Plinio Corrêa de Oliveira

 

A Cruzada da Inconformidade

 

 

 

 

 

 

 

Conferência aos participantes da IV Semana Especializada para a Formação Anticomunista (SEFAC), 5 de julho de 1971

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

Tendo ouvido dizer como estão correndo bem os trabalhos da Semana de Estudos promovida pela TFP, as minhas primeiras palavras sejam de alegria e de felicitações aos senhores pela seriedade com que estão acompanhando o trabalho e pelo senso de responsabilidades que com isso revelam.

Eu aceitei em fazer uma conferência hoje à noite aos senhores a respeito de um tema que é de grande importância e que nós intitulamos habitualmente aqui, o tema da inconformidade.

 

 

 

Os senhores sabem o que é a inconformidade. A conformidade é a disposição de espírito pela qual se concorda com algo, e que se é conforme algo; a inconformidade é a disposição de espírito pela qual a gente, portanto, discorda de algo.

Assim, nós podemos dizer que um país que está sendo conquistado pelo adversário em tempo de guerra, por exemplo, manifesta uma conformidade vergonhosa com essa situação se ele não luta, se ele se deixa derrotar. Ele manifesta pelo contrário uma inconformidade admirável se ele luta e se ele não se deixa esmagar.

Um homem que recebe uma injúria e que não reage contra essa injúria manifesta uma conformidade vergonhosa com a injúria. Pelo contrário, se ele reage nobremente contra a injúria recebida, ele manifesta uma inconformidade louvável.

Agora, há ocasiões em que, portanto, a conformidade é um mal e a inconformidade é um bem. Como há ocasiões em que é o contrário: em que a conformidade é um bem e a inconformidade é um mal.

Por exemplo, uma pessoa a quem a Providência permite que sofra uma doença grave. A pessoa deve ter conformidade com isto. Quer dizer, não deve revoltar-se. A inconformidade seria uma revolta contra Deus. Por que é que Deus permitiu que me acontecesse isso? Então aí é nobre a gente se conformar e é vergonhoso, é errado a gente se inconformar.

Então a conformidade e a inconformidade são coisas boas ou más conforme a situação concreta em que se aplica isto.

Eu vou tratar de uma conformidade má. Não é, portanto, de qualquer conformidade, mas é de uma conformidade má e de uma inconformidade boa. E eu vou logo dizer a que campo é que se aplicam as observações que eu vou fazer. Em que campo que a conformidade é um mal e a inconformidade é um bem. Disto eu vou tratar agora a partir de um fato da vida comum e corrente dos senhores.

Mas eu estou percebendo que há uma dificuldade que nós devemos vencer aqui. É que eu percebo que vários dos senhores têm hábito de tomar notas, e eu estou notando que eu estou falando um pouco depressa demais para tomarem notas. É bem isso ou não é? Como é que é essa coisa? Se queriam que eu falasse mais devagar para dar tempo dos senhores tomarem nota levantem o braço para ter pouquinho a ideia.

Bem, então, eu vou falar um pouco mais devagar, se quiserem até repito rapidamente o que eu disse.

Então eu acabo de dizer que... eu primeiro defini o que é a inconformidade e o que é a conformidade. Ser conforme com algo é aceitá-lo, ser inconforme com algo é rejeitá-lo. Foi a primeira coisa que eu disse.

Agora a segunda coisa que foi: eu mostrei que conforme o caso concreto a conformidade ou a inconformidade podem ser um bem ou um mal.

Depois eu passei para uma terceira afirmação que é a seguinte: que eu vou tratar de uma certa situação concreta em que a conformidade é um mal e que a inconformidade é um bem. E vou passar agora a tratar desta situação concreta. Podem então tomar suas notas. 

* A existência das lideranças é um fenômeno universal que se dá em todas as idades: descrição da liderança na fase colegial 

Pelas idades dos senhores eu tenho a impressão de que a maior parte dos senhores pertencem ao segundo ciclo do ensino secundário, um ou outro será universitário. É bem isso? Os que pertencem ao segundo ciclo secundário levantem a mão. É a quase a totalidade da sala.

Então eu vou tirar um exemplo do segundo ciclo secundário. Quer dizer, eu vou tomar um fato ao vivo como se constitui habitualmente em torno dos senhores, depois eu vou analisar o fato. Eu vou descrever o fato da seguinte maneira.

Em geral, na idade dos senhores, a gente observa que num colégio, numa família, num clube, em qualquer lugar onde se reúnem rapazes da idade dos senhores, formam-se mais ou menos espontaneamente lideranças e chefias. De maneira que quase sempre existem, por exemplo numa turma, dois ou três que dão a nota, que sobressaem mais, e cuja influência se estende sobre os demais da turma. De maneira que a mentalidade deles, o modo de ser deles modela de alguma forma o modo de ser de todos os colegas. Eles são, portanto, os chefes daquela turma. Para argumentar com o ambiente de um colégio.

Esse é o primeiro ponto. Então, é a existência das lideranças. É um fenômeno universal, que se dá em todas as idades, mas que na fase colegial se descreve como eu estou descrevendo. 

* Em que sentido se exercem a liderança, e as características do líder

O segundo ponto: em geral essas lideranças em que sentido se exercem? Elas se exercem sempre num determinado sentido. Ou ao menos o mais das vezes elas se exercem num determinado sentido.

A gente vai observar e é líder aquele que tem uma influência que se caracteriza pelo seguinte: é o mais engraçado e que faz os outros rirem mais; ou é o mais atrevido em matéria de moral e por causa disto dá a impressão de que é um sujeito corajoso e se impõe mais à admiração de uns tantos outros: será o que tem o maior número de namoradas, o que começou a fumar mais cedo, que se gaba que fuma maconha e daí para fora. Ou é o que já conseguiu automóvel e que sai desbragadamente em correrias de automóvel; conta que participou de roleta russa sei lá de quanta coisa. Ou é o que é o mais indisciplinado; ou é tudo isso junto, porque estas coisas facilmente se associam, se consorciam.

E isto forma, então, uma espécie de pequena ditadura dentro da sala de aula. Porque estes que são assim – não digo que seja sempre, mas com muita frequência – eles se impõem aos outros. Quem faz como eles, participa de algum modo da admiração que eles despertam. Quem faz o contrário deles, sofre uma espécie de perseguição, é debicado, é isolado, é caçoado, é posto de lado. 

* Em cada classe de aula se estabelece uma verdadeira ditadura. As consequências que sofrem aqueles que queiram discordar

De maneira que então os senhores têm que em cada turma, ou em muitas turmas pelo menos, é frequente encontrar, uma espécie de ditadura pequena de uns tantos ou quantos, exercida habitualmente dentro de uma mesma direção. Essa ditadura se chama uma verdadeira ditadura porque não há uma verdadeira liberdade de a gente discordar deles.

Então, eu primeiro estou descrevendo uma ditadura, e o programa desses ditadorezinhos.

Agora eu vou falar da falta de liberdade que existe em discordar deles. Quem discorda deles, sofre uma espécie de diminuição. O que é que acontece? Há uma série de coisas que se dizem contra ele: ele é um maricas, é um efeminado, é um sujeito sem coragem, é um sujeito sem varonilidade, é um bobo, é um atrasado, é um mole e é uma cascata de coisas desse gênero. Cai essa cascata em cima da cabeça do recalcitrante.

E uma pessoa não é inteiramente livre de tomar uma atitude contra essas ditaduras, quando tem de sofrer uma verdadeira campanha de todos os colegas, quando toma uma atitude contra.

Qual é a consequência disso? A consequência concreta é que é muito fácil ser ruim e se torna muito difícil ser bom. Por quê? Porque é fácil, é agradável colher aplausos, evidentemente. Pelo contrário, é desagradável enfrentar oposição.

Então, nós vamos ver na maior parte, ou ao menos em grande número de turmas de rapazes, nós vamos ver o seguinte: que a maioria deles, se fosse mais corajosa, se tivesse mais força para romper, para enfrentar essas pequenas ditaduras, a maioria deles gostaria de ser melhor do que é. Mas eles são arrastados para o mal que eles não quereriam por causa dessa pressão desses pequenos ditadores de turma. É o fato que frequentemente se nota.

Agora, depois de analisar o fato, nós vamos analisar o lado moral deste fato. Que mal há nesse fato?

Os senhores imaginem que um dos senhores agora sai daqui, sozinho pela rua, e encontra um homem com uma arma – um maníaco, um louco qualquer – encosta o revólver no peito e diz o seguinte: "Ou você deixa que eu agora passe a navalha e raspe a metade do seu cabelo, ou eu te mato!"

Naturalmente os senhores sentam – os senhores estão desarmados – e deixam ele passar a navalha na metade do cabelo. Ao menos eu penso que todos os senhores têm suficiente bom senso para preferir perder o cabelo a perder a vida, não é? De maneira que os senhores se sujeitam, não é?

O homem vai mais adiante e olha para o senhor e diz: "Está bom! Isto não basta! Eu agora vou cortar o cano de uma de suas calças até aqui em cima e corto a manga aqui do outro lado e se não for isto eu te mato!" O senhor diz para ele imediatamente: corte. Depois o sujeito vai embora e os senhores ficam assim nesse traje na rua.

Os senhores não têm a sensação de que sofreram uma violência? É uma violência, porque os senhores têm o direito de usar o cabelo como entendem. Os senhores têm o direito de se vestir como entendem. Sobretudo têm o direito de não usar o cabelo de um modo que reputam ridículo e de não usar um traje que é ridículo. É um traje com uma manga cortada de cá e uma perna nua do outro lado. Quer dizer, até lá os maiores exageros do hipismo não chegaram. É evidente.

De maneira que os senhores naturalmente se sentem objetos de uma violência. Quer dizer, foi imposta aos senhores, pela força, pela brutalidade, uma conduta, uma atitude, um modo de se apresentar que não corresponde aos seus desejos, à sua mentalidade. Isso se chama uma violência.

Está claro este conceito ou não? 

* As pequenas ditaduras de classes de aula fazem uma violência mais profunda do que faria um sujeito com um revólver, porque impõem um modo de ser e até um modo de pensar

Eu digo que essas pequenas ditaduras de classe, essas pequenas ditaduras de aula, fazem uma violência mais profunda do que faria esse sujeito com o revólver. Porque obrigam o indivíduo a assumir, não um traje que ele não quer – porque o traje o sujeito muda, chega em casa arranca o traje, está acabado, não arranca do sujeito metade do cabelo que acaba crescendo de novo, também é uma coisa remediável –, mas é uma coisa diferente: impõe ao sujeito um modo de ser e até um modo de pensar como no fundo ele não quer. É o sujeito que de medo da caçoada geral, de medo da pressão do ambiente aceita um modo de pensar, um modo de sentir como não quereria. Ele vai ser outro. No interior dele, ele vai ser outro. Esta é uma pressão muito pior.

É verdade que essa pressão não se faz com violência de tiro, faz-se com violência de risada, com violência de debique, do que os senhores chamam gozação, não tem dúvida. Mas acontece que muitos homens têm mais medo da risada do que do tiro. Há muita gente que vai para a guerra porque se ficar em casa vão dar risada dizendo que é medroso. Não é verdade isso? Muita gente que vai para a guerra não vai de medo de caçoarem, dizerem que é medroso?

Então muita gente tem tanto medo da caçoada que vai enfrentar um canhão de medo da gargalhada da retaguarda. E a gargalhada, a gozação é uma coisa que dá mais medo em muitos homens, do que o tiro. E, portanto, essa pressão do riso, essa pressão do debique, essa pressão do desprestígio é uma pressão mais profunda do que a pressão do tiro, muitas vezes.

E há então milhões de rapazes no mundo inteiro que vão sendo empurrados para o lado do mal por causa dessa pressão. Na aparência eles são livres, na realidade eles não são livres. Na realidade eles estão escravizados por esse poder do ambiente.

Isto é, portanto, uma violência mais criminosa do que alguém que nos rouba as carteiras. Um ladrão me rouba a carteira: é um crime! Um sujeito me rouba a personalidade, não faz um crime muito maior? É um roubo de personalidade que se faz!

Há, portanto, em grande série, um roubo de personalidade que se faz em nossos dias. E isso vem de muito tempo. De meu tempo de menino já era assim. Um roubo de personalidade em massa. 

* Análise do mal que faz para o indivíduo ter a sua personalidade roubada e viver com o modo de ser de um outro

Agora, eu vou analisar o mal que faz para o indivíduo ele ter a sua personalidade roubada. Ele aceitar, por esta forma, o modo de ser de um outro.

Os senhores imaginem, comparem a vida a uma longa caminhada, que vai do berço até à sepultura. Os senhores imaginem que, todos os senhores considerem que todos os homens por essa caminhada – nós podemos portanto comparar a vida, a existência terrena, a um grande itinerário, a uma grande viagem – os senhores podem imaginar que uma pessoa faça esta viagem andando bem quando veste sapatos que não são feitos para seu pé? É um tormento! Por quê? Porque toda hora há um conflito entre o pé e o sapato. E se o sujeito chega até o fim da viagem, chega escangalhado. Entra pelos olhos!

Agora os senhores imaginem nesta vida eu ser obrigado – eu tenho certas aspirações, eu tenho certas apetências, eu tenho um certo modo de ser que decorre da minha biologia, que decorre do ambiente que eu recebi em casa, que decorre das idéias que eu tenho, eu viveria bem com isto que está de acordo com minha natureza – sou obrigado a fazer, a vida inteira, de acordo com a natureza de um outro...

De uma minoria que me modelou no tempo de colégio e que depois vai me modelando ao longo da vida. Porque quando eu entrar para a Faculdade há de haver uma minoria como essa que vai, com a mesma mentalidade, me impor o mesmo modo de ser. Até que eu me sinta irremediavelmente deslocado.

E assim eu tenho de viver. Porque na Faculdade se repete a mesma coisa, e depois de formado se repete a mesma coisa. Esta tirania das minorias que impõem por toda parte à maioria um determinado modo de ser.

O resultado é que o indivíduo vive num mal-estar, vive infeliz, vive nervoso. E umas das grandes causas de nervosismo que há em nossa época é exatamente esse desajuste. Todas as pessoas sofrem uma espécie de pressão e vivem debaixo dessa pressão, de um modo contrário ao que é a sua própria natureza.

Lança-se uma moda e todo o mundo tem de seguir esta moda. Lança-se um vocábulo e todo o mundo tem de usar esse vocábulo. Proíbe-se um costume antigo e ninguém pode usar este costume antigo porque saiu da moda. Uma ideia que a gente aprendeu em casa como certa, a gente não pode dizer que é certa para os outros, porque todo o mundo debica, dá gargalhadas.

Quer dizer, a gente fica bitolado por uma espécie de fiscalização contínua que não dá liberdade de sermos como queremos. 

* Por medo de oposição, o indivíduo se vende e contra sua própria consciência ele diz o que não pensa e faz o que não deve. É uma forma de prostituição

Resultado: um país assim é um país que perdeu a sua liberdade, é um país que está debaixo de uma tirania, que não é uma tirana política, mas é uma tirania invisível que controla continuamente toda a existência dos homens. É, portanto, uma tirania que falseia o país. Esta tirania vai se exercendo cada vez mais sobre os homens contemporâneos.

O pior é que essa tirania coloca os jovens contemporâneos, e depois os moços, e depois os homens numa alternativa horrorosa. O indivíduo tem uma certa convicção, mas ele sente que se ele externar essa convicção, fica mal para ele. Ele sente que se ele disser o contrário do que pensa, fica bem para ele. O resultado: ele se vende. Muitas vezes ele se vende, e contra a sua própria consciência ele diz o que não pensa e faz o que não deve, mas sentindo que ele se vendeu. É uma forma de prostituição. Ele se prostitui.

Os senhores não pensem que isto vem de hoje. Isto é uma coisa muito velha e como eu disse aos senhores, já no meu tempo de moço isto era assim.

Eu me lembro por exemplo de um jantar muito solene ao qual eu tive de participar por razões de família, quando eu era moço – eu tinha mais ou menos vinte anos. Era um jantar como se fazia naquele tempo. As senhoras com trajes de grande gala e os homens todos de smoking. Jantar de alta categoria. Uma mesa enorme. Uma senhora um homem, uma senhora um homem, dávamos assim a roda da mesa.

Por uma razão qualquer de protocolo – embora eu fosse dos mais moços da sala – eu estava colocado num dos melhores lugares à esquerda da dona da casa, era um lugar dos mais importantes. Era uma questão de protocolo.

Os homens que estavam ali presentes, logo à minha direita, começaram cada um a contar qual era a maior bebedeira que tinha tido na sua vida. E contavam então fatos que tinham feito na bebedeira. E era uma gargalhada geral etc., as próprias senhoras achavam isso bonito e interessante. A gente percebia que cada um contava uma bebedeira maior já para “megalizar” [se pavonear] e para contar uma coisa mais bonita.

E eu estava vendo a roda chegar e eu era, pelo circuito do fogo, eu era o último, e eu tinha de contar a bebedeira maior. E eu estava colocado nessa alternativa: ou eu invento – graças a Deus nunca na minha vida me embriaguei – ou eu invento, eu aproveito o tempo e invento uma bebedeira que deixa toda essa gente longe, eu conto que eu sai carregando um poste na bebedeira, e então eu tenho o sucesso da noite porque tive a bebedeira mais louca, ou eu vou ser fiel aos meus princípios, e eu vou dizer: "Eu nunca em minha vida me embriaguei!"

Mas eu vou fazer o papel de sem graça da noite. Porque cada um conta uma coisa mais engraçada, mais engraçada... de repente chega para mim: "E você, Plinio?"

Eu era dos mais moços, dos quais se esperava, portanto, uma folia maior, da geração mais ardida. Não. O mais sério. E tinha que dar uma resposta que era uma censura para todo o mundo e que não ia divertir ninguém. De maneira que quando chegasse em mim a gargalhada parava. Eu ia, portanto, enterrar a festa.

Eu estava sentindo – os senhores podem imaginar, não sei se os senhores se colocam bem na minha pele – mas eu estava sentindo uma pressão do outro mundo, mas do outro mundo!

Quando chegou a mim, eu percebi que os olhares todos se voltaram: "Você Plinio".

Eu era ainda muito moço peguei, rezei antes, peguei a minha energia com as duas mãos e respondi com todo desembaraço, toda a firmeza e toda a naturalidade: "Graças a Deus, eu nunca me embriaguei!"

Certas pessoas aparentadas comigo que estavam na mesa me olharam como quem diz: "Qual! este sujeito não tem mesmo jeito. Ele não se embebeda, não tem fogo! Não tem vida, nem vivacidade! Olha a resposta sem graça que havia de dar e ainda dizer que ‘graças a Deus’. Para que falar de Deus aqui nesse lugar?! Não é melhor não falar em Deus? Pelo menos diga o seguinte: `beber me faz mal para o fígado’. É uma coisa que as pessoas compreendem. Um rapaz de dezoito, vinte anos tem direito de sofrer do fígado. Não. Ele há de inventar um princípio moral para dizer que não bebe...!

Mas a questão é a seguinte: que se eu dissesse que é por causa do meu fígado que eu não bebo, eu estava mentindo porque o meu fígado não tinha a menor incompatibilidade com a bebida. E por outro lado eu estava dando a entender que se não fosse o fígado eu me embriagaria. Eu estava, portanto, me vendendo.

Para obter um aplauso, eu estava mostrando um princípio errado que a moral católica, que eu adoto, condena.

A gente não se deve embriagar não é por causa do fígado, mas é porque é uma ação em si mesma imoral. É o pecado da gula e a gula é um vício capital. Um homem não pode fazer isso. Embriagar-se a ponto de perder a razão como se contava nesta mesa, embriagar-se assim é pecado mortal e eu católico não posso dizer que eu cometi um pecado mortal. Porque eu ofendo a Deus se eu me gabo de ter ofendido a Deus, está acabado!

E então eu tenho de enfrentar aquela onda e fazer aquele papel de sem graça. Nossa Senhora me ajudou e eu fiz. Se eu não fizesse eu sairia de lá mais enxovalhado aos meus próprios olhos do que se eu tivesse bebido.

Porque eu sairia com a ideia de que eu me vendi por causa de um sorriso ou de um aplauso de umas vinte ou trinta pessoas que ali estavam. Eu tinha cometido um pecado mortal. E só por causa desse sorriso, só por causa desse aplauso. 

* As pequenas lideranças estão sempre voltadas a estimular uma má ação e nunca uma ação boa

Quantas vezes coisas dessas se dão na vida de um jovem. Está um jovem que nunca esteve numa casa suspeita, que nunca teve uma relação sexual com ninguém. Está numa roda. Está todo o mundo contando casos. Olham para ele, ele está com a cara – evidente – de quem nunca esteve num lugar desses. Resultado: os amigos começam a debicar.

Resultado, um vem: "Fulano! Vamos hoje à noite em tal casa assim?" Ele fica com medo de dizer não, diz que vai. Marcam hora, vai! Ele fez uma ação que ele não devia fazer apenas de medo de darem risada dele...

Quantos, quantos e quantos outros fatos se dão dessa maneira, de medo de uma risada, de medo de uma gargalhada ou de medo de ficar ridículo, o sujeito comete uma má ação. Por quê? Porque no ambiente de hoje há uma pressão contínua dessas pequenas lideranças sempre voltadas para estimular a má ação e nunca voltadas para estimular uma boa ação.

Os senhores são de todos os Estados do Brasil, são de colégios dos mais diversos, se são de São Paulo, são de bairros os mais diferentes. Eu duvido que os senhores me contem o seguinte caso: “há em minha cidade um colégio onde a opinião dos alunos é organizada de tal maneira que quem faz uma ação censurável é rejeitado por todos os outros e fica posto de lado. E se admira o rapaz religioso, se admira o rapaz puro, se admira o rapaz anticomunista, se admira o rapaz de idéias tradicionalistas. No meu colégio, quanto mais tradicionalista, quanto mais puro, mais religioso, mas anticomunista, mais bonito”.

Se algum dos senhores conhecem esse colégio me diga. Alguém conhece esse colégio nessa sala?

Agora se alguém conhece colégio parecido com o que eu descrevi antes, levante o braço. 

* A primeira aplicação do sentido da palavra conformidade. Ser submisso a esta ditadura da opinião pública é um erro moral gravíssimo. Exemplo de São Pedro

Bem, o que é... Aqui se põe a primeira aplicação do sentido da palavra conformidade. A gente estar conforme, a gente ser submisso a essas ditaduras de opinião pública, é uma conformidade, é um ato de conformidade. A gente se conforma com eles, é evidente.

A gente ser insubmisso é, portanto, um ato de inconformidade. Essa inconformidade é uma virtude; essa conformidade é um erro moral gravíssimo, é um vício. Por quê? Porque é eu aceitar de trair a Deus para não rirem de mim. Deus que me criou, Deus que me redimiu, Deus que me fez nascer na Igreja Católica, Deus me dá uma ordem, eu atraiçoo a Deus e faço o contrário para não rirem de mim. Isso é uma ação infame.

Os senhores conhecem o episódio da vida de São Pedro durante a Paixão. São Pedro, pouco antes da Paixão, Nosso Senhor Jesus Cristo disse a São Pedro: "Antes do galo cantar, tu Me negarás três vezes". E São Pedro disse: "não, não é possível!"

Nosso Senhor foi preso. Começou a via dolorosa. Quando Ele entrou na casa de Pilatos, de Herodes, no pátio de Herodes, Ele passou, havia uma fogueira. Perto da fogueira estava São Pedro se aquecendo e uma mulher olhou para São Pedro e disse: "Você não é discípulo do Nazareno?" Ele de medo da caçoada do ambiente [disse]: "Não, não sou". Duas outras pessoas perguntaram, ele disse: "Não sou". Ele negou Nosso Senhor três vezes.

Nosso Senhor passou por ele e o olhou, e os olhares se encontraram. Nosso Senhor, para não criar embaraços para ele, não disse: "ó Pedro!", podia ter dito, e escangalhava com ele. Nosso Senhor foi tão bondoso que não disse nada. Passou e olhou para ele. E ele se sentiu olhado por Nosso Senhor. E Nosso Senhor deitou nesse olhar uma tal expressão, e uma força sobrenatural tão extraordinária que diz o Evangelho: São Pedro saiu de lá e chorou amargamente. E até o resto de sua vida ele se penitenciou desta infâmia que tinha cometido. Ele tinha negado a Cristo de medo das risadas de umas criadas que estavam passando por aquele pátio.

Quanta gente nega Nosso Senhor Jesus Cristo, abandona a Religião de medo de risadas, de medo de gargalhada. Evidentemente, é uma infâmia, é uma infâmia como a que fez São Pedro, é uma verdadeira traição. Este é o primeiro mal que há nesta conformidade.

Há, porém, um segundo mal: é que ela nos castiga a nós mesmos. Nós somos vítimas disso. Nós aceitamos os sapatos de um outro para caminhar pela vida, quer dizer, vamos andar torto a vida inteira, doloridos a vida inteira.

Em terceiro lugar, nós nos preparamos para ser um "joão-ninguém", quer dizer, um zero. Porque nós não marcamos o rumo de nossa vida. É imposta por outros. Quer dizer, uns tipos liquidados. 

* Os defeitos da conformidade junto às pessoas mais velhas. A aceitação da mini-saia e a conformidade dos homens com o que dizem os jornais

Eu vou agora analisar os efeitos dessa má conformidade junto às pessoas mais velhas do que os senhores.

Os senhores tomem a moda. A moda feminina, por exemplo. Há vinte anos uma senhora que usasse a mini-saia julgaria sua honra completamente comprometida. Hoje senhoras que há vinte anos julgavam uma vergonha usar mini-saia, usam mini-saia.

Aonde ficou a vergonha delas? Se era vergonha, deixou de ser? Por que é que deixou de ser? Se mostrar a perna até uma certa altura é uma vergonha, vinte anos depois deixa de ser uma vergonha? As leis da moral mudam assim? Elas mudaram de ideia por quê? Por que é que mudaram de modo de pensar?

Elas não têm mais nem ideia nem modo de pensar. Basta a moda mudar que elas acham a coisa ruim num dia, e noutro dia acham bom, está acabado. E se a moda mandar fazer qualquer coisa pior ainda, fazem.

Porque muitas delas hoje usam mini-saia e não usam shorts, mas daqui a alguns anos a mini-saia vai ficar velha, como foi prescrito a abolição, a proibição da mini-saia hoje. Então daqui a alguns anos só se vai usar shorts e elas vão começar a usar shorts que muitas delas hoje acham uma vergonha.

Onde está a independência dessa gente? Onde está a coerência? Onde está a seriedade de princípios? Não tem nada! Basta um decreto da moda e aquele imenso rebanho humano vai fazendo o que a moda manda. Essa gente tem convicções? Essa gente tem mentalidade? Tem princípios, tem seriedade? Não tem! Está completamente...

Os senhores tomem os homens. Nós homens dizemos que as mulheres são muito faceiras. Os homens são faceiros de um outro modo. Mas no fundo são faceiros como as mulheres. O senhor tome um homem qualquer. Os senhores conversam com ele sobre política, os senhores vão ver, ele pensa mais ou menos o que dizem os jornais. Ao menos os jornais que eles leem.

É muito raro os senhores encontrarem um homem que não pense mais ou menos o que pensam os outros. E o que todos pensam é mais ou menos o que os jornais dizem para eles.

Quer dizer, a imprensa, o rádio, a televisão põem na moda certas idéias políticas, todo o mundo vai adotando aquelas idéias políticas; põe na moda certos estilos de pintura e todo o mundo vai adotando aquele estilo de pintura, e de arte. É uma questão de moda. 

* Um pequeno "golpe de estado" genialmente bem dado que desmoralizou uma exposição de arte moderna

Os senhores tomem esses quadros extravagantes da arte moderna. Eu conheço um rapaz em São Paulo que numa ocasião de uma exposição de pintura ultra-futurista, ultra-moderna, numa casa aqui de São Paulo, fez a seguinte malandragem: estavam os quadros todos postos na parede à espera dos convidados; haveria um coquetel para inaugurar aqueles quadros. A família estava em cima se vestindo para o coquetel, a sala estava vazia, os convidados ainda não tinham chegado. O artista ia chegar muito atrasado – se é que se pode chamar isso de “artista”. O rapaz foi e colocou todos os quadros de cabeça para baixo. Mas são quadros tão extravagantes – não eram figuras, eram bolas, cubos e coisas assim empilhadas umas sobre as outras, umas linhas, umas coisas assim – o gráfico de um neurótico.

A família desceu, os convidados foram chegando e começa todo o mundo: "Mas que extraordinário, que inspiração, olha, recua um pouco, mas que coisa linda! Que maravilha! etc.".

Quando a coisa chegou a uma certa efervescência e antes do artista chegar, que podia notar que a gagueira dele estava de cabeça para baixo, o rapaz diz: "Me dão licença, todos esses quadros que vocês estão achando lindo estão de cabeça para baixo! Vocês não entendem nada, não sabem o que é que elogiaram, elogiaram uma coisa que não vale nada! Boa noite!" E foi embora.

Pequeno “golpe de estado”, genialmente bem dado. Porque não havia resposta possível, não é? Porque se uma coisa que é vista assim é bonita e depois vista do outro jeito é bonita também, então não há bonito. Então ninguém entende de nada, é evidente.

Depois não podiam dizer que... eles tinham acabado de elogiar! Quer dizer, eles não tinham saída, então a saída: "Há! há! há! Esse fulano é impossível", porque é isso.

Os senhores querem ver o que é o hábito do "carneirismo"? Seguir como carneiros as coisas? Os donos da casa puseram os quadros na posição oposta, o artista chegou, deu uma explicação, todo o mundo aplaudiu e todo o mundo foi para casa. Vários desses quadros se compraram. Quer dizer, só porque é bonito, porque os outros disseram que é bonito porque eles não podiam estar achando nada. Depois como podiam achar?

Os senhores tomem estes quadros modernos que representam um homem. Ainda ontem uma revista de História que eu tenho, dava uma fotografia de um desses quadros. Era um homem cuja cabeleira subia e formava uma árvore. No olho dele tinha assim um quadrado e estava estufado para fora, e dentro dele se via, se passava uma cena de desastre de automóvel; o outro olho dormia displicentemente. Um beiço assim em diagonal e outro para cá. E embaixo estava o seguinte – para os senhores terem o sentido, diz o seguinte: “fisionomia completa”.

Se houvesse um homem assim, a gente visse andando na rua um homem que tivesse arranjado uma miniatura de arbusto para pôr em cima da cabeça e que fosse configurado dessa maneira, a gente diria: esse é um louco, é preciso levar para um hospital para o curar e depois vamos arranjar uma operação plástica para ele ajeitar esta cara, para ver se esse pobre coitado pode circular.

Porque ele está construído segundo a violação de todas as regras da natureza. A fisiologia não é esta, as árvores não foram feitas para crescer na cabeça dos homens etc., a ordem natural é berrantemente contrária, e de alguém que viola desta maneira a ordem natural a gente diz que é um louco, não é isso? Ou então que é um tarado, ou então que é um doente.

Não. Pinta-se um quadro: "É uma obra-prima. O artista que fez isso é um gênio." Ele imaginou uma situação doentia, completamente errada, dramática. A gente vai dizer que isto é bonito? É ou não é verdade que as pessoas aceitam isto exclusivamente porque é moda? Quer dizer. É o império da moda. 

* Os pintores que pintam monstruosidades estão na moda e são apoiados pela imprensa, os pintores tradicionais são boicotados. Por essa forma a moda da maluqueira entra e se impõe

Então há uma coisa muito engraçada – aqui em São Paulo por exemplo – eu não sei se se dá isso nas cidades onde os senhores moram, mas em São Paulo o fato é flagrante. Há dois tipos de artistas em São Paulo, pintores. Eu exemplifico com a pintura, eu poderia exemplificar com a música, com qualquer outra arte, no terreno ideológico, poderia exemplificar com tudo, eu exemplifico apenas com a pintura.

Há os pintores que pintam segundo a escola tradicional. Pintam panoramas, pintam flores, pintam pessoas, pintam o que quiser de acordo com as regras do bom senso.

Depois há os outros que pintam monstruosidades. Esses que pintam as monstruosidades estão na moda, são apoiados pela imprensa. Todos os dias saem notícias a respeito dos quadros deles. Eles fizeram isto, eles fizeram aquilo, eles fizeram não sei mais o que, etc., etc.

Os primeiros são boicotados pela imprensa, a imprensa não publica quase nada deles. As pessoas muito modernas, grã-finas só compram dos autores modernos, malucos. Uma gente mais modesta, que não faz questão de estar na moda, mas é mais sensata, só compra dos outros.

O resultado é que esses artistas segundo o sistema tradicional têm pouca nomeada e não vendem muito, não estão ricos. Os outros já têm feito exposição para vender quadro a qualquer preço, porque a grã-finada não pode comprar tudo quanto eles pintam e não há mais gente que compre aquilo. Mas aquilo tem de ser moderno.

Resultado: aos poucos vai entrando, aos poucos isso vai passando de uma classe para outra, de outra para outra, dentro de dez ou vinte anos todo o mundo só compra quadros assim. Quer dizer, a moda da maluqueira entra e se impõe por esta forma, está acabado.

Quer dizer, é uma imposição que os mais velhos sofrem porque no tempo de meninos, eles já foram obrigados a isso. Já foram habituados a dobrar a cabeça não só externamente, mas internamente à moda. Já foram habituados a não ter personalidade e a dirigir-se exclusivamente de acordo com uma coisa que se chama moda. Os outros fazem, eles fazem; os outros pensam, eles pensam; os outros aprovam, eles aprovam; os outros reprovam, eles reprovam. São pessoas que se dizem livres e que no fundo não têm um pingo de verdadeira liberdade. 

* Uma forma especial de escravidão é uma cena que se dá em muitos estádios, do indivíduo assistindo a partida ligar o rádio para ouvir o locutor descrever a partida para ele

O que a meu ver é espantoso a esse respeito e que representa uma forma especial de escravização é a cena que eu ouvi dizer que se dá em muitos estádios. Eu não sei se os senhores têm presenciado isto, não sei se alguns dos senhores já fez isto.

Mas eu ouvi dizer que em muitos estádios de futebol, está jogando futebol e tem um sujeito que está vendo a partida e que está com o rádio ligado para ouvir o locutor descrever a partida para ele. De maneira que ele já não é um homem suficientemente completo para acompanhar uma partida de futebol por si. Ele fica torcendo "Hã, hã – com a mão no queixo, o locutor dizendo – "Zizinho corre, tira a bola para não sei que, o outro passa, gol!"

Ele precisa que alguém diga para ele, porque ele já não é suficientemente completo para ser capaz de vibrar por si numa partida de futebol, precisa ter um outro por detrás dele fazendo fôlego. Quer dizer, no fundo é um invertebrado. É um invertebrado. Esse homem pensa que ele é livre – eu acho muito mais feliz um homem que anda de muletas, mas que pensa pela própria cabeça, do que um homem que anda sem muletas, mas que pensa com cabeça do outro. 

* Cada vez mais estamos caminhando para a massificação e como consequência as nações modernas vão sendo preparadas para o comunismo

Ora, cada vez mais nós estamos caminhando para isso, cada vez mais nós estamos caminhando para isto que se chama a massificação. O que é que vem a ser a massificação?

Os senhores tomem por exemplo o que... o asfalto. O asfalto é uma massa, cada partícula integrante do asfalto está diluída, presa, encaixada, absorvida, sepultada dentro daquela camada de betume. E fica ali formando uma massa compacta e homogênea.

Os homens foram feitos para serem pessoas, cada qual se guiando de acordo com a luz de seu espírito e de acordo com sua personalidade. A massificação transforma o homem em um elemento inerte de uma massa. Ele se dilui dentro da massa. Hoje todo o mundo está ficando massificado.

Acontece como consequência disso o seguinte: é que as nações modernas vão sendo preparadas, sem perceber, para o comunismo. E por que para o comunismo?

Para nós compreendermos bem isso temos de ver debaixo de que ponto de vista eu me refiro aqui ao comunismo.

tc "* O comunismo é uma forma de organizaçäo política e social pela qual ninguém dispöe de si. Um parente de nosso Pai e Fundador que recebe um visitante da Rússia" \l 164Os senhores sabem bem que o comunismo é uma forma de organização política e social pela qual ninguém dispõe de si, ninguém adquire bens, e ninguém tem direito a nada. Esse é o comunismo.

Em termos bem precisos, qual é a doutrina comunista? É que o Estado é o dono de todos os haveres, de maneira que casas, fábricas, fazendas, lojas, tudo pertence ao Estado. Então, o governo é que abre e fecha as lojas, as fábricas que entende; é quem dá casas para quem quer e tira casas de quem quer.

Todo o mundo mora onde o governo mandou morar e quando o governo manda é obrigado a mudar e ir para onde o governo quiser. Ninguém tem uma casa própria, porque ninguém é dono de nada. Ninguém tem o direito de ter por exemplo um automóvel próprio porque ninguém é dono de nada. Todo o mundo é obrigado continuamente a fazer o que o Estado manda.

Algum tempo atrás esteve com um parente meu aqui em São Paulo um técnico que vinha de um país detrás da cortina-de-ferro. Eu não quero contar quem é esse técnico e nem qual é esse país porque de repente a embaixada desse país sabe e começa a perseguir esse coitado atrás da cortina-de-ferro.

Ele entrou na casa desse meu parente para almoçar. Era uma casa boa, mas comum como em São Paulo há centenas de milhares de casas. Ele olhou assim na entrada, deu uma risada e disse:

– Que maravilha, é isso então uma casa de família é?

Meu parente ficou meio espantado porque não é nenhum bobo e sabe que a casa dele é uma casa boa, mas comum:

– É.

Ele disse:

– Mas é como a gente vê nas revistas norte-americanas?

– Sim, é possível que as revistas publiquem uma vez ou outra fotografia de uma casa assim.

– É que a propaganda nos diz em nosso país que os americanos imprimem isto nas revistas deles, mas que isto não existe, que é mentira, que lá no Estados Unidos e nos países não comunistas a miséria é maior do que nos nossos países.

Meu parente disse:

– Não! Aqui... vamos passear por São Paulo, eu vou lhe mostrar centenas de milhares de casas assim, é só querer entrar, querendo eu toco a campainha em qualquer casa, peço licença, digo: "Aqui está um cidadão de um país comunista que quer visitar essa casa". O senhor entra. Vamos até nos bairros pobres. Tem casas menos confortáveis do que essa, mas são casas onde se mora bem, onde se vive bem. 

* Na URSS um homem instruído não podia dar instrução superior aos filhos para evitar a formação de classes

Ele ficou assim meio espantado e aí começou a se abrir em confidências e contou o seguinte:

Ele tem uma profissão técnica qualquer. Para que nesse país não haja classes sociais todos os filhos de técnicos são proibidos de adquirem instrução superior para evitar de fazer uma hereditariedade e definir classe social.

De maneira que ele é um homem culto e instruído, mas o filho dele tem a instrução apenas primária a mais elementar. E ele não pode dar ao filho uma cultura maior porque se perceberem que o filho dele tem uma cultura maior ele é castigado, vai para a prisão.

De maneira que ele tem a tristeza de ser um homem culto que não tem o que conversar com o filho nem com as filhas. Todos já são de um outro nível.

As coisas mais modestas passam pelo seguinte: ele tem um ordenadinho e com um esforço tremendo ele conseguiu acumular o necessário para comprar um automóvel. Porque o lugar onde ele trabalha é muito longe e o ideal dele que já está ficando velho era de ter um automóvel para ir comodamente para o lugar de trabalho.

Ele comprou o automóvel, ele foi pediu licença – porque para comprar o automóvel é preciso pedir licença, ele obteve licença, obteve todos os documentos, comprou um automóvel de uma fábrica do Estado. Mas ele teve de depois ir à polícia fazer registrar o automóvel dele. Ele registrou o automóvel, passou uns dois meses muito contente com o automóvel, o automóvel dava um pouco de trabalho para ele porque ele era obrigado a limpar o automóvel, a lavar o automóvel etc., mas ele estava muito contente com o automóvel.

Daí a dois meses ele é chamado pela polícia. Ele recebeu uma circular da polícia: "O senhor foi dos sorteados entre os proprietários de automóveis novos para fornecer seu automóvel para servir para a lavoura no sul do país, agora no verão que se aproxima. De maneira que o senhor vai entregar o seu automóvel para fulano de tal empresa assim, estatal, que vai pegar seu automóvel no dia tanto.

"O senhor, como o automóvel se destina ao serviço do Estado, é obrigado a apresentar – o automóvel se destina ao serviço do Estado – é obrigado a apresentar o automóvel em perfeitas condições e lavado.

"Se o automóvel voltar prejudicado do serviço agrícola do interior, o senhor tem tal prazo para pôr esse automóvel em ordem e apresentar a nosso exame, porque o automóvel pertence ao Estado, o senhor não tem direito de ter um automóvel pertencente ao Estado sem consertar. É falta de patriotismo, o senhor seria condenado pelo artigo tanto do Código Penal".

Aí ele descobriu que ele tinha economizado para ser chauffeur de automóvel para o Estado. E que vira e mexe o automóvel ia ser requisitado, escangalhado e ele ainda tinha de consertar.

Quer dizer, os senhores estão vendo, é uma verdadeira escravização.

O indivíduo não pode escolher o seu próprio emprego. De repente ele é chamado, na Rússia por exemplo, está morando em Leningrado, ele é chamado e diz: – Você vai para Vladivostok na Sibéria, e vai lá exercer tal profissão.

– Ah sim, senhor, está perfeitamente, etc. 

* O homem massificado não tem personalidade para ter ideia própria, para ter gosto próprio; ele quer ter quem pense por ele e dê soluções por ele

Isto para os senhores não parece uma coisa horrorosa? Parece. Mas para o homem massificado, não é. Porque ele já não tem personalidade para ter uma ideia própria; já não tem personalidade para ter um gosto próprio. Ele o que quer é ter quem pense por ele, quem dê as soluções por ele, quem resolva por ele. Ele já está reduzido ao estado de carneiro que precisa de um pastor para estar levando por toda parte. E então ele se acostuma a um regime totalitário que o amolda completamente, que lhe tira completamente a personalidade e que governa a ele completamente. Ele é feito para ser um cidadão de uma república comunista.

É para onde esta completa falta de independência, essa tirania da moda, das idéias em vigor, dos tais grupinhos vão conduzindo todo o mundo contemporâneo.

Quer dizer, esta é uma imensa preparação para o comunismo. E que o comunismo sabe que é, e que favorece com todo o empenho, porque todos os propagandistas do comunismo fazem assim. Todos eles favorecem esta ordem de coisas em que o homem perde a personalidade e não faz absolutamente nada.

 

* O comunismo vai nos levando para a pior das degradaçöes, para a pior das tiranias e para a pior das imoralidades"

Qual é o resultado disso? É que o homem deixa de ser verdadeiramente homem. Porque o que distingue o homem do animal é a inteligência, é o raciocínio. E é a livre escolha daquilo que seu raciocínio lhe indica. É por isso que o homem é homem e não é animal.

E em consequência, o comunismo vai nos levando para a pior das degradações. Quer dizer, não só a pior das tiranias, mas a pior imoralidade.

Os senhores sabem que no comunismo não há casamento. Eles chamam de casamento, mas é amor livre. Qualquer homem pode ligar-se a qualquer mulher e pode abandonar qualquer mulher, como qualquer mulher pode abandonar qualquer homem, a qualquer momento. Entrega os filhos ao governo, o governo educa ou não educa, está acabado. São absolutamente como bichos no pasto.

Os senhores sabem que o comunismo chega a esse requinte de não construir quase casas, de maneira que as pessoas moram empilhadas nos dormitórios, com promiscuidade sexual. E durante o dia, para poderem se distraírem um pouco, são obrigados a estarem em imensos salões que eles preparam, coletivos, onde a pessoa está o tempo inteiro junto com outro e o tempo inteiro conversando para não poder pensar e para não poder elaborar uma personalidade própria.

De maneira que fica sujeito sempre a esse rolo compressor, a esta "lavagem de cérebro" contínua, para o sujeito ficar sempre acachapado debaixo do domínio comunista. 

* Há uma conformidade mortal que vai levando o mundo à ruína, é preciso rasgar essa conformidade por meio de uma inconformidade, por um sublime brado de independência

Então, é a completa destruição, a completa degradação da humanidade. E isso se prepara de um modo mais ou menos insolúvel, de um modo mais ou menos invencível. Porque se não houver contra isto uma reação, e se não houver gente que afirme: "Eu não estou de acordo! Eu denuncio esta trama! Eu denuncio esta servidão! Eu reivindico para mim a liberdade de seguir os meus princípios! A liberdade de pensar o que eu quero, a liberdade de dizer o que eu penso como eu entendo, e sobretudo a liberdade de afirmar a doutrina católica e de viver como um católico deve viver, a liberdade mais fundamental de todos os homens que é a liberdade de servir a Deus!” Se não houver quem faça isso, o mundo está simplesmente liquidado.

Quer dizer, há uma conformidade mortal. Esta conformidade vai levando o mundo à ruína. É preciso rasgar esta conformidade por meio de uma inconformidade. De um sublime brado de independência. E de uma independência proclamada em nome de Deus. É isso que é preciso fazer.

Para os senhores verem até que ponto esta conformidade conduz à ruína, basta os senhores considerarem o que acontece nas grandes cidades. A TFP vai fazer propaganda na rua, os senhores encontram o seguinte: nos bairros operários não há hostilidade contra a TFP, nos bairros de classe média há um pouco de hostilidade contra a TFP. Nos bairros de classe alta a hostilidade contra a TFP é maior do que em todas as outras classes.

Porque [é] a classe mais sensível à moda, e como é moda entre os grã-finos – ao menos em certas rodas de grã-finos – de ser comunista, ali os senhores encontram o maior número de comunistas. Quer dizer, são homens tão loucos que para seguir a moda eles trabalham para a derrota da sua própria classe, trabalham para confisco de sua própria fortuna, trabalham para a liquidação de toda ordem de coisas que existe em benefício deles. De tal maneira a moda pode levar a pessoa ao suicídio. 

* O “sapo” acaba fazendo a demolição de sua própria ordem porque está habituado desde os bancos do colégio a dizer “sim” de medo que se ria dele

Os nossos militantes, dos quais muitos são rapazes de famílias modestas, muitas vezes veem isso que os senhores devem ter visto na rua: é um automóvel que pára ou que passa numa marcha lenta, diante de um militante da TFP – automóvel suntuoso, dentro do qual está um homem que a gente vê que é um banqueiro, que é um político de influência, que é um industrial, que é um homem de importância, ele grita uns tais ou quais ultrajes contra nossa gente e diz “viva o comunismo!”. Depois põe o automóvel à toda pressa e sai fugindo.

O que é? É que como ficou moda, este carneiro, este irresponsável habituado desde os bancos de colégio a dizer “sim”, de medo que se ria dele, acaba fazendo a propaganda da demolição da própria ordem de coisas que existe em benefício dele. Quer dizer, conduz até o suicídio. É até esse extremo que nós chegamos. 

* O sentido da inconformidade da TFP. O que representa este estandarte vermelho, este leão dourado em ordem de batalha e aquela cruz que marca aquele leão dourado?

E então é preciso cortar com isso, e aí os senhores compreendem o sentido da inconformidade da TFP. O que é que representa esse estandarte vermelho? O que é que representa este leão dourado em ordem de batalha? O que é que representa aquela cruz que marca aquele leão dourado?

Representa, este vermelho, o desejo de lutar e se preciso for de lutar até a efusão do sangue. Mas antes de lutar para a efusão do sangue, de lutar contra todos os risos, de lutar contra todas as modas, de tomar os princípios tradicionais e imortais da doutrina católica e de os afirmar em alto e bom som.

Seja moda ou não seja moda, riam ou não riam, aplaudam ou não aplaudam, há uma verdade eterna, há uma verdade objetiva e indestrutível. Há uma verdade que está ao alcance de todos os homens de boa vontade, favorecidos pela graça de Deus e esta verdade é que a moral ensinada por Nosso Senhor Jesus Cristo jamais será revogada.

Que Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo disse que a Terra e o Céu passarão, mas que de Suas palavras nenhuma passará. Há uma verdade que enquanto o mundo for mundo haverá homens fiéis a esta Lei; haverá homens que se recusarão a praticar o mal só porque outros aplaudem quem pratica o mal; haverá homens que se ufanarão de praticar o bem ainda que todos riam deles; haverá homens que ensinarão os princípios perenes e indestrutíveis da Tradição, da Família e da Propriedade e de todos os outros que constituem a civilização cristã.

Haja contra eles que pressões houver, esses homens mostram - enfrentando a gargalhada, enfrentando a moda - eles mostram mais altaneria e mais altivez do que se eles enfrentassem armas cruentas. Eles lutam contra um adversário que é um adversário tremendo, que é o adversário do ridículo.

Eu conto aos senhores uma coisa que aqui é característica. Eu conversei com um grande amigo da TFP que é o Cônsul Aloísio Gomide, recentemente preso entre os Tupamaros [grupo terrorista no Uruguai, n.d.c.]. Ele foi de uma dignidade entre os Tupamaros, de uma coragem a que todo o Brasil prestou homenagem.

Ele me contou este fato: que ele saiu dos Tupamaros, foi reintegrado na vida comum e pouco tempo depois teve de ter uma discussão com um “sapo” [burguês comunista, n.d.c.], e que ele teve um primeiro impacto porque ele tinha passado algum tempo sem contato com os “sapos” e que teve – diz ele – que fazer mais força para vencer o impacto da gargalhada do “sapo” do que ele tinha tido de fazer para enfrentar os Tupamaros.

Esta é a batalha atual da TFP. Esta é a batalha imediata da TFP.

Quando os senhores vem esses rapazes que vão ao Viaduto do Chá, que na artéria central de São Paulo desdobram os estandartes enormes da TFP, que sobem naquelas pilastras com alto-falantes e que proclamam os nossos princípios, os senhores devem pensar que aquele rio de gente que passa embaixo, que forma uma verdadeira torrente numa cidade de imigração como São Paulo – gente de todas as procedências, de todos os lugares, de todas as raças, de todas as línguas, de todas as idades – gente que passa e aplaude, gente que passa e não vê, gente que passa e finge que não vê, gente que passa e grita ultrajes. 

* O resultado desta batalha ou é a vitória do conformismo diabólico que leva o mundo para o comunismo ou é a insurreição sacrossanta dos que exclamam como São Miguel: "Quem como Deus!"

Para toda esta gente há um exemplo: é que a TFP vai contra a corrente, que a TFP vai contra a onda, que a TFP sabe dizer não, que a TFP é inconforme e que com toda coragem dos seus jovens, com toda coragem desses jovens, tão jovens, que em cada vez em número maior vão engrossando as nossas fileiras - pois na TFP tanto mais numerosos são os membros quanto mais são jovens, a TFP é um movimento que deitou muito mais raízes entre os jovens do que entre os homens de meu tempo - que estes jovens sabem dilacerar esta unanimidade infame, e que eles sabem, eles, de dizer “não”! Eles sabem não dobrar o joelho diante deste ídolo que é uma opinião pública dirigida por essas máquinas, por esses grupinhos, por esses líderes que impõem a sua tirania nefasta, e que a estas lideranças e a esta tirania da moda os membros da TFP, com uma celeste inconformidade, dizem “não”!

O “não” que os Anjos do Céu disseram quando Satanás se rebelou. Satanás disse: "Eu não servirei!" e em desacordo com os anjos que se revoltaram houve Anjos que romperam com eles e disseram: "Quem como Deus? Pensem os anjos rebeldes como pensarem, nós afirmaremos que Deus permanece eternamente. Nós estaremos do lado dEle e lançaremos a vocês no inferno".

Pois bem, foi o que eles fizeram – diz a Bíblia que uma grande batalha se travou no Céu entre satanás e os seus anjos e São Miguel Arcanjo e os seus Anjos. São Miguel Arcanjo e seus Anjos, com o auxílio de Deus, derrotaram os outros e os empurraram para o Inferno.

Nossa época está numa alternativa: ou é a vitória deste conformismo diabólico que leva o mundo para o comunismo, ou é a insurreição sacrossanta dos que clamam como São Miguel Arcanjo "quem como Deus?", dos que não conformam e dos que reivindicam para si o direito de proclamar que a Lei de Deus permanece eternamente.

Esta é a celeste, a extraordinária Cruzada da Inconformidade da TFP. É para convidá-los para a felicidade dessa Cruzada que a TFP os convida, os reuniu.

Os senhores veem esses rapazes sair para a rua – um jornalista inimigo da TFP dizia, escreveu num jornal que ele não compreendia isto: a grande alegria dessas almas que saíam para enfrentar a opinião pública de uma cidade inteira. Esse homem não sabe a maior das alegrias que há: a alegria da tranquilidade da consciência, a alegria de realizar uma grande proeza, a grande proeza do Século XX, a proeza dos que, a esse novo ídolo, a esse novo moloch, santamente inconformes souberam dizer “não”!

Esta é a conferência da inconformidade. E com isso tenho dito.

[Aplausos]


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