Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Canonização de São Vicente

Maria Strambi:

cerimonial, liturgia e amor de Deus

 

 

 

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Santo do Dia, 31 de março de 1973, Sábado

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

   

(...) Eu aí disse a ele: “Excelência, antes de ir embora, queria lhe pedir um favor. Vai haver – no dia seguinte, ou dois ou três dias depois, não sei – uma canonização de São Vicente Strambi (1745-1824), e eu gostaria muito de assistir uma canonização. Então, queria pedir se podia me arranjar um convite, para mim e para quatro companheiros. Dom Mayer não precisava, porque o bispo entra no cortejo do Papa.

Ele me disse: “Pois não. Que hotel o senhor está?” Ele disse hotel... como se chamava?

(Aparte: Ambasciatore)

Hotel Ambasciatore! um hotel muito conhecido de Roma. Ele não pediu para escrever meu nome, nem nada: “Pois não”. No tempo oportuno me apareceram os quatro convites – honra excepcional – todos os quatro convites para assistir a canonização na tribuna do corpo diplomático. É a mais alta tribuna que se pode ocupar no Vaticano. Os meus dois outros companheiros não foram, eu fui só com Dr. Adolfo.

Quando cheguei, eu fui colocado assim a uma certa distância – eu me lembro que havia uma dama espanhola, deveria ser uma dama da aristocracia, que estava... porque ia-se com traje de gala – a senhora com um daqueles pentes altos de tartaruga que as espanholas usavam, e que até hoje as embaixatrizes espanholas na Corte de Londres tem o privilégio de usar na presença da rainha. A duquesa de Alba e as embaixatrizes espanholas vão com pente de tartaruga alto e mantilha visitar a rainha da Inglaterra. E só a elas. É alta categoria! E vão visitar o Papa também com essa coisa na cabeça. Tinha uma assim que tinha até uma rosa vermelha – uma coisa bem espanhola – mas longe.

Eu subo, olho, instalo-me e achei que estava bem, com o folheto – e me dispus – eu cheguei bem antes – me dispus a assistir a cerimônia da canonização. Uma cerimônia famosa, todo mundo... uma cerimônia que entusiasma!

Bem, quando eu vejo um daqueles nobres da Câmara papal, com uma gola de renda, vestido no sistema de Filipe II (uma roupa de veludo preto, com ornamentos de prata) que vem caminhando e me olhando. Eu digo: Bem, eu não sei para onde ele vai, mas comigo não há de ser esta história. Eu não conheço este homem e sobretudo ele não me conhece. O homem vem chegando cada vez mais perto de mim, e quando chegou a uma certa distância, ele fez assim uma vênia diante de mim – eu também fiz a vênia diante dele – ele então arranjou um jeito de se aproximar e disse o seguinte:

Sua Excelência está preocupado pelo fato de que o senhor Professor não está bem colocado para assistir a canonização como conviria, nem o seu amigo. Então, manda-lhe reservar um lugar embaixo, que está vago, bem na primeira fila”. Fomos, o Dr. Adolfo e eu para a fila. Estávamos bem na primeira fila: ao meu lado o embaixador de Egito, com um fez, daqueles vermelhos, com um pompom; à minha esquerda Dr. Adolfo e depois acabava a tribuna.

Aí começa a cerimônia da canonização, estupenda. A gente vê de longe a cerimônia – tudo isso eu contei aos mais velhos; eu estou contando aos senhores, porque suponho que os senhores não conheçam ainda – o comecinho da cerimônia começam a tocar os sinos da basílica de São Pedro: são uns sinos de bronze... com uma categoria de outro mundo! E tocam com uma espécie de majestade, porque eles tocam lentamente, mas expelem vibrações que a gente tem impressão que fazem mover as estrelas e o mundo e é a voz do bronze: blam, blam, assim, e depois blem, blem [agora em som mais agudo]. Em certo momento está tudo tocando, a tout envolé. De repente, aquilo pára e a gente ouve de longe trombetas que tocam. São as 200 ou 300 trombetas de prata, desenhadas por Michelangelo – os senhores podem imaginar o que é isso, de prata hein! que anunciam o cortejo do Papa, que chega.

O Papa vinha na sedia gestatoria – porque o Vaticano é enorme, e um homem de idade para andar aquelas distâncias todas, pode não estar com boa disposição para isso. E, aliás, no Ancien Regime, com aqueles palácios enormes, usava-se muito isso. Por exemplo, em Versalhes as duquesas e as senhoras de alta categoria da corte tinham o direito de andar de liteira dentro de Versalhes; sendo que só as duquesas tinham direito de ter veludo vermelho forrando a liteira; as outras usavam veludo de outras cores. Quando era veludo vermelho, já a reverência era mais funda, porque era una duquesa que estava dentro.

Bem, a sedia gestatoria vem dessa tradição. Era toda de marfim com incrustações de prata, e o Papa saía então, precedido de seu cortejo, ele saía pelo portão de bronze, que é uma escadaria que dá num portão, no Vaticano, na Igreja de São Pedro, no lado direito de quem olha para a Igreja de São Pedro aonde tinha o posto de Guarda Suíça. O cortejo vinha todo com o Papa. Ao lado do Papa aqueles dignatários carregando flabeli, aqueles leques de pluma, e depois a Guarda Nobre com couraça, a Guarda Suíça, a Guarda Palatina etc., e os dignatários eclesiásticos precedendo o Papa.

O cortejo entrava lentamente, entrando no começo os mais baixos, e depois na medida que ia se aproximando o Papa, os mais altos. Então, entravam primeiro os simples Monsenhores, os Protonotários Apostólicos etc., etc., depois vinham então entrando os Bispos. No meio dos Bispos, uma beleza, os bispos orientais, com uma espécie de cartola preta que usam; outros com turbantes grenás com pérolas; um outro que eu vi passar perto de mim, de um escuro... ele era cor de uma azeitona escura – pode parecer ridículo, mas ficava muito bem – com um véu leve, levíssimo, feito para ser agitado pelas brisas da África, qualquer ventinho que batia, aquilo fazia assim... e ele com aquele olhar místico e profundo. O véu dele era cor-de-rosa. A gente diria que não combina bem, mas ficava bem; cor-de-rosa, todo bordado com pedras, ou vidrinhos, não sei, verdes. Mas um verde assim de esmeralda. De repente era esmeralda verdadeira, ninguém sabe. E o mais interessante era o seguinte: ele ia segurando uma cruzinha e dando uma espécie de pequena benção. Depois, outros orientais com coroas, como coroas de rei.

No meio, o grande fluxo da Igreja Latina. Aí a gente via passar as notabilidades: o Geral da Companhia de Jesus, os três Gerais da Ordem de São Francisco que Leão XIII obrigou, embora fossem brigados, a andar em todos os cortejos, juntos, numa ordem que não significasse precedência...

Depois, então de todas as Ordens, primeiro os Gerais das Ordens Religiosas, depois os Bispos, depois os Arcebispos, os Patriarcas do Oriente, depois os Cardeais. Daí entrava o Papa com uma tempestade de aplausos pela Basílica, de todo lado, palmas, e palmas, e palmas, etc., o povo se ajoelhava e, da cúpula de São Pedro, da igreja, tem um terraço; e ouviu-se de repente um coro majestoso que cantava “Tu es Petrus, et super hanc petram edificabo Eclesiam Meam – Tu és Pedro e sobre esta pedra eu construirei minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”.

Isso mais os sinos, mais as trombetas, mais o coro, mais os aplausos do povo e o Papa muito ereto também e benzendo de um lado e do outro – formava um espetáculo verdadeiramente inesquecível, era uma coisa extraordinária!

O Papa chegou até o fim, onde tinha um trono armado para ele; quando ele passava pela tribuna do corpo diplomático, nós nos ajoelhamos - os diplomatas de países não católicos, como era esse egípcio, faziam uma profunda vênia como diante de um monarca que passa – e o Papa sentou-se no trono. Aí começou a missa do Papa.

No cortejo do Papa ia uma coisa extremamente pitoresca. Eu até não sei se minha querida geração-nova entende bem: um monsenhor levando uma sacola com dinheiro, e um outro levando duas gaiolinhas, com pombos, eu não sei de que espécie de pombos, que a cauda era do tipo de cauda de pavão – e todos crespinhos. Eu não sei que pombos são esses. É que quando o Papa terminava a Missa, aproximava-se um dignatário dele, desde os tempos mais antigos, em que a Santa Sé era pobre, em que o Papa vivia da mão para a boca – o Cabido de São Pedro pagava a ele pela missa que ele tinha celebrado – pagava a espórtula que era um saquinho de dinheiro e os pombos para o almoço. Esse rito, deliciosamente ingênuo e cândido, conservou-se pelo menos até Paulo VI ou João XXIII.

Então, terminada a Missa, o Monsenhor aproximava-se do Papa, a certa distância, e cantava -- eu tenho voz desafinada: Pro missa bene cantata – fazia uma vênia; depois, mais perto: Pro missa bene cantata; depois, terceira vênia e aí ele entregava ao Papa, que fazia um pequeno gesto para entregar para outro o saquinho de dinheiro. Eu tenho impressão que o saquinho de dinheiro era circular; ficava guardado para outra missa; porque era uma tradição. E os pombos, evidentemente, não davam para o Papa comer no almoço também. Não sei que fim levavam os pombos. Mas nos fazia lembrar dos primórdios da Igreja nesse fastígio da glória da Igreja.

Eu me lembro -- era realmente o fastígio humano da glória da Igreja que estava lá presente. Eu me lembro que havia príncipes de Casa real; e entre outros, uma figura muito pitoresca, que não estava na tribuna dos diplomatas porque tinha uma categoria inferior, e que era uma espécie de chefe de tribo negra, com uma coroa de pau, pintada de ouro. E arranjaram para ele, não na tribuna dos diplomatas – onde nós estávamos – mas no cruzamento da Igreja – o Vaticano sempre muito paterno e cheio de tato para as coisas – [arranjaram] uma tribuninha para ele, especial, embaixo da cúpula. Antes do Papa chegar, ele entrou com o cortejo dele, que parecia um Rei Mago do Evangelho. E quando ele passou, o povo bateu palmas. Ele, muito digno, fingiu que não percebeu as palmas e foi para a espécie de troninho que estava preparado para ele.

O Papa Pio XII sendo conduzido na sedia gestatoria, ladeado por dois "flabelli" e precedido por membros da Corte pontifícia

* * *

(Aparte)

Nessas coisas eu gosto muito mais de recomendar do que de fazer uma regra. Porque tudo depende muito do sopro da graça numa determinada alma. Uma jaculatória pode ser muito oportuna para uma certa alma, mas a Providência pode querer fazer bem à outra alma por meio de outra jaculatória. De maneira que nas coisas que a Igreja obriga, nós devemos exigir muito que sejam cumpridas. Mas as outras coisas que são opinativas, nós devemos tanto quanto possível facultar, para que a graça sopre como quer. De maneira que impor essa jaculatória, eu não faria. Recomendá-la como uma das muitas jaculatórias, muito boas que se possam rezar, sem dúvida nenhuma.

Antes do sr. Umberto falar, eu queria fazer uma observação aos senhores, que é a seguinte: os senhores notam que a reunião de hoje foi acompanhada pelos senhores, com vivo interesse, mas que as perguntas estão bem menos numerosas do que na reunião passada? Qual é a razão pela qual as perguntas estão bem menos numerosas? É porque eu não estou falando de assunto de vida espiritual dos senhores. Seria só eu tratar de um assunto de vida espiritual dos senhores, que as perguntas pululariam.

Eu estarei fazendo bem ou estarei fazendo mal em não falar dos assuntos da vida espiritual dos senhores? Que interesse eu tenho em estar contando aos senhores recordações e memórias, quando os senhores podem dizer no fim da noite: no que é que minha vida espiritual progrediu? Nada. Então, eu não estou perdendo o tempo dos senhores?

A resposta que eu daria é a seguinte: eu estou de cheio na vida espiritual! E no Mandamento-chave da vida espiritual, que é o primeiro Mandamento: Amar a Deus sobre todas as coisas. Eu já tive ocasião de dizer aos senhores, mas eu repito: a desigualdade que existe em todas as obras de Deus existe também nos Dez Mandamentos. Os três primeiros dizem respeito aos nossos deveres para com Deus e os sete últimos nossos deveres para com o próximo. Como Deus é infinitamente superior ao próximo, os três primeiros Mandamentos são muito superiores em importância aos sete outros. Os sete outros Mandamentos nós praticamos por amor de Deus, por causa dos três Mandamentos primeiros. De tal maneira os sete outros são inferiores – não que eles sejam pouca coisa – são muito nobres - mas são inferiores ao primeiro Mandamento.

Mais ainda: a principal razão pela qual nós praticamos os sete Mandamentos do amor ao próximo, não é de fazer bem ao próximo – é uma das razões, mas não é a principal – a principal razão é de nos assemelharmos a Deus, que tem aquelas qualidades. Como Deus é infinitamente puro, infinitamente veraz, infinitamente atento ao reconhecer os direitos de todos etc., assim também nós nos assemelhamos a Deus sendo castos, sendo verazes, não violando os direitos dos outros. É, portanto, principalmente por amor de Deus que nós praticamos os outros Mandamentos. E é por amor de Deus que nós amamos o próximo. É por isso que o Mandamento dito por Nosso Senhor “amar ao próximo como a si mesmo”, tem um adendo: “por amor de Deus”. Quer dizer, o amor de Deus é o começo e o fim de tudo.

Bem, é tão comum na velha tradição brasileira, um pobre que se aproxima pedindo esmola e diz: “Uma esmola, pelo amor de Deus”. Quer dizer, eu sei que o amor ao próximo não tem sentido a não ser pelo amor de Deus. Ame-me a mim por amor de Deus, porque aí tem sentido. Isso é o que diz o outro, é a forma tradicional.

Agora, o que é o amor de Deus? É o amor de Deus, bem compreendo, mas é o amor das coisas que se assemelham a Deus. E, antes de tudo, à Santa Igreja Católica Apostólica Romana que é a maior semelhança de Deus na ordem das coisas criadas. E é muito bom que na época tristíssima em que nós temos que falar tantas vezes a respeito de coisas que se passam no Vaticano, eu aproveite as ocasiões que se me apresentam naturalmente para fazer compreender aos senhores o que é a Santa Sé na sua verdadeira glória, no seu verdadeiro resplendor, como reflexo de Deus. Porque ali se amava a Deus. E toda essa liturgia, todo esse cerimonial etc., refletia a glória de Deus no Céu. A corte vaticana era o reflexo terreno da Corte celeste.

Eu procuro na Itália, como agulha em palheiro, e até agora não tenho conseguido, um filme estupendo da vida de São Pio X, que nós assistimos por 1940 e pouco e que é todo ele filmado no Vaticano, e que dá a vida de São Pio X. Mas é todo o cerimonial, é toda a beleza da Igreja constantiniana, na sua mais alta expressão (nota: vide, no final, o filme aqui mencionado).

Então eu aproveitei a oportunidade da pergunta dos senhores para os senhores degustarem um pouco o Vaticano no seu esplendor e na sua beleza. E foi por isso que eu tratei da questão. Para os senhores amarem a Deus. Para os senhores compreenderem que se os senhores quiseram praticar com facilidade, com generosidade os demais Mandamentos, os senhores devem, acima de tudo, procurar amar a Deus, procurar ter entusiasmo pelas coisas de Deus. Aí os senhores terão ânimo, terão fôlego para, com facilidade, cumprir os outros Mandamentos. Porque a motivação para o cumprimento dos Mandamentos é esse: é o amor de Deus.

Então, nós estivemos tratando de vida espiritual. Então, eu faria um pequeno acréscimo de vida espiritual, para os meus diletíssimos militantes aqui presentes. E o acréscimo é o seguinte: os senhores devem, no seu louvável desejo de vida espiritual, os senhores devem procurar prestar atenção, não apenas e perpetuamente em si próprios, mas prestar atenção nas coisas que são segundo Deus. Saber prestar atenção em algo que não seja eu-eu-eu, eu-eu-eu, eu-eu-eu. A vigilância é uma coisa muito boa, é necessária, Nosso Senhor a recomendou, na medida do possível eu a tenho recomendado para obedecer a Nosso Senhor quanto possível, mas não basta essa vigilância.

Nós temos que ter entusiasmo pelas coisas boas; devemos ter amor pelas coisas boas e ódio pelas más. É por essa forma que depois nós temos ânimo para cumprir os Mandamentos. E então, há aqui uma pequena correção a fazer, um adendo a estabelecer ao modo de ser habitual nosso.

Se os senhores prestam bem atenção, a vida espiritual para os senhores tende a ser, no fundo, o cumprimento dos sete últimos Mandamentos, muito menos do que o Primeiro, e daí dificuldades. Toda a inversão da ordem traz dificuldades. Toda a inversão de valores traz dificuldades. Então, fica aqui um apelo para que os senhores ponham os pingos nos “is”, e ponham o centro de equilíbrio onde ele está, e fora de onde nada se equilibra, que é o amor de Deus sobre todas as coisas.

Um dos senhores me dirá: Mas a devoção a Nossa Senhora? Mas está no coração do assunto! Exatamente Nossa Senhora é o mais alto reflexo criado de Deus, é a Mãe de Deus. Nós amamos a Nossa Senhora por amor de Deus, porque Ela nos encaminha a Deus, porque Ela nos traz Deus. É por isso, é porque Ela é o canal junto a Deus. Nós amamos a Nossa Senhora. A devoção dos santos, etc.

O amor a TFP é um elemento desse amor de Deus. Quer dizer, tudo quanto a TFP tem de bom lhe vem do fato de ser de inspiração católica apostólica romana. Se a TFP não fosse católica era uma lata de lixo, porque o que não é católico é lata de lixo. Bem, é por ser católica apostólica romana que a TFP é boa; por isso que há nela elementos de virtude, fé, combatividade etc.

Então, amando a TFP, nós devemos amar ainda mais a Igreja, da qual a TFP recebe essa força vivificadora, recebe seu alento, seu entusiasmo etc. Não é verdade? Então, amar a TFP por amor à Igreja, e amar a Igreja por amor de Deus. E assim, nós devemos aproveitar essas ocasiões para nós levantarmos o nosso ânimo e nos tornarmos mais denodados no cumprimento do amor de Deus.

Alguém tinha feito uma pergunta e eu interrompi... Sr. Umberto!

(Sr. Umberto pergunta).

Pio XII canoniza Santa Maria Goretti, a 24 de junho de 1950

É, mas há uma preliminar. O senhor sabe qual é? Enquanto eu estava fazendo essa descrição, eu estava olhando para muitos olhos. E os olhos, quando eu falava de certas coisas, brilhavam e quando eu falava de outras coisas, se embaçavam porque não chegavam a compreender que relação isso tinha com Deus.

Por exemplo, os tais pombinhos e o tal negócio da Missa “bene cantata”, que relação tem com Deus? É porque o pombinho é um bichinho muito bonitinho? Mas então não precisa ir para dentro do Vaticano para levar pombo! Existe pombo na praça se São Marcos em quantidade muito maior. Por que o senhor se extasia com esses pombinhos? Por que o senhor se extasia com essa sacola de dinheiro? Não era muito mais bonito - entra isso, hein! - em vez do Papa entrar na sédia gestatória, não era muito mais bonito ele praticar um ato de humildade, e entrar cumprimentando todo mundo, à direita e à esquerda? No que isso é santo? No que é santo, por exemplo, haver 300 cornetas de prata desenhadas por Michelangelo? O senhor não disse que Michelangelo era um renascentista? Como é que aparece o senhor agora se extasiando com as cornetas de prata de Michelangelo? E se não fosse 300, mas apenas 30, Doutor Plínio, por que o senhor ficava desapontado? E porque precisam ser de prata essas cornetas? Não podia dar esse dinheiro para os pobres e fazer uma cornetinha? Uma coisa assim não ia bem? Em rigor, por que corneta? Não era mais bonito um asilo de órfãos, os órfãos todos cantando “Viva nosso Pai”, “Viva nosso Pai”, e jogando pétalas de rosa de um lado e de outro? Eu ficaria muito mais emocionado no meu coração!!!”...

Como eu estou caricaturizando, a coisa se presta a rir. Mas me parece ver sombras disso perambulando pelos ares. Agora, como consigo eu mostrar à minha cara geração-nova como isso é atinente, de perto, ao amor de Deus? Não é nada fácil, não é? Nem sei até que ponto eles se interessam.

Ah, bom, se eu perguntar, todos vão dizer “sim”, são muito amáveis...

Para encerrar a noite, eu vou fazer uma experiência. Assim, atendo seu pedido.

Eu vou dar a seguinte teoria do cerimonial.

A liturgia da Igreja – eu estou falando da cerimônia, que, aliás, é um ato litúrgico, da entrada do Papa na basílica de São Pedro, estou falando da liturgia da Igreja. A Liturgia da Igreja até o Concilio Vaticano II, e até essas alterações infelizes que nela têm sido adotadas, a liturgia da Igreja foi fixada em seus aspectos essenciais, nos primeiros séculos. Mas depois ela foi se enriquecendo com elementos que cada geração que passava, acrescentava. De um modo orgânico, uma coisa entrava, outra coisa saía, e assim aos poucos, o senso católico da Igreja e dos fiéis, foi completando, foi dando forma à liturgia da Igreja.

Os senhores vejam, por exemplo, um aspeto marcante da liturgia da Igreja... então, ao longo dos séculos a Igreja teve uma liturgia que, como ela estava configurada no século XX, os senhores considerando os paramentos, considerando os ritos, considerando as fórmulas das orações, tinha inspirações de toda parte. Muita coisa tirada da Escritura, portanto, alguma coisa da Antiga Lei, outras coisas modeladas com o tempo, outras trazidas de vários países.

Os senhores tomem, por exemplo, o mundo de elementos latinos que os senhores encontram na liturgia da Igreja; mas, ao mesmo tempo, elementos orientais na liturgia da Igreja latina. A mitra, por exemplo, é um lindo modo de cobrir a cabeça. Qual é a origem da mitra? Todo mundo sabe que era um certo gorro usado na Síria que começou, por razões que eu não sei bem quais foram, a ser usado por alguns bispos, talvez bispos sírios. E depois, como pareciam muito dignos, começaram a ser usados por dioceses em que não havia nenhuma relação com os sírios. Mas depois o gorro foi modelado pelo bom gosto das gerações sucessivas, até dar na mitra. Quer dizer, cada século introduziu um certo valor simbólico, um certo significado para a mitra.

    

 Bem, o turíbulo. O turíbulo é um objeto que vem ainda dos tempos do paganismo. É anterior à religião católica. Os reis orientais, pagãos, recebem incenso. Mas como aquele objeto é muito bonito e o ser incensado tem alta significação, é algo que se destrói, em se destruindo perfuma, e dá muito a idéia do holocausto na Igreja de Deus; então, o usar o turíbulo com aquela forma etc., e o jogar aquele incenso assim, aquilo dá uma idéia simbólica muito bonita e se generalizou pela Igreja inteira.

Báculo - parte superior

O báculo também. Nas Igrejas do Oriente, o báculo não se usa como no Ocidente. No Ocidente, o báculo tomou aquela forma curva em cima, não é para imitar o cajado dos pastores, porque o cajado dos pastores, o mais das vezes não tem aquela forma curva em cima. O báculo foi feito assim para significar a reverência que o bispo tem para com o Papa. É um báculo de cabeça baixa. Aquilo é um símbolo da cabeça do bispo. Para indicar a autoridade do bispo, o bispo quando passa anda com o báculo virado para a direita dele, para o lado do povo. Os abades só mandam dentro da própria abadia; não mandam fora da abadia, usam báculo, mas andam com o báculo virado para dentro; quer dizer, a autoridade por onde eles obedecem ao Papa é dentro da abadia e não fora. Os báculos, por sua vez, tiveram mil modos de fazer diferentes. O Papa era o único que usava um báculo reto, porque era só para Deus. Ele não obedece a mais ninguém na terra.

Os senhores compreendem, no que isso dá o amor de Deus? São gerações inteiras que procurando dar ao com que o bispo cobre sua cabeça uma forma sacral, acabaram modelando, cada um de seu jeito, até chegar a uma forma perfeita e acabada. E esta forma perfeita e acabada representa, portanto, o esforço de uma piedade de dois mil anos, em que, de vez em quando, uma geração alterava algo. Até que chegou o momento, séculos antes desse vendaval, em que não se alterou mais nada. Todo mundo disse: Isso está pronto!

Quer dizer, é uma forma de amor de Deus o querer paramentar assim o bispo, que é o representante de Deus na diocese e querer ornamentar o que ele tem de mais sagrado, que é a fronte dele, onde estão as suas cogitações, as suas preocupações etc., etc., por onde ele governa. Então, pôr na cabeça dele uma coisa assim, era um longo esforço de amor de Deus, até que a imagem de um bispo como um bispo deve ser, como a teologia ensina, acabasse de se expressar de um modo sensível.

Bem, eu assisti ordenações de padres, aqui até na Igreja de Santa Sicília, em que havia um rito que me deixava desconcertado, eu perguntei aos padres o que era. Era o seguinte: em certo momento, grande parte do cortejo saía do altar-mor, ia para a sacristia. E começaram uns a tocar campainha. Eu perguntei o que representava isso. “Ah, isso é um rito que vem desde os tempos das catacumbas. Antes de começar propriamente as ordenações, mandava-se vigiar na entrada da catacumba para ver se não tinha algum perigo de invasão que fosse interromper a função sagrada. E em memória dos apuros e das angústias dos primeiros católicos, durante dois mil anos a Igreja conservou esse rito”.

Para quem tem um pouco de alma, compreende que essa homenagem prestada durante dois mil anos aos medos dos nossos primeiros pais na fé, é uma coisa tocante, emocionante! O que era o Brasil no tempo das catacumbas? Eram uns índios, sei lá o que era. Quando é que eles ouviram falar de catacumbas? Nada. Sobretudo, nas catacumbas, quem ouviu falar do Brasil? Nada. Aqueles homens morriam, iam para o Coliseu, para as arenas, eram despedaçados. Eles tinham medo disso. Mas esse medo e a coragem de enfrentar o medo – porque aqui é que está a questão – essa coragem tornou-se tão famosa que durante dois mil anos a Igreja, enternecida, nunca realizou essa cerimônia sem repetir a vigilância das portas para ver se “estava chegando o adversário”. Isso enquanto o Te Deum canta, gloriosamente “Te per orbem terrarum, sancta confitetur Ecclesia – a Ti, por todo o orbe da terra, a Igreja Santa glorifica”. A Igreja Santa se volta para as catacumbas e repete o rito, numa homenagem.

Essa homenagem quase que traz, para quem sabe entender, o aroma das catacumbas. A gente quase que toca sangue de mártires com a mão.

Assim também ver o Papa entrar com as 300 trombetas de prata é rememorar a época em que já na Renascença, mas pelo calor das tradições medievais ainda vivas, se compreendia que o Papa era o maior hierarca da terra. E não havia glória que bastasse para exaltar o homem, colocado à testa de todo o gênero humano, de toda a Igreja Católica.

Então, o fazer preceder o Papa por 300 trombetas de som de prata, já é uma verdadeira beleza, porque o som da prata – não é questão do preço da prata, é o som; por exemplo, seria poca por de ouro, porque não tem a repercussão que tem o som [de prata]; essas coisas não se resolvem em Bolsa de Títulos de Nova York; essas coisas se resolvem artisticamente. O som da prata é um som especial. Então, 300 cornetas dessas, ou 200, não me lembro bem, precedendo o Papa, e por uma harmonia régia especial, anunciando ao povo que vai entrar o Vigário de Jesus Cristo sobre a terra – Rex regum, Domino dominantium, que é à maneira de Jesus Cristo, quase, uma espécie de Rei dos reis e Senhor dos senhoresisso é uma coisa magnífica como glorificação do Papado. E a gente amando a isso, ama o Papado. E amando o Papado, ama a Deus.

Meus caros, isto terá ficado claro? Eu não sei. Também não os culpo se não ficou claro, porque essas coisas se aprendem aos poucos. Mas, é por essa forma que a gente, então vai se ligando ao passado da Igreja, ao valor simbólico das coisas da Igreja etc., etc. Aqui está a questão.

(Aparte: parece referir-se ao cortejo de Nosso Senhor Jesus Cristo no Céu, após a Ascensão).

É inimaginável! Mas o cortejo, os senhores compreendem, é o maior triunfo, o maior cortejo que já houve. Primeiro, porque entrou Ele; depois, muito abaixo, porque atrás dEle iam todas as almas eleitas do mundo, desde [o começo do mundo] até aquele momento – porque ninguém tinha subido ao Céu antes dEle. De maneira que São José, os Patriarcas, os Profetas, as almas justas do Antigo Testamento, os mártires, São João Batista, que foi mártir antes...

Bem, meus caros, com isso uma coisa chamada relógio andou...

*    *    *

Abaixo, o filme sobre a vida de São Pio X, que o Prof. Plinio menciona nesta reunião