Plinio Corrêa de Oliveira

 

Confiança!

Nosso Senhor atrai os pecadores arrependidos

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia de 8 de outubro de 1971

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

Meditação do Prof. Plinio sobre o perfil moral e psicológico de Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de proporcionar à oração do rosário mais compenetração, de modo mais filial e confiante. O conferencista aborda diversos aspectos colaterais, mas não por isso de pouca importância. Por exemplo, refuta ele o preconceito revolucionário segundo o qual quem é pequeno deve ter medo diante dos que têm grandeza.

Ilustração: Pintura feita por Philippe de Champaigne (1602 - 1674), Nosso Senhor na casa de Simão o fariseu, tendo Seus divinos pés enxugados por Santa Maria Madalena. Museu de Belas Artes, Nantes, França.

*     *     *

Ocorreu-me de falar aos senhores hoje, se não houver um assunto muito urgente, e em função do Santo do Dia de ontem, alguma palavrinha a respeito de um tema infinito, do qual eu tenho tratado aqui, pouco, sempre julgando que certas coisas são mais ou menos imponderáveis, e difíceis de exprimir e de dizer etc. Mas que afinal de contas, por algumas reações do tema de ontem, eu tive impressão que poderia servir para um tema de Santo do Dia. Porque alguns me pediram que, de vez em quando, eu comentasse algum mistério do Rosário, como comentei ontem. Eu transbordo de boa vontade de fazer isso, mas a questão é que nenhum mistério do Rosário pode ser comentado sem a focalização adequada da Pessoa central de todos os mistérios do Rosário que é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Eu não sei se todos aqui meditaram já a respeito da Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. E, se tivessem a adorável honra e o adorável prazer de ver Nosso Senhor Jesus Cristo face a face, que impressão Ele causaria. Se era a impressão que dão as nossas imagens, que certamente era em boa parte, mas se haveria alguma coisa além disso e que nenhum pincel, nenhuma escultura humana pode reproduzir.

E então, fazer aqui uma meditação que seria, vamos dizer, preliminar – se quiserem eu poderia desenvolver outra amanhã – a respeito da Pessoa dEle, dos traços da Pessoa dEle. Como é que a gente deve fazer para, sem literatura nem sentimentalismo, imaginar os traços da Pessoa dEle: os traços do rosto, a expressão do olhar, a voz, o porte da fisionomia, o porte do corpo etc., aquilo que nos possa dar uma ideia clara dEle.

Para nós fazermos um meditação a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo, de como seria a Pessoa adorável dEle, e podermos depois acompanhar os vários passos do Rosário, eu acho que nós devemos adotar um método que deve ter um fundamento inteiramente racional, inteiramente razoável, para ter a solidez e a consistência das coisas que a TFP costuma fazer. E a gente não ter a sensação de que está apertando nuvens, que são pequenas cintilações que depois a gente vai pegar e não alcança.

Então, o método consiste no seguinte: São Paulo usou aquela frase, que eu tenho citado ultimamente porque acho muito bonita. Ele disse o seguinte: "Se vós não amais aos homens que vós conheceis, como é que vós amareis a Deus que não conheceis?" O que está subjacente a esta frase é o princípio de que os homens nos servem de uma escala para nós amarmos a Deus. E que, como o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, nós podemos fazer meditações sobre os homens, que essas meditações servem de algum modo para nós, então, nos elevarmos até o amor de Deus.

Então, o método que eu vou tomar é fazer uma certa análise de homens, e a partir dessa análise chegar a uma linha geral, alguns tantos princípios que dão algo da personalidade adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo. E depois conferir no Evangelho, para verificar que, no Evangelho de fato há fundamento para isso que nós falamos.

Esta é, portanto, uma meditação de ordem filosófica, mas depois com fundamento na prova histórica dos Evangelhos. Quer dizer, os senhores estão vendo que é um método de pensamento inteiramente adequando ao tema, inteiramente seguro, inteiramente sensato.

Bem, para nós traçarmos a fisionomia moral de um homem, a psicologia de um homem, não digo só a fisionomia moral, mas a psicologia de um homem, nós podemos, entre outros muitos critérios, seguir o seguinte critério: considerar o homem na sua capacidade intelectual; considerar o homem, depois, no seu valor moral e considerar depois, por fim, na sua atuação. Considerado debaixo desses ângulos, nós temos bastante material para fazer uma ideia de um homem.

Bem, naturalmente, Nosso Senhor Jesus Cristo não era meramente um homem, e portanto não era principalmente um homem. Ele é Homem-Deus e, portanto, é principalmente Deus. Mas é verdadeiramente homem e plenamente homem. Quer dizer, ele tem toda a natureza humana e tem, portanto, ele é homem no seu corpo e no seu sangue. E tinha alma humana. É portanto um homem verdadeiro. E, portanto, aplicar a Ele esses conceitos enquanto Homem é uma coisa perfeitamente legítima, perfeitamente razoável.

Se nós vamos aplicar enquanto Homem, nós, tomando a fisionomia, considerando-O na sua capacidade, nós podemos dizer o seguinte: que a capacidade intelectual de um homem nós a podemos conhecer nos seus matizes, na sua profundidade, no seu valor, nas suas características pessoais quando nós atendemos ao exame não só da pessoa dele, mas à sua profissão. Porque, em geral, os homens escolhem uma profissão de acordo com o seu feitio mental. E no exercício da profissão, eles explicitam todo o seu feitio mental, de um lado.

Agora, de outro lado, a profissão modela o feitio mental deles. E se realiza, portanto, entre eles e a profissão uma espécie de conúbio, uma espécie de conjugação, de onde o homem de grande categoria na sua profissão acaba sendo um tipo característico na sua profissão.

Por exemplo, um grande diplomata acaba sendo um diplomata característico, quer dizer, que tem tudo aquilo por onde um diplomata se diferencia de todos os outros. Um grande guerreiro acaba sendo um guerreiro característico, quer dizer, que tem em sua personalidade tudo aquilo por onde ele se diferencia de todos os outros. Um grande sacerdote, um grande bispo, um grande papa, acaba sendo um sacerdote, um bispo, um papa característico, por onde ele se diferencia de todos os outros que não têm essa profissão. E na sua profissão, ele é mais tipicamente padre, ou bispo, ou guerreiro, ou diplomata do que qualquer uma outra pessoa.

E assim, através da profissão, nós podemos calcular mais ou menos qual é o feitio mental de um indivíduo, explicarmos o feitio mental de um indivíduo.

Quando nós analisamos a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, nós notamos que as circunstâncias dessa vida Lhe permitiram de exercer de modo super eminente, todas as profissões lícitas que um homem possa exercer. Não há atividade lícita nenhuma, de nenhum homem, e de que Nosso Senhor não tenha, de algum modo –- e considerada essa atividade na sua raiz – Ele não tenha exercido.

Assim, os senhores tomem Nosso Senhor Jesus Cristo, por exemplo, como Rei. É a mais alta atividade na ordem temporal. Nosso Senhor Jesus Cristo de fato era Príncipe da Casa de David, Ele tinha, portanto, toda a nobreza, toda a superioridade, toda a grandeza do principado. E na Sua entrada em Jerusalém, Ele foi aclamado verdadeiramente como Rei de Jerusalém. O povo gritava: "Hosana – quer dizer, viva – a Jesus, Filho de David!" Descendente, portanto, dos nossos antigos reis.

E se bem que Ele tenha entrado em Jerusalém montado sobre um burrico, que era a manifestação da Sua mansidão, a Sua majestade não perdeu nada com isto. Pelo contrário, os senhores vêem pelo Evangelho que o povo O aclamava com entusiasmo, numa verdadeira consagração. Quer dizer, o povo sentia a grandeza régia dEle.

Nosso Senhor Jesus Cristo foi o Sacerdote por excelência. Todo o sacerdócio que existiu na antiga Lei era uma prefigura do sacerdócio dEle. De outro lado, todo o sacerdócio que veio depois é uma participação do sacerdócio dEle. Mas o Pontífice por excelência, Aquele que foi portanto Pontífice e Vítima ao mesmo tempo, porque Ele foi Vítima, mas Ele Se ofereceu a Si próprio como Vítima, e Ele foi portanto Pontífice também, o Instituidor da Santa Missa e, portanto, o Celebrante da Santa Missa e ao mesmo tempo Vítima na Santa Missa, e depois no altar da Cruz – foi Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então, nós deveríamos imaginar um Rei, com todas as qualidades arquetípicas de um rei, o mais majestoso e o mais nobre dos reis que existisse; e nós teríamos uma pálida ideia do que era a majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nós devemos imaginar um Sacerdote, um Pontífice, um Papa, o mais plenamente papal que nós podemos imaginar: nós teremos uma pálida ideia do que foi Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nosso Senhor Jesus Cristo foi verdadeiramente um batalhador e um guerreiro. A Sua vida foi uma vida de luta, e Ele durante a Sua vida não só lutou contra os demônios, expulsando-os continuamente, mas Ele lutou também contra o poder das trevas nesta terra, enfrentando de modo magnífico. Inclusive no momento em que O prenderam e disseram: "Tu é Jesus de Nazaré"? E Ele disse: "Ego sum", todo mundo caiu de face por terra.

Quer dizer, é a afirmação magnífica do guerreiro, que simplesmente ao enunciar Seu nome, derruba todos os adversários por terra. E que depois Se entregou, declarando que Ele Se entregava porque queria. Porque se Ele quisesse, Ele teria muitas legiões do Pai Celeste à disposição dEle, e todas elas desceriam imediatamente e liquidariam com os adversários dEle.

Os senhores então, para comporem o feitio moral de Nosso Senhor Jesus Cristo, os senhores têm que imaginar o mais perfeito dos guerreiros de todos os tempos e os senhores têm uma ideia daquilo que Nosso Senhor Jesus Cristo tenha sido.

Diplomata: os senhores vêem Nosso Senhor Jesus Cristo, durante Sua vida terrena, perfeito diplomata. Como Ele tratou a conjuração do Sinédrio com uma inteligência enorme; ora com cuidado, se esgueirando, dizendo palavras que evitavam a luta; ora enfrentando com argumentos de uma precisão diplomática perfeita. Quando, por exemplo, quiseram atrapalhá-Lo e perguntaram do dinheiro, se era lícito pagar imposto ou não, aquela resposta dEle:

– "De quem é essa moeda"?

– "De César".

– "Então dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".

E todo mundo foi embora. Quer dizer, Ele evitou de se pronunciar sobre a questão a respeito da qual Ele não queria Se pronunciar. Mas tapou a boca das pessoas que estavam ali querendo atrapalhá-Lo.

Bem, os senhores tomem Nosso Senhor Jesus Cristo como médico. Quem é que foi médico como Nosso Senhor Jesus Cristo? Os senhores tomem Nosso Senhor Jesus Cristo como advogado: a bondade e a misericórdia com que Ele advogou a causa dos pecadores, no Evangelho, sabendo alegar as atenuantes, sabendo encontrar os pontos por onde a defesa daquela pessoa poderia ser feita; sabendo depois perdoar e dar toda a indulgência. Quer dizer, ninguém advogou a causa dos réus e dos pecadores e dos pobres e de todos aqueles que precisam de um advogado, como Nosso Senhor Jesus Cristo advogou.

Mas, de outro lado, o trabalhador manual: os senhores O podem imaginar então, na oficina de Nazaré, como carpinteiro e trabalhador manual verdadeiro. Os senhores têm que imaginar então o trabalhador manual verdadeiro, imaginá-lo realizado em Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então, os senhores devem percorrer, ponto por ponto, todas as atividades humanas, e os senhores encontrarão que, de algum modo, essa atividade se exerceu em Nosso Senhor Jesus Cristo. E que o feitio de inteligência e o feitio de espírito dEle era tal, que Ele acumulava ao mesmo tempo – e de um modo como nunca ninguém teve de longe, simplesmente, na Sua natureza humana todas as formas e graus de inteligência correspondentes a todas as formas e graus de inteligência correspondente a todas as formas e graus de profissões honestas que possam existir. E que Ele acumulava tudo isso com uma perfeição de que nós não podemos ter nenhuma ideia, porque há no homem habitual uma limitação, por onde as perfeições se excluem umas às outras. Mas em Nosso Senhor Jesus Cristo nenhuma perfeição se excluía.

Quer dizer, os senhores podem tomar todos os povos da terra. Os senhores considerem o francês, com sua precisão e com sua clareza e com seu espírito; o alemão, com seu vigor, com sua profundidade, com seu senso do sublime; o italiano, com seu dom teológico, com sua subtileza, com seu critério diplomático; o espanhol, com a variedade de dons que tem na arte, na literatura, na filosofia, na teologia, com seu espírito guerreiro; os nossos caros e bons portugueses, com todos os talentos que nós sabemos que eles herdaram. Os senhores podem tomar povo por povo, podem tomar os árabes, podem tomar os japoneses, podem tomar os chineses, os senhores chegam à seguinte conclusão: cada um desses povos tem uns tantos dons e porque tem esses dons, não pode ter os outros. Não é possível, por exemplo, ter o espírito fino e leve do francês, e o espírito vigoroso e combativo do alemão. São coisas que se excluem.

Mas em Nosso Senhor Jesus Cristo, não. Ele, como a cabeça da humanidade, Ele tinha em Si todos os dons de todos os povos da terra, conciliando-se. Então, Ele tinha a suprema grandeza do espírito, mas o charme francês levado a um ponto inimaginável; a força alemã levada a um ponto inimaginável etc., etc. Se os senhores quiserem, chegando até à subtileza, à intuição do brasileiro, levada também a um ponto inimaginável.

Quer dizer, quem conversasse, quem visse Nosso Senhor Jesus Cristo e falasse com Ele, apenas do ponto de vista humano tinha com o quê ficar completamente deslumbrado, completamente sem saber o quê dizer, à vista de uma superioridade que a gente, lendo no Evangelho, depois se explica melhor.

A gente então, fazendo essa meditação e lendo depois o Evangelho, a gente se explica melhor o maravilhamento de todo o povo quando Nosso Senhor passava pelo meio. Aquele sulco que Ele deixava atrás e, por exemplo, aquela atitude da multidão quando Ele foi entrando pelo deserto e que todo mundo se esqueceu de levar comida e foi entrando atrás dEle. Até um determinado momento, em que todo mundo se lembrou, de repente, que tinha que comer.

Quer dizer, era tal a multidão de dons com que Ele atraía completamente aquela multidão de almas, e as fixava tão completamente, que as pessoas não sabiam o que dizer. Iam atrás dEle quase perdendo o fôlego, porque Ele contentava inteiramente a todo mundo. E contentava de um modo tão pleno e tão perfeito, que Ele excedia a expectativa de todo o mundo.

Bem, isto os senhores, entretanto, não devem considerar que se desse apenas de um modo terreno. Porque, como Nosso Senhor Jesus Cristo era Homem-Deus, havia uma ligação da natureza humana com a natureza divina; porque em Nosso Senhor Jesus Cristo não há duas pessoas, há uma só Pessoa. E portanto, por cima dessa perfeição intelectual inimaginável, ainda fluía o nexo, a união hipostática com a segunda Pessoa da Santíssima Trindade. E portanto, um escachoar dos dons sobrenaturais correspondentes, perfeitamente deslumbrantes e inteiramente insondáveis.

De onde o homem, então, tinha a sensação misteriosa de algo que o excedia completamente e que ele, aos poucos, ia adivinhando que era a divindade. Daí os senhores verem que, durante a vida de Nosso Senhor, foram andando as coisas até o momento em que eles começaram a se dar conta de que Ele era o Filho de Deus. E aí aquela hora histórica, em que Ele perguntou...

Os senhores veem que havia uma dúvida, nos que tratavam com Ele, em quem seria Ele, porque era tal que eles compreendiam que um homem Ele não podia ser. E só por essa consideração intelectual já a gente entende isto. Então começa aquela dúvida, e Ele pergunta: "E vós, o que dizeis que é o filho do homem"? Quer dizer, como quem retoma um diz-que-diz, um zum-zum admirativo de conjecturas que ninguém era suficiente para explicar bem.

E os senhores veem então que Ele, que era a suma claridade, a suma beleza, tinha então para essa gente até o atrativo do sumo mistério. Para o homem é preciso, nesta vida, para que haja atração, também o mistério. E esse mistério Ele tinha também e num grau altíssimo. Porque olhavam e diziam: "Mas quem é? O quê é? Não é possível! Assim um homem não pode ser, quebra todos os padrões!" Até o momento em que Ele diz: "E vós, o que dizeis quem é o filho do homem"?

E São Pedro levantou-se e disse que Ele era o Filho de Deus vivo. E Ele então disse: "Bem-aventurado és, Simão Pedro, porque nem a carne, nem o sangue te disse isso, mas meu Pai que está no Céu". Depois: "Pedro, tu és pedra e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja" etc., etc.

Aí os senhores vêem que explode pelos lábios de São Pedro a suspeita, ou mais do que a suspeita, infinitamente mais do que a suspeita, o ato de Fé de muitos, que era um começo de Fé, meio cheio de suspeitas de outros, mas a plenitude da Fé em São Pedro: Ele era o Filho de Deus!

Agora os senhores olhem o outro lado de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o lado moral. Cada um de nós tem uma luz primordial. E essa luz primordial nos marca de maneira tal que, quando nós nos santificamos, esse traço moral que há em nós se explicita, se exprime. E se exprime quando um de nós corresponde inteiramente à graça, se exprime de tal maneira que em nós, pobres criaturas humanas, algo entretanto, de sobrenatural filtra.

Dom Chautard, na "Alma de todo o apostolado", cuida disso, quando ele fala do Cura d'Ars, de São João Maria Vianney. Alguém perguntou a um advogado parisiense, se não me engano, que tinha estado em Ars: "O que é que o senhor foi ver em Ars"? E ele respondeu: "Eu fui ver Deus num homem". Quer dizer, o Cura d'Ars era tão santo que se via que ele não era Deus – nem ninguém de nós pode ser Deus –, mas percebia-se que Deus estava nele mais ou menos como uma hóstia pode estar num ostensório. Quer dizer, o ostensório não é a hóstia, mas a hóstia pode ser vista dentro do ostensório. Assim também, em São João Maria Vianney se via a Deus.

Agora, na manifestação de uma luz primordial a gente pode ver Deus. Nosso Senhor Jesus Cristo era a expressão mais do que perfeita de todas as luzes primordiais que houve, há e haverá até o fim do mundo. De maneira que todo santo, ou toda alma fiel não é senão – e é uma honra infinita isso – senão uma pequena cintilação da perfeição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não é outra coisa senão isso.

Então, quando nós vemos uma alma qualquer que nos agrada ver: um membro do Grupo que está progredindo, que está melhorando, qualquer coisa, a gente olha e faz uma boa meditação, pensando: "Isto é um reflexo de Nosso Senhor, e eu estou gostando tanto de ver isto. Como eu me admirarei vendo isto em Nosso Senhor Jesus Cristo face a face no Céu! Como isto nEle deve ser enlevante e perfeitíssimo, a ponto de se perder a fala”. Porque todas as formas possíveis de virtude Ele as tinha. Mas, eu volto a dizer, não tinha como uma criatura tem. Ele tinha, como Ele era uma criatura enquanto homem, mas era Deus, Ele tinha isso filtrando da humanidade para a natureza divina. E portanto, de um modo que nenhuma ideia nos pode dar ideia.

Para exprimir aos senhores um pouco a insuficiência completa desses raciocínios para nos dar ideia do que era a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, eu uso uma comparação.

Os senhores sabem que na Inglaterra havia, até algum tempo atrás – não sei isso hoje como é – minas de carvão muito profundas, que formavam muitos andares, e nas quais o ar penetrava por tubulações etc., etc. E havia animais de carga – ainda se usava tração animal no tempo em que havia esse fato que eu li – usavam dentro das minas animais de carga que, por assim dizer, nunca viam o sol. Quando esses animais eram periodicamente levados para a superfície do solo, eles chegavam em cima e davam manifestações, por exemplo, os cavalos, manifestações de alegria enorme: pulavam, jogavam-se no chão, relinchavam, era um esplendor por se sentirem banhados do sol.

Os senhores imaginem um homem que tivesse nascido numa mina subterrânea e que nunca tivesse ele visto o sol. Mas tivesse visto fotografias do sol e depois tivessem mostrado para ele um fogareiro e dito: "O calor do sol é parecido com o calor desse fogareiro e o sol tem esse jeito assim..." É claro que uma pequena ideia se poderia dar do sol. Mas quando o homem chegasse à superfície da terra e visse o sol, ele diria: "Essas coisas que eu vi muito mais são enganadoras do que verdadeiras, porque o sol é tão mais do que tudo isso que é claro que alguma ideiazinha me dava do sol, mas o sol excede a isso completamente."

E o homem não teria outra coisa a fazer -- se ele fosse um homem com alma católica -- senão, vendo o sol pôr-se de joelhos e adorar a Deus como autor do sol. Porque aí ele teria uma ideia de uma plenitude que ele nunca tinha tido antes.

Estas ideiazinhas que eu estou reunindo aqui para os senhores, para os senhores formarem uma ideia de quem é Nosso Senhor Jesus Cristo, são como as fotografias do sol para uma pessoa que vive nas minas de carvão. Porque quem O tivesse visto teria uma outra ideia, excedendo a esta completamente, mas completamente, completamente.

Estou apenas reunindo uns elementozinhos miseráveis para que os senhores, indiretamente, como que através de um espelho, possam ter uma ideia que seja o esboço do início de um vago traçado de linhas gerais insuficientes e imperfeitas, para os senhores terem uma ideia de quem verdadeiramente Nosso Senhor Jesus Cristo tenha sido. Porque realmente assim foi Ele.

Os senhores imaginem um santo castíssimo, que foi a própria castidade, e os senhores imaginem a pureza desse santo: não seria nada em comparação com a de Nosso Senhor Jesus Cristo. Os senhores imaginem um santo veracíssimo, cuja fisionomia, de uma limpidez extraordinária espelhasse uma sinceridade e uma honestidade como nunca se viu. Isso não seria nada em face da fisionomia dAquele que diz de Si mesmo: "Eu sou a Verdade, o Caminho e a Vida". Quer dizer, é a própria honestidade, a própria retidão, é a própria sinceridade.

Os senhores imaginem um santo que tivesse sido energicíssimo: nada pode dar a ideia do que foi a energia de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas, ao mesmo tempo, um santo suavíssimo – e eu daqui a pouco falarei da suavidade dEle – em nada pode dar ideia do que tenha sido a suavidade dEle. Quer dizer, tudo isso são ideias incompletas, tudo isso são esboços, tudo isso são rascunhos do que Nosso Senhor Jesus Cristo verdadeiramente foi.

É, portanto, com paciência que nós devemos meditar a respeito dEle. Porque nós devemos então tomar cada uma dessas coisas e nos deter na consideração. Através da ideia de uma pessoa inteiramente veraz, e imaginá-Lo, de uma pessoa inteiramente sagaz, imaginá-Lo, de uma pessoa inteiramente bondosa imaginá-Lo etc. É construindo continuamente a imagem dEle que nós estamos sempre a caminho de uma ideia nunca inteiramente atingida, porque ela é inatingível por nós homens, mas que é o nosso enlevo, o nosso encanto e é o pólo para o qual nós caminhamos durante a vida.

Só há um traço de Nosso Senhor Jesus Cristo em que toda a grandeza dEle apareceu mais ou menos como num fruto que se parte, e que deixa exalar o seu melhor aroma, no qual se sente o seu melhor sabor e que deixasse ver a sua melhor beleza: é Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto sofredor.

A dor é a circunstância da vida em que a miséria humana mais aparece. Esmagado pela dor o homem geme, o homem urra, o homem berra, o homem foge, o homem chora, o homem protesta, o homem se aniquila, o homem se revolta, o homem faz de tudo. Mas a dor causa no homem, habitualmente, por natureza, um verdadeiro horror.

Está bem. Mas também, o homem que enfrenta a dor nas suas várias modalidades, adquire uma formosura de alma como ninguém tem. Não há verdadeira formosura de alma na alma de um homem que nunca sofreu. Só o homem que sofreu é que tem beleza de alma.

Às vezes eu olho para certas fisionomias e vejo tão em branco em matéria de sofrimento que eu fico com pena. Eu digo com os meus botões: "Coitado, ele pensa que tem tantos anos; ele não tem um dia de vida!" Porque os dias de vida do homem se contam pelos dias que ele sofreu e não pelos dias que ele viveu. Porque só vive plenamente o homem que sofre santamente. Não existe outro modo pleno de viver. A plenitude da vida do homem está no sofrimento.

Mas, há várias modalidades de sofrimento. E essas modalidades de sofrimento despertam, tocam cordas diversas na alma humana. E despertam na alma humana também várias formas de beleza. O sofrimento, por exemplo, do guerreiro não é o sofrimento do homem que assiste um doente, do enfermeiro; não é o sofrimento do próprio doente; não é o sofrimento do diplomata dedicado, que sofre horrores para tocar para frente uma causa; não é o sofrimento, por exemplo, do pai ou da mãe que vê seu filho partir para o campo de batalha; não é o sofrimento do amigo injustamente traído por outro amigo. Há tantas formas de sofrimento, santas, nesta terra! Cada uma dessas formas configura a alma humana com uma beleza própria.

Nosso Senhor Jesus Cristo não teve um sofrimento, Ele foi o Sofredor, Ele foi o Varão das dores. Os senhores considerando a vida de Nosso Senhor percebem que Ele sofreu todas as formas de dor que um homem pode sofrer. E que, portanto, isso tem que ter dado ocasião à alma dEle de manifestar belezas também para nós insondáveis: as celestes belezas da dor.

Quer dizer, formas inconciliáveis de beleza havia nEle. Como é que Ele foi O mais lindamente triunfante que se possa imaginar, e O mais celestialmente esmagado e derrotado que se possa imaginar. Como é que Ele foi O mais glorificado e O mais desprezado. Como é que Ele foi O mais amado e O mais invejado. Todas essas coisas que ajudam a compreender depois a alma dEle, Ele reuniu em Si os contrastes harmônicos inimagináveis, que numa criatura não se podem reunir. E que nEle se reuniram exatamente por causa da Sua plenitude humana, por causa da Sua santidade enquanto Homem, mas sobretudo por causa do fluxo inimaginável, infinito de graças, que Lhe vinham do fato de Ele ser a segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

É com paciência – porque eu estou fazendo o resumo de uma meditação – é com paciência que a gente tira todo o suco desse quadro. E é assim que a gente pode, lentamente, formar uma imagem de Nosso Senhor.

É a gente, cada coisa católica que a gente vê na vida, cada traço da alma católica que a gente vê na vida dos santos, a gente interiormente imaginar: como isso teria sido em Nosso Senhor? E procurar depois no Evangelho como de fato foi. Então a gente compreende o Evangelho, a narração evangélica se ilumina por dentro para nós. E nós ficamos capazes de ler aquela narração com um amor, de que talvez não fôssemos capazes antes de fazer uma meditação com todo esse cuidado.

Mas, no que nos toca mais dentro disso, porque nos diz mais respeito dentro disso, e é uma coisa por onde se esmaga mais especialmente a Revolução, se a gente considerar, é o seguinte: a Revolução estabeleceu o princípio execrável de que quando existe uma pessoa muito elevada, muito galardoada, muito grande, quem não tem a grandeza dela, em face dela deve ter medo. Porque ela tem desprezo e repúdio por quem não é igual a ela.

É impossível que eu falando de Nosso Senhor Jesus Cristo assim, um ou outro dos senhores não tenha pensado o seguinte: "Está bom, muito bonito, mas como é que eu iria me apresentar diante dEle? Porque se Ele é tanto assim, eu chegar perto dEle e Ele me olhar, mas eu me derreto! Começa que eu não tenho coragem de propor um tema para Ele, por exemplo conversar com Ele. Como conversar, como abrir a boca diante dEle? O que é que eu vou dizer que não seja completamente inapresentável diante dEle? E não só eu, é São Tomás de Aquino: se São Tomás de Aquino fosse filosofar diante dEle, que pobre balbucio! Se São João Crisóstomo fosse fazer um sermão diante dEle, que triste zum-zum! Diante dEle não era melhor calar? Não era melhor afastar-se? Não era melhor fugir?

São Pedro teve um lance assim diante dEle, porque disse a Ele: "Afastai-Vos de mim, Senhor, porque eu não passo de um pecador". Como quem diz: "entre Vós e eu não há congruência, não há continuidade, e não é possível nenhuma espécie de relações. Vós estais numa desproporção comigo tal, que diante de Vós o meu papel é sumir, meu papel é não existir."

E isto é compreender exatamente o que Nosso Senhor não é. Porque como Ele possui em Si todos os graus e formas possíveis de perfeição, Ele deve amar necessariamente todos os graus e formas possíveis de virtudes existentes fora dEle.

O raciocínio é tão simples, é tão normal! Nosso Senhor odeia o pecado, mas tudo aquilo que não é pecado, por pequeno que seja, por modesto que seja, é uma cintilação dEle, é uma expressão dEle, e tem congruência com Ele, tem harmonia com Ele, e tem algo que encanta a Ele; que, colocando-se em presença dEle, produz nEle ternura, afeto e afago. Alguém dirá: mas sendo tão pequeno? A resposta é: sob algum ponto de vista, precisamente por ser pequeno. E quanto menor for, mais afago produz!

Quer dizer, está na ordem humana das coisas que nós amemos o grande porque é grande, e amemos o pequeno porque é pequeno. Os senhores imaginem que nós vejamos uma águia voar: nós achamos uma beleza! Mas passa perto de nós um beija-flor: nós sorrimos e dizemos "que jóia, que maravilha"! Os senhores já imaginaram que coisa feia um beija-florzão? [risos] Bem, se os senhores vissem uma aguiazinha, não achariam engraçadinha? Quer dizer, nós não devemos perder as perspectivas.

Que Nosso Senhor odeia o pecado e odeia com uma severa, celeste e total intransigência, isto é verdade. E se não fosse isto, Ele não seria digno de nosso amor. Se Ele é todas as perfeições, Ele tem que excluir todas as formas de imperfeição. Mas Ele ama o bem, e Ele ama o bem mesmo nos menores graus, nos menores modos, e Ele foi o Criador das almas com qualidades pequenas; Ele foi o Criador das almas com dotes pequenos. Por exemplo, Ele foi o Criador dos menos inteligentes dentre os homens. E Ele se compraz em considerar esse pequeno fogo de inteligência, olhar e dizer: "Que coisa bela é essa inteligência, tão pequena e, entretanto, participa da inteligência incriada!" Isto Lhe agrada ver.

Ele se compraz em ver o doente mais doente e com o último fio de vida, em o olhar e dizer: "Como é bela a vida, mesmo num homem tão doente!" E ainda antes da morte, enternecer-se considerando aquela agonia. E até salvar, e até curar, e até ressuscitar por amor àquele resquício que está lá.

E agora eu chego ao meu ponto. Se ele ama todos os graus e formas de inteligência e de virtude, Ele tem que amar também os resíduos. Quer dizer, aquilo que está à maneira de um resto conspurcado, pisado no meio do vício, no meio da infidelidade, ainda aquilo Ele ama. Porque ainda aquilo é mais ou menos como uma flor que medrou no meio de uma porção de ervas daninhas e que, nem por estar no meio das ervas daninhas, perde a sua natureza de flor.

Por exemplo, a Fé: num pecador em estado de pecado mortal a Fé é morta, quer dizer, não produz obras, mas é verdadeiramente Fé e esta Fé o homem só tem porque Deus dá, porque do contrário a perderia. Sem o auxílio contínuo de Deus ninguém conserva a Fé.

Bem, Deus não ama essa Fé que está dentro da alma do pecador? Pois se é Ele que pôs? Se ela é um vínculo que o liga ao Corpo Místico de Cristo, ela é membro – membro chagado, membro conspurcado da Igreja, mas é membro da Igreja – será que Nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto cabeça da Igreja, não ama Seus próprios membros?

Há uma palavra muito bonita do Antigo Testamento – não me lembro em que parte está – mas eu a li e me impressionou muito: "Não desprezes a tua própria carne". Quer dizer, não tenha desprezo para o teu próprio corpo e por aqueles que têm corpo como você e que, portanto, são carne como você; não os despreze. Um homem desprezar um outro homem é desprezar a sua própria carne. Nosso Senhor haveria de desprezar a Sua própria alma, da qual mesmo o pecador é uma participação?

E então nós compreendemos que em presença de Nosso Senhor até o pecador, não considerado enquanto pecador, mas enquanto nele existindo resíduos de virtude, é digno do amor dEle.

E aí nós compreendemos porque tantos e tantos e tantos pecadores se aproximavam dEle com confiança. É uma coisa exatamente que chama a atenção: é o número incontável de pecadores que iam a Ele com toda a confiança. Maria Madalena, por exemplo, o Bom Ladrão no alto da cruz, falando com Ele com confiança. Qual era o fundamento dessa confiança?

O fundamento está em que, como Ele era a suma Verdade e o sumo Bem, qualquer resíduo de verdade ou de bem na presença dEle se dilatava e se alegrava. E encontrava nEle uma atração. E em vez de tomar terror diante dEle, pelo contrário se encantava e se enlevava diante dEle. Isto é uma coisa que é de uma importância capital nós compreendermos.

Os senhores dirão: "Mas Dr. Plinio, isso é verdade apenas em parte, porque Ele metia terror às vezes até nas pessoas com que Ele tratava. Por exemplo, quando Ele desceu do Tabor, Ele vinha tão iluminado de luz que Ele meteu terror. Quando Ele disse "Ego sum" para aqueles miseráveis que O prenderam, Ele meteu terror. Ele meteu terror nos bons e nos maus. Como é que o senhor explica esse terror?

A gente explica bem. É que Deus é insondável. O homem não pode chegar até o fim de Deus. E, por causa disso, ao mesmo tempo que o homem é tão ordenado para Deus, se, sem o auxílio de Deus o homem visse Deus face a face, o homem se desintegraria. Quer dizer, ao mesmo tempo o homem é ordenadíssimo a Deus e precisa do auxílio dEle para suportá-Lo. É mais ou menos como a luz do sol, para a qual o homem foi feito: os nossos olhos foram feitos para a luz do sol, mas se nós fixarmos longamente a luz do sol ela nos cega. A luz nos cega aos nossos olhos feitos para ver a luz.

Quer dizer, quando a gente vai considerar na Sua plenitude das plenitudes a Nosso Senhor Jesus Cristo, é claro que algo nos tonteia e algo nos excede completamente. O que não quer dizer que esta celeste congruência, esta celeste harmonia com Ele não exista.

E aí a gente compreende também porque é que Nosso Senhor Se mostrou aos homens -- para que esse mistério fique claro -- Ele Se mostrou aos homens de um certo modo. Porque a gente vê que Ele, durante a Sua vida terrena, velou de algum modo as Suas próprias qualidades. Ele não as deixou ver todas. Porque se os homens as vissem todas, é inimaginável o que poderia ter acontecido. No começo Ele velou e depois, aos poucos Ele foi revelando, Ele foi manifestando, Ele foi declarando até o fim, em que Ele mostrou para todo o sempre tudo quanto os homens deviam ver. Estava a Sua missão cumprida e a coisa estava vista. Quer dizer, Nosso Senhor estava inteiramente mostrado.

Bem, isto posto, nós compreendemos então com quanta confiança nós devemos ver a Ele. Basta estarmos vivos, não termos sido condenados ao inferno, para nós irmos a Ele com toda confiança, certos de que algo Ele olha em nós e que ama. Ainda que seja essa coisa mínima de que nós cremos que Ele é Deus e que nós sabemos que essa fé está viva em nós. Quer dizer, sabemos que essa fé não, essa palavra "sabemos" está supérflua; a gente deve ser muito preciso nessa matéria. E que essa fé está viva em nós.

Se Ele gostou tanto de ver a fé de São Pedro, Ele não gostará de ver também que um pecador chegue e que diga: "Tu és o Filho de Deus vivo!"? É claro que sim. Então, os senhores compreendem bem toda a tranquilidade, toda a estabilidade, toda normalidade que um homem sentiria em presença de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Bem, feita essa meditação a respeito dEle, então é que a meditação dos Mistérios começa a ser possível. Porque Ele pequenino, Ele no seio puríssimo de Nossa Senhora, cognoscível só por Ela; depois no nascimento; em todos os lances dos Mistérios gozosos, depois dolorosos e gloriosos, nós O devemos imaginar assim. E é só assim que esses Mistérios se iluminam e que a gente consegue meditar a respeito deles. Se a gente não tiver aprofundado a Pessoa a respeito de quem esses Mistérios se dizem, nada está dito, nada está feito.

Os senhores me dirão: "Mas Dr. Plinio, o senhor falou tanto de Nosso Senhor Jesus Cristo, onde está nessa meditação Nossa Senhora?" Sobre Nossa Senhora apenas uma palavra, ela diz tudo quanto Nossa Senhora é e tudo quanto Nossa Senhora não é. É tão comum essa palavra, é tão acessível, é tão conhecida! São Bernardo dizia que a relação entre Nossa Senhora e Nosso Senhor é como da lua com o sol. O que é que é a lua? Para os nossos olhos é o esplendor da luz do sol, não enquanto nascida do próprio sol, mas enquanto reflexo. Nossa Senhora é o reflexo perfeitíssimo dEle, lindíssimo dEle; não é Ele.

Algum espírito poca e revolucionário dirá: "Mas então é ser meio poca ser Nossa Senhora". Eu digo: "Se a lua é poca, é. Mas então você é um tripoca [risos] e não se salva para nada. Você está perdido, você é o pináculo da poquice, ou é o fundo do abismo da poquice, se você acha a lua poca".

Quer dizer, aí está Nossa Senhora, e também está dito tudo. Porque não é preciso dizer mais nada. Se é o espelho perfeito de Deus, está dito tudo. O que mais? Mero espelho, entretanto, tudo quanto é o espelho, aí [está] Nossa Senhora.

Muito bonito: é que Nossa Senhora em vida dEle também não deixou transparecer toda a Sua beleza. Mas foi transparecendo depois que Ele morreu, para consolar os homens da saída dEle.

E eu acredito, e com isso eu termino essa meditação que se alongou demais, mas eu termino dizendo o seguinte: que eu creio – eu nunca vi isso em nenhum teólogo e naturalmente eu submeto o que eu digo ao juízo da Igreja – mas eu creio que Nosso Senhor Jesus Cristo é tão super abundantemente rico de belezas, que os contemporâneos dEle não viram tudo. E que grande parte dessa beleza a graça foi revelando depois, sucessivamente, aos santos, nas várias eras da Igreja.

De maneira que o santo dos tempos dos mártires viu belezas que o santo do tempos dos confessores não viu. E depois, o santo do tempo dos doutores, e depois os da Idade Média e assim por diante, cada época acrescentando algo à figura de Nosso Senhor. E que, quando chegar o Reino de Maria, a figura de Nosso Senhor vai brilhar em toda a sua plenitude.

Quando o último santo na terra tiver visto a última coisa a ver em Nosso Senhor e a tiver reproduzido em sua alma tanto quanto está na natureza humana, a História do mundo terá terminado. Porque essa lenta manifestação, adoração e reprodução da beleza moral da santidade de Nosso Senhor é a própria História da humanidade!

Quando tudo tiver terminado, para usar uma frase linda que está na Escritura, o Céu vai ser encolhido como um pano. Acabou-se a peça e a História está terminada. A manifestação da beleza dEle acabou. Os homens estarão prontos para o Juízo Final, a missão dEle estará completamente concluída. E a História dos homens estará pronta.

Isso seria então uma preparação, para nós irmos considerando, vendo Nosso Senhor assim, os mistérios do Rosário. Eu creio que sem essa meditação os mistérios do Rosário não tomam a verdadeira luz.

A agonia no Horto: nós vamos passo a passo considerando como foi essa agonia, então, à luz do que ficou dito. Ou então a Ascensão, ou então a Coroação de Nossa Senhora. Vamos tomando isso passo a passo, passo a passo, não é? À luz disso então, os senhores terão a beleza de Nosso Senhor Jesus Cristo vista nos mistérios do Rosário.


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