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1. Regime de opressão e miséria: expliquem-se os responsáveis
Pouco depois das eleições, ou seja, no início do ano
de 1990, a TFP publicou um trabalho também de minha autoria, intitulado:
Comunismo e anticomunismo na orla da última década deste milênio
[1].
Por que razão lançamos esse manifesto e dele fizemos
tão larga divulgação?
|
As eternas
filas para se abastecer na Rússia comunista manifestavam de modo
eloqüente a miséria produzida pelo regime |
Porque o senso de justiça, inerente a todos os
espíritos retos e elevados, estava a clamar por uma punição adequada
desses grandes crimes que o comunismo internacional praticou no mundo
inteiro
[2].
Esse manifesto tinha como finalidade mostrar aos
bons, quanto os maus são maus, para deixar claro como os falsos chefes são
cúmplices dos maus. Esta era a meta principal do manifesto
[3].
Depois de 70 anos, se verificou o fracasso disso, e
isto foi uma aventura imensa e trágica
[4].
Na estrutura soviética, o PC tinha legalmente
precedência sobre o Estado. Não era o Partido que existia para o Estado,
mas este para aquele
[5].
Como podiam todos esses chefes comunistas justificar
que tenham submetido todos os povos a essa aventura, sem se darem conta de
que isso era um crime?
Por que razão teriam desejo de generalizar esse
regime de tragédia, de opressão policialesca, de fome, para todos os
outros países do mundo, por meio da propaganda comunista feita por
partidos comunistas subvencionados por Moscou?
[6]
Eles estavam nas fileiras do Partido Comunista,
comendo, bebendo e dormindo, e não fizeram nada, durante todo esse tempo,
para beneficiar efetivamente as respectivas populações? Pelo contrário,
dirigiam autoridades intermediárias que prendiam, que matavam,
massacravam, impunham a miséria, reprimiam a propriedade privada que
alguém quisesse restaurar e a livre iniciativa que alguém quisesse ter.
Essas eram atitudes de quem estava preparando o dia
de hoje?!
Não senhor! Aqui há crimes — muitos crimes! — pelos
quais se deve responder
[7].
2. Interpelação também à Teologia da Libertação
|
Residências
em Cuba: ao não haver propriedade privada não há estímulo para
reformar e manter o que não é seu |
Eu estendia essa pergunta também aos eclesiásticos
que apoiaram o comunismo. Por exemplo, ao ex-Frei Leonardo Boff, a Frei
Betto — ambos escreveram livros elogiando a situação de Cuba, elogiando
Fidel Castro — bem como aos outros expoentes da Teologia da Libertação
nacional. E lhes perguntava como explicavam a situação da Rússia, sendo de
notar que Fidel Castro, de quem são grandes entusiastas, estava exatamente
do lado dos que desejavam a manutenção, na Rússia, da situação que causou
essa miséria.
Eles eram teólogos de que espécie de libertação?
Reduzir este mundo à miséria era libertar?
[8]
Tratava-se, portanto, de um clã. E todos deviam
prestar satisfações. Levaram setenta, cinqüenta, quarenta anos para
perceberem isto?
[9]
Na ocasião, essas razões que eu levantava estavam
muito vivas e muito patentes aos olhos de todos, como a queda da Cortina
de Ferro mostrava. E era necessário conscientizar as multidões sobre elas
[10].
3. Numa Nuremberg contra o comunismo, as conclusões seriam
perturbadoras
Outra coisa que eu também indagava no manifesto era:
os dirigentes comunistas dos outros países e dos diversos PCs do mundo
estiveram várias vezes na Rússia e presenciaram a miséria evidente e o
descontentamento enorme que lavrava no povo contra o regime
[11].
Nada viram?
Durante décadas a fio, esses líderes mantiveram
constante e multiforme contato com Moscou, e ali estiveram, mais de uma
vez, recebidos normalmente como comparsas e amigos. Nada contaram?
Se conheciam o trágico fracasso do comunismo, por que
o queriam para suas pátrias? Por que conspiravam para estender esse regime
de miséria, escravidão e vergonha, a seus próprios países?
Não pouparam dinheiro nem esforços com o fim de
atrair, para a árdua faina de implantação do comunismo, as elites de todos
os setores da população, a começar pela elite espiritual que é o clero. E
a seguir as elites sociais, da alta e média burguesia, as elites culturais
das Universidades e dos meios de comunicação social. As elites da vida
pública, quer civil, quer militar, ademais dos sindicatos e organizações
de classe de toda ordem. Isto para atingir por fim a juventude e a própria
infância, nos cursos de primeiro grau
[12].
Eles viram isto e não desistiram de sua posição
comunista, cujos efeitos maléficos notavam claramente.
Esta era a grave pergunta que ficava no ar
[13].
E que equivalia a dizer: “Foram vocês que fizeram! Venham aqui e
expliquem-se”.
Era o esquema de uma eventual Nuremberg, que eu sabia
que não seria convocada, mas que era necessário que ficasse dito para a
História
[14].
Se se fizesse um tribunal de Nuremberg para verificar
esses fatos, chegaríamos a conclusões extremamente surpreendentes e
perturbadoras*
[15].
* Essa idéia de uma
Nuremberg contra os comunistas do mundo inteiro foi até proposta, cerca de
um ano depois, pelo Presidente da Lituânia, Vytautas Landsbergis, a quem
Dr. Plinio enviou telegrama manifestando o intenso gáudio das TFPs e
Bureaux-TFP dos cinco continentes pelo gesto dele (Carta ao Presidente Vytautas Landsbergis, de 5/9/91).
4. Órgão do Departamento de Estado americano tenta rebater nosso
manifesto
Uma expressiva repercussão desse manifesto foi a
carta endereçada à TFP norte-americana pelo Sr. J. F. Steft, vice-diretor
do Escritório de Assuntos da União Soviética do Departamento de Estado da
América do Norte.
Da parte do Presidente Bush (pai), ele oferecia
argumentos contra as teses sustentadas pela nossa mensagem. Isto na parte
em que eu lançava uma interpelação às pessoas, instituições, partidos,
personalidades governamentais, governos e organismos internacionais civis
e religiosos do Ocidente que haviam colaborado para a manutenção do regime
comunista.
Esta argumentação do órgão do Departamento de Estado
norte-americano era expressa de modo polido e manifestava alta
consideração pelo trabalho. A TFP norte-americana respondeu em tom
igualmente elevado e polido. Mas essa troca de correspondência não foi
além disso
[16].
|
A TFP diante do
Teatro Municipal em São Paulo no encerramento da campanha pela libertação da
Lituânia |
A espetacular queda do muro de Berlim em 9 de
novembro de 1989 e da Cortina de Ferro, com as comoções políticas que as
precederam e se lhe seguiram nos países do Leste europeu [17],
de tal maneira mudaram o jogo político no mundo que em toda a minha vida
não vi um acontecimento político-chave, que desse numa mudança tão brusca
à maneira de uma explosão, como se deu este.
Reduzido ao nível do chão o muro de Berlim, como a
Cortina de Ferro em geral, era impossível evitar que os entendimentos se
fizessem rápidos, freqüentes, assíduos e fraternos entre um lado e outro
da Alemanha. Tinha que sair um pensamento comum, uma atitude comum, uma
tendência de ação comum.
E, assim, ponto por ponto, o edifício da prevenção
anticomunista montada na Europa, iria se desfazendo.
Havia mais. Eu não cria que a Europa Ocidental
desistisse do plano da federação pan-européia. E temia que ficasse aberta a
situação para fazer a famosa Europa dos Urais até o Atlântico, em que
entrassem juntos a Rússia e todos aqueles povos esmagados, martirizados,
trucidados que ela levava consigo, cada um com um voto num Conselho
Federal da Europa.
Com isso, seria constituído um super-governo, no qual
todas as nações da Europa ficariam tão chumbadas e amarradas umas nas
outras que, ou saía uma guerra, ou uma convergência* [18].
* Convergência
esta entendida, evidentemente, como a fusão de todas as nações européias
- ou mundiais
- num amálgama dos respectivos
regimes político-sociais. Em outros termos, convergência tendente a
conduzir à adoção de um só regime semicomunista e semicapitalista, em que
o pólo forte seria o comunismo e o pólo débil o capitalismo. Ou seja, esta
convergência seria, em seus planos, uma etapa última para a conquista
comunista do mundo.
* *
*
Não obstante, era fato que a promessa gorbacheviana
de instauração da perestroika na Rússia havia produzido, dentro e
fora daquele país, talvez um dos maiores terremotos geopolíticos da
História [19].
Naturalmente, encarei com muita simpatia a queda do
prestígio internacional do comunismo que daí resultou.
A queda da Cortina de Ferro abriu completamente o
Oriente a todo o mundo que quisesse visitá-lo. E as visitas revelaram uma
situação tão infra-humana, que justificava inteiramente as palavras do
então Cardeal Ratzinger a respeito dos países comunistas: “Não se pode
desconhecer esta vergonha do nosso tempo: pretendendo proporcionar-lhes
liberdade, mantêm-se nações inteiras em condições de escravidão indignas
do homem” (cfr. Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da
Libertação, Congregação para a Doutrina da Fé, 6 de agosto de 1984, n°
XI, 10).
|
Ato de
entrega dos microfilmes do abaixo-assinado de apoio à independência
da Lituana foram levados a Vilnius por uma Comissão inter-TFPs,
constituída de onze membros e presidida pelo diretor do Bureau-TFP
de Paris, Dr. Caio Vidigal Xavier da Silveira. O ato de entrega ao
Presidente Landsbergis foi efetuado em seu gabinete, localizado no
Palácio do Parlamento |
A comissão inter-TFPs, que esteve por lá para levar
uma mensagem ao Presidente Vytautas Landsbergis, hipotecando todo o apoio
dos cinco milhões de signatários à causa da independência da Lituânia
(adiante iremos tratar desse assunto), voltou trazendo notícias e
informações simplesmente espantosas a esse respeito.
O fato é que, com a glasnost (transparência),
o mundo pôde ver um tal fracasso do regime comunista do ponto de vista de
atender à necessidade dos pobres, que se deveria definir esse regime como
aquele que, não apenas não atende a essa necessidade, mas reduz à extrema
pobreza todos os que sob ele vivem [20].
Com a perestroika (reestruturação), as nações
mantidas sob o guante de ferro do comunismo soviético, e que não
vislumbravam a menor esperança de libertação, subitamente sacudiram esse
jugo e tomaram o próprio destino em mãos. A Alemanha, dilacerada de alto a
baixo se unificou.
Como não ver com ânimo esperançoso tão alentadoras
transformações? [21]
2. Gorbachev, um embusteiro genial
Confesso que Gorbachev — que tantos admiravam e
choraram quando veio a cair — sempre me pareceu um embusteiro, aliás
genial.
Para obter dinheiro do Ocidente, ele criou a miragem
de uma Rússia semi-exorcizada do perigo comunista. E com isto desmobilizou
e desarmou os muitos que nele acreditaram. Ele foi, portanto, tragicamente
nocivo [22].
Gorbachev representava, para mim, a ambigüidade
suspeita de todas as más surpresas.
Um repórter certa vez chegou a me perguntar:
“Então, o Gorbachev não é confiável?”. Respondi: — Nada, nem um
pouco. Ele é desconfiável.
Vamos falar português claro: ele dependia das esmolas
generosas e imprudentes que o capitalismo do Ocidente lhe estava dando,
para a Rússia não se dissolver no caos e no magma completo da pobreza.
|
"Ora, foi isso o que ele fez com o Presidente Reagan e
depois com Bush (pai). Depois continuou fazendo o mesmo com Helmut
Kohl..." |
Então fez essas promessas de liberalização para
ganhar dinheiro. Um homem que faz uma promessa no ato de ganhar dinheiro,
deve ser tido como discutível na sua promessa.
Ora, foi isso o que ele fez com o Presidente Reagan e
depois com Bush (pai). Depois continuou fazendo o mesmo com Helmut Kohl,
primeiro-ministro da Alemanha Ocidental.
Eu me perguntava o que o Gorbachev fez no sentido de
restabelecer a propriedade privada na Rússia. Nada! O que ele fez no
sentido de estabelecer a liberdade de comércio. Nada! Ninguém contava o
que ele fez. Eu só sabia que ele pedia dinheiro, recebia e embolsava. Fora
disso não se sabia mais nada [23].
Ele pedia dinheiro para fazer a reabertura do
comércio, da propriedade privada, da liberdade de mercado. Recebia
quantias fabulosas para isso e não executava nada.
Como é que se podia confiar nele? [24].
Entretanto, ele foi sendo transformado na coluna do
mundo! Foi só tocar em Gorbachev durante a crise com Ieltsin em 1991, que
as chancelarias das maiores potências e a mídia universal estremeceram. A
sensação geral era de que, se ele fosse definitivamente derrubado, o mundo
despencaria na guerra nuclear [25].
3. Nossa posição é de expectativa e vigilância
Então, qual era a posição da TFP diante dessas
mudanças do Leste? A TFP apoiava ou não apoiava?
As mudanças do Leste, ela apoiaria, uma vez que
fossem encaminhadas para o restabelecimento de uma ordem
na qual a
propriedade privada fosse reconhecida
e a liberdade de mercado também.
Se não fossem reconhecidos esses dois fatores ou
esses dois pilares de toda a ordem humana, a TFP não apoiaria.
Nossa suspeita a respeito de Gorbachev era de que,
como comunista (ele se afirmara comunista mesmo depois da aproximação com
os Estados Unidos), tinha a intenção de realizar o artigo 1° da
Constituição soviética. Este artigo afirma que a finalidade do capitalismo
de estado comunista é preparar a autogestão.
Para onde ele caminhava era para a preparação do
comunismo autogestionário, a meu ver mais censurável do que o próprio
capitalismo de estado [26].
Comunismo autogestionário este que todos os teóricos e líderes máximos do
comunismo, desde Marx e Engels até Gorbachev, sempre apresentaram como a
versão extrema e cabal do comunismo, a quintessência dele [27].
* *
*
Neste contexto, estourou o caso da Lituânia.
A Lituânia é uma nação pequena. Mas, posta diante da
alternativa red or dead (ficar vermelho ou morto), preferiu
enfrentar a perseguição e a morte, do que aceitar o prolongamento do
ignóbil e insuportável cativeiro de cerca de 50 anos [28].
Contra essa nação foi feita uma gravíssima
transgressão de um direito.
Qual transgressão?
|
A ocupação
soviética da Lituânia, em 1940 (Foto: Wikipédia) |
O Pacto Ribbentrop-Molotov, assinado pouco antes da
Segunda Guerra Mundial, foi um tratado cínico feito entre o governo russo
comunista de então e o governo nazista alemão. Mediante esse tratado, em
troca de vantagens várias para a Alemanha, esta consentiu que a Rússia
invadisse os três países bálticos — a Lituânia, a Estônia e a Letônia — e
transformasse aquela região praticamente em províncias russas. E assim
entraram debaixo do jugo soviético.
Tendo em consideração a política liberalizante de
Gorbachev, e na esperança de que os países do Ocidente viessem em seu
apoio, a Lituânia, seguida da Letônia e da Estônia, começou a pedir a sua
própria independência e, no dia 11 de março de 1990, chegou mesmo a
proclamá-la.
Como era uma nação que tinha sua língua, sua
história, sua cultura, era natural que quisesse um espaço ao ar livre para
respirar. Era um direito natural.
Mas passou pelo grande desapontamento de ver
Gorbachev, que parecia o aliado de todos os oprimidos, oprimir a Lituânia,
e que o Ocidente todo, com medo de desagradar a Gorbachev, cruzava os
braços*.
* Em junho de 1990,
Gorbachev, em represália pela declaração unilateral de independência,
promoveu um bloqueio econômico contra o sofrido país: interditou seus
portos e acessos terrestres e cortou-lhe os suprimentos de petróleo e de
gás. Exigiu, como condição para levantar o bloqueio, que o Parlamento
lituano “congelasse” a declaração de independência por dois anos.
Depois de tensas
negociações, em julho 1990 o Parlamento lituano foi obrigado a aceitar o
“congelamento” da independência do país por 100 dias, para que uma
comissão bipartite russo-lituana discutisse os termos de uma eventual
independência definitiva. Mas, já de antemão, Moscou “sugeria” que a
Lituânia permanecesse federada dentro da URSS.
Nesse ínterim, em
novembro 1990, um ato de brutalidade de Gorbachev e de espantoso abandono
da Lituânia por parte de altos dignitários europeus. A pedido de
Gorbachev, lituanos foram expulsos da reunião de Segurança Européia,
realizada em Paris. E isto quando há já três horas participavam da sessão
como observadores!
Isto produziu na
Lituânia grande desânimo, desestimulando-os de reagir, por julgarem que
ninguém no Ocidente jamais os iria apoiar (cfr.
Catolicismo n° 601,
janeiro de 2001).
Gorbachev fez então o que quis. O Presidente dos
Estados Unidos e as grandes potências da Terra não disseram nada a favor
da Lituânia. E a Lituânia ficou isolada [29].
Nosso governo, por exemplo, chegou a afirmar, na
Noruega, a “nocividade” da independência das repúblicas bálticas,
na medida em que atrapalhassem Gorbachev, tido como indispensável para a
paz mundial [30].
4. Pró Lituânia livre, o maior abaixo-assinado da História
Na questão da Lituânia, a posição de Gorbachev era
contraditória. E uma contradição na conduta de um homem dessa
responsabilidade gerava uma suspeita [31]
e tinha que ser desmascarada.
Nessas condições, a TFP brasileira procurou a colônia
lituana e lhe comunicou que iria lançar uma campanha pela libertação
daquele país, e que pretendia estender essa campanha por todo o nosso
território-continente, como de fato foi feito.
Mais ainda: pela normal influência que exerço sobre
as 20 TFPs coirmãs e autônomas, propus a todas que estendessem essa
campanha a seus respectivos países, nos cinco continentes. O que foi
atendido com suma diligência e contentamento [32].
Fizemos uma campanha colossal, de caráter
internacional, abrangendo 26 nações, para uma mensagem ao Presidente Vytautas Landsbergis, hipotecando todo o apoio à causa da independência da
Lituânia [33].
Isto despertou um movimento também colossal de
simpatia * [34].
* Em 130 dias de
campanha, iniciada a 31 de maio de 1990, as TFPs e Bureaux-TFP
reuniram em 26 países 5.218.520 assinaturas, que o Guiness Book of
Records de 1993, anuário inglês mundialmente conceituado, afirmou ter
sido o maior abaixo-assinado até então realizado no mundo.
Os microfilmes deste abaixo-assinado foram levados a
Vilnius por uma Comissão inter-TFPs, constituída de onze membros e
presidida pelo diretor do Bureau-TFP de Paris, o meu dileto amigo
Dr. Caio Vidigal Xavier da Silveira
[ver foto acima].
O ato de entrega ao Presidente Landsbergis foi
efetuado no dia 4 de dezembro de 1990 em seu gabinete, localizado no
Palácio do Parlamento [35].
* *
*
No dia 6 de dezembro, já em Moscou, a delegação se
fez fotografar em plena Praça Vermelha, desfraldando um estandarte da
entidade, com todos os seus integrantes portando a capa vermelha
característica das TFPs.
|
"No dia 6 de dezembro, já em Moscou, a delegação se
fez fotografar em plena Praça Vermelha, desfraldando um estandarte da
entidade, com todos os seus integrantes portando a capa vermelha
característica das TFPs" |
E no dia 11 do mesmo mês a comitiva entregou, nos
próprios escritórios do Kremlin, uma carta coletiva dos presidentes de
todas as TFPs a Mikhail Gorbachev, solicitando-lhe formalmente que, diante
dessa categórica manifestação do mundo livre, removesse todos os
obstáculos que impediam a Lituânia de alcançar sua plena independência* [36].
* No próprio dia da
entrega da carta veio a reação de Vladimir Kriutchov, chefe da KGB, a
temível polícia política soviética. Ele declarou na televisão de Moscou
que não toleraria “qualquer ingerência nos nossos assuntos internos
da URSS [...] desses organismos e grupúsculos que, no estrangeiro,
[...] moveram durante décadas, e continuam a mover, uma guerra
secreta contra o Estado soviético”. Soava como uma ameaça. A
declaração foi reproduzida pelo Figaro, de Paris, de 13/12/90.
A comissão, voltando ao Brasil, manifestou-se muito
contente com a acolhida que recebeu da parte do governo lituano e do
Cardeal Arcebispo de Kaunas, Monsenhor Vincentas Sladkevicius. Tudo isso
foi comunicado aos lituanos residentes no Brasil do modo mais cordial e
afável [37].
5. Repressão à Lituânia: cai a máscara de Gorbachev
Foi aí que se deu a brutal repressão de Gorbachev
contra a declaração de independência da Lituânia *.
* Essa repressão
deu-se um mês depois da entrega do abaixo-assinado da TFP, precisamente na
noite de 13 de janeiro de 1991, atitude essa que fez cair afinal a máscara
sorridente de Gorbachev, deixando entrever sua carranca dura e implacável.
Frustrando as vãs esperanças que sua política da
perestroika fizera nascer no Ocidente, Gorbachev violou a soberania
dessa nação que acabava apenas de renascer. E, sob o pretexto de que os
filhos dela se recusavam a servir no exército da União Soviética, mandou
esmagar as reações na Lituânia.
|
Foto de 13 de
janeiro de 1991 mostra o instante em que um manifestante lituano corre
em frente a um tanque do Exército Vermelho, durante o assalto à Rádio
e Televisão Lituana em Vilnus, que matou 13 pessoas e feriu outras 100
(Stringer/AFP/Getty Images). |
Tanques comunistas se atiraram então contra um povo
inteiramente indefeso, alentado tão-só por suas armas espirituais que eram
a Fé católica e a determinação inquebrantável de assegurar sua
independência.
Assim, entoando hinos de Fé e de patriotismo, as
multidões lituanas desarmadas se ergueram como barreiras vivas ante os
tanques soviéticos, e não recuaram quando — com assombro para os
agressores a mando do Kremlin, como para o mundo inteiro — verificaram que
as primeiras vítimas se deixavam trucidar barbaramente debaixo das
esteiras dos tanques, porém não desertavam do campo da honra.
O que fez o governo de Moscou?
Compreendendo que o prosseguimento do ataque genocida
levantaria contra Gorbachev a justa indignação de todos os povos livres, o
Kremlin “desautorou” o ataque, atribuindo a responsabilidade pela agressão
ao comandante das forças comunistas sediadas na Lituânia. E mandou retirar
desse país parte dos pára-quedistas que pouco antes enviara contra esse
povo.
|
" [...]
as multidões lituanas desarmadas se ergueram como barreiras vivas
ante os tanques soviéticos, e não recuaram quando — com assombro
para os agressores a mando do Kremlin, como para o mundo inteiro —
verificaram que as primeiras vítimas se deixavam trucidar
barbaramente debaixo das esteiras dos tanques, porém não desertavam
do campo da honra". |
Mal haviam sido divulgadas as medidas desautorando as
recentes brutalidades soviéticas em Vilnius — com evidente vantagem
publicitária para o Sr. Gorbachev no Ocidente — sobreveio a promoção ao
generalato de um dos “culpados”, o ministro do interior coronel Boris
Pugo, apontado em comunicado da KGB como um dos mais destacados
instigadores da ação feroz.
Ficava assim patenteada a inconsistência da referida
censura. À violência se somava a duplicidade* [38].
* A reação
internacional face à brutalidade soviética — o emprego de tanques e
metralhadoras contra jovens desarmados — atingiu um paroxismo de
indignação. E Gorbachev viu-se afinal obrigado a ceder diante das pressões
das potências ocidentais, aceitando como fato consumado a independência da
Lituânia. Os soldados russos, porém, permaneceram ainda em solo lituano.
Só abandonaram o país três anos mais tarde (cfr. Catolicismo n°
601, janeiro de 2001).
* *
*
No dia 14 de janeiro de 1991, organizamos uma
passeata no centro de São Paulo que se estendeu em filas ininterruptas,
com manifestações de protesto pelo cruel ataque promovido pelos russos
contra populares indefesos e cheios de espírito de Fé e patriotismo.
No dia 15 de março de 1992, credenciado por todas as
TFPs,
escrevi uma carta a João Paulo II e a todos os Chefes de Estado do
mundo livre pedindo o reatamento das relações diplomáticas com a Lituânia [39].
* *
*
|
Poucos dias após o Brasil ter reconhecido a
independência gloriosamente conquistada pela nação lituana,
enviei uma
carta (5 de setembro de 1991) em que, na qualidade de Presidente da TFP
brasileira, e no meu próprio, felicitava o Presidente Vytautas Landsbergis
pela vitória inteira e definitiva da nação lituana sobre o sinistro
moloch soviético.
Alegrou-me muito o fato de que quinze TFPs, bem como
cinco Bureaux-TFP de outros tantos países, prestaram a sua
entusiasmada colaboração em favor da independência da Lituânia, chamada
“Terra de Maria”.
Convém ressaltar que tal colaboração se levantou num
momento em que a causa dessa valorosa nação encontrava-se abandonada por
todas as chancelarias do Ocidente. E era vista com frieza pelo imenso e
poderoso conjunto dos meios de publicidade que constituem a mídia do mundo
livre
[40].*
* Tudo o que
aconteceu no Mar Báltico, pela declaração das próprias autoridades do
governo lituano à Comissão que o foi visitar, se deveu em grande parte ao
alento que tiveram graças a nossa campanha, naquele momento difícil.
Estavam desalentados e tomaram alento com essa nossa presença.
Por sua vez, a
independência lituana teve uma importância crucial no desfazimento do
bloco soviético. O editorial do The New York Times do dia 29/8/91
assim se expressa a respeito:
“Na realidade,
os países bálticos foram os catalizadores do levante soviético. A Lituânia
foi a primeira república soviética a proclamar a sua independência, em
março de 1991, dando coragem às demais” |
"No dia
14 de janeiro de 1991, organizamos uma passeata no centro de São
Paulo que se estendeu em filas ininterruptas, com manifestações de
protesto pelo cruel ataque promovido pelos russos contra populares
indefesos e cheios de espírito de Fé e patriotismo" [Na foto a
passeata passando pelo Viaduto Santa Efigênia, da capital paulista] |
1. Como os homens de minha época viam os índios e o progresso
Antes de tratar de nossa manifestação no centro de
São Paulo a propósito do V Centenário dos Descobrimentos, comemorado em
1992, faço uma reminiscência histórica.
Quando em minha remota infância eu ouvia falar de
índios, a versão que deles me chegava era ambivalente.
De um lado, eram eles mencionados como sendo uma raça
digna de simpatia, pelo fato de terem sido os primeiros ocupantes do solo
brasileiro. Portanto, se se quiser, seriam os nossos compatriotas mais
antigos, a quem deveríamos votar um sentimento de solidariedade nacional.
Desse ponto de vista, cumpria considerá-los com benevolência especial.
|
A
evangelização dos índios levada a cabo pelos jesuítas procurou mitigar
os costumes bárbaros que praticavam. Na foto o Pe. Nóbrega e
companheiros resgatam o cadáver de um índio que estava prestes a ser
devorado em um ritual pelos tupinambá. Tela de Manoel Joaquim de Melo
Corte Real da Academia Imperial de Belas Artes , datada de 1843 |
De outro lado, porém, ao examinar a vida dos
indígenas em seu estado primitivo, errando por nossos campos e nossas
matas, e ao se tomar em conta seus costumes, sua moral, o sistema pelo
qual obtinham o que precisavam para viver — produto mais bem de sua inação
do que de seu trabalho, pois que eram avessos a toda atividade metódica —
a generalidade das opiniões era rotundamente desfavorável.
Tal quadro contrastava com outro, incondicionalmente
elogioso, que certas máquinas de fabricar opinião difundiam acerca do
progresso moderno. Esse progresso era o grande mito dominante da época
hollywoodiana, que despontava em minha infância, quando o mundo
ocidental, especialmente a Europa e a América do Norte, era apresentado da
maneira mais favorável e otimista, como gerador de um estado de ascensão
contínua que haveria de melhorar indefinidamente a vida dos homens.
E — vaticinavam alguns — esta se aperfeiçoaria de tal
maneira que, com os progressos da medicina, antes do fim do século ou no
decurso do século XXI, surgiria um meio de restituir a “saúde” — até lá
chegava esse otimismo! — aos homens que tivessem morrido. E,
consequentemente, ser “ressuscitados”.
|
Câmaras
Criônicas reais, na Alcor, uma das instituições que realiza este
procedimento nos dias de hoje. |
Desse modo ocorreram — sobretudo nos Estados Unidos —
casos de milionários ou pessoas que levavam vida fácil e agradável e que,
ao morrer, deixaram legados especiais para despesas com sua eventual
"ressurreição". Tais legados incluíam cláusulas específicas sobre como
deveriam ser guardados seus corpos em câmaras frigoríficas, por empresas
constituídas ad hoc desde os anos 60, para que estivessem em
condições de serem trazidos novamente à vida.
Este exemplo extremo ilustra até que ponto chegou a
euforia do progresso, e o desejo otimista de viver indefinidamente esta
vida que, hollywoodianamente falando, era apresentada como
deliciosa.
Isso induzia incontáveis pessoas a se entusiasmarem
com o progresso e a se esforçarem em levar adiante o sonho do crescimento
científico e tecnológico indefinido.
Para tal ótica, a situação dos índios, como também
das tribos primitivas da África, Ásia e Oceania, que permaneciam em estado
selvagem, representava o grau zero de progresso, em comparação com a
situação dos homens que viviam segundo Hollywood, a qual seria,
digamos, o grau mil.
Assim, durante várias décadas, falava-se de vez em
quando de massacres perpetrados pelos índios, de assassinatos, de
canibalismo, de como sua vida errante era perigosa, do risco que haveria
em encontrar-se com eles nas selvas etc.
2. Depois de uma fase de silêncio, uma reviravolta completa
Sem embargo, em certo momento, o tema índios
começou a sair da atenção geral, e gradualmente foi-se tratando cada vez
menos dele.
Ao cabo de um intervalo em que o assunto permaneceu
submerso em um mar de silêncio e de olvido, ele começou a ressurgir, mas
já então sob um prisma completamente diferente. Para as mesmas correntes
ideológicas que, com o objetivo de demolir a civilização cristã,
interessara em certo momento promover o mito neopagão de Hollywood,
passou a convir a demolição do mesmo mito, e da civilização com base nele
edificada, a fim de dar um salto adiante no processo revolucionário, rumo
à anarquia neotribal.
Para este novo objetivo, era preciso então apresentar
as condições de vida dos índios do modo mais favorável possível.
Disso fui testemunha. Começaram a surgir menções a
tal autor, que asseverava ser exagerada a versão de que todos os índios
fossem canibais; ou a tal outro, que sustentava nunca ter havido
canibalismo entre eles, e, pelo contrário, exaltava que possuíssem estas
ou aquelas qualidades. Assim, elogios à arte, cultura e civilização dos
índios foram se tornando cada vez mais freqüentes, e caminhando para o
hiperbólico.
|
Los Arcángeles
arcabuceros - séc. XVII - Escuela Cusqueña - Exemplo de arte
indígena pós conversão à Fé Católica |
De fato, pode-se francamente falar de uma arte e de
uma civilização indígenas, se consideramos, por exemplo, os incas e os
astecas, que tiveram impérios organizados, uma verdadeira arte e elementos
culturais dignos de menção.
Sobretudo é verdade que, em toda a América, depois de
convertidos à verdadeira Fé, os índios manifestaram um talento que os
capacitou a produzir coisas boas e até relevantes. Era neles uma
capacidade natural latente, que, como fruto do batismo e da civilização, e
como resultado do contato com os eclesiásticos e com o elemento civil de
Portugal e da Espanha, se transformou em qualidade patente.
Falar-se porém de arte indígena pré-colombiana fora
dos astecas e dos incas, e de alguma outra exceção, é extremamente
questionável do ponto de vista historiográfico.
Essa retomada do tema indígena culminou com a virtual
glorificação do índio, e de suas condições de vida milenar, promovida
pelas esquerdas.
* *
*
A ECO’92, por exemplo, foi uma manifestação muito
curiosa, muito aguda e muito sistemática dessa glorificação que, por sua
vez, o movimento contrário à celebração dos 500 anos do Descobrimento da
América estava levando até o paroxismo
[41].
3. Principais teses dos opositores ao Descobrimento e à Evangelização
da América
De fato, para surpresa de muitos, o ensejo dos 500
anos do Descobrimento da América não foi motivo indiscutido de festejos.
Em certas publicações da esquerda católica, os
conquistadores, de heróis, passaram a vilões. Punham elas em realce suas
crueldades, não a sua coragem e sua obra civilizadora. E os abnegados e
beneméritos missionários, que converteram índios à Fé católica, eram
apontados pelos adeptos dessa mesma Teologia da Libertação como fautores
de um empreendimento nefasto.
Eu considerava que a corrente inspirada pela Teologia
da Libertação errava na apreciação histórica a partir dos erros que ela
cometia na apreciação teológica. Ou seja, era a partir dos seus erros
teológicos que ela caía em erros históricos.
* *
*
A Teologia da Libertação tem, a respeito da natureza
humana e do rumo que deve seguir a História, um modo de ver inteiramente
diverso daquele que tem o verdadeiro católico.
Para este, o homem deve progredir continuamente, mas
este progresso consiste em sujeitar a terra ao serviço do homem. E, por
sua vez, o homem deve sujeitar-se ao serviço de Deus, de maneira que Deus
reine sobre toda a Criação.
Se o homem proceder virtuosamente, fa-lo-á com o
equilíbrio adequado, que impedirá a destruição da natureza. Mais ainda,
ele a aperfeiçoará para o seu próprio benefício.
Já segundo a doutrina da Teologia da Libertação,
muito vizinha, nesse ponto, do ecologismo exacerbado que se difundiu pelo
mundo, o homem é quem deve estar a serviço da natureza. De maneira tal
que, em vez de essa natureza ser vergada e domesticada pelo e para o
homem, é o homem que deve viver para conservar incólume a natureza.
Ele seria o guardião da natureza, tocando-a o mínimo,
e vivendo modestamente, na maior medida possível, só do que a natureza lhe
proporcionasse. E isto num estado verdadeiramente primitivo, selvagem.
Segundo essa concepção eco-teológica, chega-se à
conclusão de que o estado selvagem é o estado ideal para o homem.
Enquanto, segundo a doutrina católica, o estado perfeito para ele é o de
ser civilizado.
|
D. Pedro
Casaldáliga no dia em que foi sagrado como bispo. Foto: arquivo da
Prelazia de São Félix |
Em tal concepção, é claro que os índios, por terem
sido civilizados, foram prejudicados.
A partir daí — concluem os eco-teólogos — é claro que
a América não deveria ter sido descoberta, que ela nada lucrou em ter sido
descoberta por europeus, e que estes erraram querendo adaptar àquela
civilização as “maravilhas” do Novo Mundo. Tese esta que é uma verdadeira
aberração.
Para esses adeptos da Teologia da Libertação ou dessa
“ecologia”, a obra dos descobridores e colonizadores tinha sido funesta
[42].
* *
*
O mais característico desses novos intérpretes foi,
uma vez mais, o espanhol Dom Pedro Casaldáliga. Ele considerava que a
vinda dos missionários brancos foi nociva para os índios, e chegou a dizer
que o Deus branco não convinha para homens de pele-vermelha.
Eu achava que o Deus de pele branca, Nosso Senhor
Jesus Cristo, convinha a todos os homens. O problema não se punha nesses
termos.
4. Papel heróico dos Descobridores e dos Evangelizadores na História
do Brasil
|
Desembarque de Colombo nas costas do Novo Mundo em 12 de outubro de
1492
John Vanderlyn - Rotunda do
Capitólio - Washington - 1847 |
Diferentemente da Teologia da Libertação, eu via no V
Centenário do Descobrimento da América um fato de uma importância
transcendental para a História do mundo.
Era de uma importância tão transcendental que, se
fôssemos enumerar todas as conseqüências dele, seria literalmente
impossível.
Eu me concentro, com simpatia, em considerar os
efeitos na História da Espanha. É preciso notar que a Espanha de 1492
acabava de consolidar a sua unidade com a expulsão dos últimos mouros de
Granada e iniciava um outro grande ciclo de atividades que haveriam de
consagrá-la como uma das primeiras nações da História do Ocidente.
A Espanha havia se voltado para a luta contra os
mouros no Oriente - ela que tinha
feito a luta contra os mouros no Ocidente
- e ganhava a notabilíssima
vitória de Lepanto que firmou as barreiras ao poder muçulmano*.
* Presenciamos hoje
o ressurgimento ameaçador do poder muçulmano, representado em sua ponta
mais extremada pelo Estado Islâmico. Tal ressurgimento foi previsto por
Plinio Corrêa de Oliveira nas páginas do Legionário ainda na década
de 1940, e depois em Catolicismo, no início da década de 1950.
Dizia ele, no
artigo
A Questão Libanesa, estampado no Legionário de
5/12/43:
“O perigo
muçulmano é imenso. O Ocidente parece fechar-lhe os olhos, como os tem
ainda semi-cerrados ao imenso perigo amarelo. [...] Nos dias de hoje, com
homens, armas e dinheiro, tudo se faz. Dinheiro e homens, o mundo
muçulmano os possui à vontade.
“Adquirir armas,
não será difícil... e, com isto, ficará uma potência imensa em todo o
Oriente, ativa, aguerrida, cônscia de suas tradições, inimiga do Ocidente,
tão armada quanto ele, que dentro de algum tempo poderá ser absolutamente
tão influente quanto o mundo amarelo, e colocada em situação geográfica e
econômica incomparavelmente melhor!”
A este propósito,
ver a excelente obra de Juan Gonzalo Larrain Campbell,
Plinio Corrêa de
Oliveira: Previsões e denúncias em defesa da Igreja e da Civilização
Cristã (Artpress, São Paulo, 2001), na qual é transcrito o seguinte e
expressivo testemunho do
Padre jesuíta João B. Libânio, um dos expoentes
da Teologia da Libertação:
“Plinio Corrêa
de Oliveira (fundador da TFP — Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição,
Família e Propriedade) fez uma palestra para os jesuítas em 1940, permeada
de uma idéia toda messiânica [sic!], dizendo que o grande problema
do cristianismo era o islamismo. Há 50 anos, foi profético, ou a História
foi, por outras razões, caminhando nesse sentido. O fato é que se confirma
o que ele intuiu”.
|
São José de
Anchieta - "maior apóstolo dos índios do Brasil" |
De outro lado, houve o ciclo de navegações, que não
se resumiu apenas ao Descobrimento da América, e que levou até às
Filipinas.
Tinha sido também a Espanha que dera o apoio decisivo
ao movimento de caráter religioso-cultural, no sentido mais amplo do
termo: a Contra-Reforma. Esta também pôs diques à Reforma, que soava como
uma verdadeira revolução.
Tudo isso pôde fazê-lo com os recursos que recebia do
Novo Mundo, e com grande vantagem para a civilização cristã e para a
humanidade em geral.
Por exemplo, José de Anchieta, grande missionário
jesuíta nascido nas Ilhas Canárias, portanto espanhol, foi o maior
apóstolo dos índios no Brasil. Homem que merecia ser mundialmente célebre,
e que João Paulo II beatificou numa das visitas que fez ao Brasil*.
* Como já ficou
dito, foi canonizado pelo atual Pontífice.
Foi um jesuíta característico do século XVI
- século áureo da Companhia de
Jesus - no sentido mais pleno da
palavra
[43].
5. A “Caminhada da Fidelidade” promovida pela TFP
Diante dessas vozes
que se levantavam para afirmar que o Descobrimento havia sido um desastre
para as populações nativas da América, um desastre para a história do
mundo, não poderia deixar de ser que a Sociedade Brasileira de Defesa da
Tradição, Família e Propriedade levantasse um protesto contra essa
tendência que ia ao arrepio de todo o curso da História.
E que afirmasse num
ato solene, em que estivessem presentes representantes dos mais variados
países da América e de diversos países da Europa, a sua solidariedade
entusiasmada e convicta à obra missionária realizada pela Igreja Católica
no Brasil, como em todo território das Américas, ao longo desse tempo. E
ao mesmo tempo proclamasse a segurança de que o futuro da América só tinha
um sentido: o futuro da civilização cristã
Com efeito, essa
caminhada poderia chamar-se a Caminhada da Fidelidade*.
|
O Desfile da
Fidelidade em sua passagem pelo Vale do Anhangabaú na capital
paulista |
* Aproveitando o
afluxo a São Paulo de grande número de pessoas para o VIII Encontro de
Correspondentes e Simpatizantes, a TFP organizou a que ficou conhecida
como a Caminhada da Fidelidade ou Desfile da Fidelidade
(cfr. Catolicismo n° 494, fevereiro de 1992).
Esse desfile
realizou-se numa tarde de sexta-feira, dia 3 de janeiro, para prestar a
homenagem das TFPs de toda a América aos Papas, aos Monarcas, aos
Descobridores e aos Missionários propulsores do esforço evangelizador e
civilizador.
Foi a caminhada de uma fidelidade que teve início no
Pátio do Colégio, naquela primeira célula-mater de São Paulo, quando a
cidade era apenas uma aldeola, habitada por portugueses e por índios que
os missionários acabavam de introduzir para luz do Evangelho.
E esse roteiro, nós simbolicamente percorremos.
Porque deixamos o Pátio do Colégio e seguimos através de várias vias do
centro antigo de São Paulo, onde se encontravam prédios construídos em
várias épocas da história paulista, e bem simbólicos de todos esses
séculos que São Paulo tinha vivido de lá até aquele momento. Era,
portanto, o caminho da fidelidade à tradição.
6. Passos que repercutem no Céu
Ao planejar aquele desfile, eu estava bem certo de
que os passos dos homens na terra repercutem no Céu. E portanto estava bem
certo de que tudo quanto ali se fizesse repercutiria no Céu e ficaria
inscrito no Livro da Vida.
E foi nesta certeza que se abriu, no dia 3 de janeiro
de 1992, o VIII Encontro de Correspondentes da TFP.
Durante o desfile, eu vi com simpatia pessoas vindas
do norte de nosso continente, das margens do rio Hudson que banha Nova
York. Vi pessoas vindas das margens do Amazonas tão nosso, tão
caracteristicamente brasileiro, tão distante pela geografia, mas tão
próximo pelo afeto. E também os que vieram das margens do Rio da Prata, e
de além dos Andes.
Vi também os espanhóis, os quais vieram de junto do
rio Manzanares, que banha a histórica e legendária Madri, para participar
do nosso entusiasmo.
Sim, no Livro da Vida ficará inscrito que, na aurora
desse ano de 1992, em que certo falso progressismo se prometia a si
próprio tantas realizações no seu programa de renovações, que eram no
fundo deteriorações, houve também passos que repercutiram firme na terra
dizendo: “Nós também avançaremos! Nós também caminharemos!”
[44].
|
Campanha da TFP francesa diante
do Parlamento europeu |
1. Grandes blocos nacionais, caminho para uma ditadura burocrática
universal
De um modo geral, a TFP não vê com simpatia
[45]
uma forte corrente de opinião que tende para a unificação de grandes
blocos de nações
[46].
Isto porque a formação de tais blocos e a extinção das pátrias locais
caminham para uma ditadura burocrática universal. E eu sou contra isto
[47].
A mesma razão
que impele grupos de povos a se unificarem em um só bloco supranacional
conduz, mais cedo ou mais tarde, a que formem uma só nação internacional,
uma única nação mundial.
Chegaremos,
então, à abolição de todas as pátrias e de todas as nações, sob um
conjunto que me parece absolutamente antinatural e indesejável.
Esta era a
razão pela qual eu me opus a agrupamentos do tipo do Tratado de Maastricht
para a França e para os demais países da Europa, como também me opus a
agrupamentos análogos para os países da América do Sul.
Se se
transformasse cada continente em um só bloco, nós teríamos chegado à
formação de um governo mundial
[48].
* *
*
Na década de
1950, havia sido dado um primeiro passo neste sentido.
Os
representantes da Alemanha Ocidental, França, Itália, Bélgica, Holanda e
Luxemburgo se reuniram em Roma e fizeram um primeiro tratado constitutivo
da “Europa dos Seis”, em que os primeiros lineamentos, as
primeiras
concessões mútuas, os primeiros balbucios da futura União Européia
começaram a aparecer*
[49].
* Foram os famosos
Tratados de Roma. O primeiro instituiu a Comunidade Econômica Européia
(CEE) e o segundo a Comunidade Européia da Energia Atômica, mais conhecida
sob a designação de Euratom. Ambos assinados em 25 de março de 1957,
entraram em vigor em 1° de janeiro de 1958.
2. A importância do Tratado de Maastricht na construção da República
Universal
E mais recentemente em Maastricht eles chegaram a
constituir um tratado geral, o qual tratado constitui de fato a “Europa
dos Doze”*.
* A União Européia
nasceu desse Tratado, assinado a 7 de fevereiro 1992 por doze
países-membros: Alemanha Federal, França, Reino Unido, Itália, Espanha,
Portugal, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Irlanda, Luxemburgo e Grécia. Daí a
denominação “Europa dos Doze”. Sucederam-se uma série de outros
tratados, e hoje a União Européia é constituída por 28 Estados-membros.
Esse Tratado foi introduzido muito velhacamente.
Porque os representantes de todos os governos da “Europa dos Doze”
- com exceção da Inglaterra que
não aceitou entrar na zona do euro -
perceberam que era um verdadeiro perigo consultar o povo sobre o que
opinava de suas cláusulas. E que mais valia a pena utilizarem-se do apoio
que contavam nos respectivos parlamentos, para fazer passar o Tratado
depressa.
Quando a Europa acordasse, as nações européias teriam
perdido o melhor de sua soberania em virtude das condições desse Tratado
[50].
* *
*
Mas a Dinamarca quis fazer um plebiscito. Parece que
a constituição dinamarquesa o exigia,
Os meios oficiais daquele país resolveram antes
publicar como seria a estrutura da Europa pelo Tratado de Maastricht. E os
dinamarqueses puderam ler essas explicações antes de votar.
Lendo-as, viram que, em primeiro lugar, era um texto
ininteligível (falarei mais adiante sobre essa ininteligibilidade). Em
segundo lugar, que era em todo o caso uma coleira passada no pescoço de
todas as nações da Europa.
Na hora de votar, ante a pergunta que no fundo era se
queriam continuar independentes ou não, a resposta foi: "Queremos
continuar independentes, não queremos saber desse Tratado". Uma
derrota para Maastricht, portanto
[51].
*
* *
Diante desse resultado na Dinamarca, em vários países
os opositores de Maastricht começaram a dizer: "Nós queremos
plebiscito".
Isso provocou a epidemia de um pânico.
Pois, para que essa Europa dos Doze não
tivesse o ar de uma ditadura, era preciso que ela simulasse ter sido
aprovada segundo os cânones do mais rigoroso democratismo.
Onde isto se verificou mais energicamente foi na
França*.
* No dia 9 de abril
1992, o Conselho constitucional da França sinalizou que, sem uma revisão
da Constituição, seria impossível a ratificação do Tratado de Maastricht.
Para sair do
impasse, o Parlamento francês reuniu-se em congresso a 23 de junho de
1992, introduzindo modificações na Constituição que viabilizavam tal
ratificação.
O governo de Mitterrand resolveu então — com risco
para todo esse castelo de cartas de baralho que era Maastricht — fazer um
referendo, o qual foi marcado para o dia 20 de setembro de 1992.
*
* *
Diante desse referendo, nasceu um imperativo para a
TFP francesa: ela tinha que se pronunciar.
Como se pronunciar? Só havia uma possibilidade: era
denunciando. Ou seja, tomando o Tratado de Maastricht e mostrando, pela
análise de artigos do Tratado, que ele liquidava com a independência da
França. E perguntando aos franceses: "O Tratado é este: vocês o
querem?"
[52].
3. Telefonema da TFP francesa e sugestão para intervir
Em telefonema com os dirigentes da TFP francesa, eu
disse a eles que, julgando as coisas de longe, no meu parecer, conviria
entrar no debate. Pois, mesmo se os contra-Maastricht não obtivessem a
maioria, e os pró-Maastricht tivessem uma maioria, mas muito pequena,
ficaria para eles malaisé, ficaria embaraçoso aos propugnadores do
tratado impor Maastricht.
Uma vitória dos pró-Maastricht muito apertada, muito
de raspão, equivaleria, no fundo, a uma derrota. Isto porque, impor à
metade ou a um pouco menos da metade de uma nação a aceitação de uma
espécie de renúncia à soberania, era uma coisa muito bruta e de resultados
muito incertos.
O assunto
deveria ser visto, portanto, não apenas em termos de números, mas de
números analisados politicamente
[53].
E fazer um esforço, em toda a medida do possível, para que os
franceses votassem pelo “não”. Uma pequena diferença poderia pesar no
final das contas
[54].
Além do mais,
deixar passar esse Tratado sem uma palavra da TFP seria uma verdadeira
tristeza
[55].
Dever-se-ia fazer alguma coisa, ainda que fosse para depois ficar
constando: “Nós avisamos”
[56].
4. Sorte da Europa e do mundo pendente do plebiscito francês
Outra coisa que pesava muito era o seguinte: dado o
papel da França na Europa e no mundo, se o plebiscito francês decidisse
largamente pró-Maastricht, seria a vitória de Maastricht na Europa. E se
decidisse contra Maastricht, seria a derrota de Maastricht na Europa.
Era, portanto, o destino da Europa que se jogava ali.
E, jogando-se o destino da Europa, jogava-se o
destino daquilo que é a parte mais culturalizada e mais carregada de
tradições do mundo: a parte onde existiu, como em nenhum outro lugar e
numa como que plenitude, a civilização cristã. Aquele solo havia sido
ensopado das bênçãos do precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tudo
isto estava sendo jogado naquele instante.
Ganhando o “não”, por muito tempo o plano da
unificação da Europa, ou seja, o plano de um supergoverno mundial, estaria
impedido
[57].
Aliás, os próprios jornais reconheciam: o destino do mundo estava sendo
resolvido nesse plebiscito francês
[58].
Consequentemente, era muito importante a TFP francesa
tentar galvanizar ao menos uma parcela grande dos partidários do “não”
[59].
5. Um tratado confuso e quase ilegível. A campanha da TFP francesa
Acontece que o texto do Tratado era a coisa a mais
estúpida, a mais maluca, a mais anárquica, a mais confusa que se pudesse
imaginar
[60].
Vários franceses eminentes chegaram a declarar que o Tratado era de fato
ininteligível. E isto foi reconhecido até por certos partidários do
Tratado.
|
Campanha diante de Notre Dame de
Paris, contra Maastricht |
Então resolvemos oferecer aos nossos amigos franceses
uma sugestão de texto, que naturalmente eles depois verteram para o
francês, e fizeram — como eu tive todo o empenho em que fizessem — várias
modificações
[61].
Tive de fazer um esforço intelectual muito grande
para ordenar e compreender aquele emaranhado de peças que se metiam
desordenadamente — em francês se diz enfouir — umas dentro das
outras no Tratado de Maastricht
[62].
Não se pode fazer uma ideia do quanto me cansou a elaboração dessa
sugestão de texto
[63].
Aquilo era uma confusão infernal. Tirar do ilegível
peçazinhas de contornos definidos para constituir um manifesto claro, era
um trabalho de Hércules.
E me comprazo muito de que vários da TFP colaboraram
expressivamente, na época, para a montagem desse manifesto, lendo muita
coisa, resumindo.
Depois, os membros da TFP francesa trabalharam sobre
o texto sugerido, fizeram os retoques necessários
[64],
dando-lhe a redação definitiva.
E o manifesto foi afinal publicado em Le Quotidien
de Paris* [N.S.:
uma síntese do manifesto, em português, pode ser lida aqui. O texto
integral,
em francês, pode ser lido aqui]
* Tal publicação
deu-se no 25 de agosto de 1992, vinte e seis dias antes da consulta
popular. A TFP francesa iniciou, então, uma pujante campanha de
distribuição do texto nas vias públicas de Paris e de várias cidades do
interior da França. Promoveu também o envio em massa, por correio, do
mesmo manifesto.
6. Episcopado: neutro antes, pró-Maastricht depois do manifesto
No dia seguinte à publicação do manifesto, o
Episcopado francês - que havia
anteriormente emitido uma nota manifestando-se neutro, sob a alegação de
ser o referendo uma questão toda temporal
- publicou às pressas um
manifesto a favor de Maastricht. Quer dizer, procurou arrastar a favor de
Maastricht uma parte da opinião católica que eles tinham medo que passasse
para o outro lado
[65].
A Hierarquia francesa ajudava assim a iludir muitos
entre os bons. Muitos dos que iriam votar pró-Maastricht não votariam
nessa direção se não fosse a atuação da Hierarquia
[66].
|
Campanha da TFP em Strasbourg (França), de difusão do manifesto
contra Maastricht |
7. Sinal amarelo: governo vence “avec un petit oui”
No começo, as intenções de votos nas pesquisas davam
muito mais pró-Maastricht do que contra Maastricht. Aos poucos foram
subindo os contra Maastricht e se igualaram.
Quando se aproximou o dia do referendo, a questão
estava num tal pé que um, dois ou três por cento dos votos poderiam
decidir a votação
[67].
Houve na mídia francesa uma inundação de propaganda a
favor do "sim".
Afinal, no dia 20 de setembro, os pró-Maastricht
venceram com apenas a pequena margem de 2,1%.
Uma maioria de 2,1 por cento era um palito
[68],
uma vitória de Pirro
[69].
O número de jornais e de pessoas que declararam
tratar-se de uma vitória pequena e de pouco alcance foi muito muito grande
na França*.
* “O governo
vence ‘avec un petit OUI et un puissant NON’”, ou seja, “com um
pequeno SIM e um possante NÃO”, comentou Jean Valleix, senador pelo
RPR (cfr.
Sénat — Première session extraordinaire de 1993-1994).
A opinião pública manifestou-se lúcida o bastante
para resistir contra uma tentativa de embuste grosseiro, como o de
apresentar a vitoriazinha de ninharia como uma vitória verdadeira do
Tratado de Maastricht.
O que significava um embaraço muito grande para o
governo Mitterrand
[70].
Se o governo sabia de antemão que 48,9% dos franceses
não queriam esse resultado, ele não tinha o direito de entregar a
soberania francesa ao estrangeiro com base numa tão exígua maioria.
Também o mecanismo político francês não havia
interpretado o país. A votação na Câmara a favor do Tratado de Maastricht
não correspondia nem um pouco à votação da Nação. Não havia uma fração
que, democraticamente falando, estivesse em condições de impor à outra,
servindo-se de uma maioria tão exígua, a entrega da soberania nacional
[71].
Um Ministro de Estado chegou a declarar: “Para o
governo, não foi um sinal vermelho, mas também não foi um sinal verde: foi
um sinal amarelo”. Com espírito francês, ele disse bem a coisa certa.
Quer dizer, pare, não ande, não avance, não faça bobagem, porque a
situação agora é delicada.
Em vista da pressão dos meios de comunicação social
em favor do “sim”, para quem tem um pouco de idéia do peso da propaganda
sobre o espírito de qualquer povo, ficou posta a pergunta: de fato foram
eles que ganharam?
[72]
Pode-se bem dizer que os pró-Maastricht tiveram uma
pequena vitória. E nós, os contra Maastricht, tivemos uma derrota
gloriosa.
O fato é que, neste lance, a irradiação da TFP
francesa cresceu
[73].
E por muito tempo o plano da unificação da Europa, ou
seja, o plano de um super-governo mundial, estava comprometido
[74].
Na Espanha, a TFP espanhola fez uma brilhante
campanha contra Maastricht. Em Portugal também [75].
* *
*
Depois de Maastricht, e a propósito de Maastricht,
houve novas combinações, novos tratados, tendo como ponto de apoio
Bruxelas, que foi transformada gradualmente na capital burocrática da
Europa*.
* Bruxelas é
realmente a capital de facto da União Européia, apesar da
inexistência de qualquer capital oficial declarada pela UE. A cidade
acolhe a Comissão Européia e o Conselho Europeu. Cerca de 75% do trabalho
do Parlamento Europeu tem lugar nesta cidade, apesar de sua instituição
oficial ser em Estrasburgo.
Depois de estabelecido o Parlamento Europeu,
votaram-se algumas leis “imperativas”, embora não tivessem o direito de
legislar, mas apenas de fazer recomendações. Aos poucos esse Parlamento
começou a querer impor essa legislação, como era evidente que tenderia
para isto, para todos os países da Europa pertencentes à União Européia
[76].
|
A comissão de sócios e cooperadores da TFP
no Congresso Nacional para a entrega do abaixo-assinado contra o
projeto de Reforma Agrária do governo Collor |
1. Projeto de reformas stalinistas: mudança completa da fisionomia do
País
Enquanto eu trabalhava o manifesto contra o Tratado
de Maastricht
[77],
estava tramitando no Brasil um projeto de lei de Reforma Agrária e outro
de Reforma Urbana, ambos terrivelmente esquerdistas e que feriam a fundo
dois princípios fundamentais da civilização cristã e dois princípios
básicos da economia brasileira e da economia de todo o mundo ocidental: a
propriedade privada e a livre iniciativa.
Se esses projetos fossem aprovados, o Brasil teria
entrado na maior crise que teve desde a Independência
[78].
No governo Collor, parlamentares brasileiros não
tiveram dúvidas em dar acelerado andamento aos projetos de lei 11D/91 e
71B/89, sobre Reforma Agrária, e ao projeto de lei 5.788/90, sobre Reforma
Urbana, que, sob a alegação de regulamentar os dispositivos do Título VII,
Capítulos II e III, da Constituição Federal, visavam instaurar no Brasil
as duas mais gigantescas reformas até então propostas por legisladores não
declaradamente comunistas
[79].
Esses projetos, se aprovados, teriam feito passar
nosso País do regime da livre iniciativa e da propriedade privada, para o
de um capitalismo de Estado quase completo
[80].
Dita reforma conferia atribuições com amplidão típica
de uma ditadura stalinista
- ou
mais ou menos tanto
- ao Estado,
o qual ficaria com poderes absolutos para pôr e dispor segundo o arbítrio
de seus mais altos órgãos, dos bens e da situação pessoal de todos os
agricultores e pecuaristas do País
[81].
Quanto à Reforma Urbana, os terrenos das cidades
ficavam tão sujeitos à desapropriação quanto os do campo. E o direito do
proprietário urbano se via reduzido a muito pouco.
Basta um exemplo para se ver o alcance dessa lei:
ninguém poderia construir uma casa sem que a prefeitura visse se essa casa
oferecia condições para que nela habitasse o maior número possível de
pessoas. Ou seja, o proprietário não teria direito de construir sua casa
como quisesse, mas ficava obrigado a ajeitar-se dentro de uma casa que a
prefeitura planejou para ele. Mais outra ocasião para perseguições
políticas
[82].
Tínhamos, portanto, que fechar essa porta também
[83].
2. Vigorosa campanha de abaixo-assinado: 1.133.932 brasileiros pedem
plebiscito
Esses projetos de lei em questão
- os da Reforma Agrária e da
Reforma Urbana - se arrastaram
por largo tempo, silenciosos e ignorados, pelos meandros da tramitação dos
processos parlamentares.
Quando o período legislativo ordinário de 1992 já se
encerrara, os Srs. deputados foram convocados a prolongá-lo
extraordinariamente, por motivos da crise política nacional que redundaria
na renúncia do Presidente Collor de Melo.
Coincidentemente, os projetos de regulamentação da
Reforma Agrária foram tirados de sua morosidade, e foram apresentados de
modo surpreendente ao Plenário em regime de urgência urgentíssima.
A pressa foi tal que, na hora da votação, violentando
as regras de praxe, o relator, deputado Odelmo Leão, leu um texto final do
qual os parlamentares não tinham conhecimento prévio.
O projeto acabou sendo aprovado pelo voto simbólico
das lideranças, uma vez que não havia em plenário quorum suficiente para a
votação
[84].
Quanto ao projeto de lei da Reforma Urbana, por sua
vez, foi posto na pauta das matérias
[85].
Quer dizer, o povo não percebeu, o povo não foi
informado, os jornais deram muito pouca notícia a respeito desse fato de
um alcance tão enorme para os destinos da Nação. E, por mero voto de
liderança, o assunto ia diretamente para o Senado.
A TFP, inteirada disso por nosso representante em
Brasília, imediatamente tomou posição. E mandou um telex para o Presidente
Collor, bem como para o presidente da Câmara dos Deputados, o Sr. Ibsen
Pinheiro, e para o Presidente do Senado, o Sr. Mauro Benevides, mostrando
os erros que havia nessa maneira de conduzir o assunto e fazendo uma
proposta.
A essência da proposta da TFP era a seguinte.
Já que se promoveu um plebiscito a respeito de
questões como monarquia e república, ou parlamentarismo e
presidencialismo, nós não compreendíamos que sobre uma reforma tão imensa,
como a Reforma Agrária, também não se fizesse um plebiscito.
E pedimos então que o Senado e a Câmara pedissem um
plebiscito ou referendo, para que cada brasileiro fosse consultado sobre
se queria ou não essa Reforma Agrária (eu tinha a vivíssima esperança de
que, por maioria esmagadora, o plebiscito ou referendo indicaria a recusa
do povo brasileiro à Reforma Agrária).
Nós pedíamos portanto que o País fosse ouvido
[86].
Simultaneamente, para pleitear a mencionada
realização de um plebiscito, a TFP organizou, a partir do dia 11 de agosto
de 1992, um abaixo-assinado nacional em que 344 coletores, atuando 7 horas
por dia, em 15 Estados, num total de 98 Municípios
- coadjuvados nessa ingente
tarefa por 135 correspondentes da entidade, que a ela consagraram suas
horas de lazer - conseguiram, em
cerca de um mês de campanha, 1.133.932 assinaturas.
O abaixo-assinado dirigia-se igualmente aos Srs.
Presidente da República, Dr. Fernando Collor de Mello, Presidente do
Senado, Dr. Mauro Benevides, e Presidente da Câmara dos Deputados, Dr.
Ibsen Pinheiro
[87]
e contou com uma acolhida popular que a nós mesmos nos causou surpresa.
Tínhamos certeza da boa acolhida popular, mas não
pensávamos que ela chegasse a ser tão calorosa. No primeiro dia de
campanha, andávamos já por perto de cem mil assinaturas
[88].
Uma comissão de 20 sócios e cooperadores da TFP
entregou, no dia 1º de dezembro de 1992, no protocolo do Palácio do
Planalto, 40 caixas contendo 117.973 folhas de abaixo-assinado com o
aludido número de assinaturas. Analogamente, foram encaminhados ofícios
aos presidentes do Senado e da Câmara Federal, comunicando a entrega
daquela documentação no Palácio presidencial*
[89].
* Na data da entrega desse
abaixo-assinado, Collor de Mello estava interinamente afastado da função
de Presidente, devido ao processo de impeachment em curso na Câmara
e no Senado. Ocupava então a Presidência da República o Vice-Presidente
Itamar Franco. A 29 de dezembro de 1992, Collor renunciou ao mandato.
Três anos depois, já no governo de Fernando Henrique
Cardoso, houve um desdobramento desse lance contra a Reforma Agrária.
Organizada pela Campanha SOS Fazendeiro, da TFP, uma
comissão seleta de brasileiros esteve em Brasília no dia 17 de maio de
1995, para levar ao Ministro Andrade Vieira, da Agricultura, Abastecimento
e Reforma Agrária, a manifestação de sua inconformidade com a Reforma
Agrária*.
* Essa Reforma
Agrária estava sendo impulsionada sob a égide do Presidente Fernando
Henrique Cardoso.
A comissão incluía
sacerdotes (entre eles, o então Cônego, hoje Monsenhor José Luis M. Villac), representantes de sindicatos, produtores e trabalhadores rurais e
o deputado federal Lael Varella. Vários produtores apresentaram com calor,
nessa entrevista de 30 minutos, as reivindicações da classe. Esta foi a
primeira reação dos agropecuaristas contra o pacote de desapropriações de
quase um milhão de hectares, decretado pelo Presidente Fernando Henrique
em seus primeiros 90 dias de governo.
Na ocasião, foram
entregues ao Ministro 30.310 petições de brasileiros inconformes com a
Reforma Agrária como vinha sendo aplicada no País. O porta-voz da Comissão
foi o Dr. Plinio Vidigal Xavier da Silveira, diretor da TFP (cfr.
Catolicismo n° 534, junho de 1995).
Assim, pela voz da TFP mais de 30 mil pessoas de todo
o Brasil pediam ao governo que apresentasse ao grande público um
levantamento dos resultados obtidos pela Reforma Agrária, nas terras em
que ela já havia sido implantada desde 1964. E que dissesse ao País que
vantagem houve na execução dessa Reforma Agrária.
Tratava-se de um pedido cujo caráter justo entrava
pelos olhos.
A acolhida do Ministro foi amável, mas nem tudo na
vida se resolve com amabilidades.
Quando está em foco uma injustiça, o assunto só se
resolve por meio da justiça. E nós só poderíamos nos sentir satisfeitos
quando notássemos que o plano injusto da Reforma Agrária não era mais
executado.
Todos sabiam que o imenso território brasileiro
comportava vastidões em grande parte ainda não ocupadas por ninguém. Ele é
tão extenso que está bem acima das proporções necessárias para a atual
população do País.
Ora, se há gente sem terra, por que essa gente não
era instalada onde havia terra sem gente, sobretudo no Norte do Brasil?
Por que razão o governo, que era o proprietário ocioso dessas terras
incultas, lançava mão de propriedades que pertenciam a outros?
4. No que deu a Reforma Agrária até agora? Assentamentos se
transformaram em favelas rurais
De mais a mais, a Reforma Agrária já provara ser um
fracasso. Fazendas outrora prósperas foram brutalmente sujeitas ao
processo de favelização.
|
Já em1987 a TFP denunciara o resultado "favelizador" da Reforma
Agrária socialista. O Prof. Plinio publicou um manifesto em que
desnuda o real resultado da RA e apresenta o livro acima mostrado
[Ver aqui]. |
Tanto é que, na audiência concedida pelo Ministro da
Agricultura, um sócio da TFP, Dr. Paulo Henrique Chaves, manifestou
cordial e respeitosamente ao Sr. Andrade Vieira estar “muito preocupado
com o fracasso dos assentamentos”.
A isto, o Sr. Ministro redargüiu: “Alguns”.
Dr. Paulo Henrique então acrescentou: “Eu já
visitei uns 10 ou 12 assentamentos. Todos os que eu visitei até hoje, um
total fracasso”. O Ministro ficou em silêncio.
Uma vez que isso era assim, tornava-se indispensável
ao governo parar com as desapropriações, dar as provas de que a Reforma
Agrária não estava favelizando o campo, abrir um debate nacional sobre o
assunto e só depois continuar, se fosse o caso. O que não fosse isso, não
seria democracia.
Cortesmente pedíamos ao governo as provas do
contrário, caso elas existissem. Que fossem publicadas — dizíamos — para
que o povo as conhecesse, e mostrar que nós estávamos enganados. Que nos
desmentissem! Que o Ministro da Reforma Agrária publicasse os resultados
obtidos com a aplicação da Reforma Agrária até aquela data. Que falasse,
nós estávamos ali pedindo.
Se essa publicação não fosse feita, se ela não fosse
convincente, se um debate sério e proveitoso não viesse a arejar o
assunto, ficaria para a História que a Reforma Agrária tinha sido aplicada
sem documentação que provasse seu acerto.
Ela seria assim imposta ao País, e aplicada na marra
por uma lei injusta. E ficaria patente que não houve progresso nenhum, mas
sim a vitória da demagogia que soube impor sua opinião ao governo em
detrimento do País
[90].
Livro Original e
Profundo — O papel das Elites segundo a Doutrina Católica
1. Cinqüenta anos antes, uma idéia realizada cinqüenta anos depois
Lembro-me até hoje quando, em 1944, li no
Osservatore Romano um discurso de Pio XII à Nobreza romana, falando do
papel desta
[91].
Era preciso ter vivido naquele tempo para compreender
o silêncio pesado e diabólico que cercou a publicação desse documento. Que
eu saiba fui só eu que
o comentei num jornal como era o Legionário
[92].
Já naquela época, veio-me completa a idéia de,
baseado nos ensinamentos de Pio XII, escrever um livro sobre a Nobreza, e
vi o proveito que se poderia tirar de tudo aquilo para a boa causa
[93].
Cheguei até a escrever, naquele ano, uma espécie de
pré-livro da Nobreza
[94].
Paradoxalmente, naquela época as coisas no mundo
andavam muito menos mal do que hoje. Mas naquele mundo menos mau, meus
artigos produziram uma inércia prodigiosa
[95].
Quer dizer, houve uma espécie de laje de chumbo em cima do tema
[96].
O resultado é que, por dezenas de anos, eu não mexi
mais no assunto. Não que eu me esquecesse, mas por parecer-me que o
momento não era oportuno. Pois vi que, se eu publicasse um livro a esse
respeito naquela ocasião, não encontraria repercussão
[97].
|
O Prof.
Plinio, na viagem à Europa em 1988, observa a Praça do Obradoiro, em
Santiago de Compostela, Espanha. Atrás a escadaria de acesso ao Pórtico da
Glória da Catedral |
Passados os tempos, me veio à cabeça que, mudadas
também favoravelmente as mentalidades em vários países do mundo, o ideal
monárquico se reacendendo auspiciosamente, havia clima para a publicação
desses documentos do Papa, mas com comentários mais amplos. E eu então
resolvi fazer esse livro que trata da Nobreza e das elites tradicionais
análogas
[98].
Que circunstâncias foram essas? Preciso explicá-las
um pouco longamente, para se poder entender o alcance do livro que
escrevi.
* *
*
No ano 1988, fiz uma viagem pela Europa. E
encontrei-a bem mais rica do que eu a havia deixado 30 ou 40 anos atrás.
Na década de 50, ela estava toda lanhada, com os
ferimentos ainda frescos da última guerra mundial. Esses ferimentos se
tinham somado ao corpo velho e cansado da Europa, a qual não cicatrizara
inteiramente nem das feridas da I Guerra Mundial
[99].
E tudo isso agravado por antecedentes históricos que
ajudaram a formar esse quadro.
Que antecedentes tinham sido esses?
2. Século XIX: “monarquista enquanto católico e católico enquanto
monarquista”
|
O
enciclopedismo pretendia explicar sob o prisma racionalista toda a
natureza |
Quando nos reportamos ao último período anterior à
Revolução Francesa, a Europa ainda era totalmente marcada pela Renascença
e pelo racionalismo.
Tomando em consideração que a sociedade francesa dava
o tom a toda a Europa, era portanto toda a sociedade européia que estava
nessa situação.
De um lado, ela era muito frívola, perpassada por
ditos finos, espirituosos, engraçados, verdadeiros petiscos do ponto de
vista do espírito, da inteligência, mas sem pensamento profundo, sem nada
que representasse seriedade. A glória militar, por exemplo, já não
produzia admiração. Nem produzia admiração o que era mais sério.
|
Voltaire e
Rousseau |
Único tipo de intelectuais que era tolerado eram os
enciclopedistas, todos eles racionalistas, muito raciocinantes, mas de
um raciocínio completamente no ar, produzindo quimeras brilhantes como
as de Rousseau.
Ou então um palhaço do espírito, como era Voltaire.
Muito raciocinador, esgrimidor, mas engraçado. Seus raciocínios não
concluíam pela lógica, concluíam pelo debique, arrasando o adversário
com coisas desse gênero.
O ambiente geral era de otimismo. Uma festa!
Ficavam de fora desse quadro duas necessidades do
espírito humano. Uma era a observação da realidade nua e crua como ela
é, em contraposição a uma realidade fictícia, brilhante, reluzente, mas
imaginária e irreal.
E outra era a necessidade de abandonar essa secura de
espírito e de coração, que não permitia senão o divertimento e o
raciocínio no ar, para dar lugar ao sentimento, à bondade, e também para
que a dor humana encontrasse sua possibilidade de expansão. Uma cultura
bem concebida tem que dar lugar à expressão do sofrimento, como dá lugar à
expressão de outros sentimentos humanos.
|
"Em uma realidade fictícia,
brilhante, reluzente, mas
imaginária e irreal, a total ausência da noção de sofrimento"
La Famille
du duc de Penthièvre en 1768, dit aussi La Tasse de Chocolat -
Jean-Baptiste Charpentier, le Vieux |
Isto estava trancado e posto de lado na cultura
pré-Revolução Francesa.
O resultado foi que, enquanto esse exagero ia
caminhando até o delírio, uma certa parte da nobreza começou a reagir
contra isto, produzindo uma certa reação impulsiva, um bom número de anos
antes da Revolução Francesa se declarar. Então começaram a voltar para o
interior e ir morar nos seus castelos, restaurando e construindo
edificações góticas que antes eram abominadas.
*
* *
Quando explodiu a Revolução Francesa, em 1789, houve
todos os horrores que todo mundo sabe. E o mundo que emergiu dessa
revolução, como reação exagerou aquilo que faltava no mundo anterior.
Então vimos o papel do sentimento deixando de lado e
dominando a razão, e o papel da observação da realidade procurando já não
mais uma realidade real, mas uma realidade levada a figurar principalmente
o horrível, o prosaico, o baixo, o vulgar, como uma espécie de vingança,
de desforra do espírito humano em relação àquela feeria brilhante anterior
à Revolução Francesa.
Daí veio a série de romances lacrimejantes,
representando tragédias. Então óperas e dramas em que os personagens se
matavam. E os romances em que o suicídio era o mais bonito dos desfechos.
Daí ter surgido o Romantismo e a tendência ao
trágico.
Mas também, junto com esses exageros, surgiu a boa
tendência ao gótico, ao sério, ao direito, aos estudos históricos.
Apareceram então sociólogos como Le Play, De Bonald, De Maistre e vários
outros, que apresentavam a realidade como ela era.
Surgiu, portanto, em toda a Europa, em face da
Revolução Francesa, uma onda enorme de opinião contra-revolucionária,
gerando o aparecimento de movimentos como o da Restauração na França, do
Carlismo na Espanha, o de Andreas Hofer na Áustria e outros.
Foi nessa ocasião que se vincou a idéia do
monarquista enquanto católico e do católico enquanto monarquista,
quer dizer, a consciência da relação profunda entre a forma de governo
monárquica e a doutrina católica, e a idéia de que Altar e Trono eram
aliados naturais contra a Revolução. E esta idéia ficou firme na Nobreza,
ficou firme no Clero, ficou firme no povo.
|
Le sacre de Louis XV, Roy de France et de Navarre à
Reims le 25 d'octobre 1722 (détail) - BNF
A França Católica, sabedora bastante de que era só no
seio da Igreja que ela atingia sua perfeita plenitude, gostava de
ver o seu rei assim, como procurador de Deus. Por
isso, nada a empolgava tanto quanto o momento em que ele, na mesma
catedral de Reims, ajoelhado diante do grande Pontífice, ouvia estas
palavras solenes:
“Eu vos sagro Rei com este Santo Óleo, em nome do
Padre e do Filho e do Espírito Santo”. |
E quando Carlos X foi derrubado na França, o elemento
legitimista da Nobreza francesa em geral migrou para o interior, e ali
passou a levar uma vida de castelo, fazendo festas, se intervisitando
etc., mas com uma nota de austeridade e piedade muito grande.
Ele era um bom castelão, ela uma boa castelã; eram
bons para os pobres, pertenciam às Conferências Vicentinas. E eram de fato
pessoas muito boas, muito virtuosas, muito direitas, mas que não se
sentiam com um papel a desempenhar. Era essa a posição deles.
Acontece que esses monarquistas percebiam pouco o
lado metafísico que sustentava a sua posição. Em contrapartida, os
republicanos adotavam tal posição por uma razão metafísica: o
igualitarismo.
3. Política do ralliement: uma estocada na posição monárquico-católica
Foi nessa situação
que se vibrou contra essa gente,
como uma estocada, a política de ralliement de Leão XIII, quando
ele declarou que não havia nenhuma razão para o católico, enquanto
católico, preferir a forma de governo monárquica; e que os católicos eram
igualmente livres de preferir a monarquia ou a república.
|
Leão XIII |
Pela doutrina católica, o católico pode realmente ser
a favor da forma republicana, ou da forma aristocrática ou monárquica de
governo, ou das várias formas combinadas entre si. Nisto não haveria nada
a objetar do ponto de vista católico.
Mas, ao enunciar este princípio, Leão XIII havia
deixado de lado a questão metafísica, ou melhor, a questão política
envolvendo uma questão metafísica: a antipatia pela monarquia, existente
em virtude do princípio da igualdade, era um problema agudo sobretudo na
França. E Leão XIII tomou só em tese a questão da legitimidade das diversas
formas de governo, sem ir às raízes do problema então fundamental.
Ora, ser igualitário enquanto posição metafísica,
afirmando que a perfeição de todas as coisas consistia na igualdade, era
um erro. E, enquanto tal, devia ser condenado.
Leão XIII, fazendo sua declaração sobre as formas de
governo sem estabelecer essa distinção, acabou levando os franceses
monarquistas e católicos a abandonarem a posição metafísica
contra-revolucionária.
Foi, portanto, uma punhalada medonha nessa gente.
Muitos deles, diante disso, aderiram à república e
começaram a lutar nos partidos republicanos.
Concretamente aconteceu que o católico nobre, ou o
conservador monarquista não nobre — os havia muitos — perdendo a sua razão
metafísica de ser monarquistas, começaram a se deixar absorver pelo mundo
moderno, passando a aceitar a Revolução Industrial, a se entusiasmar sem
restrições pelos automóveis, trens, telégrafos etc. Isto porque a razão
metafísica tinha se esfarelado na cabeça deles, pela omissão de Leão XIII.
4. Emenda pior que o soneto: a opção laicista de Maurras-Daudet
|
Charles
Maurras |
Ao mesmo tempo em que a política de ralliement
de Leão XIII fazia essas devastações, apareceu a dupla Maurras-Daudet,
dizendo-se monarquistas e dizendo que Leão XIII tinha razão: Religião não
tinha nada que ver com o monarquismo.
Esses dois então conclamaram esses franceses para uma
ação monárquica laica e desligada da Religião, apenas admirando na
Religião a expressão do talento e do gênio francês.
Com isto, eles levaram parte dessa gente, que estava
decepcionada com o ralliement, para uma posição em que
deixavam para trás Leão XIII, deixavam para trás Deus (Maurras se
declarava ateu). E ficaram assim monarquistas tortos.
Era essa a situação da aristocracia, da boa
burguesia, e do que havia de sadio na França nas vésperas da I Guerra
Mundial, antes de começar a débâcle.
Depois veio a guerra e tudo ruiu por terra.
5. Situação dos monarquistas não-laicistas
O que aconteceu com a outra parte, a dos monarquistas
não-laicistas?
Eles se sentiram meio atordoados: continuaram a
manter a Fé, freqüentar os sacramentos, mas ficaram tíbios em matéria de
Religião. Exatos, cumpridores dos seus deveres, comungando,
confessando-se. Eram monarquistas sem saber bem por que eram monarquistas,
nem por que eram católicos, e que nexo tinha uma coisa com outra.
De maneira que deram numa massa de população, nobre e
não nobre, a qual ficou esparsa pela França, deixando de constituir um
corpo social unido.
E quando começaram a perder a fortuna, não tinham
mais representação, não tinham mais situação oficial. E sobrevieram mais
alguns desabamentos com a II Guerra Mundial
[100].
6. Um fenômeno recente: Nobreza rejuvenescida, mas sem noção de sua
missão
Considerando todo esse quadro, eu ficava com muita
dúvida sobre se a Europa conseguiria se recompor. Até que, em determinado
momento, conveio aos planejadores da União Européia enriquecer a Europa,
para efeito de um determinado plano internacional
[101].
Com a entrada do dinheiro, a Europa tornou-se
francamente rica. E com esse dinheiro, alguma coisa foi parar nas mãos
desses nobres também.
E, na minha viagem de 1988, prestando muita atenção
nos apartamentos, nas casas, no modo de se apresentar, notei tudo
renovadinho, direitinho, as senhoras de ar conservador mais bem
arranjadas, mais senhoras de si. E, longe de estar acompanhando a grande
moda, essa gente estava mais aprumada, mais saudável. Era um
reflorescimento geral.
Mas, apesar de tudo isso, eu via que boa parte desses
nobres haviam perdido a noção do que era a Nobreza, do que esta
significava e qual a missão que deviam desempenhar.
Seus componentes sabiam o que eram, mas achavam que
isto era apenas um resto do passado que sobreviveu, e não se achavam
necessários para o bem de toda a ordem social.
7. Conversa com alguns nobres espanhóis
Foi aí que tive, na Espanha, uma conversa com alguns
nobres, em que expus para eles as nossas idéias sobre a Nobreza. Eles
caíram das nuvens e ficaram sensibilizados.
Toda aquela pseudo-epopéia e prestígio que a
Revolução Francesa tinha, e que vinham ligados ao ralliement, hoje
tudo isso murchou muito. E não há mais o republicano metafísico
entusiasmado com o igualitarismo, que havia no tempo de Leão XIII.
E esses nobres ficaram numa alternativa entre o
comunismo — que a Igreja condenou, mas em relação ao qual, infelizmente,
os Papas conciliares tentaram fazer o ralliement — e um passado que
ninguém mais combate.
De fato, praticamente ninguém mais fala contra os
nobres, ninguém mais os odeia, ninguém mais os discute. De maneira que
aquele quadro todo da década de 50, de indiferença pelas alocuções de Pio
XII sobre a Nobreza, havia passado por uma inversão.
E eu fiquei com a esperança de que, se lançasse
adequadamente um livro sobre a Nobreza, ele poderia ter um efeito
detonador, permitindo a retonificação desses elementos esparsos
[102].
8. Entre uma batalha e outra, a preparação de um livro sobre o papel
da Nobreza
Comecei então a escrever esse livro com muito empenho
[103]. E nem consultei os artigos do
Legionário e do Catolicismo para me inspirar neles. Eu
simplesmente tomei o de que eu me lembrava e escrevi o que estava no meu
espírito naquele tempo e que, graças a Deus, continuava
[104].
Encontrei simpatia, apoio caloroso, interesse vivo,
da parte daqueles mesmos que antigamente não se tinham interessado
[105].
Escrevi este trabalho em meio a mil atividades —
crescentes na acentuada proporção em que iam crescendo, com a graça de
Deus, todas as TFPs e o meu relacionamento com elas — nas quais me via
cada vez mais enleado
[106].
Este foi, portanto, um livro escrito por um soldado
durante a batalha, tendo por mesa o tambor
[107].
* *
*
A preparação desse livro não foi muito longa. Ela
começou em 1989, desfechando na publicação de uma edição-piloto em
dezembro de 1991.
Retomei a redação em fevereiro de 1992, e por fim o
livro pôde vir a lume em Portugal, em abril de 1993
[108].
Foi assim que escrevi o livro
Nobreza e elites
tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza
romana.
Pio XII pronunciou, em seu pontificado, catorze
importantíssimas alocuções, as quais contêm um apelo a que fossem
preservados cuidadosamente, nos países com tradição nobiliárquica, as
aristocracias respectivas.
E que, ao mesmo tempo, as elites novas, originadas do
trabalho exercido no campo da cultura, como no da produção, encontrassem
condições propícias para constituírem elites autênticas, congêneres com a
Nobreza por sua formação moral e cultural, como por sua capacidade de
mando.
Caber-lhes-ia formar, à maneira da Nobreza,
verdadeiras elites capazes de originar homens de escol nos mais variados
campos.
O livro analisa as condições do mundo contemporâneo à
luz das catorze alocuções de Pio XII
[109].
9. Receptividade pelo tema, um sinal da Providência
Depois de ter escrito o livro, comecei a lê-lo no
auditório da TFP, com comentários. Era preciso ter estado presente para se
fazer idéia do ambiente de entusiasmo — eu diria mesmo de graças — que
acompanhava esses comentários
[110]. [N. do Site:
Uma substancial série destas conferências sobre o Livro da Nobreza podem
ser vistas aqui]
E isto se deu também com a opinião pública: desde a
Revolução Francesa, o espírito monárquico e aristocrático não era
acolhido como estava sendo agora.
Era um tema que seria negado, que seria tido como
inviável, odiado. E agora as pessoas aplaudiam. Até mesmo nos arraiais dos
nossos inimigos aplaudem!
É uma tal inversão de causas e efeitos que se é
levado a supor que há nisso uma graça de Deus.
E o curioso é que esse solavanco foi dado num momento
em que essas luzes iam dar os últimos lampejos. Na última hora, no último
minuto, a última luz recebeu um sopro para se apagar, e nesse sopro saiu
um sol!
[111].
Quer dizer, depois de um longo inverno, aparecia uma
primavera de interesse e de calor pelo tema
[112]. E, no meu outono, Nossa Senhora me dava
a graça de publicar esse livro que havia dormido, engavetado e empoeirado,
na sua forma primeira, durante cerca de 40 anos.
Em cima desse livro havia, portanto, algo de
glorioso. Havia 40 anos de espera que poderíamos chamar de profética
[113].
10. Um livro para desfazer os preconceitos contra a Nobreza
O Livro da Nobreza, como ficou conhecido entre nós,
não era um livro teórico, que se destinava só a explanar o que é a Nobreza
em tese
[114].
Ele era um instrumento de batalha ideológica
[115], que dava um tiro no ponto de
solidariedade do mundo contemporâneo com a Revolução
[116].
Ele visava principalmente desfazer os preconceitos
que estavam nas cabeças das pessoas, e que as levavam a ter prevenção
contra a Nobreza.
Se essas prevenções não fossem destruídas, toda a
exposição sobre a Nobreza corria o risco de ser recebida com hostilidade e
não alcançar resultado.
Era preciso agir, portanto, sobre os que eram hostis,
ou para trazê-los para as nossas teses, ou pelo menos para fazer com que
eles as respeitassem, e compreendessem que elas se baseavam em argumentos
muito sérios. E isto os deixaria na dúvida: “Quem sabe se os favoráveis
à Nobreza têm razão?”
Este livro foi escrito, pois, para ganhar terreno
dentro de uma operação de Contra-Revolução
[117].
11. A justiça está na desigualdade cristã
Havia ainda outro aspecto importantíssimo: mais do
que tudo, o Livro da Nobreza era uma Contra-Revolução na Igreja
[118].
O livro atacava, não todo e qualquer exercício da
democracia, mas a democracia revolucionária, a democracia igualitária, o
mito infernal da igualdade absoluta, da liberdade anárquica, da
fraternidade mentirosa. Esse mito era atacado no ponto onde a ofensiva
dele era mais perigosa, que é exatamente dentro da Igreja. E atacado com a
melhor arma que existe, que são os documentos de Pio XII
[119].
Se tudo isso que nele está dito for verdade, o que a
Igreja diz sobre o problema social fica a pedir uma complementação na
linha do papel das elites. E, feita essa complementação, todo um lado novo
da fisionomia da Igreja fica apresentado
[120].
Um católico, enquanto católico, teria então a
obrigação de reconhecer tudo quanto no livro está dito sobre a Nobreza. E
se a pessoa entende assim a condição da Nobreza, não pode haver esquerda
na Igreja, pois a Igreja se identificaria com a direita*
[121].
* É preciso
descartar a falsa idéia de que a direita se confunde com sua caricatura, o
nazifascismo.
Os erros de ambas
as doutrinas foram condenados por Pio XI: os do fascismo na Encíclica
Non abbiamo bisogno, e os do nazismo na Encíclica Mit brennender
sorge.
No seu livro, como
em tudo quanto escreveu ao longo de sua vida, Dr. Plinio sempre aderiu
inteiramente à doutrina social católica. Haja vista a sua posição
condenando o cunho socialista oficial do fascismo, e não só oficial, mas
até marcantíssimo, do nazismo (cfr.
A bengala e a laranja, Folha
de S. Paulo, 24/5/70).
* *
*
As palavras "direita" e "esquerda" surgiram no
vocabulário político, social e econômico da Europa do século XIX. O
esquerdismo era uma participação ideológica no pensamento e na obra de
algo ainda recente e bastante definido em suas linhas gerais, isto é, a
Revolução Francesa. A esquerda não era só uma negação vulcânica de uma
tradição que parecia morta, mas também e cada vez mais a afirmação de um
futuro que se diria fatal.
Em face da Revolução avassaladora, a direita só se
definiu aos poucos, de modo tateante e contraditório.
A definir-se como um anti-esquerdismo, e a
fortiori como um anti-anarquismo, o que teria de ser, em inteiro rigor
de lógica, a direita?
Está na essência do anarquismo total a afirmação de
que toda e qualquer desigualdade é injusta. Assim, quanto menor a
desigualdade, menor a injustiça. A liberdade é cara ao anarquismo,
precisamente porque a autoridade é em si mesma uma negação da igualdade.
O direitismo afirma que, em si mesma, a desigualdade
não é injusta. Que, em um universo no qual Deus criou desiguais todos os
seres, inclusive e principalmente os homens, a injustiça é a imposição de
uma ordem de coisas contrária à que Deus, por altíssimas razões, fez
desigual (cfr. Mt. 25, 14-30; 1 Cor. 12, 28 a 31; S. Tomás,
Summa
contra gentiles, Livro III, Cap. LXXVII).
Assim, a justiça está na desigualdade.
Dessa verdade básica
- convém lembrar de passagem
- não se deduz que quanto maior
for a desigualdade, mais perfeita é a justiça. Com efeito, Deus criou as
desigualdades, não aterradoras e monstruosas, mas proporcionadas à
natureza, ao bem-estar e ao progresso de cada ser, e adequadas à ordenação
geral do universo. E assim é a desigualdade cristã.
Análogas considerações se poderiam fazer acerca da
liberdade no universo e na sociedade.
Mas esse padrão de direitismo não é a desigualdade
absoluta, simétrica e oposta à igualdade absoluta. É a desigualdade
harmônica, convém insistir [122].
12. Uma bomba contra a esquerda católica
O progressismo, que veio trazendo em seu bojo uma
espécie de republicanização democrática dentro da Igreja, ficaria
impugnado com as alocuções de Pio XII que comento no livro.
Pois o que notamos em cada reforma progressista que
aparece, é que ela constitui uma marcha para alguma coisa que representa,
na Igreja, um papel parecido ao representado nas sociedades temporais
pelas revoluções republicanas. Tais reformas pegam todo o aparato
monárquico, o mandam para o museu e começam a viver uma vida sem belezas,
sem símbolos, sem adornos
[123].
Nos infelizes dias da crise em que se encontra a Santa Igreja de Deus, nós
vemos muitas vezes muitos católicos fazerem uma verrina quase incessante
contra os exageros das desigualdades sociais.
É evidente que onde há o exagero, pode haver facilmente uma injustiça. Mas
a questão é saber se, em si, a desigualdade social é legítima ou não. E
essa legitimidade é o que os Papas nos ensinam com a abundância de
argumentos que são citados no livro. A interpretação quase comunista que
alguém poderia dar do que é a opção preferencial pelos pobres fica
arrasada com a documentação deste livro.
O ponto fundamental do contraste entre o que é a sociedade temporal
inspirada e desejada pela Revolução e a sociedade temporal desejada por
Nossa Senhora, ensinada por Jesus Cristo, pela Igreja Católica, é este: o
da igualdade e o da desigualdade. A Revolução é toda ela fundamentalmente
igualitária, e tudo quanto é fundamentalmente igualitário e nega qualquer
hierarquia em qualquer terreno é revolucionário e é de Satanás.
A publicação da coletânea de textos pontifícios que nós difundimos em
nosso livro não me consta que tenha sido feita por ninguém até hoje. Eu
não sei de ninguém que tenha feito uma coisa deste gênero, e ainda mais
acompanhada com um comentário que corta qualquer interpretação abusiva
desses textos.
De maneira que o Livro da Nobreza poder-se-ia chamar acies ordinata,
quer dizer, exército em ordem de batalha. É o exército do
pensamento anti-igualitário e do pensamento celeste ensinado pela Igreja
através de Papas, de doutores, de santos, e de uma torrente incontável de
moralistas, de teólogos. Eles ensinam a doutrina da desigualdade harmônica
e proporcionada. Quer dizer, as classes desiguais existem para viver em
harmonia e mútua colaboração: os ricos existem para ajudar os pobres, os
pobres existem para servir os ricos. Uns são necessários aos outros
[124].
De sua perfeita consonância com o ensinamento
pontifício dão testemunho
calorosas cartas de apoio dos Emmos. Cardeais
Silvio Oddi, Luigi Ciappi, Alfons M. Stickler e Bernardino Echeverría, e
de teólogos de fama mundial, como os padres Raimondo Spiazzi OP, Victorino
Rodríguez OP, e Anastasio Gutiérrez CMF.
A primeira edição desta obra em idioma português foi
confiada à Editora Civilização, de Portugal, e veio a lume em abril de
1993.
Traduzida para o castelhano, foi divulgada na Espanha pela Editora
Fernando III El Santo. Essa edição cobriu não só o território espanhol,
como o das nações hispano-americanas.
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Sessão de
lançamento do Livro da Nobreza no auditório do Mayflower Hotel,
Washington, setembro de 1993 |
Nos Estados Unidos, a obra foi publicada pela
importante editora Hamilton Press, e teve seu
lançamento oficial no
prestigioso Mayflower Hotel de Washington, em setembro de 1993.
Na ocasião, diante de um público de 850 convidados,
entre os quais a Arquiduquesa Mônica da Áustria e o Duque de Maqueda,
Grande de Espanha, discursaram personalidades de alto relevo na vida
pública norte-americana.
Na França, publicado pela Editora Albatros, o livro
vem encontrando larga aceitação em amplos setores daquele país*.
* O lançamento da
obra deu-se no Hotel Crillon, e nesta ocasião foi vendida toda a edição.
A
TFP francesa lançou posteriormente uma edição própria.
Na Itália, a obra foi publicada pela Editora
Marzorati, e apresentada no Congresso da Nobreza Européia, realizado em
Milão, em outubro de 1993, como também numa concorrida sessão de
lançamento oficial no Circolo della Stampa, Palácio Seberlloni,
daquela cidade.
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Lançamento
em Roma do Livro da Nobreza no histórico palácio da Princesa Elvina Pallavicini |
O lançamento em Roma ocorreu no histórico palácio da
Princesa Elvina Pallavicini, com a presença do Cardeal Alfons Stickler, de
Monsenhor Cândido Alvim Pereira, Arcebispo emérito de Lourenço Marques, do
Arquiduque Martin da Áustria, de príncipes, princesas e inúmeros outros
membros da mais alta aristocracia italiana.
Nesses diversos atos, a obra foi, além de
acuradamente analisada, também vivamente elogiada pelos distintos
conferencistas que se sucederam no decurso das sessões então realizadas.
Na imprensa romana, a repercussão desse lançamento
foi das mais vivas*.
* A Rádio-Televisão
italiana transmitiu as cenas do acontecimento no seu telejornal do domingo
31 de outubro, e entrevistou a respeito o Príncipe Sforza Ruspoli, um dos
destacados conferencistas, que apresentou a obra do Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira na referida Convenção do Palacio Pallavicini, sob um grande
estandarte vermelho com o leão dourado rompante marcado pela cruz e o lema
Tradição, Família e Propriedade.
Il Tempo do
dia 1º de novembro se referiu à jornada de apresentação "da monografia
[...] traçada por Plinio Corrêa de Oliveira, um dos maîtres à penser
da direita".
La Repubblica,
na edição do mesmo dia 1°, informava ser o evento "patrocinado pelo
Centro Romano Lepanto e por um Movimento cujo nome é mais eficaz do que um
slogan político: Tradição, Família e Propriedade".
Segundo o jornal, a
presença do Cardeal de Cúria Alfons Stickler e de uma dezena de
sacerdotes, junto com as cartas de adesão ao livro da parte de Cardeais
como Silvio Oddi e Luigi Ciappi, teólogo papal de Paulo VI, "revelam a
atenção que alguns ambientes da Cúria Romana deram ao encontro".
Por seu turno, o
jornal Secolo d'Italia (edição de 2/11/93), trouxe uma destacada
matéria assinada por Guglielmo Marconi, em que este perguntava: "No
processo de reconstrução moral do País, que papel podem desempenhar as
elites tradicionais? [...] Na busca de algo novo, muitas sugestões
podem vir da tradição. De uma Convenção realizada nestes dias em Roma
(Palacio Pallavicini), sob a iniciativa do Centro Cultural Lepanto e da
TFP (Tradição, Família e Propriedade), partiu o convite a reconsiderar o
papel que possam desempenhar a nobreza e as elites tradicionais nesta obra
de reconstrução moral e cívica. A ocasião ofereceu-a a publicação, na
editora Marzorati, de um livro de Plinio Corrêa de Oliveira".
O jornal L'Unità,
órgão do ex-partido comunista italiano, fez referências ao lançamento em
dois artigos de sua edição de 3 de novembro.
Um desses artigos,
assinado por Enrico Vaime, comentava irritado o destaque dado pela
televisão italiana ao evento, dizendo que a aristocracia romana reaparecia
"com um programa ornado pelas condessas, sobre um estandarte carmesim:
Tradição, Família e Propriedade".
Outro artigo,
assinado por Stefano Dimichele, destacava a declaração da Princesa
Pallavicini de que, para a sociedade atual, "a única salvação é o
retorno aos valores verdadeiros". Tendo o jornalista perguntado: "E
quais seriam, Princesa?", ela deu uma pronta resposta: "Tradição,
Família e Propriedade, naturalmente" (cfr.
Catolismo n° 516,
dezembro de 1993).
O evento chegou a ser apresentado por Il Tempo
(edição de 31/10/93) como “os estados gerais da aristocracia negra”,
como é designada na Itália a parte da Nobreza romana que, solidária com a
Santa Sé, se recusou a reconhecer a anexação forçada dos Estados
Pontifícios à Itália*
[125].
* Esta parte da
Nobreza romana portou traje negro, em sinal de luto, desde o momento da
invasão dos Estados Pontifícios pelas tropas de Garibaldi em 20 de
setembro de 1870, até a data da celebração do Tratado de Latrão em 11 de
fevereiro de 1929, do qual nasceu a Concordata entre a Itália e a Santa
Sé, ratificada em 7 de junho do mesmo ano.
1. Amolecimento dos governos das Américas em relação à Cuba de Fidel
Castro
Em 1994, chegou-me a notícia de que se realizaria em
Miami, entre os dias 9 e 11 de dezembro, a chamada Cúpula das Américas,
reunindo todos os primeiros mandatários do Continente, com a merecida
exceção cubana [126].
Eu ia notando que, com a política de aproximação da
Santa Sé com Cuba, vários outros governos sul-americanos começaram a mudar
de atitude com Fidel Castro. E isto apesar de que, quando caiu o Muro de
Berlim, a atitude de Fidel Castro ter sido a mais insolente possível [127].
Para se ter idéia dessa insolência, transcrevo apenas
trechos de um discurso do ditador noticiado por O Estado de S. Paulo
(31/10/89), sob título Fidel se diz o último comunista.
Nele, o Stalin cubano se declarou disposto a
continuar defendendo a ortodoxia comunista mesmo que "mais ninguém no
mundo o faça". E acrescentou: "Jamais vamos renegar o honroso
título de comunista". Mais adiante acrescentou: "Viva a rigidez na
defesa dos princípios revolucionários, nada de flexibilidade". Não
contente com isso, afirmou ele ainda: "Agora estão dizendo que há dois
tipos de comunistas: os bons e os maus. Quero dizer que nós estamos entre
os maus — maus porque somos incorrigíveis, [...] jamais vamos
regredir à pré-história". Citemos ainda estas últimas palavras:
"Temos que permanecer [...] firmes e entrincheirados nas
idéias do
comunismo, do socialismo" [128].
Com o que ele tentava manifestamente salvar de um
desmoronamento mais ou menos real, mais ou menos aparente, os partidos
comunistas dos vários países da Europa, da América e de outros
continentes.
De outro lado, ele continuou a perseguição em Cuba,
exatamente como estava antes da queda da Cortina de Ferro.
Isto tudo feito, os chefes de Estado da América do
Sul, e depois também da América do Norte, começaram a se manifestar
pessoalmente simpáticos a Fidel Castro, dando a entender que ele já estava
velho, estava mudado e que mais cedo ou mais tarde ele morreria e mais
valia a pena tratá-lo bem, porque aí o regime não comunista poderia
expandir-se à vontade em Cuba [129].
A manutenção do bloqueio da ilha passou a ser
apresentada como medida discriminatória e odiosa, ao passo que a cessação
do bloqueio era vista como uma aspiração simpática e generosa. Desta
forma, a generosidade de alma passou a consistir em apertar a mão do
carrasco, consolidando-o ipso facto no poder [130].
Sob o bafejo dessas e de outras fantasias da mesma
natureza, de um modo geral as chancelarias das nações sul-americanas
começaram a convidar Fidel Castro, quando havia algum evento que contava
com a participação de todos os chefes de Estado americanos.
Nessas ocasiões, Fidel Castro aparecia com grande
destaque publicitário, e era tratado pelos chefes de Estado não comunistas
— eu não ousaria dizer anticomunistas — exatamente como o primeiro dentre
eles.
Tudo isso criava uma situação na qual governos não
comunistas, simpáticos não tanto ao comunismo mas aos comunistas — é um
modo velado de ser pró-comunista — queriam uma aproximação com Cuba,
mediante a permanência de Fidel Castro no governo e pequenas concessões,
como, por exemplo, permitir que turistas norte-americanos e de outros
países pudessem ir veranear em Cuba. E também a abertura de um certo
comércio: lojinhas, armazenzinhos, restaurantezinhos.
Cuba passou a ser uma nação que, debaixo de certo
ponto de vista, parecia muito ambiguamente estar evoluindo rumo a uma
ocidentalização, e portanto a uma semi-descomunistização.
Com isto, a possibilidade de Fidel Castro ser jogado
no chão, como tinham caído os próprios magnatas do regime comunista da
Rússia, ficava empurrada para as calendas gregas. Era portanto a
perpetuação de um regime de tapeação em Cuba.
Entretanto, havia nesses governos norte, centro e
sul-americanos, a preocupação de não apressar uma reconciliação completa
com Cuba, para não ficarem, eles, desmoralizados nos respectivos países.
Resumindo o quadro, ao governo de Cuba convinha
simular uma espécie de liberalização para, por esta forma, obter a boa
vontade dos países ocidentais, e com essa boa vontade obter subvenções,
riquezas, ajudas, comodidades diplomáticas de várias ordens, e, portanto,
mais solidez do governo comunista.
Por outro lado, aos governos americanos convinha que
a oposição a Cuba fosse decrescendo aos poucos, supondo caminhar devagar
na tendência para uma reconciliação completa, para evitar um processo de
“cristalização” (ou seja, de rejeição) da opinião pública dos respectivos
países.
Há um velho ditado português que formula o seguinte:
"Dize-me com quem andas que te direi quem és". O risco seria
dizerem deles: "Dizei-me a quem quereis favorecer e nós vos diremos
quem sois"
Em última análise, foi nessa situação que se fez a
reunião da Cúpula das Américas em Miami [131].
2. Necessidade de denunciar o jogo para tentar frustrar a manobra
Eu estava convicto de que essa transformação do
comunismo cubano num pseudo-capitalismo seria o que de mais nocivo pudesse
haver para a reação anticomunista no mundo, e portanto para a civilização
ocidental.
Uma vez que isto era assim, o que poderia fazer a
TFP?
Eu tinha como certo que, a partir do momento em que
se dissipasse a cortina de terror policial que Fidel Castro espalhou entre
Miami e o território cubano, os cubanos ricos, bem instalados nos Estados
Unidos, iriam ávidos para Cuba.
E Cuba se encheria desses cubanos consumistas, que
souberam trabalhar, souberam fazer dinheiro, e por causa disso queriam uma
compensação e uma vida normal que a saúde humana e as apetências do homem
equilibrado podem satisfazer.
Se eles encontrassem a verdadeira Cuba, sem baton,
sem creme, sem pó-de-arroz, sem disfarces, mas apenas com a sua face
trágica e pobre, eles iriam ficar indignados e o vozerio promovido a
partir de Cuba iria em última análise ajudar a desmascarar a mentira
comunista.
Se, pelo contrário, o bluff fosse bem
preparado e o jogo da mentira, com seus inigualáveis artistas, soubesse
preparar uma tapeação cubana, então a manobra iria ser diferente e nós
teríamos mais um pseudo-argumento a favor da idéia de que o comunismo não
era tão ruim assim.
Então, era preciso elaborar um manifesto que
desvendasse esse jogo todo [132].
Esse manifesto tinha de ser ajustado, evidentemente,
ao programa dessa Cúpula.
3. TFPs apresentam “Agenda de problemas continentais”
Foi dentro desse quadro geral que delineei o
manifesto para as TFPs do Continente, o qual tomou o título
As Américas
rumo ao 3° milênio: convicções, apreensões e esperanças das TFPs do
Continente. Esse manifesto foi apresentado na forma de uma Agenda
de problemas continentais*.
* Esta “Agenda
de problemas continentais” foi publicada no dia 9 de dezembro de 1994
no Diário Las Américas, de Miami, no Washington Times, na
Folha de S. Paulo; no El Mercurio, de Santiago do Chile e no
El Universal da Venezuela.
Ele foi subscrito
pelos presidentes das TFPs das três Américas, então existentes na
Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Estados
Unidos, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. O texto completo pode ser
consultado na revista
Catolicismo n° 528, dezembro de 1994.
O documento não
tratava apenas da questão cubana. Ele manifestava, por exemplo, a
preocupação com a hábil metamorfose operada, após a queda do muro de
Berlim, por numerosas figuras da extrema-esquerda. Estas figuras, sem
renegar seu passado e suas metas igualitárias, apenas mudaram de rótulos e
métodos de ação, e assim alcançaram importantes posições políticas no
Continente.
Tratava também da
utilização do poder político por parte dessas figuras, no sentido de
promover uma verdadeira revolução cultural que anestesiava as reações
sadias, ao mesmo tempo que desferia golpes radicais contra os princípios
básicos da civilização cristã.
Abordava ainda o
potencial destrutivo e detonador de caos socioeconômico que vinham
demonstrando, na América Latina, grupos terroristas e guerrilheiros
apoiados em conexões internacionais, de que são exemplos atuais as Farcs,
na Colômbia, o EPP (Exército do Povo Paraguaio), no Paraguai, o Sendero
Luminoso, que continua a atuar no Peru e ainda outros.
O manifesto também
deplorava as inconcebíveis pressões de alguns organismos internacionais e
setores sociais de várias nações do Continente em favor do aborto e do
controle da natalidade, de reivindicações feitas pelos movimentos
homossexuais, do divórcio, do concubinato, da eutanásia e de outras
medidas que conduziam à extinção da família e fazia ainda várias outras
considerações do gênero.
* *
*
Esse documento, evidentemente, não era feito para
convencer os políticos. Era para ser lido e comentado pelo público, para
este ver o quanto os políticos estavam afastados do caminho autêntico que
tomava a população.
Ele convidava os participantes da Cúpula de Miami a
adotarem, com a indispensável urgência, medidas políticas, econômicas e
publicitárias próprias a viabilizar a imediata normalização da situação do
povo cubano [133].
4. Um hino de esperança e de fé ao término do documento
Terminávamos o nosso manifesto da seguinte maneira:
“As TFPs das três
Américas afirmam sua profunda convicção de que, quando os homens resolvem
cooperar com a graça de Deus, o desenrolar da História gera maravilhas: é
esta a lição que nos foi legada pela Europa pré-medieval e medieval, a
qual, a partir de populações latinas decadentes e de hordas de invasores
bárbaros, chegou, sob todos os pontos de vista, a um nível religioso,
cultural e econômico sem precedentes.
“[E]
manifestam portanto a certeza de que, para além das tormentas morais, das
dificuldades materiais e das ciladas de toda ordem que vão sendo
preparadas no Continente pelos inimigos da Igreja e da civilização cristã,
haverá nas Américas um ressurgir da Cristandade, de acordo com o previsto
por Nossa Senhora em Fátima, em 1917, quando anunciou: Por fim, o meu
Imaculado Coração triunfará!” [134]
Esta certeza e esperança fecham também esta nossa
narrativa.
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