Plinio Corrêa de Oliveira

 

Balduíno IV:
protótipo do cavaleiro, do guerreiro,

do Rei, do leproso e - sobretudo -

do católico

 

 

Santo do Dia, 21 de outubro de 1972, Sábado

  Bookmark and Share

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

O “Santo do Dia” de hoje só pode ser entendido em toda sua importância, em toda a sua expressão, se se tomar em consideração os tempos em que tais fatos se desenrolaram, a saber a Idade Média, no ocaso das Cruzadas.

As Cruzadas representaram um dos mais belos movimentos de alma que a Igreja teve ao longo de todos os séculos de sua existência. Esse movimento de alma, evidentemente, como tudo quanto de belo se passa na Igreja, corresponde a uma grande graça, da qual um resto de brilho ainda refulge no olhar poluído e cansado do homem contemporâneo.

Com efeito, quando se fala nas Cruzadas, todo mundo compreende o significado da palavra. Por exemplo, dizer: “Fulano tem o espírito de um Cruzado, tem a mentalidade de um Cruzado”, e já se entende o que se quer exprimir. Entende-se que se refere a um herói, mas de um heroísmo especial, de um heroísmo iluminado de Religião, iluminado de Fé, iluminado de certezas de toda ordem, com uma disposição e um ânimo para suportar qualquer forma de dor, de sofrimento, de risco, extraordinária! E com uma capacidade de impacto sem precedentes, e provavelmente sem conseqüentes na História. Quando se fala a respeito de Cruzadas, todos esses conceitos se reúnem e brilham aos olhos das pessoas, mas com uma luz de Fé, de Religião. 

Como se deu o ocaso das Cruzadas? 

Nada foi mais belo do que o começo das Cruzadas. Nada, por causa disso, foi mais triste do que o ocaso plúmbeo, pardacento, feio em que elas se afundaram. A razão disso todos conhecemos.

Quer dizer, os primeiros Cruzados eram inspirados por uma grande Fé. Mas, em seguida, começaram a se misturar com eles pessoas que faziam a guerra santa preocupados em obter brilho junto à opinião pública do Ocidente. Em outros termos, ter sido Cruzado, ter refulgido de heroísmo nas Cruzadas, dava o que hoje se chamaria um grande “cartaz” (prestígio) no Ocidente. E até promovia o indivíduo facilmente na nobreza, que era a escala de ascensão política, social e econômica naquele tempo. De maneira que, nessa fase de decadência, havia um interesse humano conjugado com o interesse sobrenatural em se ser Cruzado.

Com o declínio da influência da Religião, os Cruzados interesseiros foram se tornando mais numerosos do que os Cruzados autênticos, legítimos, que o eram por verdadeiro espírito de Fé. E, com isso, as Cruzadas foram se tornando guerras de conquista, para que os Cruzados obtivessem reinos e feudos cômodos na Península Balcânica, e sobretudo na Terra Santa e na África do Norte, fundassem ali um reino – por exemplo o de Chipre, ilustre naquele tempo. Os indivíduos começaram então a ir para as Cruzadas por essas razões.

Mas indo por tais motivos, as ocasiões de pecado que a guerra traz consigo, os solicitavam muito. As rivalidades, as rixas, as injustiças da partilha, as vantagens obtidas, etc., tudo isso os solicitava muito. E, naturalmente também, o pecado da carne. Porque naqueles saques das cidades, quando os Cruzados venciam, se dava a resistência da população. E os senhores compreendem que havia mil ocasiões de mulheres se entregarem, pecados, etc.

Resultado: o ideal da Cruzada se foi rebaixando e se foi poluindo cada vez mais. Nesse triste ocaso das Cruzadas, em que as próprias Ordens de cavalaria estavam afetadas na sua integridade, na sua fidelidade ao primitivo espírito, a Providência quis fazer brilhar um Rei, que eu não me espantaria nem um pouco que,  no Reino de Maria, fosse canonizado. 

Balduíno, rei leproso, a réplica de Deus à ambição dos homens  

Agora, vejamos as particularidades desse rei. Para os senhores conhecerem quem era esse rei – suscitado como uma espécie de vendetta, de réplica de Deus à ambição vulgar e ao espírito egoístico da maior parte dos Cruzados da decadência. Os senhores precisam tomar em consideração o que era naquele tempo um Rei e depois o que fica na nossa imaginação, em seu extremo oposto, o que era um leproso.

Um Rei não era apenas aquilo que se tem hoje por tal. Não era, por exemplo, um rei da Dinamarca, como esse que faleceu há pouco, o qual, em certas noites em que estava mais desafogado, mais comunicativo, regia a orquestra de Kopenhagen, em manga de camisa, com a televisão focalizando-o para o país inteiro ver...

Não era também uma figura meramente decorativa. Mas o Rei era um ungido de Deus. Ele recebia uma investidura por meio de uma cerimônia religiosa ou uma unção ou uma coroação feita por mãos de eclesiástico – de um Bispo em geral –, ou eram ambas as coisas juntas. Ele era um ungido de Deus, representante de Deus na terra, encarregado de fazer prosperar a causa de Deus na ordem civil, como um Bispo ou um Papa é encarregado de fazê-lo na ordem espiritual.

Além do mais, homem dotado de um grande poder e, por causa disso, ultra reverenciado, ultra cortejado por todo mundo. Ele estava no ápice de toda espécie de hierarquias. Era a síntese e a personificação do país. Não se podia ser mais do que o Rei.

No extremo oposto, o leproso: a abominação dos homens. Porque naquele tempo não se tinha o processo de cura da lepra, ou de detenção da infecção leprosa que hoje se conhece. Quando um indivíduo era atingido por essa doença, era considerado irremissivelmente perdido e morria leproso.

Mas a lepra – ao menos em muitas de suas manifestações, frequentes naquele tempo – era uma enfermidade lenta, que ia matando o indivíduo aos poucos e de um modo horroroso. Com efeito, as extremidades nele inchavam, se entumeciam começavam a cair os dedos das mãos, os artelhos, o nariz, as orelhas se inchavam também desmedidamente e começavam a cair... E assim o indivíduo ficava como uma espécie de chaga viva: os olhos vermelhos, incandescentes, porque a lepra ataca o globo ocular... E essa putrefação, naturalmente, acabava o levando deste mundo.

Os antigos tinham horror à lepra, evidentemente. E por causa disso, sequestravam, afastavam o leproso do convívio humano. Um leproso causava verdadeiro terror, era o extremo oposto de um Rei procurado e admirado por todos. Era uma pessoa da qual todo mundo fugia. Onde o leproso se aproximava, todo mundo fugia de perto dele. E havia uma obrigação, para o indivíduo quando ficava leproso, de se internar e passar aí a vida inteira.

Os senhores estão vendo que o leproso e o Rei estão no extremo oposto. E aprouve à Providência Divina suscitar no Oriente, como uma das mais altas figuras do mundo das Cruzadas decadentes, um Rei leproso!

A figura de um rei leproso é dramática. Os senhores imaginarem um homem que carrega consigo uma doença, da qual todo mundo tem medo, mas que, pelo jogo das circunstâncias, deve ficar no seu cargo porque ele sente, sabe que fará à Igreja, no seu cargo, um bem que, naquela decadência, nenhum outro faria. Então é, ao mesmo tempo, procurado mas tido com horror por todos os outros...

Vivendo no esplendor de um palácio, mas no meio daquele luxo todo, ele é o podre, o horripilante, é o verme posto no meio da flor! É a contradição de todo aquele luxo que há em torno dele, é a hediondez da decrepitude física de um homem que vai ficando leproso em vida.

Apesar da lepra, esse homem – por amor à Igreja Católica – deu todas as provas de vigor físico, combatendo como qualquer guerreiro, e na vanguarda! Incutindo terror em seus adversários, de tal maneira ele foi grande batalhador. E enfrentando, de outro lado, provações terríveis, porque carregava o peso enorme de sustentar uma avalanche que caía.

Era uma mundo todo deteriorado, moralmente leproso, contra o qual ele tinha que reagir. Seus íntimos, seus próximos não valiam dois caracóis! E ele tinha que, apesar de tudo, fazer manter em pé o estandarte da Cruz no Oriente Próximo, durante toda sua vida.

Então os senhores vêem desenrolar-se a tragédia desse Rei leproso, com manifestações de heroísmo fantásticas e de dedicação extraordinária à Causa Católica, que fazem dele o protótipo do cavaleiro, do guerreiro, do Rei e do leproso! Numa palavra só, o protótipo do católico! Porque carregou todas as crises no seu pobre corpo chagado e na sua alma, que devia sofrer tudo quanto os senhores podem imaginar. 

 

Acima, vista parcial da capela superior da Sainte Chapelle, mandada construir por São Luís IX, rei de França, a fim de abrigar a relíquia da Coroa de Espinhos usada por Nosso Senhor Jesus Cristo (foto abaixo, o relicário)

 

A história de Balduíno, o rei das dores 

Isto é uma introdução – infelizmente um pouco longa, mas tenho a impressão que o personagem a  merecia – para a ficha biográfica que lerei agora para os senhores e que resulta do estudo de assuntos medievais, que está sendo promovido no “Êremo de Elias”.

Essas notas foram extraídas do livro “Les Templiers”, de Georges Bordonove. O rei se chamava Balduíno IV, rei de Jerusalém (1161 – Jerusalém, 16 de Março de 1185), do qual o primeiro monarca fora Godofredo de Bouillon. Este último, entretanto, não quis aceitar a coroa de rei, afirmando não quer usar uma coroa de ouro no lugar onde Nosso Senhor havia usado uma coroa de espinhos...

Os sucessores de Godofredo de Bouillon passaram a usar uma coroa de espinhos feita de ouro, que depois passou para os Príncipes da Casa de Lorena, que eram seus continuadores. Realmente, onde Nosso Senhor Jesus Cristo pôs uma coroa de espinhos, o homem só poderia se coroar com espinhos. Todo o resto seria infinitamente poca em comparação com a Coroa de Espinhos, que a Idade Média tanto venerava, e que para abrigar alguns desses espinhos, São Luiz construiu a Sainte Chapelle! Não preciso dizer mais nada...

O texto é o seguinte:

“Nada na história das Cruzadas é mais emocionante que o reino doloroso de Balduíno IV.”

Acho que ele poderia chamar-se o “rei das dores”. Porque o reino dele foi um reino doloroso, e teve o reinado das dores. Todas as dores confluíram nele.

“Nada, entre os mais vários exemplos famosos, pode atestar melhor o império de um espírito de ferro sobre a carne débil. Este foi um rei sublime, de que os historiadores tratam só de passagem. O que faz perguntar por que, até aqui, nenhum escritor nele se inspirou, exceto talvez o velho poeta alemão Wolfram von Eschenbach. Nem o romance, nem o teatro o invocam e, entretanto, sua breve existência, cheia de acontecimentos coloridos, forma uma apaixonante e dilacerante tragédia.

Isto mesmo indica que o homem era muito bom. Porque o quadro seria por demais tentador para uma peça de teatro, ou para um filme de cinema, para uma biografia, para uma leitura espiritual. Se a memória desse homem está de tal maneira posta à margem, quando poderia  a tanto escritor famoso dar pretexto para se tornar célebre, é bem evidentemente porque ele foi muito bom! Esta forma de silêncio só pesa sobre os esplêndidos, e já vale por si uma presunção de canonização.

“O destino sorria à sua infância.”

A palavra “destino” é péssima. A Providência é que sorria à infância dele.

“Robusto e belo.”

Notem bem, hein!

“Ele era dotado de inteligência aguçada, de sua raça anjevina (família nobre procedente de Anjou, na França). Tinha-se dado a ele por preceptor Guilherme de Tiro, que se tomou de uma grande preocupação e dedicação, como é conveniente a um filho de rei.”

Ele, portanto, foi educado esmeradamente.

“O pequeno Balduíno tinha muito boa memória, conhecia suficientemente as letras.”

O que não era tão frequente na nossa querida Idade Média.

“Retinha muitas histórias, e as contava com prazer. Um dia em que brincava de batalha com os filhos dos barões de Jerusalém, descobriu-se que tinha os membros insensíveis. Os outros meninos gritavam quando se lhes feria. Balduíno, porém, não dizia uma só palavra. Esse fato se repetiu em muitas ocasiões. A tal ponto, que o Arcediago (é um cargo eclesiástico) Guilherme alarmou-se. Primeiro pensou que o menino fazia uma proeza, desprezando de queixar-se...”

Ou seja, que estivesse ficando orgulhoso. 

 

Iluminura representando a descoberta da lepra em Balduíno 

“Então, dirigindo-lhe a palavra perguntou porque sofria aquelas machucaduras sem se queixar. O pequeno respondeu que as crianças não o feriam, ele não se ressentia em nada dos arranhões. Então o mestre examinou seu braço e sua mão, e certificou-se que estavam adormecidos. Era o sinal evidente da lepra, doença terrível e incurável naquele tempo. Os médicos aos quais foi confiado, não podiam sustar a infecção, nem mesmo retardar a lenta decomposição que afetaria as suas carnes. Toda a sua vida não foi senão uma luta contra o mal irredutível.

“E mais ainda, muito mais, foi testemunha dos poderes de um homem sobre si mesmo, e a encarnação assombrosa dos seus mais altos deveres. Balduíno IV foi um rei digno de São Luís, um santo, um homem, enfim, e é isto que sobretudo importa à nossa admiração sem reticências, a quem nenhuma desgraça chegou a destruir o vigor da alma, as convicções, a altivez, as qualidades de coração, o senso da responsabilidade dos quais ele hauria o revigoramento e coragem.”

Ele, no meio disso tudo, ainda era um homem muitíssimo altivo. Não só corajoso, mas digno e altivo. Conservar-se digno e altivo nessas condições, é preciso ter fibra de alma!

“No fim de 1174, Saladino, senhor de Damasco, veio sitiar Alepo.”

Alepo era uma cidade que estava em poder dos católicos. Saladino, como os senhores estão vendo, era maometano.

“Os descendentes de Noredim pediram socorro aos francos. Raimundo de Tripoli atacou a praça forte de Homs. Balduíno IV empreendeu uma avançada vitoriosa sobre Damasco. Essas iniciativas fizeram com que Saladino abandonasse seu desejo inicial.”

Saladino era um grande guerreiro. Fugiu por causa da pressão que Balduíno exerceu contra ele.

“Em 1176, o sultão voltou à carga, e a mesma manobra sustou seus planos.”

Mais uma vez, Balduíno fez fugir Saladino.

Balduíno venceu seu exército em Damasco e Andujar, e trouxe um belo lucro da expedição. Nessa ocasião, ele tinha apenas 15 anos.”

E já era um tão famoso chefe de guerra.

“Apesar de sua doença, cavalgava como um homem de armas. Empunhava eximiamente a lança.”

Os senhores sabem que a lepra debilita. Podem imaginar o que é empunhar uma lança numa batalha, hein?! Toda espécie de movimentos são necessários fazer e que força isso significa! Os senhores estão vendo por aí que ele lutava pessoalmente. Sob pretexto de ser leproso, podia ficar perfeitamente na retaguarda. Mas ele reivindicava para si, eximiamente, o lugar de perigo.

“Nenhum dos seus predecessores teve tão cedo semelhante noção da dignidade real de que estava investido, e de sua própria finalidade.”

Quer dizer, ele foi precocíssimo no compreender qual era a nobreza de um rei.

Percebendo as rivalidades existentes entre os que o cercavam...

Entre os católicos! Era a putrefação do espírito católico naquele tempo.

“...compreendeu quão necessária era sua presença à cabeça dos exércitos católicos.” 

Além da dor física, a angústia moral: o problema da sucessão

“Mas que calvário deveria ser o seu! Aos sofrimentos físicos, ajuntava-se a angústia moral. Seu estado o impedia de se casar, de ter um descendente. Ele não era senão um morto vivo, um morto coroado, cujas pústulas e purulências se disfarçavam sob o ferro e sob a seda.”

Sob o ferro no combate, sob a seda quando estava no palácio.

“Mas que se mantinha de pé, que se lançava à ação, movido não se sabe por que sopro milagroso, por que alta e devoradora chama de sacrifício!”

Quer dizer, era inexplicável aos olhos de todo mundo como esse homem lutava.

“Um novo Cruzado acabava de desembarcar. Chamava-se Filipe da Alsácia, Conde de Flandres, e parente próximo de Balduíno.”

O problema de Balduíno era a questão de seu sucessor. Se ele tivesse um filho, poderia educá-lo como quisesse. Era básico que houvesse um sucessor da categoria dele, para manter o estandarte da Cruz na Terra Santa. Mas não ia ter sucessores descendentes dele. Seriam parentes, e que parentes!... Os senhores vão ver daqui a pouco.

Então ele via não só a lepra destruir-lhe o corpo, mas via sua obra meio fadada a desaparecer – como ocorreu –, e ele retardando algo que apenas conseguiria protelar, mas não evitar. Apesar disso, com uma coragem prodigiosa, resistiu!

Agora começa o problema dele com os parentes.

“O pequeno Rei esperava muito desse apoio. Estava claro que era necessário ferir Saladino no coração de seu poder, isto é, no Egito, se se quisesse abalar a unidade muçulmana. Mas isso precisamente era o que propunha Basileus, Imperador de Bizâncio. O Egito, uma vez conquistado em parte, Damasco não poderia deixar de subtrair-se ao poder cambaleante de Saladino. Mas Filipe de Alsácia opinava de outra forma.”

Esse Filipe de Alsácia faz um papel péssimo.

“Ninguém lhe poderia impedir de guerrear na Síria do Norte. E, o que era mais grave, de levar consigo parte do exército franco.”

Era o exército de Balduíno.

“Saladino respondeu invadindo a Síria do Sul. Balduíno reuniu o que lhe restava de tropas, desguarneceu audaciosamente Jerusalém, e partiu para Ascalon, onde Saladino investia. Este, logo que foi informado, subestimou seu adversário. Ele acreditava que a queda de Ascalon era uma questão de dias, e marchou sobre Jerusalém, com o grosso de seu exército. Balduíno compreendeu suas intenções e saiu de Ascalon. Fez um longo périplo e caiu, repentinamente, sobre as colunas de Saladino em Montgisard. O efeito da surpresa não compensou a desproporção dos efetivos em luta. Balduíno sentiu a hesitação dos seus.”

 

Quadro evocando a batalha de Montgisard 

Pela prece de Balduíno, 300 guerreiros pernibambos vencem uma multidão de soldados maometanos. Consolo para Nosso Senhor na Cruz

“Desceu então do cavalo...”

E beleza é isto aí!

“... prosternou-se com o rosto na areia...”

Naquelas areias do deserto.

“...diante do madeiro da verdadeira Cruz, que era levado pelo Bispo de Belém. Orou com a voz cheia de lágrimas. E, com o coração convertido, seus soldados juraram então não recuar, e considerar traidor aquele que voltasse atrás. Rodeando o Santo Lenho, o esquadrão de trezentos cavaleiros se lançou impetuosamente. O vale entulhava-se com a bagagem do exército de Saladino, diz o ‘Livro dos Dois Jardins’.”

Que é um livro daquela época.

“Os cavaleiros francos surgiram ágeis como lobos, latindo como cães. Atacavam em massa, ardentes como chamas. E puseram em fuga o invencível Saladino que, se salvou a própria pele, foi graças à rapidez de seu cavalo e ao devotamento de sua guarda. Retornou ao Egito, abandonando milhares de prisioneiros. Balduíno logrou, enfim, uma vitória sem precedentes.”

Essa vitória merece uma pequena análise. Os senhores podem imaginar: Saladino foi sitiar a cidade de Ascalon e Balduíno IV julgou que podia pegá-lo lá. Então, Balduíno IV para salvar Ascalon, desguarneceu Jerusalém. Saladino, percebendo que Jerusalém – a capital do reino e a Cidade Santa dos católicos, que se tratava de tomar – estava desguarnecida, saiu às pressas de Ascalon e foi atacar Jerusalém, certo de que havia levado a melhor sobre Balduíno.

Balduíno tinha apenas trezentos homens, e trezentos homens de segunda categoria. Quando viu que Jerusalém ia ser cercada, resolveu interceptar o caminho que ia de Ascalon até Jerusalém. E quando seus guerreiros viram a multidão de maometanos que ia atacar Jerusalém, não tiveram coragem.

Aí os senhores têm a cena épica entre todas: o rei leproso que desce de seu cavalo, prosterna-se com a face na areia, diante do Santo Lenho, e pede a Nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de Maria, que salve a Cidade Santa, que não permita que ela pereça, sendo ele rei.

Aí vem uma dessas graças sobrenaturais que não se podem explicar senão por um verdadeiro sopro do Espírito Santo, uma verdadeira pequena Pentecostes, em que todos mudam completamente! Ele se levanta, e trezentos soldados apenas, chefiados pelo rei leproso – com que dores, com que sacrifícios, mas com que vigor de alma, com que zelo! – investem sobre os maometanos.

A investida é tremenda. Inclusive usaram um recurso de guerra psicológica: ladravam para meter medo. Saladino não pode resistir, tendo que fugir a galope para o Egito. E uma das mais famosas batalhas da Terra Santa foi assim ganha pelo rei leproso...

Os senhores considerem como devemos meditar a respeito dos mistérios de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nosso Senhor Jesus Cristo, pregado na Cruz, sabia todo o futuro. E no meio das tristezas sem conta que tinha do futuro, sabia o destino que ia ter cada um dos fragmentos do Santo Lenho, daquela Cruz que Ele estava tornando sagrada pelo Seu sacrifício, porque ali estava derramando o Seu Sangue infinitamente precioso.

Nosso Senhor Jesus Cristo, do alto da Cruz – Ele que foi comparado pelo Profeta Isaías a um leproso tão chagado que do alto da cabeça até a planta dos pés nada havia que estivesse sadio, o Divino Leproso, o Eterno Leproso, o Perfeito Leproso – previu que um dos fragmentos dessa Cruz ia ser adorado por um filho leproso, em tal ocasião assim, no deserto.

Ele conheceu e ouviu o brado de entusiasmo dos guerreiros francos. Viu a adoração angélica daquele homem, que estava com o rosto em terra, bradando o seu "Quis ut Deus!", para saltar por cima dos maometanos. E Nosso Senhor Jesus Cristo Se consolou. O Varão de todas as dores teve uma consolação no alto da Cruz, pensando em Balduíno. Balduíno arrancou algo à maneira de sorriso dos pobres lábios leprosos de Nosso Senhor Jesus Cristo expirante.

Foi só isso? Não. Nosso Senhor Jesus Cristo também sabia que num dia do mês de outubro de 1972, essa epopéia seria lembrada. E que os filhos por Ele recrutados, pela intercessão de Maria, para sustentarem a causa dEle no século XX, haveriam de se embevecer, sabendo que a propósito de Balduíno, Nosso Senhor também Se lembraria deles.

A presença dos senhores aqui e o consentimento de alma que dão à epopéia de Balduíno, Nosso Senhor também a conheceu, e também o consolou no alto da Cruz. De maneira que os senhores agora estão consolando a Nosso Senhor Jesus Cristo no alto da Cruz, no ano 33, simbolicamente admitamos, da Era Cristã.

De 1172 quase para 1973, os senhores vêem que enorme espaço de tempo. Está bem, passaram-se os tempos, essa história dormiu na poeira de quantos livros, na indiferença displicente de tantos homens sem alma que dela trataram, mas que estava reservada, como uma jóia, para uma meditação nesta noite. E para fazer com que nós desejássemos ter a alma de um Balduíno, ainda que fracos como tudo de corpo, fortes de alma dessa maneira. E com essa confiança invencível: só com trezentos, com um corpo chagado e leproso, teve entretanto a graça de receber um sopro do Espírito Santo para si e para os seus, e alcançar essa vitória extraordinária. Um dos mais belos feitos da Civilização Cristã!

Os senhores vêem que aí tem realmente com o que a gente se embevecer. É uma coisa verdadeiramente admirável!

Os senhores se ponham um pouco na pele desses soldados que combateram nessa ocasião. Imaginem-se revestidos de armamentos, marchando ou cavalgando às ordens desse rei. E pensando o seguinte: do outro lado está o sultão Saladino, homem famoso, riquíssimo, cercado de todo o fausto do Oriente; o nome dele retumbava por todas aquelas zonas como o de um grande guerreiro, um homem válido, um homem sadio. Nós não somos senão trezentos, e o nosso rei o que é? Um miserável leproso, um pobre super doente, desfeito em chagas e purulências. E a Providencia nos chamou a nós, para combatermos sob as ordens de um desprezível leproso, só trezentos contra todo o exército de Saladino.

É ou não é verdade, meus caros, que poderia dar insegurança? E uma insegurança monumental. O que deveria ter sido esse Balduíno, para ele sozinho dar segurança aos trezentos homens?! O que deveria ter sido isso? Que canal do Espírito Santo! que veículo! Mais bonito ainda do que pensar em trezentos guerreiros, é pensar em trezentos guerreiros pernibambos! E o rei, leproso, que se inclina no chão, e que pede a Nossa Senhora força para os seus pernibambos! Ali, de fato, nada é forte a não ser a alma dele. Mas a alma dele o era por inteiro! Como os senhores estão vendo, mais sublime não podia ser.

Eu lhes pergunto: na história das monarquias católicas, há um episódio mais bonito do que este? Não há. Nem os episódios sacratíssimos da vida de São Luis excedem a este em beleza. Igualam sim, não excedem a este em beleza. É uma verdadeira maravilha! Os senhores podem por aí compreender que epopéia a história da Idade Média nos apresenta vista assim

A doença se agrava, mas Balduíno luta até o fim

“No ano seguinte, Balduíno edificou o Gué de Jacó, fortaleza destinada a defender a Galiléia dos ataques de Damasco.”

Como é bonita a figura desse rei, que vai se desagregando e vai construindo fortalezas. Ele é o contrário de uma fortaleza que se constrói, é um esboroamento vivo, em cada instante. Mas ele ainda constrói fortaleza para lutar no futuro.

“Guilherme de Tiro pretende que isso tenha sido feito pelas permanentes solicitações de Odon de Saint-Amand, Grão Mestre do Templo. Em todo caso, qualquer que tenha sido o inspirador da idéia, não há dúvida quanto à importância estratégica da fortaleza que Balduíno mandou construir. Em 1179 Saladino invadiu a Galiléia. Balduíno foi a seu encontro, tentando surpreendê-lo, como tinha feito em Montgisard. Mas como os muçulmanos se contivessem, ele foi cercado e saiu preso. Muitos foram mortos e presos nesse dia. Pouco tempo depois, Saladino tomou Gue de Jacob e mandou executar todos os cavaleiros do Templo que a defendiam.”

Balduíno, portanto, foi preso.

“Sibila, irmã do Rei...”

Sibila, nome pagão, é prenúncio de paganismo, de Renascença que vem...

“...acabava de se casar - contrariamente aos interesses do Estado - com Guy de Lusignan, homem de beleza discutível, sem fortuna e sem talento. Balduíno, pressionado pelos seus, minado pela doença...”

E aqui é uma fraqueza dele.

“...tinha consentido nessa união e doado a Lusignan os condados de Jaffra e Ascalon. Tão logo a insignificância do marido de Sybilla se manifestou, atiçaram-se as esperanças dos senhores feudais. Contava-se que o irmão de Lusignan, comentando o casamento, disse: ‘Se Guy for rei, eu deveria ser deus’.”

Tal a mediocridade desse cunhado de Balduíno, o qual tivera a fraqueza de aceitar.

“Nessa mesma ocasião, Isabel de Jerusalém desposava Anfroi de Toron, filho indigno de seu pai, o extinto Condestável de Jerusalém, morto em defesa do Rei. O estado de Balduíno IV piorava de dia a dia. Foi uma provação para sua mãe, que não tinha boa fama, e para a roda de seus cortesãos ambiciosos e amorais, ver a aproximação de Balduíno com Raimundo de Tripoli, único homem capaz de o aconselhar devidamente.”

Esse Raimundo de Tripoli era bom, a corte era má. Balduíno chamou um bom conselheiro para amparar na boa via as suas forças declinantes.

“Nesse momento reapareceu, libertado dos cárceres muçulmanos, o antigo príncipe de Antioquia, Renaud de Châtillon. Logo recomeçou suas aventuras, assaltando uma importante caravana de peregrinos com destino a Meca.”

Era, portanto, um malfeitor.

“Tal ato rompia a trégua assinada por Balduíno IV e Saladino, ofendia as convicções religiosas dos muçulmanos, a cujos olhos o atentado afigurava-se monstruoso. Intimado pelo Rei a devolver os prisioneiros e o produto da pilhagem, ele recusou-se com arrogância, tornando-se assim evidente a incapacidade do doente de se fazer obedecer.”

Esse senhor feudal revoltou-se contra Balduíno. Este lhe deu ordem de restituir o que havia tirado aos muçulmanos, e ele não quis. O estado de doença de Balduíno não lhe permitia, naquele momento, manter a autoridade necessária.

“Em agosto, o infatigável maometano Saladino tentou tomar Beirute por uma ação combinada por terra e mar. Uma vez mais, Balduíno afastou o perigo.”

Já então caminhando para a morte, ele combateu e venceu.

“Impediu Saladino de se apoderar de Alepo e conduziu uma expedição até os subúrbios de Damasco.”

Que era a capital de Saladino.

“Assim, por toda parte, graças à sua energia sobre-humana, e ainda que daí em diante ele se fizesse carregar em liteira para as batalhas, o heróico leproso levava vantagem sobre o genial muçulmano.”

Os senhores podem imaginar o rei que não pode mais cavalgar, que é levado em liteira para as batalhas, mas que vai animando os seus. Os senhores vejam mais uma vez a força de alma que renasce, enquanto o corpo cada vez decai mais.

“Ele começava, entretanto, a perder a vista,...”

A cegueira é um dos efeitos da lepra.

“...a não poder mais se servir de seus membros. Os que lhe eram mais chegados o pressionavam a abandonar seus afazeres do reinado, e ao mesmo tempo passar parte de suas responsabilidades a Guy de Lusignan.”

Que era o incapaz.

“Pode-se bem imaginar o drama interior desse Rei, de 22 anos só...”

Tudo isso passou-se em sete anos.

“...corroído por úlceras, semi-paralizado e quase cego, cercado pelas sombras da desconfiança e dos maus pressentimentos.”

Ele não podia confiar em quase ninguém.

“Atormentado ante as insinuações e sugestões pérfidas dos seus...”

O ambiente dele era péssimo.

“...de um lado, e a alta idéia que fazia de sua missão de Rei, de outro lado. Se a lepra o enfraquecia e ele não podia ter esperanças de se curar, sempre, entretanto, encontrava novas forças e resistia da melhor forma às ciladas da camarilha.”

É o período de ascensão máxima dele: vai sendo cada vez mais cercado, resistindo mais à camarilha, cada vez mais enérgico.

“Como a doença entrasse numa fase evolutiva, ele devia lutar contra ela e, sobretudo, contra a tentação de abandonar tudo para morrer em paz.”

Era então a tentação que ele sofria: “deixe tudo... Você já cumpriu o seu dever até o fim...”

“Foi num desses períodos que ele consentiu, se bem que a contra gosto, a investir Guy de Lusignan da regência do reino. No primeiro encontro com Saladino, Lusignan deixou o exército franco ser massacrado. Recusou com altivez prestar contas a Balduíno, que o destituiu de seu cargo. E para evitar que, pela complacência de Sybilla, Lusignan se tornasse rei de Jerusalém após sua morte, ele designou seu sucessor: o pequeno Balduíno V, filho de Guilherme Longue Epée.”

Ele ainda teve um gesto de suprema coragem, de suprema energia: viu que o cunhado não prestava mesmo e destituiu-o da sucessão do reino. Os senhores dirão: "Mas é fácil enfrentar uma mulher!" E quando o pobre coitado é um leproso, que depende das atenções dos seus para tudo, para as informações, para tudo? Porque é um inválido absoluto: não vê, não dispõe de seus membros... o que é que ele sabe da realidade?

Por que então não pede demissão? Os senhores estão vendo: porque vem outro pior. Ele, no meio disso, e desagradando todo mundo, designa então o pequeno Balduíno V, cujo pai dá uma boa impressão pelo apelido - não sei mais nada dele - Guilherme da Longa Espada.

“Como a situação da Terra Santa estivesse desesperadora, Balduíno mandou uma embaixada ao Ocidente, composta pelo Patriarca de Jerusalém, pelo Mestre dos Hospitalários...”

Era uma ordem religiosa.

“...e pelo Mestre dos Templários, o velho Arnaud de Torrage.”

Ou seja, é um SOS dele para o Ocidente, para ver se mandam gente limpa e boa para salvar a cidade de Jerusalém.

“Renaud de Châtillon, que indiretamente tinha ajudado o rei a se desembaraçar de Lusignan, julgou-se autorizado a retomar suas pilhagens, mas agora então, na mais alta escala.”

Era o tal bandido que roubava.

“Armou uma frota que foi transportada ao Mar Vermelho, a dorso de camelo. Essa frota, devastando portos, interceptando comboios, ameaçou por algum tempo o caminho para Meca.” 

Balduíno, agonizando em sua liteira, enfrenta mais uma vez Saladino. Este, talvez por respeito, retirou-se

“Saladino, excitado até o cúmulo do furor, destruiu os navios de Renaud e depois sitiou-o em sua própria fortaleza, o Krac de Moab. Balduíno IV apareceu, agonizando em sua liteira, para lhe fazer frente. Saladino então retirou-se.”

Não é preciso dizer mais nada... O comentário está feito.

O Mar Vermelho era cheio de sultanatos e de pequenos Estados riquíssimos. Ele fez transportar os seus navios a dorso de camelo, pelo istmo de Suez - o canal naturalmente não existia, só foi aberto no século XIX - e entrou no Mar Vermelho e começou a saquear. Saladino ficou indignado. Foi de encontro a Balduíno. Balduíno agonizante, foi de liteira enfrentar! Ele enfrenta de todo jeito. Saladino se retirou. Talvez tenha sido uma vitória sob algum aspecto mais bonita do que aquela quando ele rezou com o rosto no chão. Porque ele comoveu o Céu, inclinando-se no deserto. Aqui, ele impôs respeito ao inferno, fazendo com que Saladino se retirasse. É a glória de um homem na terra, à espera da glória no Céu.

“O último ato de Balduíno IV foi o de reunir em São João d'Acre o Parlamento de seus barões. Guy de Lusignan, incapaz e rebelde, foi então oficialmente afastado do trono. E o que era justiça e sabedoria, a regência foi confiada a Raimundo de Trípoli.”

Morte de Balduíno

Como ele designou um menino para ser seu sucessor, tinha o direito de nomear o Regente. Pegou então o conselheiro fiel dele e designou-o como Regente. Os senhores estão vendo o golpe pelo qual não nomeou o Longa Espada para Rei, mas nomeou o menino. Ele pôde pegar seu conselheiro fiel e passar-lhe o bastão de mando, antes de morrer.

Mais tarde, a 16 de março de 1185, o mártir rendeu sua alma a Deus, em presença de seus vassalos, dignatários e bons companheiros de guerra. Até os infiéis lhe tributaram homenagens.”

Os católicos o esqueceram. Em 1972, ele é lembrado num auditório cheio de pessoas de um continente naquele tempo habitado pelos guaranis, pelos araucanos, pelos tupis, e sei lá por quanta gente há. Aqui está um eco da glória de Balduíno IV, rei de Jerusalém.

Aí está um fulgor da Idade Média. Porque eu não sei o que é que aconteceu, mas por uma coisa que é dessas assim, uma figura desse porte depois não foi dada mais à Cristandade. Esse exemplo impressionante do rei leproso e herói, diante de cujas feridas recuam, cheios de reverência, os filhos das trevas, uma figura assim não nos foi dada. Nós, o que é que temos hoje no século XX em comparação com Balduíno, o leproso? Aqui está uma apreciação.

Os senhores me dirão: "o seu entusiasmo por ele é como de um homem que tivesse sido santo. Mas o Sr. é pessoalmente um homem muito intransigente. E o Sr. não pode ter os olhos fechados sobre o fato de que esse homem teve fraquezas na vida, que o Sr. mesmo historiou. Como é que o Sr. pode ter tanto entusiasmo por esse homem?"

A vida me tem mostrado que pode haver pessoas com altas qualidades, mas que, sob o peso às vezes de provações muito grandes, com culpa embora, têm defecções. Mas que depois a graça perdoa, reanima, e leva de novo a altos cumes.

Esta foi a história, chagada e dolorida, de Balduíno IV. Ele teve desfalecimentos, é verdade. Não como Nosso Senhor caiu debaixo da Cruz, perfeito, impecável, divino, mas como um homem que teve fraquezas, que teve graças para não ceder. Essas fraquezas devem ser julgadas com severidade. Mas os atos maravilhosos da vida dele também devem ser, por isso mesmo, julgados com a mesma justiça. E impõem admiração, como as fraquezas impõem a severidade. Sobretudo para que esse homem tivesse tido o último lance, de afugentar Saladino, impor respeito a Saladino nessas condições, era preciso que a sua alma estivesse em muito belo estado.

Ele foi ocasião, como uma relíquia viva, para um dos mais bonitos episódios da história das Cruzadas. Como não admitir que a alma desse homem, num grau mais alto ou menos, esteja na presença de Deus? Nós não podemos canonizar ninguém. Canonização é privilégio único e exclusivo da Igreja Católica, quer dizer, da Hierarquia católica, mais especialmente do Papa. Nós não podemos canonizar ninguém.

Mas pedir privadamente a ele que nos conquiste essa força de alma indomável, nós podemos pedir. Podemos pedir que nos faça compreender algo desse espírito medieval, que ele possuía em tão alto grau e que é a luz que nos deve animar durante a realização das profecias de Nossa Senhora em Fátima, rumo  ao Reino de Maria.

De maneira que aqui está a grande recordação purulenta, fétida, chagada e maravilhosa de Balduíno IV. Mais do que isso: de Nosso Senhor Jesus Cristo do alto da Cruz, pensando em nós, pensando em nossa meditação. E nos abençoando do alto da Cruz, perdoando-nos por todos os defeitos que haja em nossas almas, neste momento.

Nós nos compadecemos de Balduíno e sobretudo nos compadecemos dEle. Ambos, que tenham piedade de nós!


ROI campagne pubblicitarie