Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentários sobre a "Sede do Reino de Maria"

Como analisar uma sala?

Como subir e descer escadarias?

 

 

 

Santo do Dia, 25 de dezembro de 1970

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.



 

 

A arte de conversar tem recursos indefinidos... De maneira que vamos ver qual é o tema da conversa. Quem sabe nós fazemos, em sistema de conversa, a explicitação de impressão da Rua Maranhão? Levantem o braço os que estiveram na Rua Maranhão?

Agora eu vou dizer como uma explicitação não deve ser; é ficar em adjetivos genéricos: “é muito bonito, é não sei o quê”. Porque isso não quer dizer nada... “muito bonito” é uma coisa que quer dizer tantas coisas, há tanto modo de bonito... Depois, a palavra “bonito” está tão gasta... de maneira que por aí não vai.

Eu queria saber, com toda toda franqueza o seguinte: quem é que me diria isto: “Doutor Plinio, a coisa me deixou uma impressão confusa, de muitos móveis, de muitas salas, de muitas coisas. Eu não chego a distinguir nada definidamente. Gostei, mas precisaria estar muito mais lá para poder definir algo”.

Os que estão nesse estado de espírito queiram levantar o braço? A quase totalidade da sala.

Um outro que me dissesse o seguinte: “Doutor Plínio, eu nem sei como prestar atenção, como achar bonito a sala. Por que o que é achar bonito uma sala? A gente entra e olha aquilo tudo, mas quais são os critérios para a gente ver que aquilo é bonito? É um simples agrado dos olhos? Mas confuso e difuso? Ou é qualquer coisa mais ainda? Existe um modo de fazer uma análise de uma sala?”

Quem me dissesse que por causa disso ficou com idéias confusas, levante o braço. Deixa ver um pouquinho... Bem, então, quem sabe se eu indico como é que se deve fazer uma análise de uma sala... Qual das salas os senhores querem que...

(Aparte: Uma coisa é meio rara: aquele Tosão de Ouro...)

Por que é que é meio raro?

(Aparte: É que eu nunca vi)

Em primeiro lugar é que a expressão “raro” é uma expressão castelhana, mas, no castelhano, o “raro” quer dizer uma coisa meio diferente de português. E nós vamos empregando aqui num sentido que é meio português e meio castelhano; porque, no castelhano se eu entendo bem, o “raro” é uma coisa meio estranha, que viola alguma regra. Bem, e no português o raro é o pouco frequente.

Mas eu tenho a impressão que para minha cara geração-nova, “pouco frequente” e “violar alguma coisa” são situações muito semelhantes... De maneira que não fica fácil distinguir o sentido brasileiro do sentido castelhano de “raro”. Então o senhor achou “raro” em qual dos sentidos ou em ambos?

(Não que tivessem violando regras, mas que aquilo é incomum.

Porque aquilo é inteiramente incomum, é inteiramente incomum, não há o hábito, aquilo não se encontra em nenhum lugar.

(No começo me pareceu: será que está certo? Mas que é bonito é, mas é incomum)

Eu vou colocar os senhores à vontade dizendo o seguinte. É que hoje em dia com os recursos que há de arte gráfica, tipografia etc., etc., está entrando enormemente nos costumes fazer verdadeiros panoramas, enormes, de papel de parede, mas enormes. E que foi uma coisa que se usou muito no século XIX, mas que era muito difícil e caiu em desuso; e hoje se usa de novo. Quando os senhores vão ao Itamarati, por exemplo, o Palácio do Itamarati, no Rio – o antigo Ministério das Relações Exteriores – tem papéis de parede representando panoramas, urbanos e rurais do Brasil Colonial, mas uma coisa maravilhosa! O Itamarati é uma obra prima de bom gosto, e tem panoramas assim, inteiros!

Eu estive agora numa casa onde a sala de jantar é toda ela de papel de parede com panoramas representando uma espécie de contradas italianas. E hoje se usa enormemente isso em vez do papel de parede comum que é feito de pequenos deseinhos, com pequenos motivos, como o senhor tem, aliás, na caixa do elevador da Rua Maranhão.

Então, o ponto de vista que obedece aquele papel de parede, é que se é possível, se é comum hoje em dia fazer isso com panoramas, é comum fazer com cenas histórias. E aquilo é uma cena histórica, é a Procissão do Tosão de Ouro, é uma gravura que Dr. Paulo tem, que estava lá na Sede de Rua Pará e que representa a procissão da mais alta ordem honorífica da Idade Média e da Europa que é o Tosão de Ouro.

Mas a procissão, naquele tempo, se fazia daquele jeito. Era o Tosão de Ouro que passa, numa espécie de diálogo vivo, um pouco cênico, com a população, em que cada um representa o seu papel. Tem três a cavalo, ali, com (?); depois tem um outro com um falcão na cabeça. E vai assim, na espontaneidade, na exuberância da personalidade de cada um. É o que está ali. Não sei se a minha resposta responde a sua pergunta.

(Quanto à gravura sim; mas por que a gravura naquele lugar?)

Por que na caixa de escada? Na caixa de escada pelo seguinte.

Sempre se entendeu - há uma teoria de escada e da caixa de escada das casas, sobretudo, de pé direito alto; e, nas casas de pé direito baixo, já desapareceu.

A escada, antigamente, não se diria “escada”, diria “escadaria”. Não sei se o senhor já apanha a diferença que vai de uma coisa outra. A escadaria é um lugar de cena, em que uma das cenas bonitas da vida é descer ou subir; é um dos lugares mais bonitos e mais importantes da casa, e, em geral, se faz numa espécie de atmosfera nobre. Não é como essas escadinhas miseráveis das casas de hoje, escadinha [da sede] do “Alcácer”; por exemplo, ou da [sede da] Aureliano, em que dá para um rato subir e descer; mais nada; é uma porcaria; não é verdade? Não é isso.

E então, o fazer, nas caixas de escada, ambientes muito solenes, onde vai o sino, onde vão quadros... O senhor já tinha isso na Rua Pará. E muito mais acentuado na Rua Maranhão, onde a caixa de escada foi tratada com suma elevação. Não sei se minha resposta responde a sua pergunta.

(Aparte inaudível)

Há uma arte de subir e uma arte de descer. No tempo que havia “fräuleins”, as “fräuleins” [educadoras das crianças nas casas de família, n.d.c.] ensinavam isso à gente. A gente desce com ar de quem vai cerrando de cima quem está embaixo. De maneira, que quem desce bem uma escada, desce com segurança, com a cabeça um pouco alta, manifestando uma atitude por onde não tem nenhuma incerteza quanto ao passo que vai dar; e olhando, com um pouco de superioridade, quem está em baixo.

O descer uma escada é uma coisa um pouco pomposa, e a pessoa que sabe bem descer uma escada organiza um cortejo vagamente triangular atrás de si, de gente que vai por traz; de maneira que fica como a cauda do indivíduo; é a comitiva que desce atrás. É preciso, quando a gente desce escada com solenidade, prestar muita atenção no que fazem os braços. Porque, ou os braços vão pendentes sem estar moles, ou a pessoa deve estar com um braço um pouco assim, e outro pendente, para dar um certo ar de naturalidade.

O sumo do errado é o que eu, por circunstâncias concretas, sou obrigado a fazer, que é descer apoiado no corrimão. Ou, menos ainda, apoiado no braço de uma pessoa; nunca isso. Para grande estilo de descer escada, a coisa é completamente outra.

Agora, mais difícil é subir a escada. Porque, subir escada, comporta duas cenas: é subir e o modo de serrar de cima quem está em cima. E, depois, subir de maneira de dar uma impressão correta para quem está em baixo.

A primeira coisa é: a gente não deve se meter subir a escada na presença dos outros, se vai ofegar. Porque a coisa mais feia que há é o subir escada ofegando. O homem que ofega está reduzido à raiz quinta de si mesmo. Se ele ofega ou ele não tem força para subir a escada direito, ele que trate de subir escada sem chamar atenção, porque não se presta para uma subida de escada cerimonial.

Quem está subindo a escada, logo que pode, não deve se deixar ver pelos outros que estão em baixo, deve começar a conversar, dirigir uma palavra amável aos de baixo etc., etc., para dar um certo contínuo de igualdade, não ficar montado pelo outro. E, ao subir a escada, quando chega em cima, deve continuar a andar com uma certa naturalidade, não fazer ar de locomotiva que chegou na estação. Não, não é nada disso, mas continuar a se mover com certa naturalidade. Aí o senhor está vendo todo o papel da escadaria na vida; não é verdade?

(O olhar para os degraus ou não olhar?

Quem desce pode olhar para os degraus remotamente no caminho, como quem olha para um futuro indefinido.

Quem sobe não deve olhar para os degraus, porque dá a impressão que está ali no alpinismo; deve ter um olhar abstrato. E não fica mal até olhar até um pouco para o teto. Faz parte da arte.

(E as mãos?)

As mãos devem estar postas como para descer, com naturalidade. Um pouco assim, por exemplo, mas não assim vamos dizer, como aquele ferro que fica nas rodas da locomotiva. Não, e menos ainda, segurar no corrimão.

É uma tristeza que minha geração não tenha ensinado isso à geração dos senhores, porque a vida fica muito mais bonita quando a gente sabe isso.

Quando os senhores quiserem saber bem como é uma escadaria vão, um dia, ao Teatro Municipal, e prestem atenção na escadaria do Teatro Municipal. É uma magra representação do que é escadaria da Ópera de Paris, que é daquele estilo, muito mais larga. E quando tem as grandes noites de gala da Ópera de Paris, tem couraceiros em pé apresentando armas de um lado e de outro em cada degrau, ou em cada dois degraus; e um tapete vermelho escarlate. Então as senhoras sobem. E sobem com caudas, acompanhadas por senhores de casaca que dão a mão para as senhoras e vão subindo, conversando ligeiramente coisas gentis. Isso é escada! Os senhores hão de convir que dá outro sentido à vida, que um elevador não tem.

(Durante o Concílio Vaticano II, naquela recepção dada aos bispos pela prefeitura de Roma, a escadaria estava toda iluminada por alabardeiros segurando tochas com trajes medievais).

Olhe que beleza! Se eu soubesse teria entrado.

(Isso não abriria possibilidades de o senhor dar uma escola de teatro para o Grupo, e começar pela teatralização de algumas peças muito RCR?)

Eu tenho um pouco de medo de tudo isso que eu estou dizendo. Porque, de um lado faz bem comentar e abre horizontes; de outro lado há uma coisa que não sei se os senhores ouviram falar, chamada megalice [orgulho, vaidade, desejo de realização meramente pessoal, n.d.c.]. Está compreendendo? É o caso sério dos casos sérios. A gente inventa, de repente, descer em grande estilo as escadas da Rua Maranhão e, chega em baixo, está no inferno. ...

Quer dizer, esse fenômeno, que eu não cheguei a entender bem, chamado megalice me coloca numa espécie de beco sem saída. Porque eu estou dizendo isso aqui porque eu sou obrigado a ter uma conversa amena. Tal será, se eu vou fazer uma conferência para os senhores hoje... Para fazer uma coisa amena que não seja “compotosa” [neologismo proveniente de “compota”, ou seja, idolatria do conforto, n.d.c.], precisa ser solene; para ser uma coisa solene, o mega já pega. Se algum mega houvesse por aqui... Se alguma pessoa tentada de megalice houvesse por aqui, ou alguma pessoa tentável de mundanismo houvesse por aqui, se houvesse, a gente... era desde logo uma tentação muito grave.

De maneira que eu fico um pouco na dúvida. Aliás, essa dúvida me dá um pouquinho também na Sede da Rua Maranhão. Aliás, Dr. Castilho estava me lembrando bem que tinha sido dado um nome para a Sede da Rua Pará que não chegou a entrar em circulação. Mas que nós podemos pôr em circulação para a Sede da Rua Maranhão que é: “A Sede do Reino de Maria”.

Mas, a Sede do Reino de Maria, segundo alguns vislumbres e alguns olhares que me pareceu notar hoje, havia – entre outros movimentos dentro da cabeça – um que dizia o seguinte: ‘Puxa, de que clubão eu fui ficar sócio’. Uma coisa como quem dissesse mais ou menos o seguinte: ‘Eu nunca pensei que eu ia ser sócio de um clube de uma categoria que eu nem imaginava bem que existisse, mas, ande lá, que de algum modo algo em mim ficou mais importante por causa disso.’ Me pareceu. Não sei se os senhores acham possível que isso exista, mas me pareceu, que em um ou outro olhar, um ou outro movimento, mais ou menos desse gênero, existe.

É mais ou menos a mesma coisa do que se num bairro inaugurassem uma igreja muito bonita, entrasse um paroquiano lá e fizesse esse raciocínio: ‘Puxa que Igreja bonita foi feita para mim; olha lá, que ser paroquiano de uma Igreja tão bonita é meio envaidecedor’...

A igreja foi feita para Deus Nosso Senhor. Não é para nós, nem um pouco.

A Sede do Reino de Maria não tem muita proporção conosco realmente. Nós não somos sócios. Aquilo não é um clubão, e nós não somos sócios de um clubão. Nós temos a honra de servir a Nossa Senhora numa Sede em que se fez o possível para que esteja à altura dEla. Isso é uma coisa completamente diferente.

E não é mal a gente pôr os pingos nos “is” a respeito desse matiz. Por exemplo, a Sede de Reino de Maria é uma sede muito sacral, muito séria, ela é a sede da seriedade. É, como tal, a sede da elevação de espírito, tudo lá convida à elevação de espírito; é a sede da lógica, porque tudo ali é lógico. É a sede, portanto, da sacralidade e, como tal ela tem qualquer coisa de severo, porque ela tem qualquer coisa de intransigente.

Há coisas que não se podem fazer dentro dela sem que as paredes, o chão e o teto protestem. Por exemplo, piada naquela sede: ‘Conhece a última do jacaré?’ Contar piadas desse gênero, não pega lá dentro; morre entre os lambris e as pompas daquele local; ele foi feitio para uma outra coisa.

Agora, essa sede, com toda essa grandeza, foi feita não para nós ficarmos grandes, mas para nós amarmos a grandeza; o que é uma coisa completamente diferente, completamente diferente. É uma sede destinada como tal, porque é a sede de elevação do espírito, porque é a sede da coerência, porque é a sede de seriedade, porque é a sede da intransigência, ela foi feita também para despertar espírito combativo.

E, notem bem, os senhores não encontram, ali, uma arma a não ser, numa das portas da capela, a espada que pertenceu a um dos guardas de corpo do Rei Afonso XIII da Espanha e mais nada. Os senhores não encontram mais nenhuma arma e, entretanto, eu digo que aquela sede, bem vivida e bem entendida, deve despertar a combatividade.

Em que sentido? Nós hoje estamos habituados à idéia de que quando uma coisa é muito bonita deve ser gostosa. E nós entramos na coisa bonita já procurando detectar o gostoso dela. Não se trata disso. É uma coisa diferente, completamente diferente.

Não é porque a Sede é gostosa: porque na Sede não vai ter nada de gostoso, não tem nenhuma super-cadeira na sede, nem uma; qualquer casa burguesa tem cadeiras muito mais confortáveis do que tem a sede. Conforto há numa porção de lugares há mais conforto do que na sede, a questão é outra: é a grandeza.

A sede convida à grandeza. E a grandeza quando se encontra com aquilo que é hostil a ela, não com aquilo que é pequeno, mas com aquilo que é cafajeste, que é ordinário, que é revolucionário, a grandeza empina. Não vai. Isto faz o espírito contra-revolucionário, faz o espírito combativo. Não sei se eu fui claro.

Então, aquela sede é uma sede que forma o homem combativo.

Bem, eu continuo o meu “inquérito”.

(Em vista disso que o senhor está dizendo dessa Sede tanto quanto ela é, o senhor sugeriria uma atitude a tomar, alguma nova, um novo modo de ser nosso, por exemplo, mais silêncio em nossos convívios diários? Deveríamos tomar de agora, de hoje, uma nova atitude de alma?)

Eu estou fazendo a conversa para nós sentirmos melhor a Sede e para a Sede ir nos inspirando melhor atitude de alma. Em vez de eu fazer uma espécie de regulamento para atitude de alma, eu gostaria que aquilo entrasse de modo vivo em nós e, daí, decorressem atitudes e modos de ser correlatos. O que me parece menos eficaz, a breve prazo, mas mais vivo e mais profundo.

(Aparte inaudível)

E, depois, eu gosto muito dessa tese: que eu acho que a verdadeira igreja não tem jeito de igreja porque nela tenha imagens. É coisa mais mocoronga a meu ver, é achar que uma sala ficou sacral porque se pôs um crucifixo nela.

(Por exemplo, a Sainte Chapelle, que está sem nenhuma imagem.)

É o foco da sacralidade! É “A” igreja, não é. É o único lugar do mundo onde eu cheguei e fiz “Ahhh!” em minha vida; com toda minha calma, com toda a minha tranquilidade; enfim, com todo o meu modo de ser, que os senhores conhecem, eu entrei no andar debaixo da Saint Chapelle que é o menos bonito e fiz “Ah!!!!”. Quando cheguei em cima não tinha o que dizer. Supera tudo, não é?

Bem. Mas então eu quisera que houvesse ma impregnação, e que por via de impregnação isso fosse...

 Agora quem sabe que eu diga um pouquinho do [aspecto] racional da Sede? Como é que preferem: que eu exponha ou que eu vá fazendo à maneira de diálogo, de conversa? Sejam inteiramente francos. Como é que preferem: conversa, diálogo ou exposição? Sejam inteiramente francos.

(Aparte: o problema do diálogo é que desvia demasiado do tema)

Dr. Camargo está aprovando... (risos) Até parou de se abanar... (risos)

(Dr. Camargo: Isto é uma brisa...) (risos)

Outros podem achar de modo diferente. A gente improvisa muito mais tratando assim com as pessoas... Como é que preferem? Diálogo ou a exposição? Vamos ver quais são os partidários da exposição, levantem o braço, eu quero ver. O-lá-lá-lá-lá! Então vamos à exposição.

Para compreenderem bem a coisa, os senhores precisam tomar em consideração antes de tudo o seguinte: que se trata de una casa feita. E que, como tal, nem tudo na casa poderia ser como nós queríamos e que há, portanto, uma coisa na casa que não corresponde à verdadeira ordem lógica: é a localização da Capela.

A Capela deve estar no lugar de honra da casa, e nós não tivemos remédio senão colocá-la onde estava a copa e a cozinha. Porque se não a Sede ficaria mais ou menos imprestável. Em compensação, também foi dado a ela um esplendor que não sei se os senhores sentem bem, mas é muito maior do que o esplendor do quarto análogo, na Rua Pará.

Mas os senhores façam abstração da Capela no momento, e eu vou indicar o mecanismo da Sede no andar térreo.

A Sede corresponde a um tipo de construção onde não havia esta peça ignóbil chamada hall; o hall – não como o inglês o concebe, mas como o hollywoodiano o concebe – é um lugar onde entra uma pessoa sem distância psíquica, e tem, ali, umas primeiras emoções desordenadas: aquieta-se da rua e prepara-se para sentar numa poltrona, ou para rolar para o living...

Não tem nada disso, ali. Ali, é uma sala como há, por exemplo nos palácios italianos, como há nos palácios franceses e alemães: é um vestíbulo. Quer dizer, é uma sala de honra, que não é feita para a gente sentar, não é feita para a gente parar, mas é uma primeira sala que a gente atravessa para preparar o espírito de quem entra. É o primeiro contato, de quem entra, com o resto da casa.

(Uma outra coisa que me pareceu estranha é que nesta sala do estandarte não ter cadeiras para sentar. As duas cadeiras que estão ali são para serem mostradas mais do que para serem sentadas).

Exatamente, cada cadeira quase que diz o seguinte: “Não sente”... Porque aquelas cadeiras quase dizem isso: “Não sente”... Ao lado do vaso, também; aquela em frente, embaixo do quadro de Maria Antonieta. São três tronetos tão espetados que dizem: “Não sente, eu estou aqui para enfeite, não me faça violência de sentar”. É o que diz aquela cadeira.

E aquilo o quê é que é? É uma sala vasta que tem o Estandarte, tem o quadro de Luiz XVI e Maria Antonieta e tem muita pompa. E é como para preparar o espírito de quem entra.

O chão com aquele leão com a corrente dos escravos de Nossa Senhora que os senhores devem ter notado no parquê circundando o Leão, e é feito para que a gente entre e faça uma reverência diante do Estandarte; o Estandarte que simboliza a casa, e simboliza o espírito da casa, que simboliza a instituição que tem na casa o seu local. Quer dizer: “Faça uma reverência à verdadeira dona da casa e à mentalidade da TFP, o espírito dos escravos de Maria”.

Ali está o Leão parado, hierático, no chão e no Estandarte como quem diz assim: “In eternum... Aconteça o que acontecer, eu estou nesta posição; salvo algo andar fora da ordem, eu não me movo”. É aquela posição.

Quer dizer, isto é verdadeiro vestíbulo, chamado Sala dos Alardos, porque ali se realizarão muito adequadamente as cerimônias do alardo.

Agora, os senhores encontram, logo em seguida a sala de estar, que é a Sala dos Reis Magos. É o normal que, depois, haja uma sala onde a gente possa sentar, porque uma casa não é um museu, é uma casa viva, e, ali, há um lugar onde a gente possa sentar, a gente possa conversar.

Bem, mais para o fundo, está o salão nobre: é a Sala da Tradição. E o verdadeiro espírito é esse, é a pessoa chegar ao salão nobre através de uma sequência de salões que vão preparando esse espírito: ‘Puxa! Tem esse salão; agora mais outro?’ No fundo, está a sala mais nobre, como que por degraus ir elevando o espírito para aquilo que fica no fundo como um verdadeiro sacrário.

A Sala da Tradição é inteiramente à parte de todo o resto. E por mais categoria que tenham as salas anteriores ela não tem ponto comum com mais nada. Separada por vidro, forrada de seda. E, depois, uma coisa muito própria: ela não serve de passagem. Uma sala de alta categoria não serve de passagem, é o ponto final. E quem entra encontra logo, dá com os olhos logo num nicho e a imagem majestosa de Nossa Senhora Rainha, dominando círculos concêntricos que representam o universo. Está acabado.

Nós precisamos apenas arranjar uma coroazinha bonita para colocar no alto daquela imagem – tem um furozinho na cabeça – porque ali precisa uma coroa. Eu nem era partidário da coroa, na Rua Pará, mas aqui precisa coroa indiscutivelmente. Quer dizer, de majestade em majestade a gente chega não à Capela, mas ao nicho onde está a Rainha da casa.

Agora, é normal que a gente, entretanto, queira conversar na intimidade, quer dizer, tem um assunto para particular para tratar entre dois ou três. E a casa seria defeituosa se a gente tivesse que tomar elevador ou subir uma escada de trinta degraus para ir lá para cima para tratar. Então, tem aquela saletazinha logo à esquerda, junto à escadaria, que é uma saleta feita para uma direção espiritual, para acolher uma dor, uma tristeza, para suavizá-la; para uma confabulação, para o estabelecimento de um plano, para qualquer coisa assim. Aquela salinha é feita para isto, é feita num recanto.

E aquela salinha tem uma coisa curiosa, os senhores depois vão fazer experiência disto, quando entrarem lá e fecharem, os senhores estão isolados do mundo inteiro. A própria Sala da Tradição tem vidros, ela é permeável; a salinha não. Ela é fechada e o que ali se passa morre ali dentro, está acabado. Apenas um Crucifixo presencia para abençoar, ajudar e julgar o que ali dentro se passa, mais nada. Os senhores vêem que, ali, o Crucifixo é cheio de simbolismo e de beleza.

Os senhores vêem então que a coisa é toda ela bem raciocinada: um vestíbulo nobre, uma sala de estar, um salão nobre para as grandes ocasiões e uma sala de estrita intimidade.

Eu lhes pergunto: se a gente tirasse uma dessas salas não ficava um aleijão, o andar térreo? Aqui está a movimentação.

Infelizmente é preciso ir para o fundo e encontrar a Capela lá. Por quê? Porque se nós fôssemos fazer Capela... eu compreendo que um mocorongo, um “heresia branca” me diria: “Doutor Plínio, não era melhor então fazer a Capela onde está a Sala da Tradição? A Capela não é a principal sala do prédio? O senhor não acabou pondo, traído por seu entusiasmo pelas coisas francesas, o senhor não acabou pondo a sala francesa num lugar, mais bonito do que a sala onde se vai celebrar a missa? O senhor terá piedade eucarística?  O senhor terá fé?”...

Um “beato” assim pensaria exatamente isto.

Eu digo: Não, não e não!  A gente não faz um aleijão para pôr, ali dentro, uma Capela. Não é próprio da Capela aleijar nada. E, como aquela casa não pode ser um aleijão, é preciso que ela funcione com o que lhe é próprio; e que, com toda nobreza, se prepare uma transição para uma linda Capela que não fica, em nada, abaixo das outras salas.

(A capela daquele palácio que o senhor visitou em Florençanão ficava, ali, na entrada do palácio, havia uma certa categoria em resguardar a capela de maneira de ela ser mais íntima)

Mais íntima, mais isolada e mais recolhida.

Algum dos senhores me poderá dizer: ‘mas Dr. Plínio, o salão nobre não contém móveis muito mais bonitos do que a Capela?’

Para qualquer entendedor, os móveis mais bonitos da Sede são as estalas; se nós fôssemos ver, propor vender num antiquário, os móveis que alcançariam mais preço em antiquário são as estalas da Capela; elas são propriamente lindíssimas, elas são autênticas, elas datam de séculos, elas são peças verdadeiramente de museu, mas verdadeiras peças de museu. De maneira que estas estão na Capela.

O nosso altar é um altar – eu não sou muito daqueles anjinhos, eu não concebo um anjo como criança que faz algazarra – mas aquele altar, como peça, é um altar estupendo! Quando nós mandamos consertar, uma senhora das mais ricas de São Paulo viu, no carpinteiro, e quis comprar, freneticamente; nós não quisemos vender porque não era a nossa intenção, mas quis, freneticamente comprar. Ela perdeu a cabeça com o altar.

De outro lado, o chão é um chão muito bonito. Não é espetacular, como o parquê das outras peças, porque diminuiria a austeridade, a linda carranca cavalheiresca das estalas, mas é um chão de Ipê e todo sintecado, de tábuas de toras grandes vindas do Paraná. “Imejorable” o Paraná... madeira muito boa, de onde vêm as melhores madeiras do Brasil! Do Paraná e do Pará; muito bem cuidada – é o único tipo de assoalho que iria ali.

E nós compramos para pôr ali um tapete persa novo que é um verdadeiro deslumbramento; aquele tapete é uma beleza. De maneira que a Capela está com toda a austeridade que era desejada.

A Capela da Rua Pará era o que melhor se poderia fazer naquelas condições e era uma capela muito digna, bonita, etc., mas ela tinha, um pouco, um ar de quarto de senhora; tanto tapete, tanto... não havia outro jeito, porque era um chão horroroso, nós não tínhamos dinheiro para fazer um outro chão bonito como os outros dali. Nem podíamos, numa casa que não é nossa, estarmos gastando esse dinheirão; seria uma estupidez deixar isso para o proprietário. Mas o chão da capela atual tem outra categoria.

Agora, análise um pouco, voltando à sala... isto é a consideração geral do andar térreo.

Agora vamos voltar um pouquinho à sala de estar.

O perigo de toda sala de estar é virar uma “compoteira”, porque estar, hoje em dia, é escarrapachar-se, é cochilar, é dizer coisinhas, é perder a categoria. Então, os organizadores da Sede, quiseram que houvesse ali, algo que possantemente convocasse à seriedade, mas possantemente. De maneira que a pessoa se sentisse intimidada ali dentro para tomar certas atitudes: muito à vontade se quisesse ser correto, perfeitamente mal à vontade se quisesse ser incorreto.

E, para isto, vem aquela estante. Aquela estante tem toda atitude de uma pessoa que está olhando, assim, com cabeça alta, de cima para baixo e como quem diz: ‘Como são as suas maneiras?’ A psicologia daquela estante é aquilo, foi calculada para isso. Os senhores tomam aquele triângulo em cima, com aquele potischi dentro, bem alto vira o centro da sala. Qualquer pessoa que entra, olha para aquela estante, qualquer pessoa que está sentada ali tem que olhar para aquela estante; não tem conversa, tem que olhar para aquela estante.

E aquela estante tem uma categoria tal que a pessoa, ou se senta bem e conversa direito, ou não está à vontade lá; indica um estilo de estar, está-se daquele jeito. Indica um estilo de descansar, porque bicho descansa largando o corpo; gente descansa daquele jeito. Depois, aquilo repousa, aquilo repousa verdadeiramente.

Na estante, os senhores encontram encadernações maravilhosas, inclusive daquela [edição da] “Histoire genéalogique de la Maison de France”, que pertence a Dom Pedro Henrique; mais ou menos cedido à TFP, uma coisa ambígua. Não é, Dom Bertrand?

(Dom Bertrand: Foram vendidos)

Bem, mas que só existem duas coleções no mundo: aquela e a do Louvre, que é um dos maiores museus do mundo. “Tout court” [precisamente assim, n.d.c.], é aquela estante e o Louvre, acabou-se! O resto é conversa fiada...

(Eu tinha ouvido uma outra versão, que havia uma com a Rainha Elisabeth e outra no Vaticano...)

Isso é megalice errada, porque uma coisa que existe no Louvre não lucra nada existir com a Rainha Elisabeth e com o Vaticano. O Louvre é o fim da picada tanto quanto o Vaticano e mais do que a Rainha Elisabeth.

Ali os senhores encontram, no alto do lambri, ah... Os senhores tomem as cortinas. As cortinas têm as sanefas – sanefa é aquela tábua da qual descem as cortinas – sanefas grandes, monumentais, bem trabalhadas, sérias. Não é a sanefinha de que gostam esses tipos idiotas de hoje, toda enrolada em pano, e que não são sanefas. E, de lá, pendentes uns cortinados... que vêm descendo – a arte de descer, arte – vem descendo com pompa, lá daquele alto, em cascatas sucessivas de pano precioso que chegam no chão e langorosamente se deitam, com toda a segurança de si mesmos. Mais ou menos como um rio que chega ao estuário sem esforço, levando abundância de suas águas para o mar, como quem diz ao mar o seguinte: “Não lucro nada em me misturar com você”... Alta, de muita categoria.

O veludo que está nas paredes é cópia de um veludo inglês, aquele tipo de veludo chama-se, daquele desenho daquilo tudo, Halifax Medieval Selvagem. De fato, não é um veludinho de “boudoir” [pequeno salão que havia para as senhoras se arranjarem nos castelos, n.d.c.], não. É um veludo grosso e meio áspero, no qual estão impressos uns desenhos muito simétricos, muitos ordenados que aumentam a sensação de ordenação geral. Os senhores vão ter ali, à direita de quem entra, junto à estante, um terno de couro, de um couro estupendo, argentino. Depois, os senhores vão ter, de um lado e de outro da porta da Sala da Tradição, duas “bergères” de couro também.

(O senhor poderia explicar o que é terno e “bergère”?)

Terno é um conjunto de móveis formado por um sofá e duas poltronas. A “bergère” é um tipo de poltrona que é bem alta e tem aquela espécie de orelhas de lado. O tipo é Victoria in Chesterfield. Tudo é inglês ali. A coisa é grossa...

E como os senhores devem ter notado, o parquê muito bonito e com vários pequenos tapetes persas, é um arquipélago de tapetes persas de qualidade. Quadros e está pronto o negócio.

Para aumentar a impressão que a gente deseja, a luz que entra lá é uma luz tamisada; não é diretamente a luz do dia; passa pelo terraço, entra por uma alta porta e uma alta janela passando pelos reflexos de cortinas. É uma luz, portanto, meio de penumbra, meio recolhida, que é próprio de toda casa de categoria. Casinha cafajestinha está aberta o dia inteiro, e aquela luz entra, a luz do pé rapado que está arrastando a perna pela rua. A casa de categoria tem uma luminosidade própria que se distingue, que indica que ela é outra coisa. Uma luminosidade que convida à calma, a idéias mais elevadas etc., etc.

Na Sala da Tradição os senhores têm aquele damasco dourado. O quadro que tem lá é de um pintor autêntico espanhol; muito bom pintor de costumes: Salinas. A gravura, os senhores sabem muito bem que é de um dos melhores gravadores que há, do século XVIII, do século XVII, que é [do pintor francês e de origem flamenga do séc. XVII Adam Frans] van der Meulen. Quer dizer, o que está lá é de primeiríssima categoria.

O lustre é um lustre [que Dr. Luizinho herdou de um tio]. O tapete é um tapete persa lindo, que ele herdou desse tio também, mas é um lindo tapete persa cuja cor escura, azulado, se combina esplendidamente com o dourado festivo do damasco. É um salão nobre no sentido próprio da palavra nobre.

(Aquele quadro muito grande que estava na sala da mesa na Rua Pará, continuará na Sala da Tradição atualmente?)

Ah, vai continuar. É o que é o van der Meulen. É um grande gravador. É um quadro do Dr. Luizinho aquele, e é estupendo. Vale a pena prestar a atenção no contraste agradável que forma, sobre o fundo dourado, o claro da paisagem do van der Meulen; fica mais risonha ainda.

Depois aquele vaso azul, que é também de Dr. Luizinho, que está lá, que é porcelana do século XVIII; porcelana de Macau chinesa do século XVIII, famosa sobretudo por causa da cor daquele azul, e que representa cenas dos lazeres da aristocracia chinesa, quatro passatempos da aristocracia chinesa. Vale a pena, como documento histórico, a gente ver como um nobre chinês enchia o seu tempo no século XVIII, no tempo de Luiz XV e Luiz XVI. É muito interessante, é um documento histórico.

Aqui os senhores têm então o nosso andar térreo. Meus caros, está bem claro isso ou querem me perguntar alguma coisa?

(O senhor poderia dar os critérios de análise da coisa, como analisar a coisa, ver aquilo?)

Quer dizer o critério. Eu agora dou o critério considerado em abstrato.

A gente deve considerar: uma coisa é a análise do andar, outra coisa é a análise de cada sala. A gente deve considerar se as várias salas de cada andar têm uma missão definida e se forma um conjunto para aquilo ser adequadamente habitado, se atende todas as necessidades para ser adequadamente habitado. Depois, nasce o critério de análise de cada sala: se cada sala é adequada ao fim a que foi destinado. Então, a pergunta não é uma pergunta apenas funcional, mas é se ela tem a fisionomia, o que o francês chama o “physique du rôle”, o físico do papel; se ela tem a fisionomia com o que a coisa que se faz na sala deve ser feito.

A Sala dos Alardos é uma sala que marca bem o espírito de quem entra? Uma vez que é uma entrada? A Sala dos Reis Magos [Sala São Luís Maria Grignion de Montfort ou sala da biblioteca, n.d.c.] indica bem o espírito de quem está na vida cotidiana? A Sala da Tradição indica bem o espírito de quem está num ato solene da vida? A pequena sala ao lado que ainda não tem nome, a [Sala do Crucifixo], digamos, indica bem a intimidade deste tipo de contato humano que é a confidência?

(Aí, também, a cor da parede)

Tudo então é calculado em função disso. É preciso ver se tudo o que está dentro, os tecidos, o assoalho, o lustre, os móveis; os quadros, portanto, também, concorrem para marcar esse espírito. Aqui está o critério da análise.

Entendam bem o que eu vou dizer. Eu digo o seguinte: que se a Rainha Elizabeth visitasse a Sede – eu não vou dizer que aquilo esteja à altura de um palácio de rainha; de nenhum modo, mas de nenhum modo. Aquilo está há vários anos luz de um palácio de rainha. Mas a questão é que a Rainha, quando sai de seu palácio, não pode esperar encontrar um outro palácio de rainha, ela vai encontrar casas de súbditos – eu, ali, me sentiria à vontade para recebê-la. E na Sala da Tradição, eu só faria uma coisa, quando muito, eu mandava por flores no vaso, mais nada. Mais nada, limpar com cuidado e mandar por flores. Naturalmente, os senhores estão vendo que flores escolhidas pelo Dr. Eduardo e arranjadas por Dr. Eduardo. Quer dizer, o que a botânica apresenta de melhor. Só, mais nada. O resto, eu a receberia com toda a naturalidade.

Está tarde, mas vamos acabar com o andar de cima.

Eu faço notar aos senhores duas coisas. O gosto e o esmero com que estão preparados, naquele andar de baixo ainda, as duas passagenzinhas. Em primeiro lugar a pequena passagem da Sala dos Alardos para Sala das Confidenciais [Sala da Santa Cruz, n.d.c.]. Da Sala dos Alardos para a Sala das Confidenciais, há uma pequena passagem com lambri, parquê com desenho próprio – que não é o desenho da Sala dos Alardos; não é a madeira lisa da Sala das Confidencias – e um lampadário.

Porque essas passagens devem ser muito bem cuidadas. Elas devem existir numa casa, porque dão tempo para a pessoa deixar um estado de espírito e imergir no outro. Elas têm uma razão de ser – essa arquitetura funcional, moderna, portanto, idiota, ilumina essas passagens – elas têm toda a razão de ser e devem ser muito cuidadas.

Outra coisa que é muito cuidada é a passagem da Sala dos Alardos para a Capela. Toda ela sintecada, com parquê próprio, com lampadário muito bonito; uma porta muito bonita da Capela toda ela bem “soignée” [cuidada].

Depois vem a escada. Não estranhem o corrimão de escada: é, pura e simplesmente, muito feio. É o que estava na casa, vulgar, e nós não pusemos outro porquê não tínhamos dinheiro. “Tout court”!

A escada é toda acarpetada, o chão sintecado. A caixa da escada é bonita porque é alta. O movimento da escada não tem grande beleza, infelizmente. A escada mais bonita do mundo – os senhores devem procurar nos dicionários – é a escada chamada “fer à cheval”, ferradura, do castelo de Fontainebleau. Aquilo é escada. Aquilo é a escada.

À medida que se sobe, vai-se passando do lambri para o mundo maravilhoso, diverso e surpreendente do papel de parede, e a agente chega, em cima, em plena cavalaria medieval.

No alto da escada, o lindíssimo Crucifixo de Dr. Paulo. É uma impressão religiosa, sacral, que acolhe quem está no alto da escada.

Logo depois, temos a Sala do Reino de Maria, tantas vezes comentada entre nós que não vale a pena perder tempo em comentar ainda mais. Nós temos, à direita, um corredor largo como galeria, solene, com os antigos lustres da Sala da Tradição; bonito e de uma categoria extraordinária, e com portas muito bonitas.

Que madeira é aquela, Dr. Caio?

(Dr. Caio:  Cerejeira)

Portas de cerejeira muito bonitas e trabalhadas, altas e iguais; com os lustres também. A coisa é bonita de uma galeria, dá idéia de um desfile, uma coisa que lá vai como se cada lustre e respectiva porta fosse uma sentinela a prestar honras a quem passa. A gente, andando, vai passando pelas portas, pelos lustres. E a gente tem a impressão da vida de um homem que vai passando pelas etapas e pelas peripécias. Mas tudo aquilo sereno, calma. Oxalá nossa vida fosse... Não iria para o Céu; seria cômoda se fosse assim...

À esquerda de quem entra, existe a sala que vai ser o “QG”, provavelmente, do senhor [Plinio] Solimeo, se pelas necessidades funcionais não exigirem que ele fique na sala de expediente. É uma coisa ainda para ser estudada.

Nessa sala, os senhores estão vendo todos os nossos moveis coloniais. É a sala que representa a Tradição brasileira. A linda mesa de conferências, pertencente a Dr. Paulo e uma cadeira colonial que estava na sala do Dr. Luizinho, na Rua Martim Francisco.

Os senhores encontram, nessa sala também, o oratório de São José, que estava na Rua Pará, no alto da escada. E os senhores encontram aquelas duas estalas, análogas às da Capela, que estavam no corredor da Rua Pará.

A minha sala é a repetição exata da sala da Martim Francisco, apenas com acréscimo de uma cadeira muito bonita que estava no “palhacinho”, e de um tapete igualmente muito bonito que estava o “palhacinho” [apartamento que fora de Dr. Luiz Nazareno, na Rua Jaguaribe].

(Aparte inaudível)

São presentes de Dr. Haddad. São muito bonitos!

(aparte)

Mais adiante, os senhores têm a Sala de Reuniões.

(...) Alguém poderá objetar: “Mas eu não sei chegar ao metafísico”.

Se os srs. tentarem seriamente, nós faremos algumas reuniões esplêndidas aqui. Porque nada é mais grato de conversar do que introduzir nas concepções metafísicas as almas desejosas de as possuir.

Os srs. teriam mil fatos concretos para perguntar e que a gente poderá responder.

Os srs. me dirão: “Mas Dr. Plinio, não é só isto. É que eu tenho muita coisa em que pensar! E por isso não tenho tempo de pensar nessas coisas...”

Eu digo: Meu caro, pense nessas que dará tempo para pensar nas outras...” O problema da maior parte dos que estamos aqui não é a falta de tempo de pensar. É a falta de pensar no tempo que temos...

Eu quase que faria uma votação “saint-simoniana” [muitíssimo amável]: quem pensasse isso dos outros, levantasse os braços. Eu acho que seria uma votação acabrunhadora...

Bem, por fim, eu digo aos srs.: nada é mais agradável do que viver nesse diapasão! Tudo por onde a gente passa é interessante. Tudo oferece um lado pelo qual a gente considera algo de agradável e se deleita e se interessa, ou porque execra, ou porque admira. Mas tudo nos atrai. E a nossa vida toma outra dimensão. É como se nascesse no espírito do indivíduo um outro sentido. Não é de nenhum modo um outro sentido. Mas seria um como quê sexto sentido que nos introduzisse no mundo do maravilhoso.

Eu me lembro que uma vez, numa cidadezinha do interior que eu só não chamo de prosaica porque ela tem algo de tradicional, e onde há tradição, o prosaico não venceu de todo, é a cidade de Amparo (próxima de Jundiaí-SP). Eu fui fazer um passeio a pé com três ou quatro que estavam na Fazendo Morro Alto – lembro-me que um deles era o Sr. Marcelo Pereira de Almeida -, deveria haver alguns outros lá, e eu fui mostrando a eles como se podia ver nessa gama uma cidade tradicional. As menores coisinhas aparecem. Por exemplo, em Amparo tem um sistema das portas, algumas portas antigas em Amparo são feitas de traves de madeira, mas o artista em vez de colocar as traves em sentido horizontal ao chão, colocou-as oblíquas de maneira a se encontrarem assim... Os srs. imaginem numa venda [pequeno mercado] “délabrée” [esmolambada] de Amparo, que portas bonitas que tem!... A tal ponto que já me passou pela cabeça de comprar as portas da venda. A questão é que não tenho onde pôr essas portas. Mas de tal maneira são portas bonitas! Para a gente parar e relaciona essas portas com estilo Império Francês, que é com o quê elas têm relação. E aí a gente pensa um pouquinho nos fatos da Europa do tempo de Metternich [sec. XVIII e meados do sec. XIX], e não nos de Napoleão...

Tem o que pensar! Como essa gota de supremo bom gosto foi parar na América do Sul colonial daquele tempo, no Brasil daquele tempo, na cidade de Amparo daquele tempo? Como é... há uma expressão francesa: “où la vertu a été... onde a virtude foi germinar”. A gente também [se pergunta]: aonde foi germinar o bom gosto numa cidadezinha do interior... É bonito esse encontro do bom gosto dentro das cinzas apagadas do interior, é um encontro deleitável.

Eu nunca vou a Amparo sem olhar essas portas! Mas por quê? Porque por detrás há uma coisa de moral. Por detrás do moral há o metafísico. Por detrás do metafísico existe uma consideração de ordem religiosa.

Serve-nos sobremaneira a meditar sobre a Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Aliás, me passou pela ideia de, uma noite – é questão de os srs. me lembrarem – fazer uma meditação de Santo Inácio [de Loiola] com toda recomposição de lugar etc., etc. para mostrar como ele usa essas coisas, como Santo Inácio usa isso do máximo dos máximos. E que valor tem a verdadeira meditação católica para os meus amigos da TFP serem entes sumamente meditativos neste sentido, para eles abrirem as portas dessa super vida e depois as portas da vida eterna.

Nota: Sugerimos calorosamente para se ter uma ideia mais completa da Sede do Conselho Nacional da TFP como foi feita e decorada diretamente por Dr. Plinio, que se veja "Ambientes, mentalidades, universos", onde há também um vídeo pormenorizado desta Sede em questão.


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