Plinio Corrêa de Oliveira

 

O que vale mais:

a doutrina ensinada por Nosso Senhor ou

os milagres que Ele fez?

 

 

 

 

 

Sede do Reino de Maria, Reunião de Sábado, 13 de abril de 1968

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

(...) O pensamento é que a tristeza com a queda dos Apóstolos foi uma tristeza tão grande, que só o próprio Filho de Deus Humanado tinha os meios de ponderar convenientemente essa tristeza.

Aí os Srs. veem uma coisa que é o revés do que imagina o povo. As pessoas comuns imaginam o seguinte: que as grandes dores, por se basearem em razões muito evidentes, são compreensíveis por qualquer um. Mas que, pelo contrário, as pequenas dores e as pequenas provações, essas, por consistirem em algo de mais sutil e de mais imponderável, não podem ser avaliadas por qualquer um.

É não conhecer o espírito humano. O espírito humano é altamente perspicaz para bagatelas. E é profundamente cego para as coisas importantes. De maneira que a dorzinha pequenininha, a dorzinha banal, o homenzinho pequenininho, terra-a-terra e de espírito banal, compreende.

Mas medir até o fundo uma dor profunda, medir até as suas últimas consequências as razões de um grande sofrimento, isso é para os espíritos superiores. É por causa disso que no teatro trágico sempre se considerou o triunfona literatura trágicado literato, o ele ter sabido pôr em relevo o fundo das razões das grandes dores.

Quer dizer, aqui, sem entrar nessa cogitação, o segundo sentido da coisa é esse. E é um segundo sentido muito verdadeiro. Quer dizer, tal foi a desgraça desse fato, de que o Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós; que repudiado pela sua nação, Ele tomou uma minoria; que nessa minoria Ele escolheu uma minoria, que era apenas de doze pessoas, a quem Ele deu Seu Coração, a quem Ele deu Sua doutrina.

Em benefício de quem, de preferência a todos os outros, Ele fez os Seus milagres. A quem Ele deu ainda, na manhã da Quinta-Feira Santa, o Seu Corpo e Sangue, sob as espécies eucarísticas.

Que esses O tenham abandonado... E que o fracasso terreno de Sua obra tenha sido tão monumental e tão estrondoso que aqueles que eram d’Ele mais proximamente, esses O abandonaram...

Então a gente compreende o caráter pungente daquela afirmação de São João: que “veio para os Seus e os Seus não O receberam...” Ele veio e entre os que eram mais Seus, esses, em momento dado, não O receberam.

Não O receberam na hora mais sublime!

Não O receberam na hora mais dolorida!

Não O receberam na hora em que mais deveria ter sido recebido!

Não O receberam quando Ele mais implorou que fosse recebido!

Os Srs. ontem ouviram o coro cantar “Una hora non potuisti vigilarem mecum?Vós não pudestes estar vigilantes comigo, uma hora sequer? Não é verdade?

Então, isso é uma coisa tão trágica, é uma coisa tão triste, as razões de caráter histórico, de caráter universal, que se reportam à própria dignidade de Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto Homem-Deus, ao que há de mais profundo em Sua missão; essas razões são tão elevadas para explicar a tristeza disso, que só o Homem-Deus pôde devidamente medir essa tristeza.

Para um homúnculo ou para uma mulherica, isso se esgota em razões sentimentais: ele estava precisando de um amparo moral e Ele não teve quem lhe desse esse amparo... É claro que a realidade é essa! É claro que o fato é esse! Mas era preciso ver o seguinte: quem é esse Ele que estava precisando de um amparo moral? É o próprio Deus, que é a força de tudo quanto é forte, que quis - por amor de nós - colocar-se nessa situação de precisar de um amparo moral nosso!

E nós, que devemos tudo a Ele, e os Apóstolos que superlativamente deviam tudo a Ele, eles negaram! Aqui está a tragédia da coisa! Medir isso, só uma inteligência como a de Nosso Senhor Jesus Cristo – a mais perfeita de todas as inteligências criadas, iluminada pela torrente de graça que vinha da união hipostática com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade – podia medir isso convenientemente.

Os Srs. estão vendo aí como a nossa Fé nos pede profundeza de reflexão. Pede que nós sejamos homens de pensamento. Pede que nós sejamos homens de profundidade. Capazes de e desejosos de – e sumamente desejosos – de subir ao mais alto das mais altas razões. Descer ao mais fundo das mais profundas investigações.

* O interesse pela microlice, pela bagatela... por nós mesmos!

E exatamente o que eu encontro da parte nossa é uma aversão a isso, uma microlice, uma pequenez de espírito por onde tudo quanto é bagatelinha nos interessa. E por onde as coisas verdadeiramente grandes, delas nós fugimos. Nós temos horror dos grandes céus, dos grandes firmamentos! E para nós, nós temos vontade de ver aquilo que divisaria os horizontes, que divisaria um inseto preso numa caixa de fósforos. Isso nos apetece.

É a caixa de fósforos de nossa pequenez, de nossa trivialidade. Isso nós queremos ver.

Nós... nossas pessoas... nossas coisinhas... nossa megalice... nossa preocupação... nós... nós e nós... E é porque nós só nos interessamos por nós, que nós ficamos com essa forma miserável de miopia, que nós não somos capazes de nos interessar pelas coisas mais altas.

Os Srs. veem na Morte de Nosso Senhor na Cruz, um convite para altíssimas meditações, para profundíssimas consequências.

Os Srs. entram numa igreja: está todo mundo recolhido, está o coro cantando, está o Crucifixo ostentado e o povo vai fazendo a adoração da Cruz.

Quantas são as almas ali, que se aproximam sedentas dessa alta visão? Nada! Tudo se cifra num sentimentalismo. Nosso Senhor tem que receber, depois do beijo de Judas, o beijo dessa superficialidade, esse ósculo melado e frio de um sentimentalismo que não esgota o fundo das coisas. E que fica apenas numa compaixão fácil e superficial.

Os Srs. veem como isso é errado, como isso é vulgar. E, entretanto, como isso é frequente.

Sirva isso de consideração para que nós saibamos bem como nós nos devemos pôr diante do Crucifixo, como nós devemos preparar a nossa alma para ser parecida com a alma de Maria Santíssima, quando nós estamos diante do Crucifixo; uma alma profunda, da qual o Evangelho diz que Ela guardava todas essas coisas e as conferia em Seu coração”, meditava no Seu coração.

No trato de Nosso Senhor... é próprio da grandeza, da generosidade d’Ele, estar fazendo favores contínuos. A presença d’Ele era um favor. Cada palavra que Ele dizia era um favor. Cada olhar que Ele dava era um favor. Cada gesto era um favor. Ele não podia estar presente entre Seus Apóstolos sem estar, por assim dizer, irradiando favores a todo o momento e de todos os modos.

E, naturalmente, diante daquela ingratidão, Ele se lembrava desses favores. Mas que favores eram? Não era um favor de qualquer um que dá uma manta qualquer para um outro. Mas Ele tinha dado coisas eternas. Favores que eram frutos de vida eterna. E eram garantias de vida eterna. Ele tinha dado uma participação com Deus. E, entretanto!...

Além dos favores, fala aqui da doutrina que Ele deu.

Quão pouca gente compreende que a doutrina é um favor! Se a gente chegasse para muitas pessoas e lhes desse um remédio para fazer passar a dor, quando estivessem com uma dor física, elas ficariam mais gratas do que com uma doutrina que se lhes dá. Entretanto, a doutrina vale muito mais do que qualquer carícia. A doutrina vale muito mais do que qualquer remédio. A doutrina vale muito mais do que qualquer milagre. Porque é depois de nós termos conhecido a doutrina, que nós somos capazes de amar. E a doutrina é a luz que torna possível o amor. Portanto, o dom da doutrina é um dom incomparável!

Quanta frieza – ao receber a doutrina – dos Apóstolos! Quanta coisa Ele tinha ensinado! Na hora do aperto, zero! Não vale nada!

Bem, depois acrescenta:

“...os avisos e admoestações”.

São Pedro, por exemplo. Ele admoestou contra a megalice: “Antes que o galo cante três vezes, tu me trairás”. - “Não, não vai acontecer”...

Como é que ele se atrevia a dizer “não” a Nosso Senhor? Como é que ele se atrevia a duvidar dAquele que ele sabia que era Deus? Que ele tinha proclamado como sendo Deus? Entretanto, a megalice tinha chegado a esse ponto!

Agora, por que era essa indiferença? A própria Paixão nos exprime bem isso. É porque eles se amavam muito a si mesmos. Na hora em que as pessoas deles estiveram em risco – mas não é o risco de morrer; é o risco de passar uma noite cacete, é o risco de aturar o convívio com um amigo que estava sofrendonessa ocasião eles tiveram sono.

“Esse homem está “pau”! Não está me divertindo como me divertia. É até pela primeira vez, é que Ele está precisando de mim. Eu estava habituado a viver pendurado n’Ele. Quando eu precisava d’Ele, tinha muito boa vontade de estar com Ele. Agora eis que dá n’Ele essa ideia extravagante de precisar de mim... Ora essa, não! Eu estava habituado a sacar n’Ele como num Banco.

Quer doutrina, dá!

Quer favor, dá!

Quer milagre, dá!

Quer paciência, dá!

Agora esse homem inverte a ordem das coisas. E é Ele que se lembra de pedir algo de mim? Ohhh, isso não! Eu vou dormir... Positivamente, esta noite está cacete!”

Ele vai e acorda. E o pessoal cai no sono... E Ele diz:

- “Vós não pudestes vigiar uma hora comigo?” Ahhh?!

Sono pesado! É o sono do egoísmo. É o sono da preocupação com si mesmos.

Os Srs. podem imaginar como eram os microlôs, os Apóstolos antes disso? Quanto eles tinham preocupação consigo mesmos? As sandálias deles, as túnicas deles...

* Tenho a impressão que São Pedro tinha uma tentação medonha de voltar a ser pescador em Genesaré

Eu tenho impressão de que São Pedro tinha uma tentação medonha de voltar a ser pescador em Genesaré! Eu tenho a impressão que os outros Apóstolos tinham uma admiração pelos trabalhadores manuais, colegas deles, que era uma coisa tremenda!

Eu tenho impressão que todos eles não se consolavam de não ser uns plebeuzinhos vulgares da Judéia, e de terem sido arrastados por Nosso Senhor Jesus Cristo, ao longo do Seu caminho.

Tudo isso aflorou nessa noite, em que pela primeira vez Nosso Senhor precisou deles. Chegou a hora de Nosso Senhor precisar, aconteceu o que aconteceu!

Os Srs. estão vendo bem o que é a miséria humana. Mas quais são as raízes da miséria humana? Essas raízes são a preocupação consigo mesmo.

Quando nós temos muita preocupação conosco, quando o grosso do nosso dia se passa em pensar em nós; quando a todo o momento nós temos vontade de sobressair; a todo o momento temos vontade de agradar-nos em algo, nós podemos estar certos, que quando Nossa Senhora precisar de nós, nós vamos ratear!

Porque não é possível uma pessoa ter um tão grande apego a si mesmo e na hora de dar, ela dá. Não dá nada! Ela se deseducou para o dar. Ela nem tem o amor necessário. Porque quem tem amor necessário, não é tão apegado a si mesmo, não tem perigo! Essa é a realidade.

E então Nosso Senhor está pensando na doutrina que foi negada. Deus é a própria Verdade. Negada a doutrina que foi dada, e que não despertou gratidão, negada a doutrina, foi negado Deus!

Ele está pensando nos favores que foram feitos. Mas Deus é a própria bondade. Negados esses favores, está negado Deus.

Ele estava pensando, naquela ocasião, nos avisos e admoestações, que como diretor espiritual infinitamente sábio Ele dava, e por cima do qual as pessoas passaram! Não se incomodaram! Não tiveram medo!

O que eu acho fantástico aí é o seguinte: (São João não esteve excluído disso) nessa noite, que foi a noite mais triste da História... eu creio que foi a noite mais triste ainda do que a noite primeira em que Nosso Senhor permaneceu no Seu Sepulcro. Nessa noite que foi a noite mais triste da História, São João prevaricou também.

Agora os Srs. vejam a bondade de Nosso Senhor. Ele que via a “poquice” de São João, Ele ainda chamava São João de discípulo eleito, e condescendia em fazer uma preferência dentro dessa charneca; condescendia em ter um bem-amado, no meio desses ingratalhões.

Esse bem-amado, depois, recebeu graças de Nossa Senhora e esteve ao pé da Cruz. Mas, depois de que vergonha! Depois de que miséria! Entretanto, esse tinha liberdade de colocar a cabeça sobre o peito d’Ele!...

E Ele sabia quão pouco valia aquela cabeça que Ele permitia que colocasse no Seu peito. Daí aquela queixa de Nosso Senhor no Evangelho, que antecedeu à Paixão, essa queixa. E Ele dizia aos discípulos: “Vossas cogitações não são as minhas cogitações. Nem os vossos caminhos são os meus caminhos”.

Eles ouviam isso à la microlô. – “Ah é, é? Que interessante... É. Olha, faça um milagre para eu ver, para ver se eu acredito. Me diga uma coisa bonita, porque eu estou cansado de andar”. Se Ele estava cansado, não tinha importância nenhuma! Mas eles queriam estar se distraindo...

Como tudo isso é terrível! Como a miséria da natureza humana aparece aí de um modo tremendo! Não é?

Bem, mas só Ele media isso convenientemente. Daí a tristeza dEle, a enorme tristeza d’Ele vinha precisamente desse ponto.

* Nossa Senhora, sozinha, descendo ao abismo de cada infidelidade e, ali, rematando a meditação por um cântico de fidelidade

Ele não só via a ingratidão de todos os Apóstolos, mas Ele via os perigos em que os Apóstolos caíam. E Ele via os perigos por causa das tentações de Lúcifer. E Ele via a indiferença dos Apóstolos perante esses perigos. É o próprio do tíbio: o tíbio não tem medo de sua perdição espiritual, ele facilita, ele incorre em ocasiões, ele brinca com a tentação, ele namora a tentação, ele vive de braços dados com pontinhas de tentação. Para ele, nada disso tem importância.

O que tem importância para ele é levar uma vida agradável. E Nosso Senhor via isso e via o precipício em que os Apóstolos iam afundar. Da mais negra negação que possa haver.

[...] Os Srs. podem imaginar que coisa magnífica os Anjos tiveram ocasião de contemplar nessa noite! Nossa Senhora em algum recinto, talvez no próprio edifício onde se realizou a Ceia, Nossa Senhora sozinha e no silêncio daquela noite, a Terra inteira pecando e Ela cantando! Interrompendo as Suas orações para fazer cânticos que não se conhecem, que só os Anjos conheceram e que nós conheceremos quando formos para o Céu. Cantando as Suas reparações. Ela, que compôs o Magnificat, tomando ponto por ponto, descendo ao abismo de cada infidelidade, e ali rematando a meditação por um cântico de fidelidade!

Que cena tocantíssima deveria ser essa! Essa cena Ela passou sozinha. Porque ninguém era digno de ver. Só os Anjos eram dignos de ver. Mas que magnífica maneira de nós meditarmos a Paixão! Nós nos associarmos a esses cantos da soledade de Nossa Senhora. Inteiramente só! E na noite do crime, o cântico da única virtude! Mas da maior virtude de toda terra elevando-se até o Céu! Ela sentia uma dor infinita, tanto quanto isso se pode dizer de uma criatura. Uma dor incomensurável, não é?

Mas essa dor não lhe tirava a têmpera. Ela estava lucidíssima! Inteiramente senhora de Si e Seus raciocínios continuavam de uma lógica perfeita, a Sua fé de uma força inquebrantável e Seu cântico de uma harmonia sem mancha nenhuma! Tal era o senhorio que Ela tinha sobre Si mesma e o domínio que tinha sobre si mesma. Isso é sofrer! Isso, sim!

Às vezes se costuma dizer que o auge do sofrimento é desmaiar de dor. Ou então, morrer de dor. Não é o auge do sofrimento. O auge do sofrimento é sofrer tão bem, que a gente sofrendo tudo quanto possa sofrer, conserva toda lucidez, toda vontade e todo acerto. Aqui é a dor perfeita. Sem moleza!

O tíbio é muito suscetível. Mas muito! Por isso ele é grosseiro. Porque toda pessoa que é suscetível faz grosserias. Porque como ela é egoísta, ela só é suscetível a respeito de si mesma. Ela sente o que fazem para ela. Ela não sente o que ela faz para os outros. É o próprio da tibieza.

* O suscetível é capaz de todas as indelicadezas, não percebe os coices que dá nos outros, e de se julgar uma vítima sem mancha

E por causa disso, ela é capaz de todas as indelicadezas e de se julgar, da parte dos outros, uma vítima sem mancha. “Nunca” ela fez nada para ninguém... Porque todos os coices que ela deu, ela não percebeu que eram coices. Porque nem lhe passou pela cabeça perguntar se aquilo feria alguém. Era ela que estava fazendo! Era gostoso fazer... O que mais?! Então, é grosseira.

Depois, o segundo adjetivo, se não me engano, é “tarda”. É bem isso! Quer dizer, a lentidão. “Tarda” quer dizer recebe um incitamento à virtude, corresponde tarde e um pouquinho... Não tem pressa nenhuma! Acha que sempre é tempo para se emendar. Acha que há sempre tempo para praticar a virtude. Não acredita que a morte venha de um momento para outro. A morte também virá devagar. E ela terá ocasião de se penitenciar...

Quer dizer, ela é de carretão. É preguiçosa, é lenta. Leva anos e não se emenda, não se converte!

Ingrata, nem é bom falar! É a mais rara, talvez, das virtudes humanas e a mais frágil. Na melhor das hipóteses, as pessoas que recebem um favor ficam agradecidas no momento que recebem o favor.

Os Srs. dirão: “Bom, Dr. Plinio vai acrescentar o que todo mundo já disse: e depois disso, se esquecem”. Não é verdade. Depois disso não se esquecem: vingam! Porque ficam “nodosas” [ressentidas] do favor que receberam. Ficam nodosas de ter estado numa ocasião de ter tido de receber favor. Então procuram uma ocasião para escoicear seu benfeitor.

E, nesse sentido, o ingrato tem uma memória de ouro! Nada lhe é mais agradável do que cerrar de cima com seu benfeitor. E lhe fazer sentir a sua “superioridade” para vingar-se dos benefícios que recebeu. Esse é o homem! E para isso o homem tem uma memória de ouro! Não tenham dúvida. O homem, de si, é um chacal! Não é outra coisa.

Então, Ela volta a falar da incredulidade:

Notem bem como isso é diferente da imagem comum dos Apóstolos meramente medrosos. Eles teriam tido medo e por causa disso fugiram. Não foi só medo. Faltou a Fé. Vendo Nosso Senhor perseguido, eles duvidaram. Porque eles só estavam bons para seguir um chefe glorioso, perpetuamente triunfante. Um chefe padecente e derrotado, eles não seguiriam. Eles duvidariam. E daí veio o que os Srs. viram.

Estão numa reunião, quando a reunião é agradável, quando tem consolações sensíveis, prestam atenção. Logo que vem a aridez, logo que vem a provação, logo que vem um mal-entendido, que vem uma queixa, que vem um “nó”, começa a pensar em outras coisas...

Por quê? Porque vem a ingratidão. Aquilo se tornou desagradável, já não é mais a coisa sensível. Então, desaparece a atração.

E daí, em parte, a conduta com Nosso Senhor. Nosso Senhor sempre tão agradável! Ele era tão agradável que as multidões – por exemplo, a gente vê isso no Sermão das Bem-Aventuranças – as multidões iam atrás d’Ele sem pensar sequer no que comer. Enlevados pela palavra d’Ele, ou simplesmente pela presença d’Ele.

Bom, naturalmente o que acontecia é que todo mundo, com essa atração, achava isso mais agradável do que a vida comum. Mas quando Ele deitou um véu sobre a Sua agradabilidade e apareceu a Cruz, os Apóstolos O deixaram... Por quê? Porque era preciso eles estarem sempre sensivelmente atraídos, sensivelmente agradados. Aparecendo outra coisa, fugiram! E fugiram completamente!...

Isso se dá na vida do Grupo enormemente. Aparecem as aridezes e dá a fuga. Por quê? Porque não estava divertido...

Reuniões: quando a gente trata de uma reunião séria, há muita gente que não se diverte. Há muita gente que tem muito mais atração sobre uma reunião a respeito da queda do dólar, do que sobre o Sangue que Cristo verteu do alto do Calvário.

Agora, por quê? Porque o dólar era uma coisa palpável, que diz respeito a outras coisas palpáveis. É fácil pensar no dólar. Então, a gente gosta mais de uma reunião sobre o dólar do que sobre o precioso Sangue de Cristo. Judas também gostava mais de dinheiro do que do precioso Sangue de Cristo...

Agora, acontece que às vezes a gente faz uma reunião e é uma reunião como esta aqui, que convida a pensamentos de tristeza; convida a pensamentos de compunção; apresenta as coisas debaixo da cor lúgubre. Eu insisto na palavra “lúgubre”. A gente apresenta isso, a pessoa acompanha. Mas quando termina o comentário, sente uma espécie de alívio: Ufa! Agora vamos poder falar a respeito do Vietnã”. Era gente que se se falasse antes do Vietnã, não prestava atenção. Porque gostaria de pensar a respeito de suas abotoaduras ou a respeito de seu sapato...

Mas sempre que se trata de uma coisa alta, elas estão ansiosas do degrau inferior. Então, quando a gente trata do altíssimo, elas pensam no Vietnã. Quando se fala do Vietnã, a coisa vai caindo, até cair sobre o problema de saber se convém ou não comprar outro tapete desse... Então a discussão é animada, conversas, opinião pró, opinião contra etc., etc. Entusiasmo, não é verdade? Micro! São as almas exatamente que têm horror dos grandes firmamentos! Por quê? Vem disso aqui. A coisa sensível cessando, o prazer sensível cessando, acabou-se...

Eu vejo isso de gente que gosta muito das conversas que se tem coletivamente no Grupo, enquanto são conversas engraçadas. A gente conta um “fait divers”, um último fato, apimenta com dois ou três comentários irônicos, dá risada, a sala toda vibra!

Depois, quando a gente trata de uma coisa séria, os rostos vão se tornando longos, a tal ponto que a gente tem que fazer certas reuniões de dia e não de noite. É um tanto parecido com os Apóstolos. Talvez de dia eles não tivessem dormido no Horto das Oliveiras, não é? Com o sol ardente, eles tinham começado a pensar nas formigas que andavam pelo chão, ou qualquer outra coisa. Não teriam dormido. Não é verdade?

Mas essa é a criatura humana! E importa que nós nos vejamos assim para deixarmos de ser assim...

É um modo de fazer companhia a Ele no Seu sepulcro é nós entrarmos nesse sepulcro interior de nossa alma... caiado, é bem verdade! Mas quantos vermes dentro!... É preciso ver bem isso. O que não for isso é conversa fiada! Não é sério!

Notas: A respeito do assunto do título da presente matéria, sugerimos a leitura dos conselhos para a vida intelectual, dados pelo Prof. Plinio em missiva.

Veja-se também “Os milagres não foram operados em favor dos fiéis, mas dos infiéis” (São Paulo). “Eram mais sábios aqueles que, segundo São Mateus, admiravam sobretudo a grandeza de sua doutrina.” ("Catena Áurea" de São Tomás de Aquino).


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