mas é certo que o último olhar de Nosso Senhor foi para Ela. E que Ela recebeu o último olhar dEle. Todos os livros que houve, que há e que haverá não dirão, nem de longe, o que esses dois olhares se disseram. Não entrou uma palavra; entraram dois olhares que se cruzaram. Estava tudo dito. Aí a gente compreende o que é dizer. Uma pessoa que se respeita a si mesma só fala para dizer algo. Quando não tem o que dizer, fica quieta. Quer dizer, evita de estar pronunciando palavras à toa. Quando a pessoa faz assim, os srs. sabem o que acontece? É que aos poucos nasce a capacidade de dizer algo. Porque quem não está no fala-fala-fala-fala-fala-fala, represa algum pensamento dentro da cabeça. O melhor jeito de a gente ser observador, é falar pouco. Os srs. prestem atenção, os srs. estão numa roda e conversam o tempo inteiro. Quando termina, a gente pergunta: o que se passou nessa roda? – Nada... Manda ele ficar quieto na roda, quando termina a gente pergunta: o que se passou? – ele dá uma porção de observações que ele fez. Quer dizer, a pessoa que só fala para dizer alguma coisa, acaba tendo o que dizer. E quando é uma pessoa que se preza a si mesma e que quando abre a boca é para dizer algo, ela diz com uma segurança, ela diz com um tom de voz, com uma cadência, que impõe respeito. E aqui nós entramos no problema da voz. A voz é um problema delicado. Eu acho que já tive ocasião de falar a respeito da voz do "geração nova" aqui, não? Os que se lembram, levantem o braço. Por que razão é que minha cara "geração nova" não modula a voz? Tem um timbre de voz te-te-te-te... e lá vai. Não consegue modular a voz quem não está medindo o que diz. Porque, propriamente, o modo de modular a voz é medir o que diz. Por exemplo, eu disse agora “propriamente”... os srs. veem porque eu acentuei o propriamente. Porque é próprio, quer dizer, “a bem dizer”, é para realçar alguma coisa. Agora, involuntariamente a palavra “realçar” eu realcei. Por que? Porque eu estou medindo tudo o que eu digo. Como eu quereria que os apóstolos da causa ultramontana, soubessem medir o que dizem. Conhecessem o alcance de cada palavra que estão empregando. A voz muda, ela toma corpo, ela cai com uma segurança, com uma sonoridade, com uma importância de um toque de sino. Os srs. já viram numa praça de aldeia, ou de cidade, onde há o sino. Toca o sino “bammmmm”, domina todos os rumores. Ao menos para quem não é cretino, domina até o rumor mecânico. Tocou o sino, aconteceu qualquer coisa. Assim é a voz daquele que se equipa, se prepara pensando. Os srs. dirão: mas Dr. Plinio isso não é para amanhã! - Não. Era para ontem... Já devia ter sido feito ontem. Eu estou ensinando os srs. a começarem a praticar nem tudo poderão aproveitar para amanhã, mas aproveitarão alguma coisa para amanhã, e outras para depois de amanhã. Para amanhã, já, aprenderão a se calar e só falar quando tem alguma coisa para dizer. A voz, muda, chama a atenção. Aí os srs. serão daquelas pessoas que quando falam, os outros prestam atenção, porque vai ser dito algo, a gente está dando algo. Porque dizer é dar. Sempre que a gente diz algo, a gente dá algo. E no fundo todo mundo tem consciência que dizer algo é mais do que distribuir dinheiro e sobretudo mais do que distribuir sorrisinhos. É ser plenamente varão, plenamente homem. Neste sentido – eu termino essa parte da exposição acentuando o seguinte: os srs. devem tender a ser o mais possível maduros. A nossa época tem uma idéia completamente errada a respeito disso. E acha que o bonito é o menino ficar criança o maior tempo possível; o moço ficar moço o maior tempo possível; e o velho evitar de ficar cadáver quanto tempo possível. É uma espécie de fuga do futuro como quem inverte a ordem natural das coisas. A ordem natural é a seguinte: quem é menino tem o desejo de ficar moço; quem é moço tem o desejo de ficar homem maduro; quem é homem maduro tem o desejo da plena maturidade; e quem chegou à plena maturidade, tem desejo do Céu. Mas cada homem caminha na sua própria etapa na medida em que ele quer chegar à etapa seguinte. Eu lhes garanto que por esta forma os srs. farão apostolado, porque os srs. saberão atrair, os srs. terão o que dar. Para isso os srs. devem querer dos outros que os outros respeitem os srs. E esse é o modo de uma pessoa se fazer respeitar. Agora entra – tudo isso que eu dei é o modo de a gente se fazer respeitar. Agora entra o papel da amabilidade. Quando uma pessoa é assim, a amabilidade dela, vale; um sorriso dela, vale; uma gentileza dela, vale. A gente deve ser amável, deve sorrir, mas não é para qualquer um. Um sorriso para qualquer um se banaliza e perde o valor. A amabilidade também... a gente deve ser correto com todo mundo, mas não deve ser igualmente prestador de serviço para todo mundo. A gente deve ver com quem trata, e ver que as pessoas mais apreciáveis a gente trata melhor: as pessoas que têm mais virtude, as pessoas que tem mais dom da alma a gente trata melhor. As pessoas que têm dom menores na alma, a gente não trata mal mas a gente trata menos bem. E se o sujeito em lugar de alma tem anti-alma, a gente em lutar do trato dá o anti-trato. É claro. O anti-trato nunca é grosseria. Mas é um tom por onde ele entenda que entrando qualquer coisa, sai outra. E que nós somos bons do karatê físico como no karatê espiritual, sabemos nos defender e temos a língua afiada. Uma noite eu falarei com os srs. de como é a língua afiada, como a gente se prepara para dar os golpes nos outros quando é agredido ou atacado. O karatê intelectual, se os srs. me lembrarem, eu vou dar alguns golpes para os srs. saberem como fazer. Em todo caso, eu lembro ao srs. o seguinte: todo homem no trato com outro homem, mais do que tudo, quer respeito. E se os srs. tratarem com o último pé-rapado da rua, ele como ente, como criatura humana e como pessoa batizada tem o direito a uma certa quota de respeito. E essa quota de respeito ele deve sentir da parte dos srs. Isso seja o último homem: a primeira coisa que ele deve sentir é que a gente percebe que ele é uma criatura humana, filho de Deus, digno em ser tratado como tal. É famoso o episódio de uma filha de Luiz XV a quem uma criada fez alguma coisa e ela respondeu de modo bruto. A criada insistiu e ela disse: “você não sabe que eu sou filha do rei?” A criada disse: “vossa alteza não sabe que eu sou filha de Deus?” Está muito bem respondido! Quem é filha de Deus e do rei merece uma honra igual a isso [um gesto]. Quem é filha de Deus e não do rei, um pouco menos, mas é filha de Deus. E Deus é infinitamente mais importante do que o rei. De maneira que então a todo mundo tratar como filho de Deus, saber ter uma gentileza para cada um, mas graduada. Isso é uma arte que a gente deve aprender. Podemos fazer uma pequena gentileza, fazer uma pequena amabilidade, emprestar um lápis, oferecer uma borracha, oferecer um apontamento. Se a gente tem uma condução a oferecer, ou qualquer coisa, está bem, são pequenas gentilezas que a gente deve fazer. Mas a gente deve fazer especialmente para aqueles que a gente nota que são dignos de respeito, dignos de uma atenção especial, que não são um prequeté qualquer que vai rolando pela vida. Este é que a gente deve mais especialmente distinguir, distinguir os valores de alma dos outros. Isto seria um pequeno tratado de como a gente se colocar em condições de fazer as gentilezas habitualmente ensinadas. Os srs. aprendem em suas casas, aprendem por toda parte. É um fundo de quadro para a amabilidade. Isso seria a gentileza total, seria a gentileza ultramontana. Para dizer numa palavra só, uma palavra muito envelhecida, mas perene e que conserva um valor par todos os séculos, - não sei como é que essa palavra repercute na geração dos srs. – um cavaleiro. Há uma diferença muito grande entre o “public relations” e o cavaleiro. Eu não sei se na geração dos srs. se entende bem o que é um “public relations”. Os que sabem, levantem o braço. Quem saberá dizer o que é um cavaleiro? A palavra ainda tem repercussão na geração dos srs.? A geração dos srs. considera um elogio ainda dizer: fulano é um cavaleiro? Os que acham que considera, levantem o braço... Um cavaleiro é um continuador do modo de ser dos antigos cavaleiros de outrora. Era exatamente um homem que se respeitava a si mesmo, que respeitava os outros, que era amável no trato, atraente e sobretudo cônscio de que lhe competia fazer com que todas as coisas corressem de acordo com a lei de Deus. De maneira que na sua presença ninguém ousasse cometer pecado, ninguém ousasse fazer uma ação vilã, uma ação vil, porque receberia imediatamente uma repreensão. Esse é o cavaleiro. Eu queria que os srs. fossem caminhando para serem cavaleiros. Essa é uma noção muito elementar da Cavalaria, mas que serve aqui para nós. (Pergunta: o Sr. poderia encaixar nisso a questão do trato na intimidade?) O que é a intimidade? Nada é melhor do que irmos ao conceito teórico. A matéria prima da intimidade é a relação de duas almas que se sentem afins. Esta é a noção verdadeira de intimidade. Quando duas almas se sentem afins, elas em pouco tempo são levadas a se abrirem uma com a outra, a conversarem uma com a outra e terem amizade. Porque afinidade gera a amizade. Então, a verdadeira intimidade é um trato com as almas que são afins conosco. Este trato leva as pessoas a uma atitude que é normalmente, espontaneamente, a uma atitude que é a seguinte: de um lado, certos protocolos, certas etiquetas, elas vão aos poucos dispensando. E, portanto, tornando o trato mais simples, mais direto. Mas ao mesmo tempo que isso acontece, como elas vão se estimando cada vez mais, vão também se respeitando cada vez mais. E à medida que elas se estimam e respeitam cada vez mais, elas vão tomando um trato cada vez mais fácil, mas cada vez mais cheio de consideração. De maneira que dá, ao mesmo tempo, um trato muito fácil e de muita elevação espiritual. Isso é a verdadeira intimidade. Nós podemos encontrar isso entre as pessoas da mais alta educação, como de educação mais modesta, desde que tenham alma para ter afinidade de alma. Esta é a coisa. Eu já tenho visto em gente muito modesta, um trato recíproco, de impressionar de digno. Sendo íntimo, neste sentido, de pessoas que tinham afinidade. Sendo que não se tratava nem um pouco de bonitas maneiras de salão, porque eram pessoas que nunca tinham pisado num salão. Já tenho visto também intimidade entre pessoas das mais cerimoniosas, e da educação mais alta, pelos menos que havia em São Paulo. Eu tenho visto esta intimidade assim. Eu conheci duas senhoras que tinham sido amigas no tempo de mocinhas, quando ambas tinham 15 anos. Eram bonitas como rainhas. Uma delas, quando viajou na Itália, de automóvel, conta-se que em algumas cidades por que ela passava, o povo a aplaudia pensando que fosse a Regina Marguerita, a mãe do rei, de tal maneira era uma senhora imponente etc. Eram duas bonitas [senhoras] como se fossem rainhas. Essas senhoras foram amigas até morrerem. A primeira que morreu tinha 84 anos. Durante toda a vida, todas as terça-feiras, uma ia na casa da outra. Eram tempos mais tranqüilos, em que se podia fazer assim. E sempre que ia à casa da outra, tinha o mesmo lanche que era com a mesma especialidade da casa da outra. Eu sei da casa de uma delas. Vamos dizer, a senhora A quando recebia às terça-feira a senhora B, tinha sempre um biscoito de polvilho e chá com leite, porque ela gostava muito de biscoito de polvilho. A pessoa A quando ia na casa da senhora B, tinha outra coisa que eu não o que era. Bem, a senhora B que ia comer os biscoitos de polvilho, era uma senhora que tinha uma renda que deveria orçar hoje em dia – os srs. vão ficar pasmos, vão pensar que não é verdade – em 600 mil contos mensais de renda de hoje em dia, não é de capital. Os srs. podem imaginar o dinheiro como corria. Eu tive ocasião, várias vezes ocasiões de ver essas duas senhoras, juntas. Elas se tratavam “dona fulana” e “a senhora” até o fim da vida. Em geral, quando se visitavam, estavam sozinhas, entrava alguém, conversava um pouco, elas falavam o tempo inteiro num meio tom de voz e com muita amabilidade. E um respeito mútuo que era só vendo. Mas uma amizade, uma assistência mútua, uma proteção, um elogio, pareciam duas irmãs. Quando morreu a primeira, eu vi a segunda padecer mesmo, sentir mesmo. Até o fim da vida elas se trataram como se tivessem conhecido na véspera. O tempo tinha feito delas duas irmãs. Como é bonito, não é? Não faz bem à alma saber que isto houve? Isto é intimidade. Quer dizer, conforme a condição social, a intimidade muda. Mas o problema é ter afinidade de alma. Esta é a questão. Para isso é preciso ter alma para ter intimidade. Hoje quase não existe alma para ter intimidade. Aqui já é outro problema. Há alguma outra pergunta que queiram fazer? Estou à disposição. Nota: Para aprofundar o assunto, veja "Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana", Parte I, Capítulo VII, ítem 7, b) O cavaleiro cristão - a dama cristã, pág. 132. |