Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

A virtude da magnanimidade

X

mesquinhez e sensacionalismo

 

 

 

 

Reunião de 19 de novembro de 1971

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


Comentários a trechos de escritos do Padre dominicano Antonio Royo Marin (1913-2005) sobre as virtudes da magnanimidade e da magnificência: noção, características, obstáculos à sua prática. Esta exposição (de 19-11-1971) bem poderia ser um verdadeiro programa de vida... ideal para um início de Novo Ano.

Explicação de algumas expressões utilizadas nessa conferência:

Heresia branca - equivocada interpretação da virtude e da doutrina católica

Heresia negra - erros doutrinários berrantes

Igreja constantiniana - Período da Igreja Católica, Apostólica, Romana que corresponde mais ou menos até o início do Concilio Vaticano II

RCR – livro “Revolução e Contra-Revolução” 

 

[Devo antes fazer] um esclarecimento sobre a importância disso que é a seguinte: erraria singularmente quem se animasse a dizer que a luta contra a “heresia branca” (equivocada interpretação da virtude e da doutrina católica) não tem mais atualidade para nós, uma vez que a “heresia negra” (erros doutrinários berrantes) devorou a “heresia branca”. Porque a “heresia branca” continua muito dentro de nós. Quer dizer, uma porção de clichês que nós recebemos no passado são do tipo do “heresia branca”. Mas os últimos anos da degenerescência da Igreja constantiniana (ou seja, mais ou menos até o início do Concilio Vaticano II) enchem a nossa alma de hábitos mentais, de tendências, da escrúpulos, de mil coisas, de influências de toda a ordem que nós devemos expulsar de nós.

Um dos mais lamentáveis defeitos dessa degenerescência - e isto vem de longe - é a idéia que se espalhou de que o católico tem que ser um sujeito amesquinhado, que nunca vê coisas grandes, nem deseja coisas grandes, nem as empreende. Mas é um tipo abobado, de horizontes curtos, de apetência pequenina, querendo apenas e se interessando por aquilo que diz respeito à sua vidinha particular e à sua salvação individual, indiferente ao resto todo. De maneira que, se haveria um homem “microlótico” (de horizontes curtos) por excelência, este seria o “heresia branca”.

A virtude da magnanimidade, como os senhores verão, prova que essa versão do que deve ser um católico é uma versão completamente errada e que o católico deve ser, deve ter a alma grande que na TFP se procura incutir às pessoas.

Em termos diferentes, faz parte da polêmica este trecho de São Tomás de Aquino, faz parte da polêmica sempre atual da TFP com a “heresia branca”. Essa é a “mise en scène” (enquadramento, focalização) do assunto.

Bom, então, aqui esse padre Antônio Royo Marin O.P., da B.A.C. (Editora Biblioteca de Autores Cristianos), diz o seguinte... a magnanimidade primeiro, depois a magnificência, ele faz uma distinção entre ambas as coisas. Então, primeiro:

“Noção - É uma virtude que inclina a empreender obras grandes, esplêndidas e dignas de honra em todo o gênero de virtudes”.

Os senhores imaginem um sacristão da escola “clássica” e os senhores perguntem se esse homem tem a propensão para “empreender obras grandes, esplêndidas e dignas de honra em todo o gênero de virtudes”. É o contrário, não é? Os senhores tomem por exemplo um... é algo por onde eles [são] pequeninos, mocorongos, insignificantes, de alma restrita e não valendo absolutamente nada. Aqui os senhores têm já então uma definição dessa virtude - e o santo deve ter todos as virtudes -, que já é uma espécie de golpe no queixo da “heresia branca”. A expressão vai continuar:

“Essa virtude empurra sempre ao grande, ao esplêndido, à virtude eminente; ela é incompatível com a mediocridade. Neste sentido ela é a coroa, o ornato e esplendor de todas as virtudes“.

Não se trata, portanto, de dizer que é uma virtude que uma pessoa pode ter ou não ter, porque há certas virtudes que a pessoa pode ser eminente em virtudes, mas aquela ter aprofundado pouco, não ter o pecado daquela via, mas não ter aquela virtude muito desenvolvida, não é? Aí não. O ornato -- as palavras dele são muito bonitas -- o ornato, a coroa, quer dizer o que dá o seu acabamento final. É o que orna. Quer dizer, o que dá a beleza, aquilo que dá o esplendor, quer dizer o por onde todas as outras virtudes se tornam fulgurantes é a virtude da magnanimidade.

Qual é o defeito que é o contrário da virtude da magnanimidade? É a mediocridade. Em que ponto a magnanimidade tem que ser especialmente grande? Ele diz aqui muito bem: é na aquisição da virtude. Fazer coisas grandes, esplendidas e com honra “em todo o gênero de virtudes”. Quer dizer, praticar todas as virtudes de um modo grande, de um modo esplêndido, de um modo eminente, esta é a primeira noção da magnanimidade. Portanto é a grandeza da virtude, é o esplendor da virtude que caracteriza verdadeiramente a magnanimidade.

Agora, os senhores notam que quando a pessoa tem a alma assim ela tem a magnanimidade - eu estou bolostrocando as palavras, ela não tem magnificência, é a magnanimidade.

O que quer dizer magnânimo? “Magno”, os senhores sabem que é grande; “anima” é alma, é grandeza de alma. Esta é a grandeza da alma. Em baixo aparece a magnificência, que é a grandeza dos feitos, a grandeza das ações.

Os senhores tomam por exemplo Carlos Magno. Carlos Magno foi um profeta suscitado por Deus para lançar os fundamentos da Europa Medieval. Ele o fez? Fez. Mas de que modo ele fez? Com magnanimidade, quer dizer, ele tinha uma alma assim. O que ele concebeu em matéria de império, ele o concebeu de um modo eminente, como uma coroa de toda a Europa Medieval, etc. Toda a glória carolíngia está contida nisto. Como ele tinha uma alma magnânima, ele fez coisas magníficas. Daí a vida dele ter sido magnífica. Esta é a relação entre uma coisa e outra.

São Pio X. São Pio X, na vida dele, fez várias coisas que indicavam uma rara magnanimidade. Aquela fotografia dele que a TFP chilena nos deu, com o solidéu etc., e que está na minha sala na sede da (Rua) Martim (Francisco), eu coloquei na minha sala porque eu não tinha, não havia lugar onde ela ficasse bonita na Sede. Então, à espera de encontrar um lugar inteiramente adequado, eu coloquei na minha sala. Na realidade ela não fica muito bonita na minha sala porque ela é um pouco grande para aquele local. Entretanto eu estou sentindo mil propensões de alma para não tirar de lá, porque é um tal fogo de personalidade, na posição da cabeça, na impostação dos olhos, na decisão toda, há uma tal grandeza de alma, um tal poder que para me ajudar a fazer todos os caracóis do “rio chinês”, dez mil milhões de vezes por dia, me estimula olhar para aquela figura e pensar que ele agüentou isto e talvez mais do que isto. E agüentou com aquela grandeza de alma, não é verdade? Resultado: vieram as grandezas dos feitos dele. Como ele deu uma espatifada no Modernismo que o Modernismo ficou meio escangalhado até meados do reinado de Pio XI. Depois é que ele começou a renascer. Foi uma política, um documento e uma política, mas ele sozinho destruiu a coisa.

Bem, os senhores tomam a magnificência. Ele -- outra coisa da magnificência dele -- ele entra em briga com o Governo francês. O Governo francês nega a ele o direito de nomear bispos. Ele não faz outra coisa senão isso: manda vir catorze padres que ele nomeou bispos, mandou vir a Roma e ele sagrou na Igreja de São Pedro, em Roma, bispos, solenemente.

Depois disse: “Vão e tomem posse de suas dioceses”. O Governo francês não fez nada. Está acabado. A famosa encíclica dele repudiando o Governo francês, que era um governo laico, maçom, horroroso, a famosa encíclica dele foi concebida nestes termos: ele resolveu atrair o maior número possível de franceses para o Vaticano, para desmentir a idéia de que ele era inimigo da França. E para isso ele aproveitou a conjuntura de que o processo de canonização de Santa Joana d’Arc estava pronto e resolveu canonizar então Santa Joana d’Arc e vieram peregrinações e peregrinações da França, etc., etc. Todo mundo estava certo de que o que o Papa faria era um sermão convencional sobre Santa Joana d’Arc. Nesse dia ele mandou distribuir no Basílica o texto de uma encíclica que ele leu inesperadamente durante a cerimônia, que escangalhava com o Governo francês.

Isso aí é a alma de um pontífice magnânimo que não participava em nada da degenerescência da Igreja constantiniana, era pelo contrário o modelo e a honra da Igreja constantiniana. Estes pensamentos se deduzem desse trecho aqui. Vamos continuar.

“A Magnanimidade supõe uma alma nobre e elevada. Ela costuma ser designada com o nome de grandeza de alma ou nobreza de caráter”.

Os senhores estão vendo como na Igreja constantiniana não havia disso, não é? Na Igreja constantiniana degenerescente, não é? Quem é que haveria de dizer “tal freira? ah tem uma eminente grandeza de alma e uma grande nobreza de caráter”. Não. “É tão boazinha, ela trata as crianças tão direitinho, quando ela está metida com as criancinhas se diria que todo o universo dela é lá, nhé, nhé”. Quer dizer, uma vovó boba, não é? Não é nada disso, é o contrário.

“O magnânimo é um espírito selecionado, “exquis”... não é esquisito em português. O esquisito em castelhano se traduz, não tem uma palavra própria no português, se traduz pelo “exquis” francês. “Exquis”: superior. Agora meus caros, vamos ver algumas coisas.

“Ele não tem inveja, nem se sente rival de ninguém.”

Como isto é diferente de um certo hábito eterno de a gente se comparar com os outros: quem é mais quem é menos, o que que é mais, o que que é menos.

Hoje está se representando a nossa peça de teatro em Itaquera. Eu não sei aliás se os senhores receberam o meu recado, eu mandei dizer aos senhores, a tempo que os que quisessem ir à peça de teatro em Itaquera, eu tomaria imensamente a bem e dispensaria da reunião de “grand coeur”.

Bem, me chamou a atenção que o momento de suspense durante a peça de teatro não era nenhum episódio da peça de teatro e não era nenhum diálogo. Era quando entrava pela primeira vez em cena um ator. “Oh, é aquele, olhe ele, etc., etc.”, e logo por detrás, críticas e comparações. “Olha aqui aquele outro etc., etc., “não é verdade? É o contrário da magnanimidade.

A magnanimidade não se compara com ninguém, não se interessa por isso, ela não tem rivalidade com ninguém, ela se alegra em que todo o mundo seja muito e que seja mais do que ela. Ela não vive de comparações, isto é próprio do mesquinho.

Bem, então

“não é rival de ninguém, não se sente humilhado em nada pelo bem dos demais“.

É um defeito tão comum em nossa época, não é? O outro é mais do que a gente em qualquer coisa, um olhar... “aquele!, está compreendendo? Olha como ele é mais engraçado, ou como ele é mais ágil, ou como ele é mais inteligente, ou como ele é mais isso e mais aquilo. Aquele, ele, nhhheee”... está compreendendo? Isto é o contrário da magnanimidade. Isto é uma torpeza de alma. Nós devemos ter alegria pelos dons que Deus deu aos outros e quando Deus fez um indivíduo maior do que nós em qualquer ponto, nós devemos ficar alegres porque Deus fez aquilo como um benefício para nós. É para mim uma vantagem que haja homens mais inteligentes do que eu. Assim eles me iluminam.

Se não houvesse esse homem que escreveu isso o que é que eu iria saber de magnanimidade? Então não devo dar graças a Nossa Senhora, que este texto seja tão bonito, tão claro, tão sóbrio, tão sintético, ao mesmo tempo tão bem pensado e não desprovido de uma sóbria e máscula beleza literária? Eu devo dar graças a Nossa Senhora! Eu não estou me beneficiando com isto?

Mais ainda, não é só o meu benefício, não faz bem aos outros, não faz bem à Igreja Católica? Viva! Vamos louvar o talento dele. É maior ou menor do que o meu? Não me importa! Está acabado! Isto, meus caros, é uma meditação que a gente tem que fazer sempre, sempre, sempre, sempre, sempre porque senão renasce. A rivalidade renasce.

“O homem magnânimo é tranqüilo e lento.”

Eu não ousaria dizer que isto é um homem com falta de distância psíquica, não é? Eu ousaria dizer que a distância psíquica é bem isto. Tranqüilo e lento. Não é um saguí elétrico; qualquer coisa que acontece já está carregado de emoções. Não. Ele tem distância em relação às coisas, não vai correndo por cima delas nem gosta que elas vão correndo por cima dele, mas ele se aproxima delas com a majestade com que um grande couraçado atraca num cais, não como uma lanchinha reles qualquer que vai... É o movimento lento e digno do grande couraçado. Quando ele encosta no cais, ele faz um traço de união entre a terra e o mar... ele chegou.

Assim nós devemos nos acercar da realidade, com a tranqüilidade e a lentidão de um grande couraçado. Nada de corre-corre, nem nada disso, de frenesis.

“É tranqüilo e lento, não se entrega a muitos assuntos de uma vez mas a poucos, mas grandes e esplêndidos“.

Vejam o modo pelo qual o homem contemporâneo lê jornais: há gente que lê vários jornais da tarde, come vários jornais da manhã e lê de acordo com os slogans e a sensação que dão. Resultado, pega, folheia cinco ou seis jornais e deixa de lado, em pouco tempo acabou.

Como é que faz o varão magnânimo ele se pergunta qual é o jornal que melhor fala dos assuntos esplêndidos. Eu vou ler só este com tranqüilidade e lentidão e só à procura dos assuntos grandes, que tem porte para me interessar. O resto deixo de lado. Narração qualquer que um cachorro louco fez não sei o quê engraçado em Leipzig, que na Índia um elefante jogou pela tromba não sei mais o que... um homem calmo e lento se analisa é apenas pelos aspectos importantes que pode ter, mas não é por aquela necessidade frenética de saber uma novidade. Isto é o contrário da magnanimidade.

Vamos continuar a ver o espírito do homem magnânimo como é.

“Ele é veraz, sincero, pouco falante, amigo fiel”

Veraz não é apenas dizer que ele não mente, mas é dizer que ele diz coisa que vale a pena ser dita. E aí vem também que ele é sincero, ele diz o que pensa. Não está sempre evitando de dizer qual é a boa doutrina católica, qual é a posição ortodoxa etc., etc.

O que é que é “pouco falante”? Eu tenho aqui o mesmo eremita do Eremo de Elias que mandou-me uma frase de Santa Teresa muito interessante a respeito da loquacidade e como eu sei que eu vou ser ouvido pelos Eremos eu deito a frase por aí. É o seguinte – um dito carmelita, não é dela propriamente: “En casa de Teresa, una de dos; o no se habla, o se habla de Dios.” Falar pouco não é não falar muito, mas é só falar das coisas que merecem ser faladas, é só falar por amor de Deus. A gente analisa o homem que fala, que usa bem a palavra perguntando se o que ele está falando é por amor de Deus ou é pelo gosto de blá, blá, blá, de soltar palavras. O mero gosto de soltar palavras é ruim. O gosto de fazer uso da palavra continuamente para a glória de Deus, isto é bom. É o que está contido aí, isso faz parte da magnanimidade de um varão.

“Não mente nunca, diz o que sente sem preocupar-se com a opinião dos demais”.

Naturalmente aí precisa levar um pequeno verniz. Isto é verdade em princípio, é verdade em tese, não é verdade na hipótese. Quer dizer, um diplomata que fosse ser assim não seria um diplomata magnânimo. Este seria um diplomata pífio. O diplomata magnânimo, o político magnânimo não deve estar sempre dizendo tudo o que pensa, mas deve saber acomodar e acondicionar aquilo que ele pensa, isto é evidente. Nestas circunstâncias, com esses dados, então, ele deve de fato agir como um homem magnânimo.

“Ele é aberto e franco, não é imprudente nem hipócrita“.

Os senhores estão entendendo aqui o que é o aberto e franco. Quando o sujeito não é nem imprudente nem hipócrita aí ele é aberto e franco. Não é o tonto que diz qualquer coisa. Eu não sei se os senhores conhecem um dito francês. Dois franceses conversando e um diz para o outro: “A insinceridade traz grande dono para o convívio humano”. O outro diz: “É verdade, um dano tão grande que só há uma coisa que traz um dano maior.” “- O que é?” “É a sinceridade”... Está compreendendo?... Realmente se a gente entendesse por sinceridade dizer tudo quanto tem na cabeça e todo mundo dissesse a todo mundo tudo quanto tem na cabeça, o convívio humano estaria destruído. Que dizer, nós temos que entender o que quer dizer isso.

(Pergunta: Dr. Plínio, daria para o senhor dar um pouco mais de matiz nesse caso?)

Pois não, com todo o gosto. A magnanimidade é uma virtude que não pode ser dissociada da virtude da prudência e das outras virtudes cardeais: da Justiça, da temperança e da fortaleza. E às vezes a fortaleza, ou a justiça, ou a temperança nos obrigam a não dizer tudo quanto nós pensamos. Por exemplo, há casos em que uma pessoa pode não dizer, deve usar de fortaleza não dizendo tudo quanto pensa. O sujeito está por exemplo numa roda em que todos professam um determinado erro, por exemplo, não sei, todos são progressistas e dizem então o seguinte: “A Igreja constantiniana deveria necessariamente passar por reformas porque a fixidez absoluta até o fim dos séculos não pode ser o ideal de uma Igreja viva”.

Este princípio em si é um princípio verdadeiro, aquilo que vive passa por alguma mudança, a Igreja em todas as épocas passou por mudanças, mesmo a Igreja constantiniana passou por contínuas mudanças. Por exemplo, cada santo novo que se canonizava era uma mudança no calendário, era preciso arranjar uma festa para aquele santo e daí para fora. Passou por muitas mudanças. Sua doutrina nunca mudou, mas foi constantemente acrescida por ensinamentos ao longo dos erros que iam arrebentando. Daí para fora.

Nós podemos dizer que nós quereríamos um progresso na Igreja constantiniana e esse progresso seria de nós introduzirmos em toda a liturgia, em toda vida da Igreja a doutrina da Mediação Universal (de Nossa Senhora) como dogma, primeiro; depois, com todos os seus reflexos na vida da Igreja. Portanto o que esse modernista disse é uma coisa que é verdadeira, mas nós sabemos que ele diz isto para tirar daí uma porção de conseqüências falsas. (...)

Bem, Prudência. É o contrário. Nós estamos, vamos dizer, diante de uma reunião. Nessa reunião se trata de coligar diante de um inimigo comum vários indivíduos que pensam como a TFP de um modo incompleto. É prudente nós levantarmos a questão que nos divide? É preciso ter muito tacto.

Eu fui até onde podia, não fui além. Não disse, portanto, tudo quanto eu pensaria para dizer. São horas para uma coisa e horas para outra. Está claro?

Bem, vamos prosseguir.

“O homem magnânimo é objetivo em sua amizade, não se obceca para não ver os defeitos do amigo.”

Portanto ele é objetivo na sua inimizade também, ele não se obceca para ver no inimigo defeitos que ele não tem, mas ele julga a cada um de acordo com o que é. Por mais amigo que seja, ele dirá qual é o defeito que tem; por mais inimigo que seja ele dirá qual é a qualidade que tem. Ele saberá, ele julgará cada um de acordo com o que é real.

Há um modo besta de ser magnânimo que é o seguinte: “fulano tem grandes qualidades, eu vejo nele entretanto um defeitinho que é tal”. Um outro diz perto: “seu comentário é pouco magnânimo você deveria fechar os olhos a esse defeitinho”.

Isso é uma idiotice. Se o defeito existe eu preciso ver. Que eu possa, por magnanimidade, perdoar, está muito bem; que eu não exagere o defeito, está esplendido; que eu queira o homem muito bem apesar do defeito, é [verdade]. Mas que eu queria mais bem a ele se ele não tivesse o defeito, também é [verdade], por menor que seja o defeito. Por isso existe uma coisa maravilhosa que é o Purgatório, que é para onde Deus manda aqueles a quem quer bem, não é? Tem que torrar valentemente lá, porque Deus sabe ver os defeitos daqueles que O amam. Sejamos como Deus.

“Não tem demasiada admiração pelos homens, pelas coisas ou pelos acontecimentos”.

O “admira” aqui não é só o admirar no sentido português da palavra, mas se eu entendo bem o castelhano, é também não se espantar, não tomar muita surpresa com as coisas. Quer dizer, por mais monstruosa que seja a coisa, achar que estava meio prevista; por mais admirável que seja a coisa, saber também dar algum descontinho. Tomar aquela admiração com um pouquinho de grão de sal, porque tudo quanto não é a Igreja Católica e diretamente inspirado pela Igreja Católica comporta reservas, comporta uma certa distância. E qualquer infâmia vindo da parte dos filhos da Revolução, evidentemente não pode espantar ninguém.

De maneira que, por exemplo, não compõe o perfil moral de um filho da luz um sujeito que com qualquer, um filho da luz, quero dizer, um sujeito que com qualquer novidade tem uma reação marcusiana: “É? Aconteceu?” – Não, não é, nem aconteceu! Calma, não se espante demais porque tudo é acontecível e você deve estar pronto para acontecer qualquer coisa, a qualquer momento. Vuuu!... essas assim, baixa de nível, alma pequena, quinta classe...

“Ele só admira a virtude, aquilo que é nobre, grande, elevado, nada mais. Não se lembra das injúrias recebidas, esquece–as facilmente, não é vingativo”.

O que quer dizer isto? Quer dizer duas coisas. Primeiro, que o magnânimo não está se vingando. Depois, que quando a pessoa pede perdão, ele faz como Deus: aquilo está esquecido. Não quer dizer o seguinte que quando ele vê uma pessoa lhe fazer uma injúria ele não diga o seguinte: essa injúria me injuria a mim, está perdoado. Injuria também a Deus, porque qualquer injúria injusta, injuria a Deus. Este homem ama a Deus? Qual é o nível de vida espiritual dele? Que confiança eu posso ter nele para a causa de Deus? Isto é vigilância, isto não vai contra a magnanimidade. O que vai contra a magnanimidade é o ressentimento pessoal, este sim.

“O magnânimo não se alegra demais com os aplausos, nem se entristece demais com as injúrias: ambas as coisas são medíocres”.

A serenidade com que isto é dito, é magnífica, não é? E arrasa. Estes dois pontos “ambas as coisas são medíocres”...

Realmente, os senhores vêem gente arfando de entusiasmo quando recebem um elogio. Ou então arranjando pretexto para contar para terceiro o elogio que recebeu do primeiro. Arranja um pretexto. “Fulano esteve hoje comigo, etc., etc., ele é até um pouco exagerado, imagine que ele chegou dizer de mim tal elogio assim”. Você, não está falando contra o exagero dele, você está contando o elogio que ele te fez, está contando com a esperança de que eu diga: “não, ele até ficou aquém de realidade, meu caro!” Aí você vai achar que eu sou um sujeito psicólogo que compreendi bem a você, está compreendendo? É isto. Ou então gente que recebe um ultraje, ouve que falaram mal dele e fica numa inquietação! O que é que tem? Falaram mal, o que é que é tem? Vá para a frente, toca a vida! Não é verdade, meus caros?...

“O magnânimo não se queixa por causa das coisas que faltam, nem as mendiga a ninguém“.

Isto é lindo. Está pobre? Agüente a sua pobreza com dignidade, não esteja mendigando, dando indiretas, pedindo coisas.

“Cultiva a arte e as ciências, mas sobretudo a virtude“.

Não está dito aqui “cultiva os esportes”, nem “cultiva a mecânica”, nem nada disso.

Eu estou lendo as memórias de um senhora do século passado... entre parêntesis, uma “sapa” (pessoa de bom nível social, mas de péssimas ideias), uma tal Madame de Boigne é uma “sapa”, mas a “sapa” era de uma época de muita inteligência.

Ela conta simplesmente esta maravilha: que ela partiu de noite de um lugar para outro na Suíça com a Madame de Staël -- essa é “tri–sapa”, a Madame de Staël, filha de Necker. Mas uma mulher superlativamente inteligente. Entraram seis ou sete pessoas num carro e caiu uma tempestade que durou cinco horas para chegarem de um castelo até outro castelo. Durante este tempo os postilhões – ainda estávamos no bonito tempo dos postilhões – tiveram um trabalho medonho para não cair em precipícios nem nada. E vinha na frente um outro carro que levou apenas duas horas e pouco. Mas como o outro carro chegou antes da chuva -- e eles chegaram depois da chuva e chegaram muito depois -- todo o pessoal do castelo estava preocupado se não tinha o carro rolado por um abismo, o que é que aconteceu etc.

Quando eles desceram do carro, eles estavam todos muito espantados, porque tinha saído há pouco uma carta de uma mademosielle de le Spinat, que era uma mulher lá do tempo de Voltaire, muito inteligente, e estas cartas tinham feito barulho nas rodas literárias do tempo. E a Madame de Staël foi comentando junto com outro filho das trevas, Benjamim Constant e vários outros -– não o Benjamim Constant nosso aqui, mas o Benjamim Constant europeu -– bem, foi comentando os fatos da carta de Madame de Spinat para todos. Eles passaram cinco horas, no meio da chuva e no meio das piores estradas, sem se dar conta, de tal maneira...

(...) cultiva mais a virtude do que a vida intelectual. Acima de tudo o magnânimo dá importância à virtude.

“A magnanimidade é muito rara entre os homens, posto que supõe o exercício de todas as outras virtudes, às quais ela dá como a última mão e o complemento.”

Quer dizer, quando o sujeito é assim em tudo, ele dá provas de que ele deu a última mão e o complemento em todas as virtudes. Elas estão completas nele. Eu daqui a pouco vou dar aos senhores um exemplo.

“Na realidade, os únicos verdadeiramente magnânimos são os santos”.

E o exemplo está dado, não é? O santo dos santos, é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Os senhores poderiam acompanhar o Evangelho com essa descrição da magnanimidade e os senhores encontram continuamente em Nosso Senhor, do modo mais superlativo, de maneira que ele não tem um dito que não seja um sol, não tem uma atitude que não seja esplendorosa. E é todo sacral, majestoso, e ao mesmo tempo afabilíssimo e boníssimo em absolutamente tudo quanto Ele faz, de maneira que é a própria personificação da magnanimidade.

No Evangelho, isto é de tal maneira que se a gente quisesse analisar o Evangelho à luz disso – é de tal maneira ofuscante -- que a gente não sabe o que dizer. Por exemplo, onde é que os senhores vêem no Evangelho, Nosso Senhor comparar-se com quem quer que seja? A gente vê que é uma coisa que nem aflora ao espírito d’Ele, em ocasiões em que um outro seria levado a comparar-se. Por exemplo, Ele entrando em Jerusalém, aclamado como filho de Davi, Ele não poderia perguntar “quem é maior, David ou Eu?” Na realidade o que é que se deveria dizer: “Viva Davi, hosana a Davi, ancestral de Jesus” ou “hosana a Jesus, Filho de Davi?”

Nas ocasiões em que Ele está “por baixo”, entre aspas -- porque quanto mais O põem por baixo, mais Ele fica de cima, não é? -- é uma coisa que é incontenível, mas diante de Pilatos, diante de Herodes, a magnanimidade d’Ele! Não se compara, nem nada. Ele é Ele inteiro e mais nada. Sendo isso, é tudo. E qualquer pessoa que se acerque dele em atitude hostil fica desde logo relegado a uma posição de monstro e de formiga. O que que é um Herodinhos, um Pilatos... uma lesma imunda, não é outra coisa. Herodes é um mosquitinho venenoso de centésima categoria.

Ele é o magnânimo! Como isto é diferente do sacristão banguela, egoísta e microlô. Outros céus e outras terras! Assim nós devemos ver a religião católica.

Viaduto do Chá, São Paulo, dezembro de 1970 - Campanha de coleta de donativos dos pobres das Damas de Caridade de São Vicente de Paulo (SP)

Há na nossa TFP uma luz de magnanimidade, e quando os rapazes da TFP saem à rua com as capas e proclamando a TFP, há um esplendor em toda a América do Sul. Há um esplendor especial que é o que? O esplendor da magnanimidade.

Bem, meus caros, eu vou comentar muito rapidamente a magnificência por que eu me alonguei demais nessa história.

“Magnificência é a virtude que inclina a fazer obras esplêndidas e difíceis de executar, sem arredar-se ante a grandeza do trabalho ou os grandes gastos que é necessário inverter”.

Quer dizer, não tem medo de nada, nem da grande despesa, nem do grande trabalho, e portanto também não dos grandes inimigos e nem da grande luta. É grande. Tudo quanto é grande custa muito, mas eu não arredo o pé e vou fazer! É a transposição para a prática, da magnanimidade; é a projeção concreta da magnanimidade.

Na ordem do apostolado, rezar é mais que lutar; lutar é mais do que agir. Rezar é um verdadeiro apostolado. Esta é a hierarquia. Quer na oração, quer na luta, quer na ação, a verdadeira obra do apostolado é aquela que pode fazer maior bem. Ora, na nossa época o maior bem é fazer cessar aquilo que causa o maior mal. Logo, é lutar contra a Revolução. Das várias formas de lutar contra a Revolução, a mais insigne é denunciar a Revolução enquanto Revolução, enquanto fonte de todos os males, em vez de denunciar o mal em concreto sozinho. E, portanto, é fazer o apostolado da RCR. Com toda a franqueza de minha alma, é isto.

Os senhores dirão: o que é maior, é isto ou é propagar a devoção a Nossa Senhora? Não fiquem aturdidos com o que eu disser. A resposta é: conforme. Porque se é verdade que a Contra-Revolução nunca andará se não se propagar de modo insigne a devoção à Nossa Senhora; e se é verdade, portanto, que fazer Contra–Revolução é antes de tudo difundir a devoção à Nossa Senhora, é verdade que nós só difundindo a devoção à Nossa Senhora, nós não difundimos a devoção à Nossa Senhora. Porque é preciso difundir a devoção a Nossa Senhora fazendo-a conhecer como Ela era e em contraste com os defeitos de nosso tempo. E isto é mostrar a Revolução e mostrar Nossa Senhora como era. Está claro?

(Aparte: A pessoa magnânima tem que ter todas as virtudes num grau eminente, é preciso ser muito humilde e muito digno ao mesmo tempo. Agora como é que se faz para saber os limites entre a humildade e a dignidade?)

O limite a pessoa alcança facilmente eliminando diante de si aquilo que poderia ser a fonte de intemperança. E a intemperança consiste em a gente amar a sua própria dignidade por si mesmo e não por amor de Deus. Quando a gente ama a sua própria dignidade por si mesmo, o amor próprio cola naquilo e a gente não vê. Quando a gente ama a sua dignidade, como ama de um outro, por amor a uma ordem posta por Deus, então neste caso, os limites são fáceis de ver. A ordem se põe como que espontaneamente, porque o que nos tolda a visão é o apego a nós mesmos.

Bem, concretamente no que consiste este limite? Aí é fácil ver. É eu ver aquilo que, em toda a objetividade, se se tratasse de um outro no meu lugar, eu acho que os outros deveriam dar e eu protestar quando isto me é negado. Aí eu serei ao mesmo tempo digno e humilhado.

(Aparte: Por exemplo aquele caso da “Fioreti” que São Francisco diz que o máximo de felicidade, abreviando muito a coisa, seria tomar uma tremenda surra de pau do guardião de Convento etc., e ser jogado na lama.... está muito certo. Mas ao mesmo tempo faz-se a pergunta a pessoa não devia, quer dizer São Francisco está muito bem, mas isso é coisa que todo mundo deve tolerar em nome da humildade?)

Não, de nenhum modo, porque há virtudes que são para admirar e não para imitar. Esta ação de São Francisco que é muito bela, ela é bela para um frade que resolveu renunciar a todas as coisas terrenas, mesmo lícitas e pela totalidade dessa renúncia então aceitar também coisas assim. E servir de exemplo para os homens. Mas um indivíduo que fosse, por exemplo, um burguês, ou um plebeu, ou um cavalheiro e que fosse tratado dessa maneira, ele tinha obrigação de consciência de protestar porque ele é obrigado a zelar pela dignidade do estado que ele tem. E, portanto, aqui é uma coisa diferente. Não sei se está certo?

Há mais alguma pergunta a fazer? Então... há alguma notícia do dia a dar? Eu creio que nós podemos encerrar.


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